Parecer ACJ nº 404/2006
Ofício nº 198/2006 – PGM.G
Interessado: Presidência (Ofício Presidência CMSP nº 114/05)
Assunto: Entendimento do Executivo acerca do prazo prescricional/ decadencial aplicável aos casos de anulação ou de declaração de invalidade de atos administrativos.
Sr. Advogado Chefe,
O I. Chefe de Gabinete da Presidência desta Casa solicita-nos análise e manifestação quanto a aplicação das conclusões alcançadas no ofício encaminhado pela D. Procuradoria Geral do Município, com relação ao assunto em epígrafe, em face das diversas questões originadas com a Lei da Reforma Administrativa nº 13.637/03.
Inicialmente, parece-me necessário salientar que tal assunto tem sido objeto de grande polêmica nesta Edilidade antes mesmo da promulgação da Lei nº 13.637, de 04 de setembro de 2003, isto é, desde a implementação das recomendações contidas no V. Acórdão proferido pela E. Corte de Contas do Município, nos autos do TC nº 72.002.911.02-95, as quais redundaram em revisão e invalidação de vários atos administrativos, com supressão de vantagens percebidas, cortes de vencimentos e reenquadramento de servidores.
Outrossim, noto, por oportuno, que esta ACJ, por meio do parecer nº 362/04 (cópia anexa) manifestou-se pela incidência da prescrição administrativa , em respeito ao princípio da segurança jurídica, para anular-se tão somente os atos alcançados pelo prazo qüinqüenal, com fundamento no artigo 54 da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Esse entendimento embasou a decisão colegiada de 31.12.04, que teve seus efeitos suspensos pela E. Mesa, em 13.01.05, para melhor apreciar o assunto, gerando a expedição de ofícios ao E. Tribunal de Contas do Municio de São Paulo e à Procuradoria Geral do Município, cuja resposta esta ACJ ora é instada a se pronunciar.
Informa a D. Procuradoria Geral do Município, por meio de seu I. Procurador Geral, que “sem embargo da controvérsia doutrinária e jurisprudencial existente sobre a matéria, e das inúmeras decisões que aplicam o prazo qüinqüenal disposto no art. 54 da Lei Federal nº 9.784/99, a Administração Municipal, tanto em seus atos internos quanto em Juízo, vem defendendo, com êxito, que o prazo para anular seus próprios atos quando eivados de vícios é de dez anos, aplicando-se subsidiariamente, à falta de lei municipal específica, a Lei Estadual nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual”.
Pondera aquele D. Órgão, outrossim, que “para os casos anteriores à publicação da referida lei, o termo inicial do prazo prescricional será a data da sua entrada em vigor, ou seja, 1º de maio de 1999, e não a data em que o ato foi publicado, sob pena de se atribuir à lei efeitos retroativos.”
Em continuidade, observa que a aplicação da Lei Estadual vem sendo adotada também pelo E. TCM, de acordo com o entendimento firmado nos autos TC nº 72-000.556-05:
“1 – As relações jurídico-funcionais são de natureza administrativa, devendo ser reguladas por normas de igual espécie, sendo inaplicáveis as regras estabelecidas no Código Civil;
2 – O prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei Federal nº 9.784/99, que é de 5 anos, não se aplica aos Estados e Municípios, pois a União não tem competência constitucional para legislar sobre processo administrativo das demais entidades integrantes da Federação;
3 – À falta de norma local fixando prazo prescricional para revisão dos atos inválidos, deve-se recorrer à interpretação extensiva ou à analogia, buscando o prazo aplicável no sistema normativo mais próximo;
4 – A escolha, pelo tribunal, do prazo prescricional fixado pela lei estadual está em consonância com a lei, a doutrina e decisão judicial recente.”
Acrescenta que esse foi o entendimento acolhido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Mandado de Segurança nº 92.967-0/0.00, impetrado por servidor do TCM contra ato do Presidente daquela Corte e, de igual modo, é o entendimento que prevalece no âmbito da Secretaria Municipal de Gestão, por força de estudos levados à efeito no Ofício n 116/2004-SFG/SRH.
Por fim, alerta que se a questão “tiver sido debatida em juízo, então a decisão judicial, em cada caso concreto, é que deverá prevalecer”, anotando que “inúmeras decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça acabaram por afastar a ocorrência da prescrição em mandados de segurança impetrados por servidores dessa Casa Legislativa contra atos viciados que supostamente teriam sido corrigidos a destempo pela Mesa Diretora da Câmara”.
À vista das conclusões apontadas e com o intuito de agregar algumas considerações à abalizada análise encaminhada pela Procuradoria Geral do Município de São Paulo, passo a manifestar-me sobre esse tema.
Antes, mister ressaltar que a consulta formulada ao E. TCM foi respondida por meio do Ofício SSG-GAB nº 036/2005 assinado pelo N. Conselheiro Presidente do E. Tribunal de Contas do Município de São Paulo, juntado aos autos do PA nº1384/2004, e cuja cópia permito-me anexar, com entendimento similar ao apresentado pela Procuradoria Geral do Município.
Em síntese, quando instados a se manifestar sobre a incidência da prescrição administrativa e respectivo prazo aplicável, os dois Órgãos consultados foram uníssonos em afirmar que o entendimento adotado é o da prescritibilidade do exercício da autotutela pela Administração Pública.
Esse também é o entendimento desta ACJ, Órgão Jurídico deste Legislativo, no que concerne à prescritibilidade dos atos administrativos, tema que envolve o delicado problema do decurso do tempo nas relações jurídico-administrativas, que, por vezes, aparenta confrontar o princípio da legalidade com os princípios da segurança das relações jurídicas e da boa-fé.
Almiro do Couto e Silva , confirma esse entendimento:
“Um dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o do crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como princípio da boa-fé dos administrados ou da proteção da confiança. A ele está visceralmente ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daquelas que na origem apresentam vícios de ilegalidade. A segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito. (…) Quer isso significar, em outras palavras, que no Direito Público, não constitui uma excrescência ou uma aberração admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente estará precisamente na conservação do ato que nasceu viciado, mas que, após, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade do ato. Alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de restabelecer a legalidade, causará mal maior do que preservar o ‘status quo’. Ou seja, em tais circunstâncias no cotejo dos dois subprincípios do Estado de Direito, o da legalidade e o da segurança jurídica, este último prevalece sobre o outro, como imposição da justiça material. Pode-se dizer que é esta a solução que tem sido dada em todo mundo, com pequenas modificações de país para país.” (grifei e negritei)
Não obstante continue havendo entendimentos em sentido contrário tanto pela doutrina como pela jurisprudência pátrias, o fato é que a tese da imprescritibilidade dos atos administrativos nulos não possui mais sustentação, como já ressaltava o Ministro Moreira Alves em voto proferido no acórdão do MS nº 20.069-DF, julgado em 24.11.76, no STF : “se até as faltas mais graves – e por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a imprescritibilidade continue a ser o princípio geral,…”(negrito e grifos meus).
Com efeito, a Constituição da República, no Capítulo VII – Da Administração Pública, em seu art. 37, § 5º preceitua que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Da leitura do referido dispositivo constitucional extrai-se que a prescritibilidade, sob a égide da Constituição em vigor, é a regra (mesmo para a hipótese de atos ilícitos).
Esclarece Elody Nassar, em obra de sua autoria, “Prescrição na Administração Pública”:
“Este dispositivo prevê duas situações distintas: uma relativa à sanção pelo ato ilícito, outra relacionada à reparação do prejuízo. No primeiro aspecto, fica a lei ordinária encarregada de fixar os prazos prescricionais; no segundo, garantiu-se a imprescritibilidade das ações – medida timidamente considerada imprópria por alguns doutrinadores – mas que veio consagrada na Constituição de 1988.”
Bem de ver que a última parte dessa disposição constitucional tem sido objeto de crescentes críticas, pois se tem entendido que, não obstante em defesa do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, o dispositivo constitucional estabelece a imprescritibilidade das ações de ressarcimento em detrimento do princípio da segurança jurídica.
A propósito, transcrevo trecho dos comentários feitos por Celso Ribeiro Bastos acerca do § 5º, do art. 37, da Constituição Federal :
“No que tange aos danos civis, o propósito do texto é de tornar imprescritíveis as ações visando ao ressarcimento do dano causado. É de lamentar-se a opção do constituinte por essa exceção à regra da prescritibilidade, que é sempre encontrável relativamente ao exercício de todos os direitos.” (grifei e negritei)
De outra parte, interessante citar, ademais, as ponderações externadas pelo I. Ministro José de Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, em aula magna ministrada em 28 de novembro de 2005, no Seminário Nacional de Direito Administrativo promovido pela NDJ , cujo tema em destaque foi a “Prescrição Administrativa: sentido e alcance da expressão em face do Direito Positivo”:
“Nós temos que observar em relação a prescrição administrativa algumas regras, algumas noções genéricas, e aqui, a primeira delas, por força do princípio maior dessa segurança jurídica, é que os direitos patrimoniais ou não, sujeitam-se a prazo para o seu exercício. E aqui é oportuno invocar a lição de Pontes de Miranda, esse grande mestre alagoano que, entre outras obras, escreveu o famoso Tratado de Direito Privado, em que ele diz: ‘A prescrição, em princípio, atinge todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, que de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional’.Então essa regra ou essa lição que já estava na obra do mestre e genial Pontes de Miranda – acho que é o único autor nacional que nós, com todo o respeito aos demais, podemos colocar a definição de ‘genial’, porque não tem outro adjetivo quando nos aprofundamos na grandiosidade de Pontes de Miranda – vai ser prestigiada no próprio texto constitucional quando nós temos o art. 37, § 5º, da Constituição de 88 (…)”
Ultrapassada a questão sobre a prescritibilidade dos atos administrativos, ainda que eivados de ilegalidade, passo a tecer algumas considerações sobre o prazo decenal indicado nos ofícios encaminhados pela D. PGM e pela E. Corte de Contas do Município.
Como visto, é sustentado o entendimento de que à falta de lei municipal específica, deve ser aplicada a Lei Estadual nº 10.177, de 30 de dezembro de 1988, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, segundo previsto em seu art. 10:
“Art. 10 – A Administração anulará seus atos inválidos, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, salvo quando:
I – ultrapassado o prazo de 10 (dez) contados de sua produção;
II – da irregularidade não qualquer prejuízo;
III – forem passíveis de convalidação.”
Sob esse aspecto, o ofício encaminhado pela Colenda Corte de Contas cita parecer da lavra da Assessora de Controle Externo Magadar R. Costa Briguet, a qual sustenta o seguinte entendimento:
“Este Tribunal, ao enfrentar situação similar, adotou como prazo prescricional o estabelecido pela Lei Paulista 10.177, de 30.12.98, cujo art. 10 estabeleceu o prazo máximo de 10 anos contados da produção do ato, por ser essa a norma mais próxima existente no sistema normativo vigente no Estado de São Paulo.
Esse aspecto da proximidade das normas, para os fins da aplicação analógica ou extensiva, foi bem abordado por Hely Lopes Meirelles, em matéria de direito repressivo, ao afirmar: “Na ausência de lei especial que fixe o prazo prescricional das sanções administrativas aplicáveis é de recorrer, por analogia, à norma mais próxima dessas sanções.(…) Em resumo, diante da ausência de norma legal, parece-nos que a escolha, pelo Tribunal, do prazo de 10 anos previsto na lei estadual, como limite para rever os atos praticados, cuja invalidade é verificada posteriormente, está em consonância com a lei (art. 4º da LICC), com a melhor doutrina e com decisão judicial produzida em caso semelhante.”(grifei)
A despeito do i. posicionamento manifestado, parece-me que esse não é o entendimento do renomado mestre quanto ao prazo prescricional em comento. O trecho transcrito refere-se à prescrição das sanções administrativas e não à possibilidade de revisão dos atos administrativos. Sobre esses últimos, Hely Lopes Meirelles afirma o seguinte:
“A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais (v. adiante, item 6), pois e restrita à atividade interna da Administração, acarretando a perda do direito de anular ato ou contrato administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que a “regra é a prescritibilidade”. Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32)…” (grifei e negritei)
Na esteira desse entendimento, trago à luz a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello :
“Trata-se, pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que estará em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia, no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Donde configura-se situação de decadência, antes que de prescrição, como já observara Weida Zancaner. (…)
No passado (até a 11ª edição deste Curso) sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deveriam ser decididos por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis.
Reconsideramos tala posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito Civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional em regras genéricas de Direito Público.(…)
Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra ele é, como regra, de cinco anos, que se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.”
Nesse passo, não me parece demasiado fazer a citação da doutrina esposada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro :
“Em diferentes sentidos costuma-se falar em prescrição administrativa: ela designa, de um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa a perda do prazo para que a Administração reveja os próprios atos; finalmente, indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas… em caso de ter ocorrido prescrição judicial desaparece o poder de rever o ato de ofício porque, nesse caso, a revisão constituiria ofensa à estabilidade das relações que o legislador quis proteger com a fixação de prazo prescricional. O reconhecimento de um direito, nessas circunstâncias, significaria liberalidade da Administração em face de um interesse público do qual ela não pode dispor. Pela mesma razão, no silêncio da lei, o prazo para que a Administração reveja os próprios atos, com o objetivo de corrigi-los ou invalidá-los, é o mesmo em que se dá a prescrição judicial. Reconhecemos que a matéria é controvertida, no que diz respeito a esse prazo (…) Ficamos com a posição dos que , como Hely Lopes Meirelles (1996:589), entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n. 20.910/32. quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direitos de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência. Desse modo, prescrita a ação na esfera judicial, não pode mais a Administração rever os próprios atos, que por iniciativa própria, que mediante provocação, sob pena de infringência ao interesse público na estabilidade das relações jurídicas. Na esfera federal, a questão ficou pacificada com a Lei nº 9.784/99(…)” (grifei e negritei)
Com relação à aplicação do Decreto nº 20.910/32, Elody Nassar, in “Prescrição na Administração Pública” cita pareceres jurídicos na esfera federal, antes da promulgação da Lei Federal nº 9.784, de 29.01.99:
“A jurisprudência administrativa baixada pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça, em 25.03.1993, através do Parecer CJ 074, ficou assim ementada:
‘EMENTA: DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. INCIDÊNCIA. 1. A pretensão deduzida perante a Administração Pública para rever ato com vício de nulidade está sujeita à prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n. 20.910/32, que não pode ser relevada. 2. A orientação administrativa não há de estar em conflito com a jurisprudência dos Tribunais em questão de direito, mormente quando a interpretação emanada do Egrégio Supremo Tribunal Federal.’
E a Advocacia-Geral da União baixou o parecer n. CQ-10, de 06.10.1993:
‘Ato Nulo – Revisão – Prescrição Qüinqüenal. – A prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32 abrange tanto o ato nulo, quanto o anulável. – Revisão do Parecer JCF, de 30 de novembro de 1992, da Consultoria Geral da República.”
Ressalte-se, nesse passo, que a Assessoria Jurídico-Consultiva, da Procuradoria Geral do Município de São Paulo, em consulta proposta pelo Departamento de Recursos Humanos do Município de São Paulo – DRH, formulou parecer em 17/11/2000 – Informação nº 4392/00- PGM-AJC (portanto, após a publicação da Lei Estadual nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, e da Lei Federal nº 9.784, de 29.01.1999, que regularam o processo administrativo nas respectivas esferas administrativas), opinando pelo prazo prescricional de cinco anos:
“EMENTA Nº 9678
Alegada prática de atos de designação para funções gratificadas com vício de competência – Proposta de convalidação – Desnecessidade, por não se vislumbrar ilegalidade – Possível, no entanto a convalidação – Atos praticados há mais de 5 anos convalidados pela prescrição. (…)
Relativamente aos atos praticados há longo tempo (mais de cinco anos), desnecessária qualquer providência, posto que, na hipótese considerada, teriam sido sanados pela via prescricional, consideradas as situações funcionais, não mais passíveis de retificação. (…)
Parece-nos mais adequado o prazo qüinqüenal da prescrição, haja vista que é esse o lapso legalmente definido para as prescrições para propositura de ação contra a Fazenda Pública.” (cópia anexa)
Com relação à jurisprudência de nossos Tribunais, a do Supremo Tribunal Federal é pacífica no tocante a prescritibilidade dos atos administrativos. O Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes em acórdãos recentemente prolatados pela Corte Suprema, em que foi relator, pronunciou-se no seguinte sentido:
– No RE 466.546-8 – RJ – j. 14.02.06 – 2ª Turma:
“Ementa: Recurso extraordinário. 2. Ação rescisória. Transposição de cargo. Processo seletivo anterior à CF/88. Homologação posterior. Ato Administrativo controvertido à época. 3. Principio da segurança jurídica. Aplicabilidade. Precedentes. 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(…)
Verifica-se que o servidor fez a opção pela transposição de cargo e foi aprovado no processo seletivo antes da promulgação da Constituição de 1988, na forma prevista no Decreto-lei nº 2.347, de 23 de julho de 1987. Apenas a homologação da referida transposição ocorreu em 12.10.1989.
Na hipótese, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio da segurança jurídica.
Esse princípio foi consagrado na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, tanto em seu artigo 2º, que estabelece que a Administração Pública obedecerá ao princípio da segurança jurídica, quanto em seu artigo 54, que fixa o prazo decadencial de cinco anos, contados da data em que foram praticados os atos administrativos, para que a Administração possa anulá-los. (…)
Ressalte-se que a Administração busca anular um ato praticado há mais de 14 anos, não levando em consideração a impossibilidade de sua anulação, em face da decadência administrativa, e, ainda, que à época dos fatos a sua constitucionalidade era controvertida. (…)
Assim, os atos praticados com base na lei inconstitucional que não mais se afigurem suscetíveis de revisão não são afetados pela declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, verifica-se que, em face do principio da segurança jurídica, o ato administrativo que homologou a transposição deve ser mantido.” ( grifei e negritei)
– No Ag. Reg. RE nº 217.141-5 SP – j.13.06.2006 – 2ª Turma:
“Ementa: Recurso extraordinário. 2. Servidor público estadual inativo. Aposentadoria anterior à CF/88. 3. Nulidade da denominação do cargo de Diretor de Divisão. Retorno ao cargo de Chefe de Seção. 4. Declaração de inconstitucionalidade pelo STF dos artigos 4º ao 7º da Lei Complementar nº 317, de 09 de março de 1983, do Estado de São Paulo.(Rp. 1.278, Pleno, Rel. Djaci Falcão, Dj 09.10.87) Ato praticado na vigência da F/88. 5. Ofensa ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Possibilidade. 6. Princípio da segurança jurídica. Aplicabilidade. Precedentes. 7. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(…)
Em 21.03.92 foi publicado o ato formal da revisão da aposentadoria da agravante, o qual declarou nula a alteração da denominação do cargo da recorrente fazendo a mesma retornar ao antigo cargo de “Chefe de Seção”, após decorridos quase 8 anos de sua inatividade. Ato este que vem a ser impugnado nesta ação.
Na hipótese, a matéria evoca, inevitavelmente, o princípio da segurança jurídica. (…)
Assim, os atos praticados com base na lei inconstitucional que não mais se afigurem suscetíveis de revisão não são afetados pela declaração de inconstitucionalidade. (…)
Primeiro, cabe registrar o transcurso de prazo superior a cinco anos entre o ato de concessão da aposentadoria e o início, para a agravante, do procedimento administrativo tendente à sua revisão. (…)
Dessa forma, verifica-se que, em face do princípio da segurança jurídica, o ato administrativo que homologou a transposição deve ser mantido.” (grifei e negritei)
De outra parte, a despeito do entendimento externado nas recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, não obstante se posicione pela prescritibilidade do exercício da autotutela da Administração Pública, com fundamento no disposto no art. 54, da Lei Federal nº 9.784/99, uniformizou entendimento de que o termo “a quo” do prazo decadencial de cinco anos conta-se a partir da vigência da lei federal e não da data em que foi praticado o ato, como abaixo transcrito:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. ANULAÇÃO DE ATO DA ADMINISTRAÇÃO. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. PRAZO, TERMO A QUO. APLICAÇÃO RETROATIVA. PRELIMINAR REJEITADA. PERCEPÇÃO ACUMULADA DE APOSENTADORIA. PROIBIÇÃO. ART. 37, XVI E XVII, CF.
I – Consoante o entendimento da Corte Especial deste Tribunal, prolatado no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 9.112/DF, 9.115/DF e 9.157/DF, da sessão de 16/02/2005, a aplicação da Lei nº 9.874, de 29 de janeiro de 1999, deverá ser irretroativa. Logo, o termo a quo do qüinqüênio decadencial, estabelecido no art. 54 da mencionada Lei, contar-se-á da data de sua vigência, e não da data em que foi praticado o ato que se pretende anular.”
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONCEDER EFEITO RETROATIVO APLICAÇÃO DA SÚMULA 168/2TJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I- Em relação à decadência administrativa, esta Corte vinha se manifestando no sentido de que, nos termos do art. 54 da Lei nº 9.784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorressem efeitos favoráveis para os destinatários decaía em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
II- Não obstante, em recente julgamento, a Eg. Corte Especial deste Tribunal pacificou entendimento no sentido de que, anteriormente ao advento da Lei nº 9.784/99, a administração podia rever, a qualquer tempo, seus próprios atos quando eivados de nulidade, nos moldes como disposto no art. 114 da Lei nº 8.112/90 e nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Restou ainda consignado, que o prazo previsto na Lei nº 9.784/99 somente podia ser contado a partir de janeiro de 1999, sob pena de se conceder efeito retroativo à referida Lei.(…)”
Ressalte-se que, até recentemente, o STJ vinha se posicionando pela prescrição administrativa, nos termos do art. 54, da Lei Federal nº 9.784/99, aplicando como termo a quo aquele fixado no próprio dispositivo acima mencionado (data da prática do ato, salvo comprovada má-fé):
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. DEPENDÊNCIA. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA.
1. Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade é a exceção.
2. Na ausência de lei estadual específica, a Administração Pública Estadual poderá rever seus próprios atos, quando viciados, desde que observado o prazo decadencial de cinco anos. Aplicação analógica da Lei nº 9.784/99.
3. Recurso Especial não conhecido.”
Nesse passo, bem de ver que cabe ao Superior Tribunal de Justiça a função de uniformizar a aplicação do direito federal , conforme as atribuições previstas no art. 105, da Constituição Federal.
De outra parte, nos mandados de segurança impetrados por servidores deste Legislativo perante o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nas ações em que a prescrição administrativa chegou a ser questionada e apreciada, o entendimento adotado foi a da doutrina conservadora (hoje já minoria) isto é, o da inexistência de prazo para invalidação de atos administrativos e para o exercício da autotutela. Inicialmente, os acórdãos eram unânimes nesse sentido, passando, porém, a ser julgados por maioria de voto (cópias anexas):
– No MS 117.158-0/9-00 impetrado por Branca Apparecida de Oliveira e outras – Órgão Especial – restou entendido pela maioria que:
“…nada obsta, conforme entendimento consagrado na Súmula 473 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, que a Administração anule seus próprios atos, ‘quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos´, anulação essa para a qual, no dizer de HELY LOPES MEIRELLES, ‘não se exigem formalidades especiais, nem há prazo determinado para a invalidação, salvo quando norma legal o fixar expressamente´(cf. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, Ed. Malheiros, 20ª edição, p.190).
No caso, aliás, sequer teria curso prazo algum para a revisão a que procedeu a Mesa da Câmara Municipal, porque, na verdade, a violação aos princípios que regem a administração pública se renovava mês a mês, com o pagamento ao servidor de verba indevida, em virtude de sua origem ilegítima, o que possibilitava o exercício a qualquer tempo do dever de autotutela inerente à Administração, ainda que com efeitos somente daí para diante.”
Saliente-se que seu relator o E. Desembargador Paulo Shintate, foi vencido, declarando seu voto pela concessão parcial da segurança e acolhendo a incidência do prazo qüinqüenal para a Administração Pública rever seus atos.
Nesse passo, ressalte-se que o fundamento acolhido por maioria, no acórdão em comento não se coaduna com a doutrina e a jurisprudência mais abalizadas, nem ao menos com as normas em vigor que prevêem o termo “a quo” para a contagem da prescrição/decadência administrativa.
O artigo 1º, do Decreto 20.910/32 dispõe que “ As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem como assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”
O art. 54, § 1º da Lei 9.784/99 prescreve que “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.”
A se acolher o entendimento do referido acórdão, nenhum ato que surtisse efeitos patrimoniais contínuos se submeteria à decadência, configurando-se verdadeira burla aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da boa fé.
– No MS 117.234.0/6 impetrado por Jercy Baldoino da Costa – Órgão Especial – restou julgado que:
“Em seu poder de autotutela, a Administração tem obrigação de anular os atos que ferem o ordenamento legal e constitucional, porque atua sempre em estrito cumprimento ao que dispõe a lei – princípio da legalidade (CF, art. 37, caput). Assim atuando não ofende a segurança ou certeza jurídica; ao contrário, age conforme o poder-dever de que é investida e em cumprimento à legalidade.”
Em declaração de voto vencido, o E. Desembargador Marcus Andrade assim posicionou-se:
“3. Não se questiona a ineficácia da transposição, ante a norma constitucional. Esse entendimento, inclusive, já foi definitivamente estampado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 685 (…)
4. O tópico nuclear é diverso e atinente a se admitir (ou não) se o decurso do tempo obsta a atuação administrativa. Assiste à administração a possibilidade de desconstituir, invalidar, a qualquer tempo os atos viciosos que, porventura, tenha emitido, realizado ou permitido que se realizassem? Em suma, o ato administrativo nulo prescreve ou decai?
A resposta a esse último questionamento é afirmativa, pois esse poder-dever da administração de anular os atos viciados está restrito a determinado lapso de tempo, de molde a resguardar o princípio da segurança jurídica.
(…)
Quanto ao prazo mais razoável para que esgotada a possibilidade desse poder-dever de agir, deve-se admitir que seja de 5 anos, conforme expresso no artigo 54, da lei 9.784/99 (a lei 20.910/32, de 6 de janeiro de 1932, assim já dispunha) aplicável analogicamente (…)
O prazo decadencial de 5 anos vem sendo reiteradamente aplicado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, em observância da mencionada lei 9.784/00, ressalvado apenas que o termo “a quo”, quando o ato não lhe for posterior, é o da entrada em vigor da lei, ou seja, 1999.
(…)
Inviável pretender a Administração aplicar o prazo previsto no inciso I, do artigo 10, da lei estadual 10.117, de 30 de dezembro de 1998 (…)
E isto porque, o parágrafo 4º, do art. 24, da Constituição da República, dispõe que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia de lei estadual, no que lhe for contrário. Ora, a lei 9.784, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, fixou prazo mais restrito do que a estadual e foi editada em 29 de janeiro de 1999, portanto, em data posterior. Tendo regulado a questão de maneira geral, suspende a eficácia da mencionada lei estadual, no tópico.
10. Pelo exposto, a revisão do ato administrativo de integração aos cargos – e que reduziu significativamente os proventos do impetrante -, pela Mesa da Câmara Municipal, publicado em 14 de agosto de 2004, excedeu o prazo decadencial de 5 anos.
11. Por meu voto, concedo a segurança.”
Ressalte-se, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, em recurso ordinário interposto em Mandado de Segurança nº 21.595-SP (2006/0042656-9) – cópia anexa, por meio de decisão proferida pelo Min. Gilson Dipp, tendo como recorrente servidora desta Casa, Maria Lúcia Simões de Oliveira, a despeito de negar seguimento ao recurso, assentou o mesmo entendimento do acórdão já citado, no Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 571450/RS (2005/0104729-0) (cf. nota 12), reafirmando que o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/99 somente poderia ser contado a partir de janeiro de 1999, sob pena de se conceder efeito retroativo à referida lei. Dessa feita, posicionou-se pela incidência da decadência administrativa, prevista no art. 54 da Lei Federal nº 9.784/99, cujo prazo é qüinqüenal, a partir do início de sua vigência.
De outra parte, como já salientado anteriormente neste parecer, apesar do entendimento sustentado pela D. Procuradoria Geral do Município e pelo Colendo Tribunal de Contas do Município, a doutrina nacional mais destacada não compactua com o entendimento de que, na ausência de norma que estabeleça prazo prescricional/decadencial, possa a Administração Pública abrir mão da regra da prescritibilidade (prevista no art. 37, § 5º da CF) para o exercício da autotutela, ou que, à falta de lei específica, e à guisa de se recorrer à interpretação extensiva ou à analogia se opte pela aplicação de norma que não atenda ao princípio da isonomia, princípio basilar do Estado Democrático de Direito.
Explico: na ausência de norma específica que estabeleça prazo prescricional/decadencial para a revisão de seus próprios atos, a Administração Pública deve utilizar, em respeito ao princípio da isonomia, o mesmo prazo prescricional/decadencial do qual se favorece em relação ao particular.
Esse é o entendimento que vem sendo sustentado, remansosamente, por Hely Lopes Meirelles, Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dentre outros, consoante já realçado.
Ressalte-se que esse, outrossim, foi o posicionamento do Excelentíssimo Min. José de Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, em aula magna proferida em 28/11/2005, no “Seminário Nacional de Direito Administrativo” promovido pela NDJ, do qual esta subscritora teve a honra de participar, e cujo tema ministrado foi “Prescrição Administrativa: Sentido e Alcance da Expressão em Face do Direito Positivo” . O eminente Ministro ao finalizar sua palestra, espancou qualquer dúvida quanto a incidência do prazo qüinqüenal de prescrição/decadência, pela Administração Pública, quando da inexistência de norma específica que disponha de modo diverso:
“Esse prazo, até por eqüidade, deve ser o mesmo estabelecido pela Administração como sujeito ativo em relação ao particular; é a aplicação também do princípio da isonomia que, por seu turno, é um dos pilares do sistema jurídico brasileiro.”
Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão prolatado nos autos do Recurso Especial nº 623.023-RJ (2004/0011071-9), em que a Ministra Eliana Calmon foi relatora:
“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – COBRANÇA DE MULTA PELO ESTADO – PRESCRIÇÃO DE DIREITO PÚBLICO – CRÉDITO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA – INAPLICABILIDADE DO CC E DO CTN – DECRETO 20.910/32 – PRINCÍPIO DA SIMETRIA
1. Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil.
2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a título de multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa, não representando, por isso, a exigência do crédito tributário, afasta-se do tratamento da matéria a disciplina jurídica do CTN.
3. Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria.
3. Recurso especial improvido.”
Saliente-se, outrossim, que não foi outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em acórdão recentemente julgado pela Sétima Câmara de Direito Público, tendo como relator o Desembargador Milton Gordo , sendo apelado o Departamento de Despesa de Pessoal da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo (cópia anexa):
“SUSPENSÃO DA COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA (EX-SERVIDORES DA CETESB) – Direito assegurado desde 26/2/96 e 6/3/89 pelas Leis 4819/58 e 200/74 – Sentença reformada (…) – Doutrina acerca da Lei nº 10.177/98, para se reconhecer a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto 20.910/32: ‘…os atos administrativos realizados antes da entrada em vigor da Lei nº 10.177/98 só passaram a submeter-se ao prazo decenário se a prescrição pelo prazo de cinco (5) anos ainda não havia àquela altura se consumado pelo Decreto nº 20.910/32, aplicável, à semelhança das ações pessoais contra a Fazenda Pública ‘quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa’ – Recurso provido.
(…)
Os atos de concessão da complementação atenderam à orientação normativa da Administração Pública Estadual, de observância obrigatória à época, desde que decorrente de diretriz aprovada pelo Governador do Estado. De legitimidade induvidosa, produziram esses atos os seus regulares efeitos, incorporando aos proventos dos servidores o resultado patrimonial correspondente que se mantém por força da prescrição, bem defendida pelos autores, com apoio na melhor doutrina, como se colhe, ‘verbis’: ‘embora o prazo para a Administração paulista invalidar seus próprios atos tenha passado a ser de dez (10) anos a partir da vigência da Lei nº 10.177/98, forçoso reconhecer que isso em nada alterou o critério transato, com base no qual, à mingua de disciplina específica sobre o tema, se erguia como paradigma legítimo de aplicação analógica a prescrição qüinqüenal prevista no Decreto nº 20.910/32 rendendo-se assim, ao menos no que concerne ao passado homenagem ao princípio da igualdade que a Lei nº 10.177/98 se recusou a prestar.
Logo, os atos administrativos realizados antes da entrada em vigor da Lei nº 10.177/98 só passaram a submeter-se ao prazo decenário se a prescrição pelo prazo de cinco (5) anos ainda não havia àquela altura se consumado pelo Decreto nº 20.910/32, aplicável à semelhança das ações pessoais contra a Fazenda Pública ‘quando a lei não fixa prazo para a prescrição administrativa’, conforme entendimento perfilhado por Hely Lopes Meirelles, obra anteriormente citada, pág. 590. Esse entendimento é partilhado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, obra anteriormente citada, pág. 610: “Ficamos com a posição dos que, como Hely Lopes Meirelles, entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto nº 20.910/32. Quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direitos de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência’. De igual forma o magistério de Lúcia Valle Figueiredo, ‘Curso de Direito Administrativo’, 2ª ed., Malheiros Editores, 1998, pág. 152, para quem, como as situações jamais são de ‘ mão única’, assim como as ações da Administração Pública devem respeitar o prazo de cinco anos, o poder de autotutela à invalidação de seus atos não pode dar-se em prazo maior.
Daí porque, o ato de concessão do benefício da complementação de aposentadoria aos apelantes não é passível de revisão, porquanto realizado em média há mais de 15(quinze) anos atrás, em estrita conformidade ao ato normativo baixado pela autoridade coatora, não estando sujeitos, portanto aos malsinados efeitos preconizados pelo Parecer nº 249/2002, pois encontra-se consumada a prescrição pelo Decreto nº 20.910/32 no caso dos postulantes”(grifos meus)
Ante o exposto, respaldada na melhor doutrina e jurisprudência, e com fundamento no art. 37, § 5º, da CF, a meu ver, não resta dúvida de que, no caso do Município de São Paulo, em face da ausência de norma específica que disponha sobre o assunto, deva ser aplicada a norma prevista no Decreto nº 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal para os direitos e ações oponíveis à Fazenda Pública:
“Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”. (grifei e negritei)
Observo, de outra parte, a viabilidade da aplicação da norma prescricional contida no art. 54, da Lei nº 9.784/99, a qual fixa o prazo de 5 anos para a Administração Pública anular os atos administrativos praticados, à vista dos julgados do Superior Tribunal de Justiça, já citados, no sentido da aplicação analógica do diploma federal.
Dessa forma, verifica-se que:
1. A prescrição administrativa é regra geral, de ordem pública, de aplicação obrigatória à Administração Pública, prevista no art. 37, § 5º, da CF, essencial ao Estado Democrático de Direito, que se inscreve como princípio informador do ordenamento jurídico, em consonância com os princípios basilares da segurança jurídica, da boa-fé e da isonomia;
2. Impropriamente, se fala em prescrição , indistintamente, para designar a perda do direito de ação judicial (prescrição propriamente dita) e para referir-se à perda do próprio direito (decadência);
3. Mais apropriado seria dizer-se “decadência administrativa” para o transcurso do prazo que impede a prática de um ato pela própria administração;
4. A decadência administrativa, pois, impede a invalidação dos atos, mesmo que nulos, após dado transcurso de tempo, como fator de estabilização das relações constituídas;
5. O prazo prescricional/decadencial, de 5 (cinco) anos tem sido uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, “quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos”;
6. Na esfera federal, a Lei nº 9.784/99, estabeleceu em seu art. 54 o prazo decadencial de 5 anos para anulação dos atos ilegais que decorram benefícios para os administrados, salvo comprovada má-fé; a exemplo do prazo qüinqüenal de prescrição estabelecido no Decreto nº 20.910/32 do administrado em face da Fazenda Pública;
7. Na esfera estadual, a Lei nº 10.177/98 fixou no art. 10 o prazo de 10 anos para a Administração Pública Estadual anular seus atos inválidos, contados de sua produção;
8. O Município de São Paulo não estabeleceu norma específica fixando prazo para que se opere a decadência administrativa de rever seus próprios atos;
9. O Supremo Tribunal Federal, em jurisprudência recentíssima e abalizada, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, aplicou o prazo qüinqüenal de prescrição, fundamentando-se no princípio da segurança jurídica, para manter atos administrativos homologatórios da transposição que havia ocorrido muitos anos antes da entrada em vigor da Lei Federal nº 9.784/99;
10. O Superior Tribunal de Justiça, na sua função de uniformizador da aplicação das normas federais, tem se posicionado no sentido de que, não havendo norma estadual fixando prazo prescricional, seja adotado aquele estabelecido na Lei Federal nº 9.784/99, aplicável a partir da entrada em vigor do referido diploma legal;
11. Em decisão recente do STJ, nos autos do recurso ordinário interposto em mandado de segurança por servidora desta Casa Legislativa, foi reiterado o posicionamento acima mencionado;
12. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos mandados de segurança impetrados por servidores desta Casa em que restou ventilada a questão, foi afastada a prescrição administrativa, ressaltando-se que tal entendimento não foi unânime, conforme declarações de voto vencido fundamentadas. Saliento, ainda, que em muitas ações esta questão continua pendente de apreciação em face dos recursos interpostos, não havendo, portanto, trânsito em julgado na maioria delas;
13. A Sétima Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, em recente julgado, estabeleceu que anteriormente ao prazo decenal de prescrição fixado pela Lei Estadual nº 10.177/98, aplicava-se, no âmbito estadual, na ausência de norma em sentido diverso, o prazo prescricional de 5 anos previsto no Decreto nº 20.910/32, citando, para tanto a mais abalizada doutrina administrativista pátria;
14. Dessa forma, diante da falta de norma específica municipal fixando prazo maior, tenho que não há possibilidade de se aplicar a norma estadual que estabelece o prazo decenal de decadência, a título de interpretação extensiva ou analógica, pois se a Administração se favorece do prazo prescricional estabelecido no Decreto nº 20.910/32, deve, necessariamente, aplicá-lo com relação aos seus administrados e servidores esse mesmo prazo, em face do princípio da isonomia, consoante leciona Celso Bandeira de Mello:
“Nas hipóteses em que se trate de rever uma anterior decisão sua, haver-se-á de entender, caso não haja outro prazo estabelecido, que o prazo decadencial jamais excederá àquele correspondente ao da prescrição da ação judicial de que disporia. Pois é óbvio que o termo prescritivo de tal ação destina-se precisamente a proporcionar a estabilização das situações jurídicas.”
Por fim, observo, por oportuno, que o entendimento esposado por esta ACJ, no parecer nº 362/04, qual seja, o da aplicação da norma prescricional qüinqüenal contida no art. 54, da Lei 9.784/99, de outra parte, afigura-se plenamente possível, à vista dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, acima citados, como também dos julgados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, aqui referidos – MS 117.158-0/9-00, por meio da declaração de voto vencido do E. Desembargador Paulo Shintate e MS 117.234.0/6, conforme declaração de voto vencido do E. Desembargador Marcus Andrade.
Este é meu parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Senhoria.
São Paulo, 30 de outubro de 2006.
Maria Cecília Mangini de Oliveira
Advogada Supervisora – ACJ.1
OAB/SP 73.947
INDEXAÇÃO
Prescrição
Decadência administrativa
decadência