Artigo: O uso doméstico do oxímetro na pandemia de Covid-19
Por Teresa Cristina Borges (*)
A corrida pela compra na internet de oxímetros, um pequeno aparelho que pode ser usado em casa para medir os níveis de oxigenação no sangue, começou a ocorrer depois que médicos constataram que as características da pneumonia causada pela Covid-19 são diferentes de todas as outras características de outras pneumonias. O que é o oxímetro, porque ele começou a ser muito procurado e os prós e contras de utilizá-lo em casa é o que você vai ler neste texto.
No dia vinte de abril, um artigo no New York Times assinado pelo Doutor Richard Levitan[1], médico especialista em emergências em Littleton, Nova York causou grande impacto entre a área médica, jornalistas e a população mundial. O artigo foi replicado, comentado e criticado em todo o mundo e culminou em uma corrida pela compra de oxímetros, medidores dos níveis de oxigenação no sangue que são comercializados para uso inclusive doméstico.
O artigo de Levitan aborda os sintomas “sutis” ou invisíveis da Covid-19 que induzem os pacientes a procurar ajuda hospitalar quando o nível de saturação de oxigênio no sangue está demasiadamente crítico, levando o paciente à intubação imediata e, portanto, colocando-o em maiores riscos. Segundo o médico Carlos Carvalho, chefe da UTI respiratória do Hospital das Clínicas de São Paulo, em entrevista para o podcast “O assunto”[2], o pulmão de diferentes indivíduos responde de forma diferente ao vírus e estas respostas até o momento podem ser separadas em grupos. Um desses grupos é caracterizado por paciente que demoram mais a sentir os efeitos da baixa oxigenação, chegando ao hospital com o pulmão extremamente inflamado e comprometido, com nível de oxigênio no sangue em torno de 50%, ou seja, seriam pacientes cuja evolução dos efeitos do vírus se dá de forma lenta e gradual.
Em outro grupo observado, os exames de raio x do pulmão apresentam pouca alteração, mas a taxa de oxigênio tende a cair drasticamente em pouco tempo, ou seja, há uma desproporção entre a imagem do raio x e o nível de saturação de oxigênio no sangue. Segundo o médico, isso se deve a uma obstrução na corrente sanguínea ou a uma obstrução nos capilares pulmonares. Desta forma, existe a circulação de ar no espaço pulmonar mas este ar não chega ao seu destino: o sangue. Um terceiro grupo apresenta evolução proporcionalmente observada em raio x e nos níveis de oxigênio, porém, além da pneumonia causada pelo vírus, estes pacientes apresentam pneumonia bacteriana em virtude da presença de bactérias que estão na garganta e escorrem para o pulmão.
É uma constante a observação pela equipe médica de diversos hospitais a respeito da pneumonia causada pelo Covid-19 possuir características diferentes das pneumonias já tratadas até então. Relatam-se muitos casos em que o paciente chega ao hospital falando ao celular, conversando normalmente e inclusive reagindo com resistência à internação. Foi o que descreveu a médica Clarisse Melo em entrevista à BBC News Brasil[3]. Ela trabalha em um hospital particular no Rio de Janeiro e sua busca por explicações a levou à um estudo liderado pelo anestesiologista Luciano Gattinoni da Universidade de Gottingen na Alemanha. Neste estudo, 50% dos 150 pacientes apresentaram oxigenação abaixo do normal enquanto o pulmão permanecia com sua complacência em bom estado. A complacência é a capacidade do pulmão em expandir-se e é um quadro quase nunca visto em pneumonias tratadas até então.
Levitan recomenda em seu artigo que haja uma revisão do discurso de recomendação à população quanto ao momento de procura de ajuda médica, uma que vez que tem sido frequente o aspecto tardio desta procura. A recomendação seria que o próprio indivíduo pudesse medir seu nível de oxigenação em casa através deste aparelho denominado “oxímetro” que, no Brasil, pode ser adquirido pelo custo de R$150 a R$400 dependendo do modelo e é acessível à compra pela internet em sites de varejo de produtos diversos e outros da área médica. Pelo menos assim o era até a ampla divulgação do artigo de Levitan e sua réplica inclusive em programa televisivo de expressiva audiência dominical. Atualmente o preço de um oxímetro básico subiu cerca de 33% e os demais modelos encontram-se esgotados em última consulta realizada na data de 01 de maio em diversos sites de compras.
Porém, parece que a equação não é tão simples e médicos no Brasil manifestaram-se contrários ao uso doméstico do oxímetro por razões diversas, como: a leitura adequada do aparelho necessita de orientação médica, o uso massivo pela população não seria possível tanto pela quantidade disponível no mercado quanto pelo custo da unidade, pessoas com doença crônica necessitam mais do aparelho e passam a encontrar dificuldade de comprá-lo, apenas a leitura feita pelo oxímetro não indica Covid-19 e nem seu agravamento.
Segundo o pneumologista do Hospital Israelita Albert Einstein entrevistado pelo Jornal Folha de São Paulo[4] a recomendação pública do aparelho seria complicada, pois ele não é acessível a grande parte da população e no hospital a medição do nível de oxigenação é avaliada junto com exames de imagem do pulmão. O nível de oxigenação considerado preocupante para o médico seria abaixo de 94%, já para o médico Carlos Carvalho no podcast citado, o sinal vermelho para a leitura do oxímetro estaria abaixo de 91% e acima disso o paciente estaria no que ele chamou de sinal amarelo, estando em nível normal entre 97 e 100%. Não existe um número fixo, mas entre os médicos a faixa consensual de extrema atenção estaria abaixo de 95%, quando o paciente deveria ficar em observação e monitoramento.
Foi o que aconteceu com Daniela Queiróz, residente de São Bernardo o Campo. Ela apresentou sintomas de gripe e adquiriu um oxímetro para a medição caseira. Com o acompanhamento médico, Daniela realizava a medição diversas vezes por dia e relata: “Comprei em uma farmácia on-line. O mínimo que eu tive de oxigenação foi 94%, mas a médica que estava me acompanhando falou que eu deveria ir para o hospital só se tivesse menos de 93% e eu media todo dia, várias vezes por dia. Foi minha salvação, se não, eu teria ido para o hospital sem precisar”.
Esta orientação vai ao encontro do que responde o pneumologista André Nathan do Hospital Sírio-Libanês[5]. Segundo o médico o uso do oxímetro em casa pode ser benéfico para o paciente que é orientado por um médico ou tenha acompanhamento junto a um profissional da saúde, pois a interpretação equivocada do resultado pode levar o indivíduo a procurar o hospital sem necessidade, aumentando o risco de infecção pelo coronavírus. Ele observa que o contrário também é possível acontecer, a pessoa sentir a falta de ar, mas a oxigenação estar normal. Neste caso, é preciso avaliar se os outros sintomas da doença estão presentes, como a febre, tosse, dores de cabeça e no corpo, além da coriza. Neste caso, é necessário a busca por atendimento hospitalar mesmo que a oxigenação no sangue esteja normal. Para ele, a compra do produto deve ser preferencialmente feita para pacientes do grupo de risco e com orientação médica.
Mauro Gomes, pneumologista do Hospital Samaritano e professor da Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo, em entrevista ao Jornal O Estado de Minas[6] concorda com a opinião do colega: a compra deve ser feita por pacientes com doenças pré existentes e sob orientação médica.
Para aqueles que desejam ter ajuda em casa, o Ministério da Saúde disponibiliza um número de whatsapp que auxilia no monitoramento dos sintomas. O número disponível, segundo informações oficiais é o (61)9938-0031. Quando você acessa o serviço via aplicativo, uma mensagem automática aparece com um menu de opções para que você responda que serviço é desejado, as opções vão de informações sobre tratamentos até verificação de sintomas. Ao clicar na opção que verifica sintomas, a pergunta que surge para ser respondida é: “Você está com febre acima de 37,8?”. Ao responder com a opção “não”, surge a mensagem: “Certo, entendi. Pelo que você me falou, você não parece estar com o novo coronavírus. Nos procure se algum sintoma mudar ou surgir. Digite M para voltar ao menu principal”.
Para o médico pneumologista também do Hospital Albert Einstein, José Eduardo Afonso Jr.[7]: “Nunca um paciente com Covid vai ter como primeiro sintoma a queda na oxigenação do sangue”. Levitan faz as mesmas ressalvas com relação ao uso do oxímetro em seu artigo: “É possível que um monitoramento domiciliar possa lhe dar um resultado falso ou ser usado incorretamente, levando o paciente a procurar ajuda desnecessariamente. Se você ou alguém na sua residência apresentar um resultado muito baixo, você deve testar seu aparelho em uma pessoa saudável para confirmar se está funcionando corretamente e discutir isso com o seu médico. Monitoramento em casa não deve lhe dar uma falsa sensação de segurança, não ignore sintomas físicos mesmo se o seu nível de oxigenação estiver bom. Você deve procurar um médico se você tiver falta de ar, febre alta, confusão ou outro sintoma preocupante. O benefício do monitoramento é que isso pode potencialmente sinalizar uma queda da sua saúde respiratória antes que você perceba.”[8]
Apesar de todos os aspectos do artigo de Levitan irem ao encontro do que se tem relatado na área médica ao redor do mundo, ainda não existe comprovação ou orientação para a utilização do aparelho no auto diagnóstico da doença.
Vale ressaltar que, em pesquisa no site da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), encontra-se nota[9] que afirma: “A SBPT não recomenda o uso irrestrito de oxímetro domiciliar para monitorização da saturação de oxigênio durante a pandemia de Covid-19. Como não há estudos científicos sobre a referida monitorização em pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de Covid-19, sugerimos que a decisão sobre usar ou não usar monitoração por oximetria domiciliar fique a cargo do médico que assiste o doente. Não existe indicação do uso de oxímetro domiciliar em indivíduos sem doenças pulmonares crônicas ou como método de diagnóstico precoce da Covid-19”.
[1] https://www.nytimes.com/2020/04/24/well/live/coronavirus-pulse-oximeter-oxygen.html
[2] O podcast está disponível nas plataformas digitais de áudio: G1, Spotify, Google Podcasts, Apple Podcasts e Castbox.
[3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52407454
[4] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/oximetro-que-mede-oxigenio-no-sangue-pode-ajudar-em-caso-de-covid-19-mas-com-ressalvas.shtml
[5] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/oximetro-que-mede-oxigenio-no-sangue-pode-ajudar-em-caso-de-covid-19-mas-com-ressalvas.shtml
[6] https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/04/30/interna_nacional,1143211/busca-de-oximetro-cresce-e-preocupa-especialistas.shtml
[7] https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/04/30/interna_nacional,1143211/busca-de-oximetro-cresce-e-preocupa-especialistas.shtml
[8] Tradução da autora a partir do site: https://www.nytimes.com/2020/04/24/well/live/coronavirus-pulse-oximeter-oxygen.html
[9] https://sbpt.org.br/portal/wp-content/uploads/2020/02/oximetro_sbpt_covid.pdf
*Teresa Cristina Borges é consultora da Comissão Social na Câmara Municipal de São Paulo