AT.2 – Parecer nº 311/03
Ref.: Processo 1464/03
Assunto: Reforma de elevadores – inexigibilidade de licitação – não-caracterização – instrução complementar dos autos – necessidade
Senhor Assessor Chefe,
É objeto de atenção da Primeira Secretaria o funcionamento e a manutenção dos elevadores da Edilidade, que, em função de diversos fatores, têm um desempenho insuficiente para as necessidades do órgão, como é de conhecimento geral.
O Departamento de Comunicação e Transporte, DT.2 faz um breve relato dos problemas vivenciados, bem como informa, às fls. 3 e 4, propostas alternativas de solução apresentadas pela empresa Atlas Shindler S.A., empresa que presta os serviços de manutenção preventiva e corretiva dos elevadores.
À vista das informações constantes dos autos – em especial, a especificidade do serviço a ser prestado, e os documentos de exclusividade emitidos pela FIESP e pela Abinee-, a Diretoria Geral solicita análise desta Assessoria quanto à possibilidade de prestação dos serviços propostos com fundamento no art. 25 da Lei nº 8.666/93, relativo às hipóteses de inexigibilidade de licitação.
Passamos pois a examinar os dois aspectos mencionados, a saber, a especificidade do serviço e os atestados de exclusividade apresentados.
a) Especificidade dos serviços
O serviço em exame diz respeito à “reforma de elevadores”.
E, visando a tal escopo, a empresa Atlas Shindler S.A. apresenta duas propostas. A primeira, identificada como “DCSCR”, inclui, em apertada síntese, modernização de painéis, novas instalações, substituição de sistema regulador, de aparelho seletor, de painéis e de sistemas de sinalização, tanto de cabine como de pavimentos.
Os motivos para reforma de tal magnitude vêm bem justificados – obsolescência e saturação do sistema atual – e seu valor alcança o montante de R$ 1.361.571,00 (hum milhão, trezentos e sessenta e um mil, quinhentos e setenta e um reais).
A outra alternativa – identificada como “MICONIC” – apresenta diversas vantagens adicionais, inclusive com repercussão econômica – por exemplo, permite prescindir da contratação de ascensoristas – e alcança valor, coerentemente, bem mais expressivo – R$ 4.797.336,00 (quatro milhões, setecentos e noventa e sete mil, trezentos e trinta e seis reais).
Ao que consta, não há, pois, uma única solução técnica. Não parece haver um único produto capaz de satisfazer a necessidade da Administração.
Como pondera Marçal Justen Filho, a melhor alternativa, em casos tais, deve ser avaliada não apenas sob o enfoque de critérios técnicos, mas também econômicos:
“Deve estabelecer-se uma relação entre os benefícios qualitativos que serão obtidos e os possíveis encargos financeiros com que o Estado arcará. Nada impede que a melhor solução técnica seja afastada em face de limitações orçamentárias. Lembre-se que o modelo consagrado pela Lei nº 8.666/93 é permeado por essa preocupação com o menor desembolso possível. Nessa linha, a própria licitação de melhor técnica envolve a escolha da proposta que importar o menor custo possível. Ou seja, o dever de considerar vantagens e encargos existe mesmo na fase interna da atividade administrativa, quando a Administração cogita de escolher dentre diversas alternativas para satisfazer suas necessidades” (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos, 9ª ed.,São Paulo: Dialética, 2002, pg. 272/273).
Nesse aspecto, quer-me parecer necessário haver informações complementares, para melhor cotejo e mensuração da relação custo/benefício entre as duas propostas apresentadas pela empresa. Por exemplo – se houver – em relação a consumo de energia, tempo de espera, valor economizado em face da não contratação de ascensoristas, etc.
Outro aspecto que precisaria estar justificado seria a inviabilidade de competição com outros possíveis fabricantes e prestadores de serviços. Seria mister uma motivação técnico-científica adequada, não suprida com a mera apresentação dos “atestados de exclusividade” constantes dos autos. É o tópico que passamos a enfrentar.
b) Os atestados de exclusividade
De acordo com o art. 25, da lei nº 8.666/93, temos:
“Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I- para aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro de comércio do local em que se realizaria a licitação, a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
…”
Comentando este inciso, bem aponta Marçal Justen Filho (op.cit., pg. 276):
“A interpretação formalista do inc. I tem conduzido a reputar indispensável um atestado fornecido pelo órgão do Registro de Comércio ou por Sindicato, Federação ou Confederação Patronal. Ora, o legislador incorreu em extrema infelicidade, ao adotar a solução ora examinada.Aplicar o dispositivo segundo uma interpretação literal apenas agrava o problema.
É que não incumbe ao Registro de Comércio controlar a existência de exclusividade de representantes. Não há nem obrigatoriedade de arquivamento dos instrumentos contratuais em face do registro do Comércio. Por outro lado, essa questão não apresenta qualquer pertinência aos órgãos sindicais. Logo, trata-se de formalidade destituída de qualquer seriedade, inútil para a Administração Pública.
O resultado prático tem sido a apresentação pelos interessados de “cartas de exclusividade” ao órgão do Registro do Comércio, o qual emite um “atestado” – que nada acrescenta, senão a informação de que lhe foi apresentada dita carta. Trata-se de uma espécie de “atestado de existência” de uma carta de exclusividade. Isso é totalmente inútil, eis que não assegura certeza acerca do conteúdo da carta. Ou seja, não atribui à Administração nenhuma informação acerca do conteúdo do documento, mas acerca de sua existência material”.
No caso em exame, os atestados de exclusividade apresentados dão conta de que:
a) A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP, atesta “com base em informações apresentadas pela empresa Elevadores Atlas Shindler S/A”, que a empresa é fabricante e instaladora de elevadores, e que é “detentora do uso exclusivo da Marca Atlas” (fls. 10);
b) A Abinee- Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica, junto com o Sinaees – Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Estado de São Paulo atesta que “conforme consta em nossos registros”, a empresa Atlas Shindler S/A “é exclusiva no país, na comercialização e na prestação de serviços de instalação, montagem, reparos, manutenção, modernização, assistência técnica e fornecimento de peças e componentes originais das marcas Atlas, Schindler e Atlas Schindler” (fls. 11).
Em síntese, os atestados expressam singelamente que:
a) A Atlas Schindler S/A, de acordo com os dados que forneceu à FIESP, é empresa do ramo de fabricação de elevadores e que detém o uso exclusivo da marca Atlas;
b) A Atlas Schindler é exclusiva no país na comercialização e prestação de serviços de manutenção e correlatos referentes aos elevadores que fabrica e que levam sua marca.
Ocorre que, no art. 25, inc. I da Lei nº 8.666/93, estabelece-se a vedação à preferência por marca – restrição, aliás, presente em outros dispositivos da mesma lei (art. 8º, § 5º e 15, § 7º, inc.I).
Portanto, para além dos atestados apresentados, o que precisaria estar justificado é a razão pela qual, na reforma de que se cogita, os elevadores haveriam de ser da Marca Atlas – isto é, qual a singularidade do objeto que afasta o possível atendimento da necessidade administrativa por outros eventuais fornecedores.
Mesmo porque – se bem entendi os termos da proposta – em especial fls. 38 – os equipamentos apresentados dar-se-ão “em substituição aos existentes “.
Ora, se assim for, fica descaracterizada, desde logo, a inviabilidade de competição, de que trata o art. 25, caput, da Lei nº 8.666/93.
Mas, por outro lado – ainda que se tratasse de reforma sem a substituição total dos atuais equipamentos – no âmbito do Tribunal de Contas da União, há decisões que afirmam não estar comprovada a inexigibilidade de licitação em casos de manutenção de elevadores. Veja-se, como exemplo, o acórdão TC-001.215, de 1993, de cuja ementa transcrevemos o seguinte trecho:
“11. Relativamente à questão da inexigibilidade da licitação… não resta dúvida de que o caso das Indústrias Villares S.A. não estaria amparado pelo dispositivo legal invocado (art. 23, I do Dec-lei nº 2.300/86), uma vez que existem outras firmas capazes de executar a manutenção e assistência técnica dos referidos elevadores” (decisão nº 392/93 – TCU – 2ª Câmara).
E, no bojo do acórdão, assinala o Relator:
“…não obstante a firma Indústrias Villares S.A. detenha a exclusividade na fabricação dos elevadores “ATLAS”, existem diversas empresas no mercado habilitadas a prestar os mencionados serviços de manutenção e conservação..”
Em tal sentido, aliás, já se manifestou, em mais de uma oportunidade, esta Assessoria (cfr. parecer que tomo a iniciativa de anexar).
Porém, ainda mais específica é a decisão do Tribunal de Contas da União de nº TC-009.796/97-5, que trata de serviços de modernização de elevadores, concluindo ser ilegal a contratação direta com o fabricante, haja vista a viabilidade de competição. A título de ilustração, transcrevemos do acórdão as seguintes considerações:
“31. (…) O fato de a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica- ABINEE e a Federação da Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP atestarem a exclusividade da empresa Atlas Elevadores S.A. na prestação de serviços de instalação, montagem, manutenção, assistência técnica e fornecimento de peças e componentes da marca Atlas não atenta contra a possibilidade de uma outra empresa prestar serviços de conservação, manutenção ou modernização de um elevador da marca Atlas, quer adquirindo componentes e peças de reposição junto à detentora exclusiva da marca, quer adquirindo junto aos fornecedores desta montadora.
(….)
35. (…) As evidências e considerações que levaram o Tribunal a determinar a realização de certame licitatório para contratação dos serviços de manutenção, conservação e assistência técnica em elevadores estendem-se de modo a também se aplicarem à contratação do serviço de modernização de elevadores…”.
Na mesma linha é a decisão de nº TC-001.587/99-4, também relativa à reforma e modernização de elevadores, em que entendeu ser obrigatória a licitação. Confira-se a fundamentação:
“a) este Tribunal já se manifestou contrariamente à contratação direta, sem licitação, para a realização de serviços de reforma e modernização de elevadores, consoante Decisões Plenárias nºs 575/98 e 117/99;
b) os próprios defendentes demonstraram a viabilidade de competição, pois informaram que o banco examinou duas propostas para a realização dos serviços, uma da empresa Atlas e outra da empresa Sur S.A., as quais, entretanto, não puderam ser comparadas com objetividade, pois foram cotados preços para serviços distintos;
c) diversos órgãos da Administração Pública realizaram licitações para a contratação de serviços da espécie, conforme mencionado nos votos que conduziram às referidas decisões desta Corte; o próprio Banco do Brasil, inclusive, adotou o procedimento licitatório para modernização de elevadores na sua Regional de Porto Alegre (Tomada de Preços nº 284/99 – DOU de 2.6.99, Seção III, p. 13);
d) os componentes eletroeletrônicos dos elevadores, considerados complexos pelos defendentes, são constituídos a partir de subcomponentes fartamente encontrados no mercado, o que permite a sua fabricação por diferentes empresas do ramo de elevadores;
e) a presunção invocada pelos responsáveis de que a empresa Atlas sagrar-se-ia vencedora em eventual procedimento licitatório, tendo por objeto a modernização de sua própria fabricação, não exime o banco de realizar aquele certame;
f) a própria defesa reconhece a existência de pluralidade de ofertantes de serviços de reforma e modernização de elevadores, não obstante entender contrariamente, que somente a Atlas seria capaz de executá-los, por ser a fabricante de elevadores instalados no banco;
g) o inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93, invocado como embasamento legal para a não-realização do procedimento licitatório, não se aplica ao caso, pois o dispositivo refere-se à aquisição de equipamentos, materiais e outros, e não à realização de serviços. “
Mas, para além das considerações até aqui expendidas, importa reproduzir, igualmente, o quanto disposto no art. 26 da Lei nº 8.666/93, segundo o qual as situações de inexigibilidade devem ser necessariamente justificadas, ainda dispondo o parágrafo único:
“Art. 26. ..
Parágrafo único: O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I- caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II- razão da escolha do fornecedor ou executante;
III- justificativa do preço;
IV- documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.”
No caso em exame, verifica-se que para justificar a eventual escolha do fornecedor ou executante – a empresa Atlas Schindler S/A – não é suficiente a apresentação dos “atestados de exclusividade”, eis que não afastam a possibilidade de haver no mercado empresas aptas à prestação dos serviços de manutenção ou mesmo de reforma de elevadores desta marca. Naturalmente, por tratar-se de serviços complexos extremamente dependentes do fornecimento de equipamentos, cumpre à Administração resguardar-se devidamente, de modo a assegurar-se de que a adjudicatária dos serviços licitados os executará de forma segura e tempestiva.
Tampouco constam nos autos justificativa quanto ao preço. Tal se poderá aferir mediante pesquisa prévia de mercado, onde se poderá cotejar, sobremais, até mesmo outras alternativas ou soluções técnicas. Os altos valores envolvidos recomendam, com efeito, toda a cautela.
De todo modo, a análise das propostas já apresentadas pela empresa Atlas Schindler S/A permite supor que o elevado custo envolvido na reforma de elevadores recomenda previsão orçamentária específica.
Em síntese, sou dada a concluir que:
a) caso se trate de substituição de equipamentos, a invocação do art. 25, I da Lei nº 8.666/93 exigiria a comprovação de que os elevadores fabricados pela Atlas Shindler S.A. exibem singularidades tais que não haveria alternativas de contratação aptas a atender as necessidades da Edilidade Paulistana. Todavia, o mercado em questão oferece alternativas, razão pela qual se apresenta muito remota a fundamentação para a contratação direta;
b) se comprovado o anterior, seria necessário mensurar com mais clareza e projeção a relação custo/benefício entre as propostas apresentadas pela empresa Atlas Schindler S/A constantes dos autos, a fim de fundamentar e motivar a decisão da Egrégia Mesa;
c) caso se trate de efetiva reforma de elevadores, sem a substituição total dos equipamentos atuais, tampouco é invocável o art. 25, I da Lei nº 8.666/93. A uma, porque não se trata de aquisição de bens, e sim de prestação de serviços; a duas, porque o fato de o fabricante apresentar-se como “exclusivo” na prestação de serviços relativos à manutenção ou reforma de equipamentos de sua marca não afasta por si só a possibilidade de haver no mercado outras empresas aptas a prestá-los competentemente. Em outras palavras: os “atestados de exclusividade” são condição formal necessária, mas não materialmente suficiente para caracterizar a inviabilidade de competição. Esta orientação está sedimentada no Tribunal de Contas da União, que em reiteradas oportunidades manifestou-se pela ilegalidade da contratação direta com o fabricante em se tratando de serviços de manutenção, reforma ou modernização de elevadores – conforme citações retro;
d) em qualquer caso, faz-se necessária a pesquisa prévia de mercado entre possíveis fornecedores, seja para justificativa quanto ao preço, seja para efeito de reserva de dotação previamente à licitação. Saliente-se que, dada a complexidade do objeto, parece oportuno que o setor técnico avalie as propostas de soluções técnicas que venham a ser oferecidas, em cotejo com preços, tal como feito em relação à empresa Atlas Schindler S/A, acrescido de detalhamento da relação custo/benefício em relação a possíveis alternativas, de modo que se alcancem subsídios até mesmo para a elaboração de futuro edital;
e) registre-se que de acordo com as manifestações do Tribunal de Contas da União, diversos órgãos da Administração Pública têm realizado certame em situações análogas;
f) finalmente, o alto valor envolvido na realização de serviços de reforma de elevadores recomenda a inclusão da previsão orçamentária correspondente para 2004, se a Alta Administração entender por bem priorizar referida necessidade.
É a minha manifestação, que submeto à criteriosa apreciação superior.
São Paulo, 14 de novembro de 2003
Maria Nazaré Lins Barbosa
Assessor Técnico Legislativo
OAB 106.017
Indexação
Manutenção
Inexigibilidade
Licitação