Parecer n° 91-ADM/2020

TID 19085312

Ref.: PA 200/2020

Interessado: SGA

Assunto: Requerimento de readmissão – Ex-servidora xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

 

Parecer ADM n° 0091/2020

 

READMISSÃO DE SERVIDOR – Previsão legal anterior à Constituição Federal de 1988 – Não-recepção – Impossibilidade de deferimento.

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de solicitação da Secretaria Geral Administrativa no sentido de obter apreciação jurídica do requerimento administrativo formulado pela ex-servidora xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, no sentido de ser readmitida no cargo do qual pediu exoneração em 2018, com fundamento nos arts. 10, inc. VI; 11 e 31 da Lei Municipal nº 8.989, de 30 de outubro de 1979 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo) e no art. 37, inc. II, da Constituição Federal.

Foram acostados aos autos a documentação relativa à nomeação da ex-servidora, ao processo administrativo de sua exoneração a pedido datado de 10/10/2018 e respectiva Portaria nº 44808/18, bem como aos atos relativos ao seu efetivo desligamento do cargo.

Informação prestada pela SGA.1 dá conta de que não há registro histórico de readmissão de servidor no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo.

É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

A requerente fundamenta seu pleito de readmissão no cargo que ocupou na Edilidade paulistana entre 12/08/2008 e 10/10/2018 nos arts. 10, inc. VI; 11 e 31 da Lei Municipal nº 8.989/79, que consubstancia o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo.

Assim prescrevem os dispositivos citados:

Art. 10 – Os cargos públicos serão providos por:

[…]

VI – Readmissão;

[…]

Art. 11 – Só poderá ser investido em cargo público quem satisfizer os seguintes requisitos:

I – ser brasileiro;

II – ter completado dezoito anos de idade;

III – estar no gozo dos direitos políticos;

IV – estar quite com as obrigações militares;

V – ter boa conduta;

VI – gozar de boa saúde física e mental e não ser portador de deficiência física incompatível com o exercício do cargo;

VII – possuir habilitação profissional para o exercício do cargo, quando for o caso;

VIII – ter sido previamente habilitado em concurso, ressalvadas as exceções legalmente previstas;

IX – atender às condições especiais, prescritas em lei ou decreto, para determinados cargos.

[…]

Art. 31 – Readmissão é o ato pelo qual o funcionário exonerado reingressa no serviço público, sem direito a qualquer ressarcimento e sempre por conveniência da Administração.

  • 1º – A readmissão dependerá da existência de vaga e da observância das exigências legais quanto à primeira investidura.
  • 2º – A readmissão dar-se-á de preferência no cargo anteriormente ocupado, podendo, no entanto, verificar-se em outro de igual referência de vencimento, respeitada a habilitação profissional.

Como se observa, o art. 10, inc. VI, do Estatuto, que data do ano de 1979, prevê o “reingresso de servidor exonerado ao serviço público municipal por conveniência da administração” (art. 31, caput) como uma das hipóteses de provimento de cargo público.

Já o art. 37, inc. II, da Carta Magna de 1988, também citado pela requerente, estabelece que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”.

A possibilidade de “reingresso” em cargo público, motivado, ainda, por conveniência da administração parece destoar do ordenamento jurídico constitucional instaurado pela Constituição Federal de 1988, que passou a rechaçar qualquer forma de investidura em cargo público que não seja antecedida de aprovação prévia em concurso público, ressalvando apenas as nomeações para cargos de livre provimento em comissão[1].

A Doutrina é uníssona no entendimento de que a nova ordem constitucional expurgou do arcabouço jurídico qualquer forma de provimento de cargo público efetivo que não seja antecedida de concurso público:

[…]

O mesmo se pode dizer da antiga readmissão, forma anterior de reingresso pela qual o servidor, depois de deixar o serviço público, requeria o retorno direto a seu cargo, sem aprovação em concurso público, ficando a critério da Administração aceitar ou não o pedido. Hoje tal forma é vedada pelo mesmo art. 37, II, da CF e sua aceitação implicaria conduta constitucionalmente vedada. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 31 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. Paginação irregular)

Provimento derivado é o que depende de um vínculo anterior do servidor com a Administração; a legislação anterior à atual Constituição compreendia (com pequenas variações de um Estatuto funcional para outro) a promoção (ou acesso), a transposição, a reintegração, a readmissão, o aproveitamento, a reversão e a transferência.

Com a nova Constituição, esse rol ficou bem reduzido em decorrência do artigo 37, II, que exige a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo ou emprego público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

O dispositivo trouxe algumas inovações quando comparado com o artigo 97, § 1º., da Constituição de 1967:

  1. enquanto a norma anterior exigia concurso apenas para investidura em cargo público, a atual impõe a mesma exigência para cargo e emprego; só não faz referência à função, porque deixou em aberto a possibilidade de contratação para serviços temporários (art. 37, IX) e para funções de confiança (art. 37, V), ambas as hipóteses sem concurso;
  2. enquanto o dispositivo anterior fazia a exigência para a primeira investidura, o atual fala apenas em investidura, o que inclui tanto os provimentos originários como os derivados, somente sendo admissíveis as exceções previstas na própria Constituição, a saber, a reintegração, o aproveitamento, a recondução e o acesso ou promoção, além da reversão ex officio, que não tem base constitucional, mas ainda prevalece pela razão adiante exposta.

A readmissão era o ato discricionário pelo qual o funcionário exonerado e, segundo alguns Estatutos, também o demitido, reingressava no serviço público.

A reversão era o ato pelo qual o funcionário aposentado reingressava no serviço público; podia ser a pedido ou ex officio, esta última hipótese ocorrendo quando cessada a incapacidade que gerou a aposentadoria por invalidez.

A transposição (ou ascensão, na esfera federal) era o ato pelo qual o funcionário ou servidor passava de um cargo a outro de conteúdo ocupacional diverso. Visava ao melhor aproveitamento dos recursos humanos, permitindo que o servidor, habilitado para o exercício de cargo mais elevado, fosse nele provido mediante concurso interno; no Estado de São Paulo, está prevista nos artigos 22 a 28 da Lei Complementar nº. 180, de 12-5-78.

Nos três institutos, o provimento independe de concurso público, não podendo ser considerado como tal o procedimento de seleção utilizado na transposição, uma vez que, nesta, as vagas são destinadas a essa forma de provimento, excluindo a participação de terceiros, como o exigiria o concurso público.

Portanto, deixaram de existir, com a nova Constituição, os institutos da readmissão, da transposição e da reversão, ressalvada, neste último caso, a reversão ex officio, porque, nessa hipótese, desaparecendo a razão de ser da inatividade, deve o funcionário necessariamente reassumir o cargo, sob pena de ser cassada a aposentadoria (art. 35, § 6º., do Estatuto funcional de São Paulo – Lei nº. 10.261, de 28-10-68). O servidor reassume para poder completar os requisitos para aposentadoria. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 581/582) – sublinhamos.

O tema também já foi objeto de apreciação pelo E. Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 2983/CE, assim ementado:

CONSTITUCIONAL. MAGISTRADO. PERMUTA. READMISSÃO. Lei 12.342, de 1994, do Estado do Ceará, artigos 201 e 204. C.F., art. 93, I. LOMAN, art. 78. I. – Permuta de cargos por magistrados: Lei 12.342/94, do Estado do Ceará, art. 201: constitucionalidade. II. – Readmissão de magistrado exonerado: Lei 12.342/94, do Estado do Ceará, art. 204: inconstitucionalidade. III. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, relativamente ao art. 204 e improcedente quanto ao artigo 201, ambos da Lei 12.342/94, do Estado do Ceará. (STF, ADI 2983, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2005, DJ 15-04-2005 PP-00005 EMENT VOL-02187-02 PP-00269 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 42-52 RTJ VOL-00194-02 PP-00540)

Sobre referido precedente ponderou CARVALHO FILHO[2]:

Sem embargo do notório anacronismo e da flagrante inconstitucionalidade desse instituto, tem sido adotada a readmissão do servidor por decisão de alguns órgãos públicos, o que contraria frontalmente o princípio do concurso público e parece traduzir inevitável desvio de finalidade. Há, inclusive, diplomas que preveem essa forma de reingresso. O STF, porém, por seu Plenário, já teve a oportunidade de declarar a inconstitucionalidade de lei estadual que previa a readmissão, sem concurso público, de magistrado exonerado. Disse a Corte que essa modalidade de provimento não tem previsão na Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN (Lei Complementar nº 35/79), não podendo lei estadual instituí-la. A decisão é digna de aplausos, mas convém salientar que, segundo pensamos, haveria inconstitucionalidade ainda que houvesse previsão no referido diploma, sabido que semelhante situação estaria em confronto com o art. 37, II, da Lei Maior, que exige o concurso público.

Em outra oportunidade, a E. Suprema Corte pôde manifestar-se mais especificamente sobre o assunto:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. REINGRESSO APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. NECESSIDADE DE APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. PRECEDENTES.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de que inexiste direito adquirido a regime jurídico. Sendo assim, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não remanesce ao servidor exonerado o direito de reingresso no cargo, tendo em vista que o atual ordenamento constitucional impõe a prévia aprovação em concurso público como condição para o provimento em cargo efetivo da Administração Pública. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 597738 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 10-11-2014 PUBLIC 11-11-2014) – sublinhamos.

No bojo do v. acórdão, foi explanado com brilhantismo o novo panorama constitucional acerca das espécies de provimento dos cargos públicos efetivos, merecendo ser transcrito o seguinte trecho:

[…]

  1. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que não viola o princípio da separação dos Poderes o exame, pelo Poder Judiciário, do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo. Ocorre que o caso não guarda ilegalidade ou abuso de poder por parte da Administração a justificar incursão do Poder Judiciário no mérito de ato administrativo que, na vigência da Constituição Federal de 1988, negou aos ora recorrentes pedido de readmissão no cargo público do qual foram exonerados a pedido.
  2. Não é possível, no caso, falar-se em direito à readmissão, tendo em vista que o fundamento legal invocado pelo acórdão recorrido (art. 59 da Lei Complementar estadual nº 3.200/1978) expressamente dispõe que a referida readmissão ocorreria no interesse da administração. Não há, assim, como se invocar como adquirido um alegado direito que originariamente seja condicionado e esteja submisso à vontade da Administração.
  3. E, sobre referida vontade da Administração, o que se conclui é que o Estado não teve interesse na readmissão dos ora agravantes. Isso porque, tal como constatou o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a parte agravante interpôs diversos recursos administrativos pleiteando a readmissão, os quais foram negados. É o que se infere de trecho do acórdão que afirmou que “a prescrição não ocorreu, pois a mesma foi interrompida por força dos pedidos de reconsideração e recursos administrativos” (fls. 461).
  4. De todo modo, não há como se considerar válido, em face da Constituição de 1988, o art. 59, § 1º, letras a, b e c, da Lei Complementar nº 3.200/78, do Estado do Espírito Santo, que serve de substrato para o pedido da parte agravante. É que, após o advento da Constituição, exige-se que a Administração Pública direta e indireta, ao prover cargos e empregos, obedeça à regra do concurso público. Admitem-se somente duas exceções: (i) as nomeações para cargo em comissão; e (ii) a contratação destinada ao atendimento de necessidade temporária e excepcional (Vejam-se: ADI 1.500, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 2.380, Rel. Min. Moreira Alves; e ADI 890-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa). São, portanto, incompatíveis com a Constituição Federal de 1988 movimentações funcionais que caracterizem provimento derivado de cargo efetivo sem a observância da regra constitucional de acessibilidade por meio de concurso público. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho da ementa do RE 143.807, sob a relatoria do ministro Sepúlveda Pertence:

‘I. Concurso público: exigência incontornável para que o servidor seja investido em cargo de carreira diversa.

À vista da Constituição de 1988, consolidou-se definitivamente no STF que – ressalvado exclusivamente o provimento derivado mediante promoção – que pressupõe a integração de ambos os cargos na mesma carreira -, são inadmissíveis quaisquer outras formas de provimento do servidor público, independentemente de concurso público, em cargo diverso daquele do qual já seja titular a qualquer título, precedido ou não a nova investidura de processo interno de seleção ou habilitação: precedentes.’ (negritei)

  1. No caso, o pedido de reinclusão no serviço público foi feito em janeiro de 1989, antes de revogada formalmente a Lei Complementar estadual nº 3.200/1978, mas já na vigência da Carta de 1988. Tendo em conta que os agravantes pediram exoneração do cargo que ocupavam, rompendo assim o vínculo com a Administração, ofende a Constituição a interpretação de que eles poderiam retornar aos cargos que ocupavam. De fato, o acesso a esses cargos efetivos, na nova ordem constitucional, somente é possível por meio de concurso público para provimento originário.

[…]

Mais recentemente, no presente ano, o E. Superior Tribunal de Justiça também teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria ao confirmar o indeferimento de pedido de readmissão formulado por ex-servidora exonerada a pedido, no julgamento do RMS nº 61.880:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. EX-MEMBRO DA MAGISTRATURA. REINGRESSO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. NECESSIDADE DE APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO EM OBSERVÂNCIA AO TEXTO CONSTITUCIONAL E À LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. ORIENTAÇÃO VINCULANTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA NÃO PROVIDO.

  1. A controvérsia colocada em discussão no presente caso diz respeito à possibilidade de o Tribunal de Justiça a quo, no exercício da função administrativa, declarar a inconstitucionalidade de norma prevista no Código de Organização Judiciária do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que prevê a possibilidade de readmissão aos quadros da Magistratura de magistrado exonerado.
  2. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido da inexistência de direito adquirido a regime jurídico. No que tange à controvérsia colocada em discussão no caso em concreto, a Corte Suprema tem entendido que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não remanesce ao servidor exonerado o direito de reingresso no cargo, tendo em vista que o atual ordenamento constitucional impõe a prévia aprovação em concurso público como condição para o provimento em cargo efetivo da Administração Pública.
  3. O Conselho Nacional de Justiça, nos autos da consulta n. 0004482-93.2015.2.00.0000, expediu orientação normativa vinculante assentando a impossibilidade de formas de provimentos dos cargos relacionados à carreira da Magistratura que não estejam explicitamente previstas na Constituição Federal de 1988, nem na LOMAN.
  4. No caso em concreto, não há falar na existência de direito líquido e certo da parte ora Recorrente de fazer valer-se de norma prevista em legislação local que esteja em afronta aos dispositivos da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Magistratura.
  5. Não há óbice para que o Tribunal a quo, ainda que no exercício da função administrativa, lance mão da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal aplicável à espécie para fundamentar sua decisão de negar o pedido de readmissão da Recorrente. Assim o fazendo, a Administração deu cumprimento à Constituição Federal, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como à orientação normativa expedida pelo Conselho Nacional de Justiça.
  6. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. (STJ, RMS 61.880/MT, 2ª Turma, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, v.u., j. 03/03/2020) – sublinhamos.

Denota-se que a Constituição Federal, de modo a privilegiar o princípio do concurso público, restringiu sobremaneira as hipóteses de provimento derivado de cargo público.

O precedente jurisprudencial do E. Supremo Tribunal deixa claro que espécies de provimento derivado vertical, como a promoção permanecem em harmonia com o ordenamento constitucional inaugurado em 1988.

Já de forma horizontal, a Carta Magna, após a sua promulgação, ao exigir a precedência de concurso público para provimento de cargos, acabou por permitir apenas as formas de provimento derivado que não envolvam o rompimento do vínculo administrativo do cargo originalmente ocupado, como a reintegração, o aproveitamento e a reversão, hipóteses em que há anulação ou nulidade do ato que culminou na vacância do cargo.

Nesse sentido, também expõe CARVALHO FILHO[3]:

Reingresso é o retorno do servidor ao serviço público pela ocorrência de determinado fato jurídico previsto no estatuto funcional. Como tais formas representam a investidura do servidor depois de extinta a relação estatutária, constituem modalidades de provimento derivado.

Uma das formas de reingresso é a reintegração. Ocorre a reintegração quando o servidor retorna a seu cargo após ter sido reconhecida a ilegalidade de sua demissão. O fato gerador dessa modalidade de provimento é o reconhecimento da ilegalidade, por sentença judicial, do ato que extinguiu a relação jurídica estatutária. O art. 41, § 2º, da CF assegura ao ex-servidor o direito de retornar a seu cargo, desde que invalidada por sentença judicial o ato anterior de demissão.

No texto anterior, o dispositivo assegurava que, no caso de reintegração, o servidor que vinha ocupando o cargo tinha direito de ser reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indenização, ou aproveitado em outro cargo ou, ainda, posto em disponibilidade. A EC nº 19/98 alterou o dispositivo, condicionando a existência desse direito apenas ao servidor estável que venha ocupando o cargo antes da reintegração, o que significa que o servidor não estável pode ser exonerado pela Administração, sem que se lhe confira a possibilidade de recondução, aproveitamento ou disponibilidade. Aliás, a referida Emenda acentuou também o fato de que, mesmo quando viável a disponibilidade, a remuneração será proporcional ao tempo de serviço.

Outra forma é o aproveitamento, que significa o retorno do servidor a determinado cargo, tendo em vista que o cargo que ocupava foi extinto ou declarado desnecessário. Enquanto não se dá o aproveitamento, o servidor permanece em situação transitória denominada de disponibilidade remunerada. A disponibilidade reclama que a Administração providencie o adequado aproveitamento do servidor, evitando-se que fique indefinidamente percebendo remuneração sem exercer qualquer função pública. A exigência emana do art. 41, § 3º, da CF.

A última forma de provimento por reingresso é a reversão. Esse tipo de reingresso é específico para o servidor inativo e se consuma mediante a ocorrência de duas situações funcionais:

1) o restabelecimento, por laudo médico, de servidor aposentado por invalidez; ou

2) vício de legalidade no ato que concedeu a aposentadoria.

Anteriormente se reconhecia uma forma de reversão em que o servidor, após a sua aposentadoria, solicitava o seu retorno ao serviço público, ficando a critério da Administração atender ou não à postulação. Atualmente não mais se afigura viável essa forma de reversão: do momento em que o servidor foi aposentado, a relação estatutária extinguiu-se e dela resultou, inclusive, a vacância do cargo. Ora, uma nova investidura só seria possível mediante aprovação prévia em concurso público, o que não se dava naquela forma de reversão. Se fosse admitida, estaria vulnerada, por linha transversa, a regra do art. 37, II, da CF.

No entanto, sem embargo dessa óbvia linha de teorização, nova legislação federal, alterando a Lei nº 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Federais), passou a admitir a reversão “no interesse da administração”, desde que: 1º) haja solicitação da reversão; 2º) a aposentadoria tenha sido voluntária e concedida nos cinco anos anteriores ao pedido; 3º) o servidor fosse estável quando se aposentou; 4º) haja cargo vago. Pelas novas regras, a reversão dar-se-á no mesmo cargo em que o servidor se aposentou ou naquele que resultou de eventual transformação. Se o cargo estiver provido, o servidor ficará como excedente até a ocorrência de vaga.

Em nosso entendimento, tais normas são flagrantemente inconstitucionais. Como já se enfatizou, a aposentadoria extingue a relação estatutária e acarreta a vacância do respectivo cargo, não se podendo admitir a ressurreição da relação jurídica definitivamente sepultada. Por outro lado, esse tipo de reversão rende ensejo a que o servidor, depois de abandonar o serviço público, resolva simplesmente desistir de sua inatividade e voltar ao mesmo cargo, deixando sempre fluido e instável o quadro funcional. Não se pode esquecer, ainda, que reingresso dessa natureza ofende frontalmente o princípio da acessibilidade aos cargos mediante prévia aprovação em concurso público, expressamente acolhido no art. 37, II, da vigente Constituição, e isso porque inaugura nova relação estatutária, diversa daquela que se extinguiu pela aposentadoria. O fundamento, aliás, é o mesmo adotado pelo STF para os casos de transferência e ascensão funcional, institutos que, também aceitos anteriormente, como o era a reversão por interesse administrativo, foram banidos do atual sistema por vulneração ao aludido postulado.

Resta confirmado, por conseguinte, que só pode ocorrer a reversão quando houver restabelecimento do servidor aposentado por invalidez ou se houver ato ilegal de aposentadoria, ambas as hipóteses consentâneas com o atual regime estatutário constitucional.

Assim, apenas quando houver reconhecimento de nulidade ou outro vício no ato administrativo que implicar o rompimento do vínculo do cargo anteriormente ocupado pelo servidor é que se poderá aventar de aplicabilidade de uma das modalidades de reingresso no serviço público. De certo não é o que ocorre no caso presente, em que a requerente deixou o cargo que ocupava na Edilidade paulistana por meio de pedido voluntário de exoneração.

O fato de ter solicitado exoneração para ocupar outro cargo público, no qual ainda esteja no período de estágio probatório não é relevante para enquadramento da figura de readmissão prevista nos arts. 10, inc. IV, e 31 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo.

Há de se concluir, por todo o exposto, que os artigos 10, inc. VI, e 31 do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo não foram recepcionados pela Constituição da República de 1988, razão pela qual é dever do administrador negar-lhe aplicação, notadamente visando a observância do princípio do concurso público.

É a razão pela qual se opina pelo indeferimento do pedido.

É a manifestação que se submete à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 30 de novembro de 2020.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa

OAB/SP nº 218.877

[1]   Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[…]

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[2] Idem.

[3] Idem.