Parecer ADM n° 0026/2021
Ref.: Protocolo Ouvidoria nº 10423 – Manifestante xxxxxxxxxxxxxxx (Id: xxxx)
Interessado: Ouvidoria
Assunto: Solicitação de informações relativas às empresas que formam o xxxxxxxxxxxxxxxxx obtidas no bojo de CPI.
ACESSO À INFORMAÇÃO. CPI. Acesso a atas de reuniões legislativas e a informações sigilosas obtidas no âmbito de CPI. Possibilidade de concessão de vistas aos autos, incluindo as atas das reuniões de CPI, por serem informações públicas. Impossibilidade de cessão de dados sigilosos de CPI. Falta de legitimidade de Casa Legislativa Municipal para obtenção de dados sigilosos de terceiros para subsidiar CPI em curso.
Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,
Trata-se de consulta formulada pela Ouvidoria a respeito de pedido de acesso à informação em que o Sr. xxxxxx, através do Protocolo nº xxxxx, solicita a disponibilização de ata das reuniões legislativas nas quais foram ouvidos funcionários e diretores do xxxxxxxxxxxxxxx e o acesso a informações sigilosas, exclusivamente vinculadas às empresas do xxxxxxxxxxxxxxxxx.
Informa, ainda, que atua como causídico da Câmara Municipal de Poá, e que as informações visam subsidiar Comissão Especial de Inquérito instalada para apuração de eventual ilícito de sonegação tributária pelo xxxxxxxxxxxxxxxxx no recolhimento de ISS no município de Poá.
Após a complementação das informações, aduziu o requerente que o pedido refere-se ao processo RDP Nº 08-00055/2017, que diz respeito à CPI – Sonegação Tributária.
É o relatório. Passo a opinar.
Trata-se de pedido advindo de outra Câmara Municipal para concessão de acesso a atas das reuniões em que foram ouvidos funcionários e diretores do xxxxxxxxxxxxxx, bem como a documentos sigilosos obtidos no bojo de CPI que já se encerrou nesta Casa Legislativa, com o fim de subsidiar CPI em andamento naquela Edilidade.
Compulsando-se os autos, verifica-se que, no bojo da CPI mencionada, foram obtidos dados protegidos por sigilo fiscal das pessoas físicas e jurídicas referidas no requerimento em apreço.
No que tange às atas das reuniões, bem como ao relatório, e demais partes do processo não classificadas como sigilosas, não há impedimento a que sejam fornecidas à requerente, por serem públicas.
Por outro lado, o acesso aos dados tratados como sigilosos pela CPI da Sonegação Fiscal merece ser estudado mais detidamente.
Para que possamos melhor compreender, cabe ressaltar que se trata de pedido de acesso a dados sigilosos de contribuintes formulado por Câmara Municipal, durante a condução de CPI.
Portanto, interessa verificar se dados protegidos por sigilo relativos a um contribuinte obtidos por meio de Comissão Parlamentar de Inquérito podem ser fornecidos a outro Poder Legislativo.
Em parecer desta Procuradoria, da lavra da Dra. Ana Helena Pacheco Savoia e do Dr. Luiz Eduardo de Siqueira S. Thiago, o tema do acesso de dados sigilosos obtidos por meio de CPI já foi objeto de estudo, cujas conclusões pedimos vênia para transcrever:
Diante do exposto, verifica-se a plena possibilidade de os advogados da Requerente terem acesso ao Processo RDP nº 08-00002/2017, referente à CPI da Dívida Ativa, com exceção da consulta a documentos considerados sigilosos pela CPI, em especial, documentos contendo dados fiscais ou pessoais de outros contribuintes, aos quais terceiros não poderão ter acesso, sob pena de violação do direito à privacidade e ao sigilo de dados, protegido pelo artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal.
No que tange às notas taquigráficas das reuniões e depoimentos prestados perante a CPI, nada obsta que sejam obtidas por cópia pelos advogados da Requerente, por se tratar de “elementos de prova já documentados”, para os fins da Súmula Vinculante nº 14. O acesso a outros documentos, contudo, dependerá da verificação prévia da sua natureza, sigilosa ou não, pelas razões já expostas.
Lembramos que a extração de cópias é permitida, mediante pagamento do respectivo custo e segundo o procedimento interno da Casa, com exceção de cópias de documentos considerados sigilosos.
Observe-se, ainda, que não há possibilidade de retirada do processo físico para vistas fora da Câmara Municipal de São Paulo, o que poderia prejudicar o bom andamento dos trabalhos da CPI.
Conclui-se, pois, pela possibilidade de se conceder acesso a elementos de prova já documentados nos autos, com exceção daqueles protegidos pelo sigilo, lembrando-se que, a critério da CPI, no interesse da investigação, certas provas poderão permanecer em sigilo, total ou parcialmente, até determinado momento. Igualmente, é possível à CPI privilegiar provisoriamente o sigilo das provas, em certas circunstâncias, até final apuração dos fatos, em prol de certas garantias constitucionais das pessoas investigadas (cf. Constituição Federal, art. 5º, LX; Código de Processo Penal, art. 20; Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 – Lei de Acesso à Informação, art. 23, VIII).
Além disso, as diligências em andamento, cujo conhecimento por parte do investigado ou de terceiro possa comprometer a eficácia das investigações, podem ser submetidas ao sigilo interno, devendo ser de conhecimento exclusivamente das autoridades envolvidas (membros da CPI, Juiz, Promotor ou Delegado de Polícia, a depender do caso).
Será caso de preservação de sigilo também quando a CPI tiver em seu poder informações decorrentes de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico das pessoas investigadas, este último apenas quanto aos dados e registros telefônicos, já que a interceptação de conteúdo de conversas e comunicações telefônicas está sujeita à cláusula de reserva de jurisdição. Conforme ensina ANTONIO SCARANCE FERNANDES, nesses casos o acesso aos dados sigilosos deve ser restrito aos membros da CPI:
“(…) as comissões têm meios compulsórios para o desempenho de suas atribuições, podendo, desde que com suficiente motivação e demonstração da existência de causa provável, decretar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, este apenas quanto aos dados e registros telefônicos, não importando em interceptação de comunicações telefônicas. Os dados obtidos devem ficar resguardados pelo sigilo, só podendo a Comissão ou qualquer um de seus membros divulgá-los ou revelá-los em situações excepcionais, como no relatório final dos trabalhos ou em comunicação destinada ao Ministério Público.” (Processo Penal Constitucional, 7ª ed., São Paulo, RT, 2012, p. 249 – negritos acrescentados)
Nesse sentido, os seguintes precedentes de jurisprudência:
“(…) somente têm direito de acesso aos dados sigilosos recolhidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito, neste caso, a autoridade, os senhores parlamentares membros da Comissão, o ora impetrante e seu defensor, tocando àqueles o inarredável dever jurídico-constitucional de a todo custo preservar-lhes o sigilo relativamente a outras pessoas. É o que não escapa à doutrina: Na prática, o sigilo não é transferido, já que os dados permanecem também com a instituição financeira repassadora, que continua com a obrigação de manter segredo. Destarte, prefere-se as expressões co-guarda ou co-proteção do sigilo (substantivo com o prefixo), significando o dever de manutenção do segredo por parte de todo aquele que tenha acesso a dados protegidos, inclusive de parlamentares integrantes de CPI, que devem respeitar e preservar o sigilo dos dados que lhes foram transferidos. A revelação de documentos e do conteúdo de debates ou deliberações sobre os quais a lei imponha sigilo ou a Comissão haja resolvido ser secretos, por parlamentares, acarreta-lhes a aplicação de pena de responsabilidade, por falta de decoro parlamentar, nos termos do regimento interno da respectiva Casa Legislativa. Na Câmara dos Deputados, a hipótese é de perda temporária do exercício do mandato, nos termos do artigo 246, inciso III do RICD‘ (José Vanderley Bezerra Alves, Comissões Parlamentares de Inquérito, PA, Sergio A. Fabris Ed., 2004, p. 392, n. 3.1).” (MS 24.882-MC, rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 26-4-2004, DJ de 30-4-2004 – negritos acrescentados)
“O pedido de devolução de documentos sigilosos (fiscais, bancários e telefônicos) não é de ser deferido. Como já afirmei no MS 24.882 (DJ de 30.4.2004), a CPI, como depositária fiel de tais dados, não os pode desvelar nem revelar a outrem, de modo direto nem indireto, em sessão pública, violando-lhes o segredo, que remanesce para todas as demais pessoas estranhas aos fatos objeto da investigação. Encerrados, porém, os trabalhos, se o impetrante teme o uso abusivo das informações, só lhe resta providenciar, junto a quem hoje as possa deter, e, consequentemente, esteja obrigado a guardá-las (muito provavelmente a seção de arquivos da Casa Legislativa), o que entender de direito. É que, extinta a CPI, se extingue o processo do mandado de segurança, sem que já nada possa ser determinado ao órgão temporário, cujos atos foram impugnados” (MS 23.709-AgR, rel. min. Maurício Corrêa, DJ de 29-9-2000; e MS n. 25081, rel. min. Joaquim Barbosa, DJ de 6-6-2005).” (MS 25.966, rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, julgamento em 25-8-2008, DJE de 2-9-2008 – negritos acrescentados)
Assim sendo, caso haja documentos sigilosos na chamada “Pasta J” da CPI ou mesmo fora dela (entregues aos membros da CPI, em papel, CD, DVD ou quaisquer arquivos digitais autônomos), caberá à CPI impedir que pessoas estranhas à CPI possam ter acesso a esses documentos. Pelas mesmas razões, os defensores da Requerente só poderão ter acesso a documentos públicos ou que digam respeito, tão-somente, a dados sigilosos da própria Requerente, que, eventualmente, possam interessar ao exercício do seu direito de defesa e que já estejam documentados nos autos.
Do exposto, ficou assentado que o acesso a dados sigilosos somente poderá ser franqueado à pessoa a que se referem, já que o fornecimento a terceiros, estranhos à CPI em que se quebrou o sigilo implicaria em violação ao art. 5º, inciso XII, da Constituição Federal:
Art. 5º
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Os poderes de investigação de uma CPI podem conduzir, no limite do estritamente necessário, fundamentadamente, à quebra de sigilo de pessoas investigadas. No entanto, o sigilo deve ser preservado no âmbito da CPI, não podendo ser franqueado o acesso a terceiros, não vinculados aos trabalhos da CPI.
No curso da mesma CPI objeto do parecer supracitado, fora impetrado mandado de segurança com o objetivo de concessão de acesso aos autos por parte dos advogados de associação que milita em favor de alguns dos investigados pela Comissão de Inquérito, sendo este julgado procedente, com considerações bastante relevantes, que destacamos:
Os impetrantes pretendem, em suma, a concessão de vistas do processo RDP 08-00002/2017 CMSP CPI-DAT e quaisquer apensos ou correlacionados, independentemente de decisão do Presidente da CPI da Dívida Ativa Tributária, a fim de poderem inteirar-se das acusações que lhes foram impostas, com fundamento nos primados da ampla defesa e do contraditório e em observância do devido processo legal, bem como do disposto no artigo 7º, incisos XIII, XIV e XV, da Lei nº 8.906/94.
(…)
No caso em tela, verifica-se que os impetrantes, advogados, foram regularmente constituídos, com o propósito de atuarem na defesa de seus clientes – Procuradores do Município de São Paulo que atuaram e atuam na área de Execução Fiscal Municipal -, razão pela qual deve ser observado o disposto no artigo 7º, incisos XIII, XIV e XV, da Lei nº 8.906/9 (Estatuto da Advocacia e OAB), in verbis:
Art. 7º São direitos do advogado:
(…)
XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;
Aliás, sobre o teor do art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, vale transcrever o que preleciona José Afonso da Silva:
- PRESTAÇÃO DAS INFORMAÇÕES. O direito previsto é o de receber informações requeridas que sejam de interesse do requerente, ou de uma coletividade a que ele pertence, ou gerais. A esse direito, devidamente requerido e formulado, corresponde a obrigação dos órgãos públicos de satisfazê-lo, mediante a prestação das informações requeridas no prazo que a lei estabelecer, que gira entre 15 a 30 dias. A prestação deve ser a mais completa possível. Se a obrigação não for cumprida no prazo de lei, fica a autoridade a que cabia satisfazê-la sujeita à pena de responsabilidade. (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 129).
Igualmente, deve ser observado o que preceituam os artigos 107 e 189, § 1º, do Código de Processo Civil, os quais estabelecem:
Art. 107. O advogado tem direito a:
I – examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá acesso aos autos;
Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
(…)
- 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, confirmo a liminar anteriormente concedida e concedo a segurança para que seja garantido aos impetrantes o direito de obterem vista e extração de cópias dos autos da CPI da Dívida Ativa Tributária (Processo RDP 08-00002/2017 CMSP CPI-DAT), bem como de quaisquer apensos ou correlacionados, independentemente de decisão da autoridade impetrada, nos termos do art. 7º, incisos XIII, XIV e XV, da Lei nº 8.906/94. (TJ SP. Processo nº 1038961-38.2017.8.26.0053. J. 20.10.2017).
Do que se apresentou, percebe-se que o acesso aos autos da CPI fora franqueado aos advogados de pessoa investigada pela CPI, com base no princípio da ampla defesa e do contraditório, situação totalmente distinta da que se apresenta no requerimento sob análise.
Sobre o assunto, em decisão emblemática, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os dados obtidos por meio de quebra de sigilo possuem destinação única e por isso, devem ser mantidos sob reserva, restritos ao processo investigatório em curso (MS 25.940. J. 26.04.2018). O caso refere-se a mandado de segurança impetrado por empresas investigadas no âmbito da CPMI dos Correios, contra o ato de divulgação da íntegra do relatório no site do Senado Federal, de forma irrestrita sem o tratamento adequado de dados de empresas protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, cuja quebra fora autorizada no âmbito da CPMI. Percebe-se que o sigilo pode ser quebrado, no entanto, deve ser preservado exclusivamente ao fim que originou a sua quebra, não podendo resvalar para finalidades outras e deve ser mantido mesmo após a conclusão da CPI, mantendo-se incólume em seus autos.
E em outras oportunidades, o Pretório Excelso decidiu no mesmo sentido:
“É manifesto que se devassa o sigilo bancário, fiscal e de comunicações, em caráter excepcional, apenas para a autoridade requerente e para todos os demais parlamentares jurídica e diretamente responsáveis pela investigação, nos estritos limites da necessidade e da proporcionalidade, donde o específico e correlato dever de o guardarem todos eles quanto a terceiros, enfim ao público. Noutras palavras, somente têm direito de acesso aos dados sigilosos recolhidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito, neste caso, a autoridade, os senhores parlamentares membros da Comissão, o ora impetrante e seu defensor, tocando àqueles o inarredável dever jurídico-constitucional de a todo custo preservar-lhes o sigilo relativamente a outras pessoas.” (MS 25.721-MC, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 02.02.2006). No mesmo sentido: STF, MS 24.882-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 30.04.2004; STF, 23.880-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 07.02.2001).
“Cabe à CPMI, no exercício de sua atribuição constitucional, zelar pela confidencialidade dos dados obtidos, somente deles fazendo uso em relatórios e atos internos, excepcionalmente, e sempre em razão do interesse público.” (MS 25.720-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 02.02.2006).
Assim, a CPI, ao receber dados sigilosos, estritamente com o fim de atender à investigação a que se destina, torna-se depositária fiel, devendo zelar pela manutenção do sigilo. A divulgação dos dados, como regra, somente é admitida para a comunicação ao Ministério Público e órgãos públicos dotados de poder de punição, tais como Administração Pública, em relação a seus servidores públicos. O STF esclarece:
“Havendo justa causa – e achando-se configurada a necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se refere o art. 58, §3º, da Constituição, seja, ainda por razões imperiosas ditadas pelo interesse social – a divulgação do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram não configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência revestida de absoluto grau de excepcionalidade”. (STF, MS 25. 717-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 01.02.2006).
Veja-se que o sigilo somente pode ser revelado às autoridades que possuam poder de punição para os atos que foram objeto de investigação. O sigilo é quebrado para que se possa efetivar a investigação e após isto, deve ser preservado com todo zelo, somente sendo revelado a quem irá responsabilizar os atos ilícitos verificados com a investigação. Não se pode abarcar neste conceito outros órgãos que estejam buscando realizar novo procedimento investigatório sobre os fatos revelados pelo sigilo, tais como outras CPIs de outros órgãos legislativos, que terão que se valer de seus próprios meios para obter os dados sigilosos, ainda que judicialmente. É o que se depreende da própria redação constitucional:
Art. 58.
- 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Destarte, entendemos que não se mostra viável o pedido de fornecimento de dados sigilosos obtidos no bojo da CPI da Sonegação Fiscal à requerente. A CPI em âmbito municipal possui poderes de obter os dados relativos à sua própria investigação, ainda que sigilosos. Entende Uadi Lammêgo Bulos:
“Esse mesmo raciocínio aplica-se às CPIs realizadas no plano municipal, distrital e, segundo o Pretório Excelso, estadual.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012).
O STF já se pronunciou quanto à quebra de sigilo por parte de CPI estadual:
“A quebra do sigilo bancário por parte das comissões parlamentares de inquérito constitui instrumento inerente ao exercício da função fiscalizadora ínsita aos órgãos legislativos e, como tal, dela também podem fazer uso as CPIs instituídas pelas Assembleias Legislativas, desde que observados os requisitos e as cautelas preconizadas em inúmeras decisões desta Corte sobre o tema. O contrário, ou seja, retirar aos legislativos estaduais a possibilidade de utilizar-se desse instrumento, equivale a criar um elemento adicional de apoucamento das já institucionalmente fragilizadas unidades integrantes da nossa Federação. Sobre esse tópico, concluo, portanto, que em termos gerais, ressalvadas diferenças orgânicas entre o Legislativo federal e os estaduais, o art. 58, §3º, da Constituição pressupõe inegável semelhança entre as comissões parlamentares de inquérito federais e estaduais, do que resulta a impossibilidade de a legislação federal limitar ou estabelecer proibições desproporcionais aos Legislativos estaduais e locais. Tanto seria assim que acredito que a expressa exclusão das CPIs estaduais e municipais da redação original do projeto de lei complementar (emenda apresentada pelo Senador Vilson Kleinubing na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, no projeto de lei do Senado 219/1995, parecer 58/1998) não tem resultado prático, pois não tem o condão de negar a aplicação natural de Constituição Federal sobre os poderes das CPIs. É que a possibilidade de as CPIs estaduais determinarem a quebra de sigilo permanece, ainda que sem tratamento legal específico, por aplicação direta da Constituição Federal e das normas estaduais aplicáveis.” (STF. ACO 730/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 11.11.2005).
No que se refere ao sigilo bancário, a Lei Complementar nº 105/2001 dispõe:
Art. 4º O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, e as instituições financeiras fornecerão ao Poder Legislativo Federal as informações e os documentos sigilosos que, fundamentadamente, se fizerem necessários ao exercício de suas respectivas competências constitucionais e legais.
- 1º As comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos sigilosos de que necessitarem, diretamente das instituições financeiras, ou por intermédio do Banco Central do Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários.
Diante disto, percebe-se que a negativa de fornecimento por parte desta Casa Legislativa não impede a obtenção dos dados necessários à investigação em curso na CPI da Casa Legislativa de Poá, sendo apenas a via inadequada. Poderá obter por seus próprios meios, ou através do Poder Judiciário, sendo o caso.
Por fim, não podemos deixar de frisar norma constitucional, que deve ser o pilar de qualquer pedido de acesso à informação: tal direito limita-se ao fornecimento de dados relativos à pessoa do requerente ou de interesse coletivo, sempre preservado o sigilo de dados assim declarados:
Art. 5º
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
Diante do exposto:
- a) o pedido pode ser atendido quanto ao fornecimento de atas das reuniões da CPI – Sonegação Fiscal;
- b) não há direito de acesso a dados sigilosos obtidos por meio de CPI, por faltar legitimidade à requerente, já que não se trata de pessoa investigada pela CPI já encerrada ou autoridade com função punitiva.
É a manifestação, que submeto à apreciação superior.
São Paulo, 08 de abril de 2021.
Cíntia Laís Corrêa Brosso
Procuradora Legislativa
OAB/SP nº 319.729