Parecer n° 94/2011

Parecer Procuradoria nº 94 /2011
Memo 24º. GV – n. 9/2011
Interessado: Vereador XXXXXXXXX
Assunto: Defesa Judicial da Imagem da Câmara. Aspectos civis e criminais. Ofensa à honra da Câmara e à de seus membros. Jurisprudência

Ilma. Sra. Procuradora Supervisora,

Cuida-se do exame em tese da hipótese, preconizada pelo Nobre Vereador XXXXXXXXX, de interposição de medidas judiciais, em resposta a circunstância de que a “Câmara Municipal de São Paulo e seus Pares est(ejam) sendo alvo de diuturnos insultos que maculam a boa fama do Parlamento e a honra objetiva e subjetiva dos Edis”.

Sem por ora me deter ao exame dos fatos em concreto narrados no memorando em apreço, tratarei, ainda que num terreno hipotético, de apresentar um panorama dos quadrantes conceituais e jurisprudenciais em que o tema se inscreve.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Antes de mais colhe recordar que a Lei n. 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, não mais se tem por recepcionada pela Constituição de 1988, segundo entendimento do C. Supremo Tribunal Federal – STF assentado em decisão plenária proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 130/DF.

Cabe, portanto, examinar o tema geral da prática de fatos ilícitos contra a honra, seja sob o ângulo civil, seja sob o criminal, indicando a respectiva projeção judiciária na hipótese do ofendido ser a Câmara ou o Vereador. Em todo o caso, tendo por referência o Código Civil ou o Código Penal, conforme o caso.
Também importa notar que, fosse o caso de asserções ofensivas proferidas por titulares de imunidade objetiva ou subjetiva (dita parlamentar), a matéria aqui tratada demandaria temperos, quando não mesmo tratamento qualitativamente diverso. Por esse motivo observo que as digressões que seguem tratarão a hipótese do Legislativo e/ou do Legislador na qualidade de ofendido, não na de ofensor.

2. INDENIZAÇÃO CÍVEL

2.1. Sob o ângulo da responsabilidade civil, é fora de questão que a tutela dos direitos de personalidade compreende a pessoa natural do agente político; de tal sorte que em caráter individual poderá qualquer Vereador, que se sinta ofendido, perseguir judicialmente a reparação do dano pessoal (também chamado dano moral) contra quem de direito. A decisão, no caso, cabe individualmente ao ofendido. De igual modo, os meios necessários à dedução judicial da respectiva pretensão reparatória deverão ser por ele proporcionados; até porque aproveita ao feixe de direitos personalíssimos do próprio ofendido.

2.2. Um pouco mais delicada é a hipótese, também plausível em tese, de reparação de dano moral em favor da Municipalidade . Hoje é fora de questão que a prática da difamação pode também resultar em ofensa a ente ou pessoa jurídica (numa extensão que antes se admitia reservada à honra de pessoas naturais). O ponto a realçar, entretanto, é que na grande maioria dos casos, as imputações ofensivas assacadas em contextos semelhantes são endereçadas à pessoa dos agentes políticos; no caso: os Vereadores. Não propriamente à Câmara ou ao Município. Mesmo nos casos em que a Câmara é nominalmente indigitada, patenteia-se que a desqualificação é endereçada aos agentes políticos que a integram, quando não enaltecendo a conduta particularizada de seus dirigentes. É necessário ter presente, por outro lado, que nesse tópico focaliza-se não apenas a caracterização de conduta ofensiva, mas também daquela que, por suas características, seja apta a ensejar a reparação estritamente civil da lesão, sob a forma de indenização por dano moral (ou pessoal) autônoma. Como sinto, a remota hipótese de uma ofensa que produzisse, eventual ou intencionalmente, lesão à honra objetiva, fazendo assim nascer o consequente direito autônomo à reparação por dano moral, demandaria uma aproximação peculiar e específica sob o ângulo da responsabilidade civil em concreto. O mesmo não diria daquela reparação civil decorrente de condenação criminal , que nesse caso consistiria num dos efeitos possíveis da pena.

3. RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL

3.1. Câmara como ofendido.
A hipótese já não mais suscita maior estranhamento.
Se antes muito se afirmou no sentido de que entes ou pessoas jurídicas não poderiam figurar como ofendidos por crimes contra a honra, ao argumento de inexistência de honra objetiva a ser tutelada, hoje a matéria merece tratamento diverso.
Não que se cogite do cabimento de todo ou qualquer ilícito contra a honra.
Assim, portanto, não cabe falar de injúria contra pessoa jurídica.
Também as hipóteses de calúnia são excepcionais, ficando de regra restritas à imputação de fato consistente em crime ambiental.
Caso ordinariamente aceito é o do crime de difamação, a vitimar pessoas jurídicas.
Em célebre decisão no Recurso em Habeas Corpus n. 61993/RS, por votação unânime de 14.12.1984 –Relator Francisco Rezek – a 2ª. Turma do STF ementou decisão afirmando que “a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação. Não, porém, de injúria ou calúnia”. Na mesma direção, em decisão mais recente, o Tribunal Regional Federal – TRF da 1ª. Região – Petição Criminal n. 2007.01.00.017764-2/PA, Relator Hilton Queiroz, reproduz esse entendimento esclarecendo, sob o ângulo processual, que “pessoa jurídica pode ser sujeito passivo e, como tal, figurar como titular da ação penal em crime de difamação (citando precedentes).
No mesmo diapasão vem mais recente pronunciamento do STF, em decisão plenária e unânime, no julgamento de 11.04.2002 (Relator Maurício Corrêa – Ag.Reg.na Petição Pet. 2491 AgR/BA: “ A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia, sujeitando-se apenas à imputação de difamação. Precedentes.”

Ora bem, num caso de asserção difamatória contra a Câmara Municipal de São Paulo, para além da tipicidade da conduta, seria necessária a determinação do Presidente da Casa, acompanhada da autorização de Plenário (arts. 16 e 17, VI, b), ambos do Regimento Interno, para proceder ao ajuizamento da pertinente queixa crime . Isso, naturalmente, observando-se o intervalo decadencial de seis meses (art. 38 de Código de Processo Penal).

3.2. Vereador como ofendido.

Para fins penais, a figura do Vereador, assim como a de todo agente político (observadas derrogações que porventura a lei excepcione), é tratada como funcionário público (art. 327 do Código Penal).

Em amplos traços, tenha-se em mente que à tutela criminal da honra do Vereador é confiada a mesma proteção legal dispensada aos demais cidadãos.

Assim, por exemplo, os fatores materiais e processuais reservados à repressão da calúnia, da difamação e da injúria, em todas as modalidades, aproveitam a pessoa do Vereador.

Cabe destacar, entretanto, três particularidades dos crimes contra a honra, vitimando funcionário público “em razão de suas funções”:

1) os crimes têm sua pena agravada “de um terço” (caput do art.141 do Código Penal);

2) a natureza ação penal, que de regra é privada nessa espécie de delito, pode ser também pública condicionada à representação do ofendido ao Ministério Público ( § único do art. 145, combinado com art. 141, II, ambos do Código Penal); e

3) ao acusado de difamação, à semelhança do que ocorre de regra na calúnia, assiste o direito de fazer a prova da veracidade dos fatos imputados ao funcionário (exceptio veritatis), como meio de defesa e tema de cognição preliminar .

Lidando com o tema da duplicidade de veículos processuais (ação penal privada, e ação penal pública condicionada à representação do ofendido), o Supremo Tribunal Federal – STF, em 2003, fixou o entendimento de que:

“É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções” (Súmula 714 – STF)

Com a sedimentação dessa jurisprudência por meio da Súmula 714, o STF orientou a dogmática ao reconhecimento de que: 1) são simultaneamente dedutíveis ambas as ações penais; e, por consequência, de que 2) a legitimidade do ofendido funcionário, em razão do exercício da função, autoriza-o ao oferecimento de queixa, dentro de seis meses contados do conhecimento da autoria e materialidade do fato (art. 38 do Código de Processo Penal); de que 3) assiste ao ofendido a opção por representar ao Ministério Público ou oferecer ao juízo a queixa-crime; e de que 4) o exercício da escolha enseja a recíproca excludência entre as vias (não há mais falar no oferecimento de queixa, uma vez tendo representado). Visto o problema ainda sob outro ângulo: a legitimação concorrente confere ao ofendido uma singular opção, que uma vez exercida estabiliza um quadro processual de discutível reversibilidade. Tenha-se, por exemplo, que procedida à representação, confere-se ao Ministério Público a titularidade da ação e o juízo quanto à plausibilidade do oferecimento da respectiva denúncia. Nesse caso, ainda para exemplificar, eventual promoção de arquivamento, pelo promotor, não autoriza o oferecimento de queixa subsidiária pelo ofendido.

4. PEDIDO DE EXPLICAÇÃO

Conquanto não tenha sido objeto explícito das indagações do consulente, parece apropriado cogitar da hipótese de pedido de explicação.

Com efeito, recordar a literalidade do permissivo consubstanciado no art. 144 do Código Penal pode enriquecer o olhar sobre o tema.

Art. 144 – Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Quer parecer que o recurso à interpelação judicial, para pedido de explicação na forma antevista pelo art. 144, induvidosamente cabível tendo por ofendida a Câmara ou qualquer Vereador, deva sempre ser cogitado quando se examine a hipótese, seja de oferecimento de queixa, seja de representação ministerial, pela ocorrência de crime contra a honra vitimando funcionário propter oficium.

5. O CASO EM EXAME

Ao exame, em tese, apenas da cópia de uma página da web, acostada ao memorando, não vejo presentes aqui os elementos bastantes para caracterizar assaque verbal capaz de lesionar a honra da Câmara Municipal de São Paulo.

Com efeito, ainda que de gosto duvidoso e de claudicante domínio sintático, as asserções, vazadas na mensagem que tem por remetente XXX e por destinatário o Vereador Agnaldo Timoteo, parecem aquém do que reputo à altura de constituir fato lesivo a honra.

Não constato, no texto, atribuição à Câmara de conduta criminalmente punível, nem sequer capaz de por em risco sua reputação pessoal.

As críticas, ainda que contumazes, algumas manifestamente infundadas, quando não endereçadas para agentes políticos aos quais não são afetas muitas das matérias tratadas, tudo indica que gravitam no terreno da chamada esfera pública. Em síntese postulam, pelo bordão “não vote nem reeleja vereador” tal ou qual cidadão, a difusão de um juízo essencialmente político, ainda que personalizado. Nesse caso, portanto, sem imputação direta ou indireta à instituição Legislativo.

Acresce que o direito à pública manifestação de objeções de caráter político, endereçadas a agente políticos (em especial os titulares de mandato popular), constituem, de regra, exercício de liberdade pública tutelada pela Constituição. Ainda que porventura tal manifestação seja veiculada de modo imerecido, imoderado, grosseiro, intolerante e politicamente inconsequente: a liberdade de manifestação tenderá a acolhê-la em sua excepcional grandeza democrática.

É assim que vejo o caso em comento, sempre realçando que me louvo apenas no que foi juntado ao memorando consulente. Também não será demasiado observar que, por bons fundamentos, haverá quem possa sustentar entendimento diverso deste que ora explicito.

6. EM CONCLUSÃO

Coligindo cópia dos precedentes jurisprudenciais mencionados, em formato papel, objetivando ilustrar e facilitar a reflexão sobre a matéria, são essas as considerações que, na síntese que me foi possível, julgo pertinente oferecer para o momento.

Proponho em consequência, com vistas no exposto, que o expediente em comento seja elevado à apreciação da E. Mesa de modo a que: 1) sejam conhecidas as diferentes possibilidades de refutação judicial de ofensas; 2) em sendo o caso, seja definida a orientação das possíveis providências a serem adotadas na espécie.

À consideração superior.

São Paulo, 25 de março de 2011.

ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR
Procurador Legislativo RF 11.040
OAB/SP n. 69.936