Parecer n° 434/2009

Parecer nº 434/09

Ref. Memo. SGA.14 nº 1.108/09 (TID nº xxxxxxx)
Interessado: Secretaria de Recursos Humanos – SGA.1
Assunto: Nomenclatura do lugar instituído na organização do serviço público para os servidores vinculados à Administração pelo regime celetista – Possibilidade de promover atualização das atribuições dos servidores celetista com acréscimo de atividades inerentes às funções para as quais o servidor foi contratado

Senhor Procurador Supervisor,

A Secretaria de Recursos Humanos questiona sobre qual seria a nomenclatura mais apropriada para designar o lugar instituído na organização do serviço público para os servidores vinculados à Administração pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Para xxxxxxxxxxx cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público para ser provido por servidores vinculados à Administração por intermédio do regime estatutário. Preleciona o referido jurista que “os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo, de índole não contratual”.

Ainda de acordo com xxxxxxx os servidores vinculados à Administração pelo regime celetista ocupariam centros de competência denominados de empregos públicos, uma vez que estes “são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los sob relação trabalhista”.

A doutrina, portanto, dá denominação diversa ao lugar instituído na organização do serviço conforme seja o vínculo jurídico do servidor com a Administração, se estatutário este centro de competência denomina-se cargo, se sujeito às regras da lei trabalhista a denominação utilizada é emprego público.

Tal diferenciação de denominação decorre da necessidade de se evitar confusões terminológicas ao se fazer referência a uma ou outra situação.

Entretanto, em termos práticos, ainda que se designe formalmente, na lei, o lugar instituído na organização do serviço público para os servidores vinculados à Administração pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho como cargo, nenhuma repercussão prática haverá em relação ao seu vínculo com a Administração, esta continuará sendo regida pelas leis trabalhistas.

Tradicionalmente, os centros de competências instituídos pela lei para serem ocupados por servidores regidos pela regras da CLT são denominados, ainda que impropriamente – se se tomar por pressuposto a conceituação da doutrina –, de funções.

Não vislumbro razões para que seja alterada esta denominação tradicional, de forma que se sugere que o lugar instituído na organização do serviço público para os servidores vinculados à Administração pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho continue a ser designado como função.

Questiona-se ainda se seria juridicamente possível promover atualização das atribuições dos servidores celetista, determinando-se um acréscimo de atividades inerentes à função para a qual os mesmos foram contratados.

xxxxxxxxxxxx “definem-se como qualitativas as alterações no objeto do contrato de trabalho que atingem a natureza das prestações pactuadas, isto é, a estrutura constitutiva dessas prestações”. Sendo a modificação de função “a principal alteração qualitativa que se apresenta no cotidiano trabalhista”.

Decorre do art. 468 da CLT o princípio da imodificabilidade do contrato de trabalho, assim, em regra, a relação contratual originalmente estabelecida não pode ser modificada unilateralmente pelo empregador.

Contudo, tal princípio não é absoluto e sofre o influxo de outros princípios de direito do trabalho que atenuam sua rigidez dogmática, como o princípio do jus variandi, desenvolvido pela doutrina italiana como consequência do reconhecimento do poder diretivo do empregador.

xxxxxxxxxxx que “em contraste com o princípio legal da imodificabilidade das condições de trabalho, a doutrina elaborou o princípio do ‘jus variandi’ que pode ser enunciado como o direito do empregador, em casos excepcionais, de alterar por imposição e unilateralmente as condições de trabalho dos seus empregados”.

O conteúdo desse poder de direção do empregador que lhe confere a prerrogativa de, em determinadas situações, alterar unilateralmente as condições de trabalho, foi muito bem delineado por xxxxxxxxx, que com a propriedade que lhe é peculiar pontifica o seguinte entendimento:

“A diretriz do jus variandi informa o conjunto das prerrogativas empresariais de, ordinariamente, ajustar, adequar e até mesmo alterar as circunstâncias e critérios de prestação laborativa pelo obreiro, desde que sem afronta à ordem normativa ou contratual, ou, extraordinariamente, em face da permissão normativa, modificar cláusula do próprio contrato de trabalho.
O jus variandi é corolário do poder diretivo, concentrado no empregador no contexto da relação de emprego, configurando-se, ao mesmo tempo, como concretização desse poder diretivo (caput do art. 2° da CLT: o empregador dirige a prestação de serviços).
Classifica-se o jus variandi em ordinário e extraordinário, conforme o objeto de sua atuação.
O jus variandi ordinário concerne à alteração unilateral de aspectos da prestação laborativa não regulados por norma jurídica heterônoma ou autônoma, quer pelas cláusulas do respectivo contrato de trabalho. Traduz a dimensão mais comum e diversificada do jus variandi empresarial, tendo como “campo próprio, específico… exatamente o da prestação de serviços”, atuando em campo e matérias não previamente reguladas pelo contrato ou por norma jurídica.
(…)
Pelo jus variandi ordinário, de maneira geral, ajustam-se, modulam-se ou se alteram aspectos não essenciais da relação entre as partes. Contudo, tais aspectos têm importância fundamental à dinâmica e evolução empresariais.
O jus variandi extraordinário, por sua vez, concerne à alteração unilateral de cláusulas do contrato de trabalho, provisoriamente ou não, em situações genéricas ou especificamente autorizadas pela ordem jurídica heterônoma ou autônoma trabalhista. Traduz dimensão excepcional e pouco diversificada do jus variandi do empregador atingindo de modo permanente ou provisório o contrato de trabalho ajustado. Atua, portanto, em campo e matérias previamente reguladas pelo contrato ou por norma jurídica.

Na espécie vertente não se trata propriamente de alterar a função do empregado, a função deste é caracterizada por um conjunto de atribuições ou tarefas. Ainda segundo Maurício Godinho Delgado a “função é conjunto sistemático de atividades, atribuições, e poderes laborativos, integrados entre si, formando um todo unitário no contexto da divisão do trabalho estruturada no estabelecimento ou na empresa”, já a tarefa ou atribuição “consiste em uma atividade laborativa específica, estrita e delimitada, existente na divisão do trabalho estruturada no estabelecimento ou empresa”.

Desta forma, feita a distinção entre função e atribuição ou tarefa, é possível depreender que, in casu, não se pretende a alteração da função para o qual o servidor foi contratado, apenas pretende-se explicitar de modo mais detalhado o conteúdo ocupacional de suas funções. Na verdade, nesta explicitação, não se pretende impor atribuições ou tarefas que já não sejam inerentes ao conteúdo das funções para as quais o mesmo foi contratado.

O princípio da imodificabilidade atinge apenas as cláusulas contratuais. Na hipótese em consideração faz parte do núcleo do contrato trabalhista a determinação da função para o qual o servidor foi contratado.

A especificação das atividades ou atribuições que fazem parte do conteúdo funcional desenvolvido pelo servidor não representa alteração das cláusulas contratuais, desde que, obviamente, guardem relação de pertinência com a função para o qual o mesmo foi originalmente contratado.

Sendo assim, inserem-se no âmbito do jus variandi ordinário do empregador, poder este que lhe faculta, consoante o explicitado no magistério de Maurício Godinho Delgado, acima transcrito, modular certos aspectos da relação de trabalho, sem contudo alterar as cláusulas essenciais do pacto laboral.

Face as considerações expostas nas linhas precedentes conclui-se, em síntese, que o lugar instituído na organização do serviço público para os servidores vinculados à Administração pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho pode ser designado como função e não há óbices jurídicos a que se proceda a atualização das atividades ou atribuições que constituem o conteúdo de cada função, desde que, obviamente, estas sejam inerentes à função originalmente contratada.

É meu parecer que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 19 de novembro de 2.009.

ANTONIO RUSSO FILHO
Procurador Legislativo
OAB/SP n° 125.858