Parecer n° 287/2005

Parecer nº 287/05
Assunto: Projeto de Lei, de autoria do tribunal de Contas, que visa instituir o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município

Sr. Advogado Chefe,

Trata-se de projeto de lei, de autoria do Tribunal de Contas, que visa instituir o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Município.

Ele nos foi encaminhado pelo Chefe de Gabinete da Presidência para que esta advocacia se manifestasse acerca da iniciativa legislativa do Tribunal de Contas para propor a instituição do Ministério Público que atuará junto a ele.

Duas questões aí se colocam.

Primeiro, se o Tribunal de Contas do Município teria iniciativa legislativa para propor projetos de lei que visem a sua própria organização.

Segundo, se teria iniciativa legislativa para propor a criação desse peculiar Ministério Público.

Nos termos do disposto pelo art. 71, da CF, o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Também a Lei Orgânica do Município, no art. 48, determina que o controle externo, a cargo da Câmara Municipal, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Município.

Verifica-se, daí, que a natureza jurídica dos Tribunais de Contas é de órgão auxiliar do Poder Legislativo, e não de Poder constituído, prerrogativa dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Nota-se, ainda, que na Constituição Federal as iniciativas legislativas são conferidas expressamente aos membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, exceção feita ao Procurador-Geral da República, Chefe do Ministério Público da União e aos cidadãos.

A Lei Orgânica, por sua vez, em seu art. 37, confere iniciativa legislativa a qualquer membro de Comissão Permanente da Câmara, ao Prefeito e aos cidadãos.

Em nenhum momento, quer a Constituição Federal, quer a Lei Orgânica, estabeleceram iniciativa reservada ao Presidente do Tribunal de Contas do Município para propor projetos de lei.

Esta omissão, mais a ressalva do art. 73, da Constituição Federal, in fine, possibilitou o surgimento da tese de que os Tribunais de Contas não teriam iniciativa legislativa para se auto-organizarem, entendimento este defendido pelo Ministro Ilmar Galvão, no julgamento da Adin n. 585-5, STF:

“De acrescer-se, por derradeiro, como já acentuado quando do julgamento da cautelar, que a Constituição Federal, ao dispor, no art. 75, em combinação com o artigo 73, que os Tribunais de Contas exercem atribuições previstas no artigo 96, fê-lo sob a ressalva “no que couber”, pondo sob séria dúvida – ainda não afastada por esta Corte – a pretendida interpretação de que lhes foi conferido o poder, próprio dos Tribunais Judiciários, de auto-organização, consubstanciado, principalmente, na competência para a iniciativa de leis que dizem com sua estrutura funcional”.

Também a Assessoria Jurídico Consultiva da Prefeitura do Município de São Paulo, em parecer da lavra do procurador Dr. Fábio Ulhoa Coelho, inserto nos autos do projeto de lei 362/97, esposa entendimento de que o Presidente do TCM não detém competência para figurar como autor de projeto de lei:

“A despeito da forma categórica com que se redigiu ofício da repartição auxiliar da Câmara dos Vereadores não se pode considerar o expediente em questão como projeto de lei, por uma razão bastante simples: não foi apresentado por nenhuma autoridade investida de competência para dar início ao processo legislativo, nem por cidadãos representando 5% do eleitorado”.

Todavia, a questão nunca foi pacífica, tendo sempre existido outra corrente no sentido de que caberia ao TCM a iniciativa de projeto de lei dispondo sobre sua organização, conforme se vê do voto condutor do acórdão proferido na Adin n. 11.754-0/6, que se refere ao inciso XII, do artigo 48, da LOM:

“É inconstitucional, por outro lado, a restrição do inciso XII do artigo 48 da Lei aqui em causa ao encaminhamento ao Legislativo de mera “sugestão de criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções do Quadro de Pessoal do Tribunal, bem como a fixação da respectiva remuneração, observados os níveis de remuneração dos servidores da Câmara Municipal”. O Tribunal de Contas do Município deve ter, a este respeito, a iniciativa do processo legislativo, “ex vi” dos arts. 151 e 31 da Constituição do Estado e da remessa que este último faz ao artigo 96 da Constituição Federal”.

Aliás, saliente-se que no âmbito federal foram adotadas duas soluções diversas. Com efeito, Lei Federal n. 8.968/94, a qual dispõe sobre a criação de cargos e funções na Secretaria do Tribunal de Contas da União e dá outras providências, resultou de projeto encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente do TCU, enquanto a Lei Federal n. 9.165/95, que alterou dispositivos da Lei Orgânica do TCU e instituiu normas sobre provimento, nomeação, cargos em comissão e cargos de confiança, resultou de proposta iniciada pelo Senador Alfredo Campos.

Analisando-se a específica questão da criação de um Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, notadamente no que se refere ao entendimento jurisprudencial, foi possível observar um grande enfraquecimento da tese de que o Tribunal de Contas, por ser um órgão auxiliar do Poder Legislativo, não teria iniciativa legislativa para propor projetos de lei referentes a sua estrutura e organização.

Isso porque todos os recentes julgados acerca da criação desse Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas, como já foi feito pelo Tribunal de Contas da União, de Minas Gerais, de Goiás e do Tocantins, debatem apenas a segunda questão colocada neste parecer, ou seja, qual a natureza jurídica desse Ministério Público e se ele deve ser instituído por lei de iniciativa do Ministério Público ou por lei de iniciativa do Tribunal de Contas.

Em outras palavras, todos os recentes julgados resultantes de ADIN ajuizadas em função da criação desse Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, não questionam a legitimidade do Tribunal de Contas para propor projeto de lei objetivando a sua organização e funcionamento, ao contrário, reconhecem essa legitimidade.

O que tem sido questionado na jurisprudência e na doutrina acerca do tema é se esse Ministério Público junto ao Tribunal de Contas tem, ou não tem, o poder de se auto-organizar, se ele é um órgão integrante do Ministério Público ou se ele consubstancia uma instituição autônoma.

Todo esse segundo questionamento resultou de um único artigo de nossa Constituição Federal que dispõe:

“Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedação e forma de investidura”.

Para Hugo Nigro Mazzilli “o art. 130 apenas quis dizer que os membros do Ministério Público que atuem junto aos Tribunais de Contas terão os mesmos direitos, vedações e forma de investidura dos demais membros do Ministério Público. Por que isto? Porque, nitidamente, serão um quadro especial, ainda que dentro da mesma carreira”.

Por sua vez, o Procurador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes entende que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União configura uma instituição autônoma, tendo se expressado nos seguintes termos: “ Em consonância com essas considerações (…) é que podemos compreender porque a Magna Lei enuncia que o Ministério Público comum atua junto ao Judiciário (‘Juízes e Tribunais’), como órgão externo a esse poder, cumprindo uma função que não é materialmente judicante, ao contrário do Ministério Público especial, que não oficia ao lado do Tribunal de Contas, mas dentro dele, compondo-lhe a intimidade estrutural, porque o ofício que lhe incumbe é tão materialmente fiscalizatório, ou de controle, quanto à global atribuição do Colégio de Contas”. (grifo nosso).

Sob este aspecto, qual seja, se o Tribunal de Contas teria a legitimidade para propor projeto de lei visando a instituição do Ministério Público previsto no art. 130 do texto constitucional, o entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que sim, o Tribunal de Contas tem iniciativa legislativa para tanto porque este Ministério Público do art. 130 faz parte da própria estrutura do Tribunal de Contas junto ao qual irá atuar, não se confundindo com o Ministério Público do art. 128.

ADIN nº 789-1 – Distrito Federal (26/05/94):

“EMENTA – ADIN – LEI N. 8.443/92 – MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TCU – INSTITUIÇÃO QUE NÃO INTEGRA O MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO – TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 128, I, DA CONSTITUIÇÃO – VINULAÇÃO ADMINISTRATIVA À CORTE DE CONTAS – COMPETÊNCIA DO TCU PARA FAZER INSTAURAR O PROCESSO LEGISLATIVO CONCERNENTE À ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PERANTE ELE ATUA (CF, ART. 73, CAPUT, IN FINE) – MATÉRIA SUJEITA AO DOMÍNIO NORMATIVO DA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA – ENUMERAÇÃO EXAUSTIVA DAS HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE REGRAMENTO MEDIANTE LEI COMPLEMENTAR – INTELIGÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 130 DA CONSTITUIÇÃO – AÇÃO DIRETA IMPROCEDENTE.

– O Ministério Público que atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que a sua existência jurídica resulta de expressa previsão normativa constante da Carta Política (art. 73, § 2º, I e art. 130), sendo indiferente, para efeito de sua configuração jurídico-institucional, a circunstância de não constar no rol taxativo inscrito no art. 128, I, da Constituição, que define a estrutura orgânica do Ministério Público da União.

– O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (art. 130), encontra-se consolidado na “intimidade estrutural” dessa Corte de Contas, que se acha investida – até mesmo do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) – da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente à sua organização, à sua estruturação interna, à definição do seu quadro de pessoal e à criação dos cargos respectivos.” (grifo nosso)

ADIN nº 160-4 – Estado do Tocantins (23/04/98):

“EMENTA: 1 – MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

Não lhe confere, a Constituição Federal, autonomia administrativa. Precedente: ADI 789.”

ADIN nº 2.378-1 – Goiás (22/03/01):

“EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE GOIÁS. EC Nº 23/98. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Esta Corte já firmou orientação no sentido de que o Ministério Público que atua junto aos Tribunais de Contas não dispõe de fisionomia institucional própria (ADI 789, Celso de Mello, DJ de 19.12.94).

2. As expressões contidas no ato legislativo estadual que estendem ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado as prerrogativas do Ministério Púbico comum, sobretudo as relativas “à autonomia administrativa e financeira, à escolha, nomeação e destituição de seu titular e à iniciativa de sua lei de organização” são inconstitucionais, visto que incompatíveis com a regra do artigo 130 da Constituição Federal.

3. Disposição reintroduzida na Constituição do Estado de Goiás pela EC nº 23, de 9 de dezembro de 1998, malgrado o seu teor já houvesse sido declarado inconstitucional pelo STF (ADIMC 1.858, Ilmar Galvão, j. na Sessão de 16.12.98) grifo nosso.

Medida cautelar deferida.”

Sendo assim, diante do entendimento jurisprudencial dominante, o Tribunal de Contas do Município tem iniciativa legislativa para criar, através de projeto de lei, o quadro especial do Ministério Público previsto no art. 130 da Constituição Federal.

É o parecer que submeto à sua apreciação.

Simona M. Pereira de Almeida
Supervisor de Equipe – ACJ 3
OAB/SP 129.078

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