Parecer n° 186/2011

Parecer n° 186/2011
TID nº XXXXXXXXXXXXX
Assunto: Consulta sobre requisição judicial de prontuário médico
Interessado: Departamento Médico da Câmara Municipal de São Paulo
Sr. Procurador Legislativo Supervisor:

Trata-se de consulta encaminhada pela Secretaria Geral Administrativa acerca de requisição judicial nos autos de uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável proposta por XXXXXXXXXXXXXX em face do Espólio de XXXXXXXXXXXXXX, já falecido e cujo prontuário médico encontra-se sob a guarda do Departamento Médico da Câmara Municipal de São Paulo.

Primeiramente, deve-se registrar que o Código de Ética Médica, em seu artigo 102, consagrando o dever do sigilo profissional, estabeleceu a seguinte vedação aos médicos:

“Art. 102 Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.

Parágrafo único: Permanece essa proibição:

a) Mesmo que o fato seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido.

b) Quando do depoimento como testemunha. Nesta hipótese o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.”

Seguindo essa vedação de violação do sigilo profissional, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM nº 1605/2000, cujos artigos 1º, 5º, 6º e 8º assim estabelecem:

“Art. 1º O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.”

“Art. 5º Se houver autorização expressa do paciente, tanto na solicitação como em documento diverso, o médico poderá encaminhar a ficha ou prontuário médico diretamente à autoridade requisitante”.

“Art. 6º O médico deverá fornecer cópia da ficha ou do prontuário médico desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal ou Regional de Medicina”.

“Art. 8º Nos casos não previstos nesta resolução e sempre que houver conflito no tocante à remessa ou não dos documentos à autoridade requisitante, o médico deverá consultar o Conselho de Medicina, onde mantém sua inscrição, quanto ao procedimento a ser adotado”.

Por outro lado, a despeito dessa vedação determinada pela Resolução supra aludida, o Código de Processo Civil, em seu artigo 362, ao tratar da exibição de documento ou coisa, estabelece:

“Art. 362 Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz lhe ordenará que proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência”. (grifo nosso)

O Artigo 363, por sua vez, excepciona algumas hipóteses em que o terceiro estaria liberado do dever de apresentar um documento requisitado por autoridade judicial:

“Art. 363 A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa:

(…)

IV – se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo”. (grifo nosso)

Por fim, o Código Penal típifica a conduta de violação de segredo profissional:

“Art. 154 Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) ,esses a 1 (um) ano, ou multa.”
Confrontando todos os dispositivos acima aludidos, a jurisprudência tem admitido a possibilidade de exibição de prontuário médico em apenas cinco hipóteses:

i) justa causa;

ii) dever legal;

iii) expressa autorização do paciente; e

iv) quando se tratar de processo judicial criminal, possibilidade esta prevista no artigo 4º da Resolução CFM nº 1605/2000.

v) notificação compulsória de moléstia contagiosa, nos termos do artigo 269 do Código Penal.

O presente caso, no entanto, não caracteriza nenhuma das hipóteses acima. Não se trata de justa causa, tampouco dever legal, havendo, ao contrário, a previsão de escusa pelo próprio Código de Processo Civil. Impossível, outrossim, obter a expressa autorização do paciente, uma vez que falecido em 16 de maio de 2009. Ademais, trata-se de uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável, não constituindo, portanto, processo judicial criminal, nem mesmo um processo envolvendo a notificação compulsória de moléstia contagiosa.

Eis a jurisprudência sobre o tema:

“Segredo Profissional – Impedimento legal ao atendimento de requisição judicial de documentos – Ficha clínica e relatório médico de paciente requisitados a hospital visando a instruir inquérito policial – Não equivalência a “justa causa” para a revelação, como tal entendidas as hipóteses de consentimento do ofendido, denúncia de doença cuja notificação é compulsória, estado de necessidade e exercício regular do direito – Exigência sob pena de busca e apreensão e ameaça de processo por crime de desobediência que implica violação de direito líquido e certo – mandado de segurança concedido (TJSP/ RT 668/280).”

“Mandado de Segurança – Impetrado contra ato judicial requisitando a remessa do prontuário médico de paciente do hospital impetrante – Cabimento – Documentação protegida pelo sigilo profissional – Inocorrência das hipóteses do artigo 269, do Código Penal – Violação a direito líquido e certo de que é titular caracterizada – Dispensa do cumprimento da requisição – Segurança concedida (MS nº 327.306-3 – Praia Grande – 1ª Câmara Criminal – Des. Rel. Jarbas Mazzoni, 12.02.01)

“Mandado de Segurança – Ato judicial – Requisição de remessa de prontuário médico de paciente de nosocômio, com a finalidade de instruir investigação policial em curso – Documentação protegida pelo sigilo profissional – Legitimidade da recusa no oferecimento das informações – Possibilidade, no entanto, de consulta por perito judicial devidamente compromissado – Ordem concedida (JTJ 243/381).

“Segredo profissional. A obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das particularidades de cada caso.
A revelação do segredo médico em caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente. Na espécie o hospital pôs a ficha clínica à disposição de perito médico, que ‘não estará preso ao segredo profissional, devendo, entretanto, guardar sigilo pericial” (STF: RE 91.218-5, Min. Rel. Djaci Falcão)

“Agravo de instrumento – mandado de Segurança contra ato de promotor de justiça – Competência do juízo de primeiro grau – Requisição de prontuário médico pelo Ministério Público em procedimento investigatório – Recusa do profissional – Concessão de liminar para assegurar o sigilo médico – Admissibilidade – Decisão mantida – Agravo desprovido – O poder de requisitar documentos conferido ao Ministério Público encontra obstáculo no segredo profissional, como é o caso do sigilo médico, instituído pelo Código de Ética Médica, com respaldo constitucional” (TJPR – AI 0118624-7 – Ponta Grossa – 4ª Câmara Cível, 01/07/2002)

“Administrativo. Mandado de Segurança. Quebra de sigilo profissional. Exibição judicial de ficha clínica a pedido da própria paciente. Possibilidade, uma vez que o art. 102 do Código de Ética Médica, em sua parte final, ressalvada a autorização. O sigilo é mais para proteger o paciente do que o próprio médico. Recurso ordinário não conhecido (RMS 5.821/SP – 6ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel)

“Reparação de danos causados por acidente de veículo. Conversão de procedimento sumário em ordinário. Inexistência de prejuízo às partes. Possibilidade de dilação probatória. Indeferimento de pedido de expedição de ofício hospitalar. Caráter de confidencialidade de prontuário médico. Competência do órgão judicial para requerer tal documento. Decisão reformada. Recurso provido”.(TJSP AI nº 990.10.466253-2, Rel. Des. Mello Pinto)

Com fulcro nas razões esposadas e na jurisprudência colacionada e para resguardar o dever do sigilo profissional estabelecido pelo artigo 102 do Código de Ética Médica, bem como tendo em vista que o caso sob análise não configura nenhuma das exceções ao dever de sigilo, opino para que O Departamento Médico da Câmara Municipal de São Paulo oficie à Excelentíssima Juíza de Direito da 2ª Vara Judicial da Comarca de Itanhaém expondo o dever de respeitar o sigilo profissional, bem como o fato de estar resguardado pela escusa prevista pelo artigo 363, inciso IV do Código de Processo Civil e pela Resolução CFM nº 1605/2000, ressalvando que, caso a Excelentíssima Juíza entenda ser o prontuário médico do X imprescindível para a resolução da questão judicial, bem como a apresentação das cópias respectivas não implique qualquer responsabilização nos termos do artigo 154 do Código Penal, esse Departamento prontamente encaminhará as cópias requisitadas.

Dessa forma, o Departamento requerido resguarda-se de eventual configuração do crime de violação de segredo profissional previsto pelo Código de Ética Médica, bem como pela Resolução CFM 1605/2000.

Encaminho em anexo a respectiva Minuta de Ofício.

Em seguida, encaminhe-se o expediente à Secretaria Geral Administrativa.

É o meu parecer, que submeto à elevada apreciação de V.Sa.

São Paulo, 22 de junho de 2011.

Camila Maria Escatena
Procuradora Legislativa
OAB nº 250.806