Parecer n° 141/2016

Parecer nº 141/2016
Processo nº 468/2016
TID xxxxxxxxxxxx

Assunto: xxxxxxxxxxx – inscrição no CADIN – inscrição em curso– possibilidade

Srª. Procuradora Legislativa Supervisora,

Os autos foram encaminhados por SGA.2 para análise e manifestação, tendo em vista as tratativas de inscrição de servidores no Curso de Geoprocessamento TerraView Política Social, promovido pelo xxxxxxxxxxxx por meio do xxxxxxxxxxxxxxxxx.
Todas as formalidades relativas ao mérito da inscrição dos servidores no curso em questão foram cumpridas, com a justificativa do requerimento e manifestação de SGA.1, avalizando a conveniência e oportunidade da requisição.
Ocorre que a consulta ao Cadastro de Informações Municipais – CADIN, aponta 2 pendências do xxxxxxxxxxx (cópia anexa), relativamente ao departamento fiscal da Secretaria de Negócios Jurídicos.
Suscita-se dúvida, neste passo, quanto à possibilidade de inscrição de servidores em curso promovido pelo xxxxxxxxxxx, em razão das pendências apontadas em consulta ao Cadin. Isto porque a Lei Municipal nº 14.094/05, assim dispõe:

“Art. 3º A existência de registro no CADIN MUNICIPAL impede os órgãos e entidades da Administração Municipal de realizarem os seguintes atos, com relação às pessoas físicas e jurídicas a que se refere:
I – celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam o desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros;“

A matéria se insere no tema de exigências passíveis de serem adotadas pelo Poder Público ao licitar e contratar, matéria esta que tem sede constitucional. Assim, há de ser analisada e interpretada tendo em conta não apenas o dispositivo legal retrotranscrito, como também o conjunto de normas federais e municipais que regem a matéria. Além disso, convém ter em conta os elementos pertinentes ao caso concreto em exame.
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Em matéria de exigências para participações em certames e contratações públicas, a Constituição Federal é clara: as contratações serão em regra precedidas de licitação nos termos da lei, a qual somente permitirá as condições técnicas e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI).
A lei federal que estabelece normas gerais em matéria de licitações e contratos – Lei nº 8.666/93 – regulamenta o dispositivo constitucional autorizando exigências máximas. Concretamente, o art. 29, ao aludir à documentação relativa à regularidade fiscal admite que o órgão licitante exija, conforme o caso, prova de inscrição no cadastro de contribuinte municipal, pertinente ao ramo de atividade compatível com o objeto da licitação (art. 29, II) e comprovação de regularidade perante a Fazenda Municipal (art. 29, III).
Em consonância com a Constituição Federal e as normas gerais de licitações e contratos, no Município de São Paulo, a Lei nº 13.278/02, assim dispõe:
“Art. 23 – As exigências máximas para habilitação nas licitações no âmbito do Município de São Paulo são aquelas previstas na legislação federal, observado, no que couber, o previsto nesta seção.
Art. 24 – O Poder Executivo regulamentará a apresentação de documentos necessários e aptos a comprovar a regularidade fiscal dos licitantes.
Art. 25 – Os licitantes que estejam em débito para com a Fazenda Municipal poderão ser considerados habilitados desde que comprovem a suspensão da exigibilidade do crédito.

Esta Lei Municipal foi regulamentada pelo Decreto nº 44.279/03 – adotado pelo Ato da Mesa diretora da Câmara Municipal de São Paulo de nº 878/05 – , que, ao dispor sobre a exigência de regularidade fiscal para participações em licitações assim dispôs:
“Art. 37. Nas modalidades de concorrência pública e tomada de preços, para fins de demonstração da regularidade fiscal dos licitantes, deverão ser exigidos documentos que comprovem:

V – regularidade perante a Fazenda do Município de São Paulo, quanto aos tributos relacionados com a prestação licitada;”

E, considerando as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação, o mesmo Decreto assim dispôs:
“Art. 40. Na celebração de contratos por dispensa ou inexigibilidade de licitação, exigir-se- ão do contratado, apenas, os documentos que comprovem:

III – regularidade perante a Fazenda do Município de São Paulo, quanto aos tributos relacionados com a prestação licitada…;”
Todavia, a Lei Federal nº 10.522/02 veio a dispor sobre Cadastro Informativo dos créditos não quitados no âmbito federal, aludindo à necessidade de consulta prévia a este Cadastro para celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos (art. 6º, inc. III).
Segundo Marçal Justen Filho, “a lei nº 10.522 determinou que a existência de qualquer dívida perante entidades da Administração Federal seria comunicada ao CADIN e, como decorrência, impediria a celebração de contratos (e, mesmo, convênios), com qualquer ente da Administração Pública Federal” .
O mesmo autor pondera a respeito: “A ampliação desmedida das exigências de regularidade de contratação infringe os princípios da proporcionalidade e da República, acarretando a redução da competitividade, além de caracterizar claro desvio de finalidade. Se a própria Constituição determinou que os requisitos atinentes à habilitação seriam os mínimos necessários à garantia dos fins buscados pelo Estado, afigura-se que a disciplina da Lei nº 10.522 é inconstitucional.(…) De qualquer modo, o tema exige interpretação conforme, apta a eliminar os defeitos mais evidentes” .
Por outro lado, cabe realçar, como assinalado na própria ementa desta lei – dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências – que a mesma é lei nacional, isto é – aplicável, em princípio, apenas à esfera da União -, não alcançando os órgãos e entidades das esferas estaduais e municipais.
Todavia, no Município de São Paulo, a Lei nº 14.095/05, que conforme sua ementa, “cria o Cadastro Informativo Municipal – CADIN MUNICIPAL”, foi além do quanto disposto na correlativa lei nº 10.522/02.
A Lei municipal nº 14.094/05, como já mencionado, assim dispõe:

“Art. 3º A existência de registro no CADIN MUNICIPAL impede os órgãos e entidades da Administração Municipal de realizarem os seguintes atos, com relação às pessoas físicas e jurídicas a que se refere:
I – celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam o desembolso, a qualquer título, de recursos financeiros;“

E há um outro aspecto: o Decreto Municipal nº 47.096/06, que a regulamentou, indica que são pendências passíveis de registro no CADIN não apenas obrigações pecuniárias relativas a tributos ou contribuições, mas também multas não tributárias, inclusive de trânsito.
É certo que caberia aprofundar na legalidade e constitucionalidade de tais normas. Todavia, para o deslinde do caso concreto, limito-me a apontar alguns elementos específicos que me parecem relevantes para a análise, quais sejam:
1. No caso em exame, a entidade a ser contratada pela Administração, para a simples inscrição de servidores em um curso, comprova a sua regularidade fiscal em certidão emitida pelo Município.
2. O cadastro de informações indica pendências – de natureza fiscal – em aparente contradição com a certidão apresentada. Sendo que – como visto – até multa de trânsito poderia ser suficiente para indicar débitos com o Município.
Tendo em vista o disposto na Constituição Federal, nas normas gerais de licitações e contratos, e nas normas municipais relativas a licitações e contratos, bem como as condições específicas da entidade a ser contratada, e a finalidade da contratação (inscrição em curso), cabe ponderar que:
a) as exigências de regularidade fiscal para contratações públicas se inscrevem em princípio constitucional que impõe limite às exigências cabíveis – suficientes para garantir as obrigações de pagamento;
b) a Lei Federal de Licitações ressalta que a documentação relativa à regularidade fiscal será exigida conforme o caso e consistirá em prova de inscrição de contribuinte pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto da licitação (art. 29, II) e em regularidade fiscal para com a Fazenda Municipal (art. 29, III);
c) a Lei Municipal que regulamenta a Lei Federal de Licitações (Lei nº 13.278/02) e respectivo Decreto (nº 44.279/03) também impõem como regra a prova de regularidade fiscal perante a Fazenda do Município de São Paulo, quanto aos tributos relacionados com a prestação licitada.
Nesse passo, a disposição da outra Lei Municipal, de nº 14.094/05, vem a expressar que a existência de registro de pendências no CADIN impede a contratação.
Ora, a inexistência de pendências no Cadastro de Informações Municipal- CADIN faz sentido como uma forma de comprovação de inexistência de débitos, forma ágil e de fácil consulta. A certidão de regularidade emitida pela Prefeitura também é uma forma de comprovação de inexistência de débitos referentes a tributos mobiliários municipais.
Se há discrepância entre as duas formas de comprovação, podem-se aventar as seguintes hipóteses: a) a certidão foi emitida indevidamente; b) há um erro no cadastro; c) as pendências não se referem a tributos mobiliários municipais, mas a outros tipos de débitos perante o Município.
A primeira hipótese – certidão emitida indevidamente – não é coerente com o conjunto de elementos. Consta nos autos a troca de e-mails juntada às fls. 15/19, nas quais o xxxxxxxxxxxxxx alude ao fato de ser entidade sem fins lucrativos, de caráter educacional e cultural, inclusive reconhecida como tal no âmbito municipal, estando, em princípio, imune ou isenta de tributação do ISS. Além de aduzir tal argumento, a entidade menciona decisão judicial favorável à sua causa, que indica a suspensão de exigibilidade de créditos tributários municipais (cópia de fls. 20/22). Finalmente, foi juntada a certidão de regularidade emitida recentemente pela Secretaria de Finanças, indicando todos os tributos abrangidos, sejam impostos ou taxas municipais (doc. de fls. 26). Presume-se, pois, a regularidade fiscal com robustos argumentos.
A segunda hipótese – erro de cadastro – é aventada pela entidade na troca de e-mail de fls. 15/19. É uma hipótese plausível, mas não comprovada.
A terceira hipótese – as pendências não se refeririam a tributos mobiliários municipais – também é plausível e recomenda que passemos a uma outra ordem de considerações.
Como pondera Carlos Maximiliano, não se interpreta a lei de cunho fiscal tendo em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco apenas a da Fazenda: “O cuidado do exegeta não pode ser unilateral: deve mostrar-se equânime o hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo, ocasional, contraste. Não atente somente à letra, nem se deixe dominar pela preocupação de restringir; resolve de modo que o sentido prevaleça e o fim óbvio, o transparente objetivo seja atingido. O escopo, a razão da lei, a causa, os valores jurídico-sociais (ratio legis, dos romanos) influem mais do que a linguagem, infiel transmissora das ideias ”.
Nesse esforço – buscar os fins visados pela norma – parece-me importante ter em conta que a indicação de pendência em um cadastro é, como apontado, uma questão de forma, e não de fundo. Obviamente, a existência de um sistema de cadastro com informações integradas e de fácil consulta facilita o órgão público, em sua função de garantir a regularidade fiscal daqueles que com ele licitam ou contratam. Por isto mesmo, parece razoável a regra inscrita no âmbito da Administração federal – Lei nº 10.522/02 -, que, ao criar o Cadastro, exigiu dos órgãos federais a consulta ao mesmo, previamente à contratação. Trata-se de uma forma ágil de orientar os procedimentos administrativos.
Já a Lei Municipal nº 14.094/05 orientou-se no sentido de erigir como causa de impedimento para contratar com a Administração municipal o fato de a consulta ao cadastro de informações indicar pendência. Pergunta-se: cabe interpretar que a lei criou uma presunção absoluta – iuris et de iuri – que em todo e qualquer caso impediria a contratação de empresa ou entidade no Município, pelo fato de o cadastro indicar pendência, independentemente da natureza do débito ou da existência de prova de regularidade fiscal por outros meios admissíveis em direito? Parece-me que não. Tal interpretação seria contrária aos princípios gerais de direito e aos princípios aplicáveis ao assunto em comento. A forma, com efeito, está em função do fundo, e não o contrário. Cabe buscar uma interpretação conforme à Constituição. O fim visado pela norma deve ser lido em consonância com o sistema jurídico como um todo.
Para corroborar o entendimento, podem servir de inspiração as palavras de Carlos Maximiliano: a incompatibilidade implícita entre duas expressões de direito não se presume; na dúvida, se considerará uma norma conciliável com a outra. O intérprete há de se inspirar em alguns preceitos diretores, formulados pela doutrina, entre os quais elenca :
a) Tome como ponto de partida o fato de não ser lícito aplicar uma norma jurídica senão à ordem das coisas para a qual foi feita;
b) Apure o intérprete se é possível considerar um texto como afirmador de princípio, regra geral; o outro, como dispositivo de exceção; o que estritamente não cabe neste, deixa-se para a esfera de domínio daquele;
c) Se uma disposição é secundária ou acessória e incompatível com a principal, prevalece a última;
d) prefere-se o trecho mais claro, lógico, verossímil, de maior utilidade prática e mais em harmonia com a lei em conjunto, os usos, o sistema de Direito vigente e as condições normais da coexistência humana. Sem embargo da diferença de data, origem e escopo, deve a legislação de um Estado ser considerada como um todo orgânico, exequível, útil, ligado por uma correlação natural.
No caso, a interpretação conforme à Constituição, bem como a prova de regularidade fiscal mediante certidão emitida pelo Município, devem prevalecer, a meu ver, sobre a indicação de pendências não especificadas no Cadastro de Informações. Com efeito, pode-se afirmar que a entidade a ser contratada – xxxxxxxxxxxx – fez prova de regularidade fiscal, em consonância com os princípios da lei maior e das normas gerais e municipais específicas, orientadoras da matéria.
Assim, é plausível supor que as pendências indicadas no Cadin ou correspondem a erro de cadastro, ou não guardam relação com a contratação visada. Neste cenário, o impedimento a priori da contratação, por haver indicação de tais pendências no Cadastro, seria contrário aos princípios da Constituição (art. 37, inc. XXI), à Lei nº 8.666/93 (art. 29, II, in fine e art. 29, III), à Lei Municipal que dispõe sobre normas específicas de licitações e contratos (Lei nº 13.278/02, art. 23) e ao Decreto Municipal nº 44.279/03 (art. 37, V; art. 40, III).
Por esta razão, não vejo óbice à inscrição de servidores no curso promovido pela instituição, ainda que o Cadin indique pendências. Solução contrária, no caso em exame, faria prevalecer a forma sobre o fundo, e aplicar uma norma acessória e secundária em contraste com o contexto geral à qual se ordena, quais sejam os princípios constitucionais e legais orientadores das contratações públicas.
Ressalto, todavia, que são os elementos específicos dos autos que permitem dar, com segurança, esta orientação. Tive em conta os robustos elementos de comprovação da regularidade fiscal da entidade, bem como a finalidade visada pela contratação – inscrição de servidores em curso específico. Não se trata de presumir inconstitucionalidade ou ilegalidade na lei municipal que instituiu o CADIN e exigiu atenção específica. Trata-se, tão somente, de analisar a exigência à luz do caso concreto e de todos os elementos dos autos, além do recurso aos princípios gerais de direito, entre os quais – não é demais lembrar – o princípio da razoabilidade.
É a manifestação, que submeto à criteriosa apreciação superior.
São Paulo 5 de maio de 2016

Maria Nazaré Lins Barbosa
Procuradora Legislativa – OAB/SP nº 106.017