Parecer nº: 93/2012
TID nº: xxxxxxxxxxx
Assunto: Denominação de Bem Estadual por parte do Município
Ref: Requerimento nº3/2012 da Comissão de Administração Pública – Memo CAP: 11/2012
Sr. Procurador Legislativo Chefe
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Trata-se de parecer solicitado a esta Procuradoria através do requerimento nº 3/2012 de autoria do Nobre Vereador xxxxxx, no âmbito da Comissão de Administração Pública do Município de São Paulo, que visa obter informações acerca da legislação a ser aplicada quanto à denominação de patrimônio estadual cedido a título precário ao Município de São Paulo.
Para discorrer sobre tal tema, inicialmente, devem ser realizadas algumas considerações acerca dos institutos da doação, da permissão e da cessão de uso de bens públicos a fim de melhor elucidar a matéria e prestar com maior clareza e precisão as informações solicitadas pela presente consulta.
A permissão de uso consiste em um ato administrativo pelo qual a Administração Pública consente que certa pessoa utilize privativamente bem público, atendendo ao mesmo tempo interesses públicos e privados.
Trata-se de ato unilateral, discricionário e precário da Administração Pública. É unilateral, vez que a exteriorização da vontade é apenas da Administração Pública, embora o particular seja o interessado no uso; discricionário, porque depende da valoração acerca da conveniência e oportunidade do consentimento de sua realização; e precário, pois a Administração pode revogar a qualquer tempo a permissão caso sobrevenham razões de interesse público para tanto, não havendo, via de regra, direito a indenização em favor do administrado.
Enuncia que a permissão de uso é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. (In, Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 493)
Destaca que o regime permissional, menos rígido, tem sido caracterizado na doutrina tradicional como vínculo produzido por simples manifestação de vontade unilateral da Administração, através de um ato administrativo, discricionário e precário, que seria, por isso revogável a qualquer tempo. (Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 264).
Destaque-se, contudo, que os Tribunais têm exigido que o ato revogador tenha motivo bem definido e claro a fim de não mascarar possível desvio de finalidade em prejuízo do permissionário (TJ-MG ApCív nº 76.179, 1ª CCív, Rel. Des. Paulo Tinoco).
Por outro lado, a cessão de uso consiste na forma em que o Poder Público consente o uso gratuito de bem público para órgãos da mesma pessoa ou de pessoa diversa, incumbida de desenvolver atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade, de forma que a grande diferença desta modalidade para a permissão de uso consiste no fato de que na cessão de uso o consentimento para a utilização do bem se fundamenta no benefício coletivo decorrente da atividade desempenhada pelo cessionário.
Nesse compasso, o tema foi tratado pelo Tribunal de Contas da União no acórdão nº 187/2008:
(…) 8. Na mesma linha, definiu o Procurador-Geral junto a este Tribunal: ‘A cessão de uso de bens públicos é instrumento utilizado para viabilizar a cooperação entre órgãos ou entidades públicos. (…) Assim, quando julgado conveniente, determinado órgão poderá ceder o uso de espaços em edifícios públicos a fim de que outro órgão possa desenvolver atividade que interesse às duas unidades administrativas.
O prazo da cessão de uso de bem público pode ser fixado de forma determinada ou indeterminada e o cedente pode a qualquer tempo reaver a posse do bem cedido, tendo-se em vista que a cessão de uso também é realizada a título precário.
Dessa forma, percebe-se que a permissão e a cessão de bens públicos configuram-se como verdadeiros instrumentos de gestão do uso de bens públicos diferentemente do instituto da doação, o qual se caracteriza como verdadeira forma de alienação de bem público, vale dizer, como forma de transferência de sua propriedade a terceiros, desde que haja interesse público na transferência e desde que observadas as normas legais pertinentes.
Ressalte-se, contudo, que embora exista a efetiva possibilidade de a Administração Pública realizar doações de bens públicos, as quais deverão sempre ser feitas por meio de lei, tal possibilidade deve ser tida como excepcional e deve sempre atender a interesse público devidamente demonstrado.
Posto isso, devem ser explicitadas duas situações que podem ocorrer quanto à denominação oficial de um próprio quando da ocorrência de uma permissão ou de uma cessão de uso de um ente federativo para outro.
A primeira delas se dá quando ocorre a permissão ou a cessão de uso de um ente federativo para outro de uma área não edificada. Nessa situação, o ente que recebeu a área – permissionário ou cessionário – irá realizar alguma construção ou obra a fim de atingir o interesse público objetivado pela medida, de forma que, nesse caso, ele poderá denominar oficialmente referido bem, v.g., Município recebe área não edificada do Estado e constrói um hospital ou uma creche e a denomina oficialmente de acordo com a Lei Municipal nº 14.454, de 27 de junho de 2007, que consolida a legislação municipal sobre a denominação e a alteração da denominação de vias, logradouros e próprios municipais. Ressalte-se, ainda, que quando do retorno da área, aí sim edificada, ao ente permitente ou cedente, este poderá alterar a sua denominação oficial, vez que a efetiva gestão administrativa voltaria integralmente ao seu domínio em caráter definitivo.
O segundo caso ocorre quando da celebração de uma a permissão ou cessão de uso de uma área já edificada e devidamente equipada e que já possui uma denominação oficial.
Nesse segundo caso, entendo não poder o permissionário ou o cessionário alterar a denominação, vez que, nessa hipótese, quanto à denominação, aplicam-se as regras do ente que cedeu ou permitiu o uso do bem púbico, tendo-se em vista que a efetiva propriedade do bem continua pertencendo ao ente permitente ou cedente, devendo ser dito, ainda, que ambas as formas de gestão de bem público aqui tratadas são precárias, de forma que podem ser reavidas a qualquer tempo e, via de regra, sem indenização.
A fim de exemplificar esta segunda hipótese basta visualizar uma situação em que o Estado transfere ao Município a título de permissão ou cessão de uso área em que já exista um hospital ou uma creche em funcionamento, com todos os equipamentos correlatos, para a gestão do Município por um determinado prazo. Nesse caso, não pode o Município alterar a denominação do hospital pelas razões de fato e de direito retro expostas.
Com o intuito de corroborar o argumento até aqui exposto, destaque-se, nesse ponto, que o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o ato administrativo de permissão de uso de imóvel possui natureza precária e discricionária podendo ser cancelada a qualquer momento:
Processual Civil. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Ato Administrativo. Permissão de uso de imóvel municipal por particular. Natureza precária e discricionária. Possibilidade de cancelamento. Previsão contratual. Ausência de direito líquido e certo. 1. A autorização de uso de imóvel municipal por particular é ato unilateral da Administração Pública, de natureza discricionária, precária, através do qual esta consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Trata-se, portanto, de ato revogável, sumariamente, a qualquer tempo, e sem ônus para o Poder Público. 2. Como a Administração Pública Municipal não mais consente a permanência da impetrante no local, a autorização perdeu sua eficácia. Logo, não há direito líquido e certo a ser tutelado na hipótese dos autos. 3. Comprovação nos autos da existência de previsão contratual no tocante ao cancelamento da permissão debatida. 4. Recurso não provido. (STJ. Rel. José Delgado, RMS 16280/RJ, 1ª T., DJ 19 abr. 2004, p. 154.)
Todavia, de outra forma tal questão poderia ser enfrentada caso existisse uma doação de um ente federativo para outro, pois, nessa hipótese, ocorre a efetiva transferência da propriedade da área, esteja ela edificada ou não, de um ente para outro, de modo que a definitividade existente nessa operação enseja total autonomia administrativa quanto à gestão do bem transferido, inclusive, quanto a eventual denominação ou alteração de denominação.
Conclui-se, portanto, que é possível ocorrer à denominação por parte do ente permissionário ou cessionário quando estivermos diante de um caso de doação ou de permissão ou cessão de uso de uma área não edificada, lembrando que nesta segunda hipótese quando do retorno da área para a gestão do ente cedente ou permitente, este poderá alterar a denominação, tendo-se em vista a plena gestão administrativa que ele possui. Contudo, se estivermos diante de uma permissão ou cessão de uso de uma área já edificada e oficialmente denominada, não poderá o ente cessionário ou permissionário alterar a denominação.
Permanecemos à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.
São Paulo, 13 de abril de 2012.
Carlos Eduardo de Araujo
Procurador Legislativo
OAB/SP 256.848
RF 11.341
Marcella Falbo Giacaglia
Procuradora Legislativa Supervisora – Setor do Processo Legislativo
OAB/SP 111.393
RF 11.047