ACJ – Parecer nº 225/2004.
Ref.: Processo nº 1382/2002
Interessado: Secretaria Geral Administrativa
Assunto: Reconhecimento de firma em contrato administrativo firmado pela Edilidade – Desnecessidade – Providência que não implica em validação do ato jurídico aonde a assinatura foi lançada – Exigência cabível somente quando houver indícios de dúvida ou irregularidade no documento.
Sr. Supervisor,
A diligente SGA-24 percebeu que o 1º Termo de Aditamento ao Contrato nº 23/2003 firmado com a empresa Cetil Soluções Ltda. foi subscrito por pessoas diversas daquelas designadas no preâmbulo do instrumento contratual. As próprias assinaturas lançadas no referido documento permitiram essa constatação, pois, uma delas era legível e, portanto, visivelmente divergente do nome constante no contrato e a outra foi precedida da abreviatura “p.p.”, indicativo de que outra pessoa, diferente da designada no documento, subscreveu o contrato.
A situação ora retratada suscitou a seguinte questão: nos casos em que a assinatura é ilegível, como identificar se quem subscreveu o instrumento contratual tem poderes para representar a empresa?
Uma alternativa seria exigir que os representantes da contratada, munidos com seus documentos de identidade, comparecessem no setor competente e subscrevessem o contrato na presença de um servidor. Obviamente, essa solução foi descartada de plano.
Outra saída seria exigir o reconhecimento de firma nos contratos. Contudo, em face do inexorável avanço tecnológico, notadamente no campo das comunicações e dos negócios jurídicos, que nos dias atuais vêm sendo rotineiramente realizados por meio eletrônico, inclusive pela Administração Pública, nossa primeira impressão pessoal sobre a impropriedade de tal exigência foi, ao final, confirmada pelos estudos realizados acerca dessa matéria. Eis nossas conclusões.
1. DO CONCEITO DE RECONHECIMENTO DE FIRMA
Reconhecer , do latim recognoscere, quer dizer conhecer de novo (quem se tinha conhecido em outro tempo); admitir como certo, legítimo ou verdadeiro; constatar; verificar. Assinatura é o sinal gráfico produzido por uma pessoa para representar seu nome. Assinar , portanto, consiste em subscrever próprio sinal ou nome em documento. Firma é a assinatura por extenso ou abreviada, manuscrita ou gravada. Em acepção notarial, firma é a assinatura ou rubrica usada por uma pessoa para representar graficamente seu nome ou usada por uma pessoa em representação de uma pessoa jurídica.
Desta feita, etmologicamente, reconhecimento de firma poder ser conceituado como o ato de admitir como certa e verdadeira a assinatura lançada num documento.
2. DA COMPETÊNCIA PARA A PRÁTICA DO ATO DE RECONHECIMENTO DE FIRMA
Estatui a Constituição Federal de 1988 que:
“Art. 236 – Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
“§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.”
A Lei Federal nº 8.935, de 18/11/94, que regulamenta o mencionado artigo 236 da Constituição Federal, dispõe o seguinte:
“Art. 6º – Aos notários compete:
…………………………………………..
III – autenticar fatos.
“Art. 7º – Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
………………………………………………………………………………………
IV – reconhecer firmas;
V – autenticar cópias”.
Reconhecimento de firma, portanto, é o ato emanado do tabelião que, dotado de fé pública, declara a certeza da autoria do sinal gráfico lançado em um documento, ou em outras palavras, o tabelião certifica que a assinatura submetida à sua análise partiu do punho da pessoa indicada no documento.
3. DAS ESPÉCIES DE RECONHECIMENTO DE FIRMA
A doutrina notarial classifica o reconhecimento de firma em: a) autêntico ou verdadeiro, quando a assinatura é lançada no documento na presença do tabelião, mediante a identificação de seu autor; ou b) semelhante, quando o tabelião reconhece a similitude entre a assinatura aposta no documento e aquela já existente nos registros arquivados no cartório.
4. DA FINALIDADE DO RECONHECIMENTO DE FIRMA
A mencionada Lei Federal nº 8.935 prescreve que: “Art. 1º – Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”
O § 3º do artigo 1.289 do Código Civil de 1916 possui a seguinte redação: “O reconhecimento de firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade, em relação a terceiros”.
A conjugação da origem das palavras com a dicção legal do artigo 1º da Lei nº 8.935/94 e do § 3º do artigo 1289 do Código Civil revogado permitia afirmar-se que a finalidade do reconhecimento de firma consistia em atribuir ao documento segurança, eficácia e validade perante terceiros.
Desse modo, eventual exigência de reconhecimento de firma nos contratos firmados pela Edilidade teria como objetivo assegurar que o autor da assinatura estampada no instrumento contratual é a pessoa designada no preâmbulo e no fecho do contrato, atribuindo ao ajuste segurança, validade e eficácia perante terceiro.
Entretanto, há dois aspectos que merecem reflexão. A uma, a natureza jurídica dos contratos administrativos. A duas, as sucessivas modificações introduzidas na legislação brasileira que abrandaram sobremodo a relevância de providências desse jaez para a formação do ato jurídico. Senão, vejamos.
Contrato é o acordo de vontades celebrado entre as partes, destinado a criar obrigações e direitos recíprocos. No entanto, a participação do Poder Público no contrato confere um colorido especial ao vínculo, eis que, por força da inafastável busca do interesse público, o respectivo instrumento contratual é dotado de certas características e peculiaridades ou prerrogativas, inexistentes nos contratos firmados entre os particulares.
Uma dessas peculiaridades é a presunção de legitimidade. Hely Lopes Meirelles preleciona que tal presunção permeia todo ato administrativo, “qualquer que seja sua categoria ou espécie” e “decorre do princípio da legalidade da Administração, que, nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental”. Esse atributo visa conferir celeridade e segurança à atuação estatal, possibilitando a imediata execução e operatividade de seus atos, que são considerados válidos, eficazes e produzem todos seus efeitos, até que sobrevenha pronunciamento final que os inquinem de vícios ou defeitos. Realizadas todas as fases e condições estipuladas em lei como necessárias à sua formação, “o ato adquire existência legal, tornando-se eficaz e vinculativo para a Administração que o expediu porque traduz a manifestação da vontade administrativa em forma regular”.
O contrato administrativo, espécie de ato administrativo bilateral que é, nasce, igualmente, revestido de presunção de legitimidade e, por via de conseqüência, para sua formação não se exige o reconhecimento das firmas constantes do respectivo instrumento contratual. Presume-se que as partes foram devidamente representadas no momento da celebração do ato. Tanto é assim que a Lei de Licitações, em seu artigo 55, ao estabelecer as cláusulas essenciais do contrato administrativo, não faz qualquer alusão à necessidade de reconhecimento de firma das assinaturas constantes do instrumento. O artigo 61 da referida lei, que trata da formalização dos contratos administrativos, sequer se refere a essa formalidade.
O entendimento ora vertente está agasalhado pela doutrina do Prof. Diogenes Gasparini : “o encerramento é a parte final do termo de contrato. É o fecho. Nele as partes declaram que por estarem de acordo para os mesmos efeitos e direitos, e, depois da consignação do local e data, apõem suas respectivas. Essas assinaturas devem obedecer à ordem em que as partes são mencionadas no preâmbulo. Ademais, em razão da presunção de legitimidade desse instrumento e da falta de lei genérica, não precisa ter suas firmas reconhecidas, nem tampouco carecem de testemunhas, salvo se uma ou outra dessas exigências estiver contemplada em lei ou ato da entidade contratante” (destaques nossos).
Pois bem, o Regimento Interno desta Edilidade prescreve que “Art. 15: Os contratos de qualquer natureza, que a Câmara Municipal firmar com terceiros, serão assinados pela maioria dos membros efetivos da Mesa, sob pena de nulidade”. As contratações deste Legislativo são regidas pela legislação federal, pela Lei Municipal nº 13.278 e pelo Decreto nº 44.279 . Nenhum desses diplomas legais exige o reconhecimento da firma dos subscritores do instrumento contratual para a formação de contrato celebrado quer pela Edilidade, quer por outro órgão da administração pública municipal.
Desta feita, entendemos dispensável o reconhecimento de firma das assinaturas nos contratos administrativos celebrados pela Edilidade em decorrência da própria natureza dessa espécie de vínculo jurídico, bem como em razão da ausência de exigência legal quanto à tal providência.
De outra banda, o legislador vem, passo a passo, alterando significativamente o ordenamento jurídico de tal modo a dispensar a exigência de medidas como o reconhecimento de firma, a autenticação de documento copiado e a presença de testemunhas para conferir validade aos atos jurídicos e seus respectivos instrumentos. Ou seja, as cores estampadas a essas providências vêm perdendo sua intensidade no cenário jurídico, porque com o decorrer do tempo essas medidas se revelaram como meros entraves morosos, burocráticos e onerosos, agregados à desvantagem de serem incapazes de convalidar o ato jurídico no qual se constatou alguma irregularidade.
Com efeito. Em 25/09/67, o Município de São Paulo editou a Lei nº 7.054 para dispensar o reconhecimento de firma em papéis oficiais e requerimentos dirigidos aos órgãos da administração pública municipal direta e indireta, facultando à repartição pública, para qual o documento é dirigido, a possibilidade de solicitar ao interessado a apresentação do original, caso repute necessário.
Em 26/08/1968, entrou em vigor o Decreto Federal nº 63.166, alterado pelo Decreto nº 64.024-A que, a exemplo da legislação paulistana, dispensa o reconhecimento de firma em qualquer documento produzido no país quando apresentado perante repartições e entidades públicas federais da administração direta e indireta. Na eventualidade de constatar-se a falsificação da assinatura, a repartição ou entidade pública considerará como não atendida a exigência relativa à entrega desse documento, assim como levará ao conhecimento da autoridade competente a falsidade documental, para a instauração do correspondente processo criminal.
No final da década de 70, o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Desburocratização , “destinado a dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública Federal”, buscando, dentre outros objetivos, a melhoria do atendimento dos usuários do serviço público e a agilização da tramitação dos processos administrativos, através da descentralização de decisões e a redução de exigências e formalidades desnecessárias e onerosas ao cidadão. Oportuno reproduzir algumas das considerações aduzidas no preâmbulo do Decreto nº 83.936/79, que introduziu algumas das medidas tendentes à implantação da desburocratização na Administração Federal: a) a prevalência do princípio da presunção da veracidade; b) o reconhecimento de que a excessiva exigência de provas documentais são um entrave à solução dos processos administrativos; c) o interessado tem que suportar os ônus decorrentes das despesas com essas exigências; d) a prévia exigência documental não impede os casos de fraude, que representam uma exceção; e e) a falsidade documental e o estelionato são puníveis na esfera penal, dispensando-se medidas administrativas preventivas desses delitos.
Esse Programa Nacional de Desburocratização foi retomado recentemente pelo Governo Federal e conta com a adesão de diversos Estados .
Em 13/12/94, a Lei Federal nº 8.952, em consonância com a Constituição Federal e o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil , alterou a redação do artigo 38 do Código de Processo Civil, para dispensar o reconhecimento da assinatura das partes em procurações outorgadas a seus advogados.
Essa alteração gerou muita controvérsia no seio jurídico, face o disposto no Código Civil então vigente, que estabelecia o seguinte:
“Art. 1.288 – Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderes, para, em seu nome praticar atos, ou administrar interesses. A procuração é o instrumento de mandato.
Art.1.289 – Todas as pessoas maiores ou emancipadas, no gozo dos direitos civis, são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
……………………………………………………………………………………………”
“§ 3º – O reconhecimento da firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade em relação a terceiros.”
Uma parte da doutrina reprovou veementemente a alteração do artigo 38 do CPC, como Antonio Vital Ramos de Vasconcelos , não a supressão da exigência do reconhecimento de firma nos mandatos judiciais em si, mas a impropriedade técnica do instrumento utilizado pelo legislador, haja vista que em se tratando o mandato de típico contrato de direito material, regido pelo Código Civil, a alteração levada a efeito pela lei processual não teria força para modificar-lhe a natureza jurídica nem tampouco seus efeitos em relação a terceiro que, nos termos do § 3º do artigo 1.289 do Código Civil vigente na ocasião, somente se operavam se atendida a exigência notarial. Portanto, a despeito da modificação do mencionado artigo 38 do CPC, de acordo com o entendimento de alguns, permanecia a obrigação de reconhecer a firma do outorgante do mandato.
Outra parte da doutrina, como Fátima Nancy Andrighi , sem adentrar na questão de eventual impropriedade técnica legislativa, aplaudiu a medida por entender que não havia nenhum confronto entre o disposto no direito material sobre o contrato de mandato e a alteração levada a efeito no artigo 38 do Código de Processo Civil, “ante a igualdade de hierarquia entre os dois Estatutos legais” e como as normas do Código Civil referentes ao contrato de mandato possuem caráter geral, seriam inaplicáveis ao mandato judicial, objeto de norma especial inserta no Código de Processo Civil, que cuida do direito instrumental. A magistrada assevera que em decorrência da “disposição constitucional que considera a participação do advogado indispensável para a administração da Justiça”, através da alteração do teor do artigo 38, o legislador pretendeu “não só alterar a forma do instrumento, como imprimir evolução às normas processuais, desburocratizando-se o mandato, afastando-se um reconhecido ponto de obstaculização do andamento do processo” ao criar “uma presunção de veracidade das informações constantes da procuração entregue em Juízo pelo advogado”.
Essa polêmica jurídica chegou ao fim com a introdução do Novo Código Civil no cenário nacional, que tratou a matéria do seguinte modo:
“Art. 654 – Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
………………………………………………………………………………………………
§ 2º – O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.
Vale dizer, consoante o regime jurídico anterior, o instrumento de mandato só produzia efeitos perante terceiros mediante o reconhecimento, pelo tabelião, da autenticidade da assinatura do outorgante. Seguindo em direção diametralmente oposta, o regime ora vigente não mais considera o reconhecimento de firma como integrante da essência do instrumento de mandato, à medida em que conferiu ao terceiro, perante quem o mandatário representará o mandante, a faculdade de solicitar ou não aquela providência notarial, caso paire alguma dúvida a respeito do documento. Reputam-se verdadeiros os documentos e autênticas as assinaturas nele apostas, representando, a nosso ver, a materialização do princípio da boa-fé, que sempre permeou as relações jurídicas, e do princípio da inocência, que tem sede constitucional.
É certo concluir então que em face do Novo Código Civil o reconhecimento de firma não tem mais por finalidade atribuir validade ao instrumento particular de procuração perante terceiros, servindo, tão-somente para assegurar que quem subscreveu o documento é a pessoa designada no instrumento.
5. DOS EFEITOS ADVINDOS DO RECONHECIMENTO DE FIRMA
Atos notariais referem-se exclusivamente à formação do ato e à formação do documento, guardam relação apenas com seus aspectos formais, não interferindo em seu conteúdo. Assim, ato ou documento que contenha um vício ou que tenha sido praticado irregularmente continuará maculado, ainda que esteja revestido de providências notariais como o reconhecimento de firma ou a autenticação de cópia de documento.
O reconhecimento de firma, portanto, não tem o condão de superar os obstáculos advindos de um contrato eventualmente subscrito pela pessoa indicada no preâmbulo do instrumento contratual, que, consoante os termos avençados no estatuto social da empresa, não esteja revestida de poderes para representar a contratada.
Humberto Theodoro Júnior leciona que: “A presunção de veracidade acobertada pela fé pública do oficial só atinge aos elementos de formação do ato e à autoria das declarações das partes, e não ao conteúdo destas mesmas declarações. Pela verdade das afirmações feitas perante o oficial, só mesmo os autores delas são os responsáveis. Há, destarte, que se distinguir, como faz Chiovenda, entre a verdade extrínseca e a verdade intrínseca, em matéria de documento público.”
Nesse sentido, transcrevemos a decisão proferida pela Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, nos autos do processo CG nº 1.573/98, que tramitou na 2ª Vara de Registros Públicos:
“O reconhecimento de firma, como parece inegável, apenas certifica que a assinatura foi comparada aos padrões gráficos previamente depositados e arquivados com o tabelião de notas e que sua semelhança foi reconhecida. Do mesmo modo, em se tratando de reconhecimento autêntico, fica certificado que a firma foi lançada, por pessoa identificada, diante do tabelião ou do escrevente por ele autorizado. Evidentemente, o reconhecimento de firma, que é um ato notarial voltado somente ao reconhecimento da semelhança ou da autenticidade de uma assinatura, não valida ou invalida o ato jurídico aonde a assinatura tiver sido lançada. Se o incapaz compareceu irregularmente no ato jurídico, o reconhecimento de firma não convalidará o ato. Daí porque não há como exigir-se, para o reconhecimento de firma, seja o menor púbere assistido na forma da lei. Com a notícia de que a matéria tem sido objeto de interpretações divergentes pelos delegados do serviço notarial, cumpre seja ela esclarecida para merecer tratamento uniforme em todas as unidades do serviço. Daí por que a proposta é no sentido de que seja publicado, com caráter normativo, a fim de que fique estabelecido que o reconhecimento de firma dos menores púberes, quer seja por semelhança ou autenticidade, não depende de comparecimento do menor assistido por seu representante legal” (destaque nosso).
Recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais declarou extinta execução fundada em contrato de confissão de dívida porque o laudo pericial realizado constatou que a assinatura lançada no instrumento não era do devedor, muito embora sua firma tenha sido reconhecida como autêntica pelo Oficial de Registro do Cartório.
Esses precedentes robustecem nosso entendimento quanto à desnecessidade de exigir-se o reconhecimento da firma nos contratos celebrados pela Edilidade, uma vez que essa providência notarial não é suficiente para minorar as conseqüências advindas de contrato subscrito por pessoa que não esteja designada no estatuto social como representante da empresa.
6. DA REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO E DAS CONSEQÜÊNCIAS DO CONTRATO FIRMADO POR QUEM NÃO DETÉM PODERES PARA REPRESENTAR A EMPRESA
O Novo Código Civil estabelece que a existência legal da pessoa jurídica de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, o qual declarará como a empresa será administrada e representada “ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente” e se obrigará pelos atos praticados por seus administradores nos limites dos poderes definidos no ato constitutivo (artigos 45, “caput” ; 46, inciso III e 47).
Dessa forma, é o estatuto social que indica quem são as pessoas que deverão constar do instrumento contratual e, por conseguinte, quem deverá assiná-lo. Como corolário, mais relevante do que a certeza de que a pessoa que assinou o instrumento é aquela designada no preâmbulo e no fecho do contrato, parece-nos, é a certeza de que aquele que consta do contrato tem poderes para representar a pessoa jurídica contratada e, conseqüentemente, é quem deverá subscrever o contrato.
Transcrevemos abaixo acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial RESP 115966/SP que cuidou dessa matéria:
“DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL PERTENCENTE A SOCIEDADE EM INSTRUMENTO FIRMADO POR UM DOS SÓCIOS. ESTATUTOS QUE PREVÊEM A REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE POR SEUS DOIS SÓCIOS EM CONJUNTO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DA ALIENTANTE.VONTADE QUE SOMENTE SE FORMA QUANDO OS DOIS SÓCIOS A EXPRIMEM EM CONJUNTO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ATO INEXISTENTE. DESNECESSIDADE DE DECLARAÇÃO JUDICIAL DA INEXISTÊNCIA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. RECURSO DESACOLHIDO.
I – A manifestação volitiva da pessoa jurídica somente se tem por expressa quando produzida pelos seus ‘representantes’ estatutariamente designados.
II – No caso de ser o ato praticado pela pessoa jurídica representada por apenas um dos seus sócios, quando seus estatutos determinam seja ela representada pelos dois sócios em conjunto, o que ocorre não é deficiência na representação, no sentido técnico-jurídico, que aceita convalidação, mas ausência de consentimento da empresa, por falta de manifestação de vontade, requisito fático para a formação do ato.
III – O ato jurídico para o qual não concorre o pressuposto da manifestação de vontade é de ser qualificado como inexistente, cujo reconhecimento independe de pronunciamento judicial, não havendo que invocar-se prescrição, muito menos a do art. 178 do Código Civil.”
O contrato administrativo, como asseveramos anteriormente, é dotado de presunção de legitimidade. Desta feita, presume-se que o sócio ou sócios que assinaram o instrumento têm poderes para representar a empresa e, portanto, desnecessária a exigência do reconhecimento das assinaturas lançadas no referido documento.
Todavia, com o objetivo de evitar percalços dessa natureza, ou seja, irregularidade na representação da contratada, há vários anos esta ACJ adotou como praxe solicitar da empresa contratada a prévia exibição de seu estatuto social, para a devida identificação de seus representantes legais quando da elaboração do instrumento contratual e, pelos motivos expostos anteriormente, parece-nos recomendável que essa medida seja mantida.
De todo modo, uma vez que o reconhecimento de firma é incapaz de convalidar eventual vício na manifestação de vontade da empresa contratada, reiteramos nosso entendimento quanto à desnecessidade de sua exigência.
7. DA AUTENTICAÇÃO DE CÓPIA DE DOCUMENTO
Em que pese não terem sido objeto da consulta que originou o presente estudo, cuidaremos nesse tópico e no próximo de dois outros temas que se encontram intimamente correlacionados ao instrumento contratual: a autenticação de documento copiado e a assinatura das testemunhas.
No que tange à autenticação de cópia de documento, há farta legislação sobre o assunto.
O referido Decreto Federal nº 83.936/79 já estabelecia que:
“Art. 5º – A juntada de documento, quando decorrente de dispositivo legal expresso, poderá ser feita por cópia autenticada, dispensada nova conferência com o documento original.
Parágrafo único – A autenticação poderá ser feita, mediante cotejo da cópia com o original pelo próprio servidor a quem o documento deva ser apresentado, se não houver sido anteriormente feita por tabelião.”
Entretanto, a mencionada Lei Federal nº 8.935/94 , que cuida dos atos notariais, atribui aos tabeliães competência exclusiva para a autenticação de cópias.
A Lei Federal nº 10.352, de 26/12/2001, modificando a redação do § 1º do artigo 544 do Código de Processo Civil, estendeu aos advogados a competência para autenticar documentos, conferindo-lhes a possibilidade de reconhecer, mediante declaração nos autos, como autênticas as cópias das peças do processo tendentes à instrução do recurso de agravo de instrumento. O citado dispositivo legal passou a vigorar com o seguinte teor:
“Art. 544 – ………………………………………………………………………………
§ 1º – ……. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.”
A respeito dessa disposição legal, Mário Antônio Lobato de Paiva asseverou: “Percebemos então que, desde pelo menos 1994 o legislador vem elaborando leis que permitam dar autenticidade aos documentos sem que os mesmos antecipadamente sejam condenados a invalidade. Referidos atos tem o condão de desburocratizar o aparelho estatal tornando-o mais ágil e possibilitando o alcance a prestação jurisdicional aqueles que possuam reduzido poder aquisitivo que não permita arcar com os custos de uma firma reconhecida ou a autenticação de documentos.”
A Lei Federal nº 10.522 , de 19/07/2002, que dispõe sobre o Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (CADIN), dispensa as pessoas jurídicas de direito público de autenticar cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo.
No entanto, o Novo Código Civil estabeleceu que:
“Art. 223 – A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original.”
Parágrafo único – A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.”
………………………………………………………………………………………………
“Art. 225 – As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena e, em seu favor, quando escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.”
Ao disciplinar sobre licitações e contratos administrativos, o legislador admitiu que os documentos necessários à habilitação dos participantes em procedimentos licitatórios sejam apresentados “em original, por qualquer processo de cópia autenticada por cartório competente ou por servidor da administração ou publicação em órgão da imprensa oficial” .
A legislação que implementou as modalidades de pregão e de pregão eletrônico, como não poderia ser diferente, é mais inovadora ainda. O Decreto Federal nº 3.555, de 08/08/2000, que regulamentou o pregão, para aquisição de bens e serviços comuns pela Administração Federal, prescreveu que:
“Art. 13 – ………………………………………………………………………………….
Parágrafo único – A documentação exigida para atender ao disposto nos incisos I, III e IV deste artigo deverá ser substituída pelo registro cadastral do SICAF ou, em se tratando de órgão ou entidade não abrangido pelo referido Sistema, por certificado de registro cadastral que atenda aos requisitos previstos na legislação geral.”
“Art. 14 – O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantindo o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.”
O Decreto Federal nº 3.697, de 21/12/2000, regulamentador da Medida Provisória nº 2.026-7, que instituiu o pregão eletrônico, estabelece que:
“Art. 2º – O pregão eletrônico será realizado em sessão pública, por meio de sistema eletrônico que promova a comunicação pela internet.
§ 1º – O sistema referido no caput utilizará recursos de criptografia e de autenticação que assegurem condições adequadas de segurança em todas as etapas do certame.
………………………………………………………………………………………………..
Art. 6º – O licitante será responsável por todas as transações que forem efetuadas em seu nome no sistema eletrônico, assumindo como firmes e verdadeiras suas propostas e lances.
Parágrafo único – Incumbirá ainda ao licitante acompanhar as operações no sistema eletrônico durante a sessão pública do pregão, ficando responsável pelo ônus decorrente da perda de negócios diante da inobservância de quaisquer mensagens emitidas pelo sistema ou de sua desconexão.
………………………………………………………………………………………………..
Art. 7º – A sessão pública do pregão eletrônico será regida pelas regras especificadas nos incisos I a III e XVIII a XXIV do art. 11 do Anexo I do Decreto nº 3.555, de 2000, e pelo seguinte:
………………………………………………………………………………………………..
XX – encerrada a etapa de lances da sessão pública, o licitante detentor da melhor oferta deverá comprovar, de imediato, a situação de regularidade na forma dos arts. 28 a 31 da Lei nº 8.666/93, de 21 de junho de 1993, podendo esta comprovação se dar mediante encaminhamento da documentação via fax, com posterior encaminhamento do original ou cópia autenticada, observados os prazos legais pertinentes;”
A Lei Federal nº 10.520, de 17/07/2002, que instituiu o pregão, prescreve o seguinte:
“Art. 4º – A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
………………………………………………………………………………………………..
XIII – a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnicas e econômico-financeira;
XIV – os licitantes poderão deixar de apresentar os documentos de habilitação que já constem do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf e sistemas semelhantes mantidos por Estados, Distrito Federal ou Municípios, assegurado aos demais licitantes o direito de acesso aos dados nele constantes;”
………………………………………………………………………………………………..
Art. 7º – Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado do Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4º desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.”
Ao inserir o pregão dentre as modalidades de licitação, além de inverter as fases da realização do procedimento licitatório e exigir somente do licitante vencedor a documentação relativa à habilitação jurídica, o legislador presumiu a idoneidade de todos licitantes e a veracidade do conteúdo dos documentos apresentados, e reservou severas penalidades ao participante que pretender burlar o certame com documentação falsa ou inverídica. Ou seja, atendendo aos reclamos da própria Administração e das empresas, o legislador valorizou a fase mais importante do procedimento licitatório que é a seleção da proposta mais vantajosa e deixou para segundo plano a análise documental, apenas para o vencedor ou vencedores do pregão.
Desse modo, no momento da elaboração do instrumento contratual entendemos que deva ser solicitado da empresa o estatuto social e demais documentos, caso ainda não integrem o processo, através de cópia simples, sendo desnecessária a autenticação por tabelião.
8 – DA PRESENÇA DE TESTEMUNHAS PARA A REALIZAÇÃO DO ATO
Outra questão freqüente a respeito do contrato administrativo é a necessidade da presença de testemunhas para a celebração do ato e suas conseqüentes assinaturas no instrumento. Esta questão chegou a ser abordada pelo Tribunal de Contas deste Município nos autos do processo nº 538/2003 e foi submetida à profunda análise desta ACJ, consubstanciada no parecer nº 251/2004 (cópia anexa)
Conforme asseveramos naquela ocasião, a presença de testemunhas para a celebração do contrato é exigência excepcional e “a obrigatoriedade ou não de constarem a qualificação e a assinatura de testemunhas no termo de contrato é dispositivo peculiar e organizacional de cada órgão ou entidade administrativa, haja vista que a Lei federal de Licitações não impõe dita exigência, em face de presunção de veracidade dos atos praticados pela Administração.”
No caso desta Câmara Municipal, o Regimento Interno prescreve que “Art. 15 – Os contratos de qualquer natureza, que a Câmara Municipal firmar com terceiros, serão assinados pela maioria dos membros efetivos da Mesa, sob pena de nulidade”. Não havendo exigência da presença de testemunhas na legislação federal, nem na Lei Municipal nº 13.278/2002, nem no Decreto nº 44.279/2003, entendemos que tal providência é plenamente dispensável para a formação dos contratos celebrados pela Edilidade.
Tendo em conta que aos contratos administrativos aplicam-se, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado , relevante registrar a substancial modificação da matéria relativa à presença de testemunhas para a formação dos negócios jurídicos introduzida no cenário nacional pelo Novo Código Civil.
Com efeito, o Código Civil revogado estabelecia o seguinte:
“Art. 135 – O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público.”
De acordo com o Novo Código Civil:
“Art. 221 – O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.”
Diante deste cenário, parece-nos que se a prova dos contratos firmados entre particulares, face o Novo Código Civil, independe da presença de testemunhas e suas subseqüentes assinaturas nos correspondentes instrumentos, tanto mais a prova dos contratos administrativos, que já nascem dotados de presunção de legitimidade, como asseveramos anteriormente.
A relevância da presença das testemunhas para a formação do negócio jurídico entre particulares, com suas correspondentes assinaturas nos instrumentos contratuais, é conferir executividade ao contrato, vale dizer, caracterizá-lo como título extrajudicial para eventual demanda. Contudo, como esse efeito é inato ao contrato administrativo, não há qualquer razão para exigir-se a presença de terceiros para sua formação.
O Superior Tribunal de Justiça-STJ manifestou-se recentemente sobre essa matéria. O Município de Anaurilândia/MS interpôs Recurso Especial (RE nº 456.447/MS) contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, proferido em sede de embargos infringentes, cuja ementa possui o seguinte teor:
“EMENTA – EMBARGOS INFRINGENTES – PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO – NULIDADE DA EXECUÇÃO – INOVAÇÃO DOS LIMITES DA LIDE – REJEITADA – MÉRITO – IRREGULARIDADE CONTRATUAL – DISPENSA DA ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS – RECURSO IMPROVIDO. Se a matéria objeto da divergência foi previamente questionada e debatida no apelo, não há se falar em inovação dos limites da lide, o que implica na rejeição da preliminar de não conhecimento do recurso. Correto o acórdão que confere executividade a contrato administrativo que, apesar de não constar a presença de duas testemunhas, foi subscrito pelas partes e determina o prosseguimento dos embargos para exame das demais matérias envolvendo o seu mérito.” (destaque nosso).
O Desembargador Coelho Neto, por ocasião do julgamento dos embargos infringentes, em seu voto vencedor, acentuou ser “dispensável a presença de duas testemunhas para dar executividade a contrato administrativo subscrito pelo Poder Público”.
O Município recorrente alegou que o TJ/MS, “ao julgar dispensável a assinatura de duas testemunhas no ‘termo de consolidação de saldo devedor de contrato’ de f. 11/12 como título para aparelhar a execução embargada dissentiu da jurisprudência, em sentido diametralmente oposto consagrado por outros Tribunais do País sobre o caso, além de afrontar dispositivos de lei federal, expresso no art. 54, da Lei 8.666, de 21-6-93 e, em conseqüência, o consagrado no art. 585, II, do CPC”.
No entanto, o Recurso Especial não foi conhecido, pois, o Eminente Ministro Luiz Fux, Relator concluiu que “o provimento do recurso, nos moldes desejados pelo recorrente, demandaria o rejulgamento da causa, com o reexame do contrato administrativo que embasou a execução, o que é defeso ao Superior Tribunal de Justiça em face do óbice imposto pela Súmula 07/STJ”; a ausência de prequestionamento do artigo 54 da Lei nº 8.666/93 inviabilizou a abertura da instância excepcional, a teor das Súmulas 282 e 356 do STF, bem como “a falta de identidade fática entre o aresto recorrido e os colacionados como paradigmas, porquanto aquele diz respeito à execução de contrato administrativo, e os paradigmas relacionam-se com as formalidades que revestem os contratos de natureza privada” impediu a análise do dissídio jurisprudencial.
Ora, se de um lado, o Município de Anaurilândia/MS insurgiu-se contra o acórdão do TJ/MS que dispensou a assinatura das duas testemunhas para conferir executividade ao contrato administrativo e, de outro, a jurisprudência apresentada como paradigma foi descartada por dizer respeito às formalidades dos contratos de direito privado e, conseqüentemente, não se identificar com o aresto recorrido, que trata da execução dos contratos administrativos, é certo concluir que são diversas as características que um e outro devem observar para que sejam qualificados como título executivo extrajudicial.
Desse modo, conforme já asseveramos anteriormente, entendemos dispensável a presença de testemunhas na celebração dos contratos administrativos firmados por esta Câmara Municipal.
8. DA LEGISLAÇÃO ESPARSA CORRELATA AO TEMA ORA EM EXAME
O Governo do Estado de Goiás, através do Decreto nº 5.678 , de 12/11/2002, enveredou pelo mesmo caminho do Código Civil, estabelecendo que o reconhecimento de firma em documento, ressalvada previsão legal em contrário, somente será exigido quando houver dúvida de sua fidedignidade e a autenticação do documento fotocopiado poderá ser feita por órgão administrativo, mediante cotejo com o documento original; permitindo-se a complementação de informações ou esclarecimentos por quaisquer meio de comunicação (pessoal, telefônica, pelo correio, pela internet), registrando-se a circunstância no processo, se necessário. E, através do Decreto nº 5.679, de 12/11/2002, os órgãos e entidades da administração direta e indireta goianos deverão abster-se de exigir cópia de documentos que possam ser impressos diretamente das páginas eletrônicas oficiais.
Na mesma trilha, o Município de Campinas, o Departamento de Receitas Imobiliárias – DRI/MF e do Departamento de Receitas Mobiliárias – DRM/MF, por meio da Instrução Normativa nº 001, de 19/02/2003, possibilitou que em processos administrativos tributários a qualificação dos interessados seja comprovada mediante a apresentação de cópia simples dos documentos, sendo que o reconhecimento de firma será exigido somente quando houver suspeita de falsidade, fraude ou dúvida quanto à sua autoria.
Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 648/2003 , apensado ao PL 2045/2003, que dispensa as repartições públicas federais, estaduais e municipais de exigirem a autenticação de cópia e o reconhecimento de firma em documentos pessoais, sendo que tais atos poderão ser realizados pelos servidores públicos da repartição onde o interessado apresentar os documentos. As justificativas das citadas proposituras são a constatação de que esses atos são frutos de “uma mentalidade cartorial e formalista”, que implicam em desperdício de tempo e dinheiro e “afrontam a presunção de inocência”, direito reconhecido constitucionalmente.
9. CONCLUSÕES
A burocracia não é privilégio brasileiro nem tampouco da Administração Pública. A revista Exame de 1º/09/2004 divulgou o resultado da pesquisa realizada pelo Banco Mundial, considerada como o mais completo estudo global já realizado sobre burocracia, e concluiu que o Brasil é um dos piores países para fazer negócios no mundo. A pesquisa levantou o impacto que o excesso de medidas desnecessárias gera nos custos das empresas, bem como algumas situações em que a adoção de um procedimento de controle torna-se mais importante do que o próprio objeto controlado.
Vale a pena registrar os seguintes tópicos publicados na matéria: “O gigantismo estatal se expressa muito mais no nó burocrático existente em praticamente todas as suas esferas de atuação, resquício de um tempo em que o governo pretendia ser o centro da vida nacional. Ao longo de décadas, criou-se um emaranhado de regulamentos, leis regras e normas capaz de enlouquecer qualquer um que queira cumprir todos eles…O atual ambiente de negócios criou um paradoxo para as organizações. Há, de um lado, a necessidade de um sem número de informações e, portanto, de controles – para reduzir custos, minimizar erros, aumentar a previsibilidade dos resultados ou até monitorar hábitos de clientes, simplesmente de outro, os negócios atualmente pedem estruturas enxutas e ágeis. A dificuldade reside em saber separar as regras necessárias das desnecessárias e adequá-las às constantes mudanças a que as empresas estão expostas … O segredo para não se deixar engolir pelo burocrassauro é ter sempre em mente o motivo que levou à criação de cada um dos controles e estar sempre pronto a questioná-los e, se for o caso, revê-los… A própria palavra burocracia tem vários significados. Há uma conotação negativa de interferência indevida do Estado na vida das pessoas, e outra mais positivo, relativa ao corpo técnico do Estado. Há quase um século o alemão Max Weber, considerado um dos pais da sociologia, enfatizou a necessidade de uma boa burocracia estatal para o desenvolvimento dos países. Para que a máquina pública não desvirtuasse em gigantismo, seria fundamental instituir um sistema de meritocracia que permitisse a competência e barrasse o aparelhamento”.
Antônio Carlos Cintra do Amaral obtemperou que: “quando se fala em desburocratizar freqüentemente está se pensando apenas no interesse da Administração Pública. Esquece-se o interesse das pessoas privadas. Se a pessoa interessada em contratar com a Administração Pública tem aliviada a carga de exigências burocráticas que se costuma fazer-lhe – mantidas, é claro, as exigências indispensáveis, tal como prescreve a Constituição – estimula-se a competitividade e reduzem-se os custos. Em conseqüência, melhor se atende ao interesse público primário, da sociedade.” (destaques originais).
Oportunas também as observações do E. Presidente do STJ, Edson Vidigal sobre o quanto a burocracia atravanca o andamento dos processos no Poder Judiciário: “É preciso que se reduzam ao máximo possível as formalidades processuais, desativando-se, assim, todas as armadilhas, as quais, não obstante amparadas por lei, subvertem o direito e atrapalham a justiça. Celeridade processual não se confunde com sumariedade mas, tanto uma quanto a outra, só servem ao direito e a justiça enquanto atacadas a garantias constitucionais como a do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
É obvio que qualquer exigência feita aos licitantes e contratados terá um custo e este será repassado à proposta financeira e suportado pela Administração. Portanto, o administrador deverá refletir previamente sobre os reflexos da implementação de alguma medida sobre os custos da empresa em cotejo com as vantagens auferidas, ou seja, a relação custo-benefício.
Em resumo, verificamos que:
a) o contrato administrativo nasce com presunção de legitimidade, portanto, presume-se que quem subscreveu o respectivo instrumento tem poderes para representar a empresa;
b) por força dessa presunção, não se exige a intervenção de terceiro para o ato de celebração e para a validade do contrato, revelando-se irrelevantes o reconhecimento de firma e a presença de testemunhas e suas assinaturas no correspondente instrumento;
c) segundo o Novo Código Civil, o reconhecimento de firma não é condição essencial para a validade do mandato perante terceiro;
d) o reconhecimento de firma é mera providência notarial que não influencia no conteúdo do ato, diz respeito exclusivamente a aspectos extrínsecos do documento;
e) o reconhecimento de firma não produz qualquer efeito em um contrato administrativo eventualmente subscrito por pessoa que não detenha poderes para representar a empresa;
f) o Novo Código Civil não exige presença de duas testemunhas para a realização do ato;
g) exigir a exibição de documentos autenticados e o reconhecimento de firma poderia implicar em custos desnecessários que, invariavelmente, seriam transportados ao contrato administrativo;
h) providências como o reconhecimento de firma e a autenticidade de documento não evitam possíveis fraudes.
Anexamos ao presente Tabela de Valores (doc. 2) que discrimina os preços cobrados pelos serviços notariais a fim de possibilitar a análise dos custos decorrentes dos serviços notariais. Conforme se verifica do referido documento, a autenticação de cópia de documento custa R$ 1,20 (um real e vinte centavos) por documento reproduzido; o reconhecimento de firma por semelhança em documento sem valor econômico equivale a R$ 2,25 (dois reais e vinte e cinco centavos) e documento com valor econômico R$ 3,80 (três reais e oitenta centavos); o reconhecimento de firma autêntica em documento com ou sem valor econômico custa R$ 6,00 (seis reais).
Ante este cenário, parece-nos que introduzir na rotina administrativa desta Casa a exigência do reconhecimento de firma nos instrumentos contratuais representaria um retrocesso, que poderia ocasionar custos adicionais e o retardamento dos processos, além de ser desprovida de qualquer benefício para a administração. Vale dizer, medidas desta natureza contrariam o novo perfil do Estado, mais preocupado com metas e resultados do que com o preenchimento de papéis e carimbos.
Assim, nossa opinião é que a solicitação dessas formalidades seja excepcional, quando houver indícios de dúvidas ou irregularidade no documento, como no caso como o que originou o presente estudo, ou quando reste patente a divergência entre as pessoas relacionadas no instrumento e aquelas que o subscreveram.
Entretanto, caso a Administração entenda por enveredar por um caminho mais cauteloso, em face do Novo Código Civil, poderá optar por exigir o reconhecimento de firma das assinaturas dos representantes legais da contratada.
É a nossa manifestação, que submetemos à apreciação superior.
São Paulo, 21 de setembro de 2004.
MARIA HELENA PESSOA PIMENTEL
OAB/SP 106.650
Indexação
Reconhecimento de firma
Contrato administrativo
Desnecessidade