Parecer n° 2-adm/2020

Parecer ADM Nº 0002/2020

TID 18539449

Assunto: Protocolo de atendimento – casos de agressividade

 

 

Sra. Procuradora Chefe:

 

Trata-se de memorando encaminhado por SGA visando a que fossem realizados estudos a fim de regulamentar os casos em que o servidor apresenta comportamento agressivo, tanto em decorrência do uso de substâncias ilícitas, quanto em decorrência de distúrbios psíquicos que possam vir a acometer o servidor. Antes de manifestação por esta Procuradoria, solicitei que o expediente fosse encaminhado a SGA.14 e SGA.8 para que fornecessem subsídios de modo a se regulamentar a matéria.

SGA.14 manifestou-se no seguinte sentido:

Relatou que, para os casos em que os servidores estejam acometidos por transtorno mental, tem sido aplicado o Ato nº 1090/2009. Informou que o Ato tem sido aplicado nos casos em que a alteração comportamental do servidor gera prejuízos ao bom andamento dos trabalhos da equipe em que está lotado.

Narram que, via de regra, é a chefia imediata do servidor que os procura buscando orientações. Nestes casos, SGA.14 orienta a chefia a solicitar que o servidor compareça à Secretaria de Saúde e que, no caso de o servidor se apresentar agressivo, de modo a impossibilitar o diálogo, entendem que deva ser dispensado do trabalho naquele dia, podendo ser solicitado o auxílio da Guarda Civil, se necessário.

Entendem que a chefia imediata deverá encaminhar a SGA relato por escrito detalhando a conduta e histórico do servidor, sendo que no caso de reincidência do comportamento, a informação deva constar do relato.

Informam que, por se tratar de assunto relativo a saúde, os relatos ficam guardados no prontuário do servidor em SGA8.

No tocante ao resguardo dos colegas de trabalho, entendem que se a Equipe em que o servidor estiver lotado e/ou próprio servidor indicarem não mais ser possível o convívio pacífico, ou mesmo por indicação do médico da Secretaria de Saúde, deva ser designada nova lotação para o servidor. Entendem que a designação de nova lotação deve levar em conta as atividades consideradas adequadas pelo médico do trabalho, após avaliação de retorno ao trabalho.

Entendem, ainda, como forma a resguardar o ambiente de trabalho e o próprio servidor, ser essencial um acompanhamento médico sistemático e periódico após ocorrências relatadas.

Ao analisarem o Ato 1090/2009, entenderam que deveria ser revogado o artigo 3º, por entenderem que primeiramente deveria ser compreendido o motivo do comportamento inadequado do servidor antes de ser aplicada punição.

No tocante ao artigo 4º, entendem que a opção mais viável seria a dispensa do dia de trabalho do servidor, não permitindo seu retorno até a ciência de SGA e SGA.8 e adoção de medidas que entenderem cabíveis. Gostariam de inserir dispositivo para que os eventuais dias de ausência do servidor por tal motivo não sejam descontados de sua remuneração.

Sugeriram, ainda, que nos casos em que fosse constatada a incapacidade laborativa, que a família do servidor fosse informada de seu afastamento.

SGA.8 manifestou-se nos seguintes termos:

Entendem que o Ato nº 1090/2009 destinou-se a tratar especificamente de situações de inassiduidade por parte de servidor, porém com a lamentável associação ao uso de substâncias psicoativas ou de outra natureza.

Relata que a grande dificuldade que lhes aparece é o modo pelo qual o superior deve tratar as situações de comportamentos tidos como não esperados ou não usuais.

Informa que pacientes com transtornos de personalidade e usuários de determinadas substâncias têm maiores riscos de apresentarem comportamento agressivo e que tais comportamentos devem ser encaminhados prontamente para SGA.8.

Relatam como entendem deve ser fixada a rotina de atendimento de casos de agressividade desde o primeiro atendimento, no momento em que o servidor vier a apresentar a conduta agressiva, até o exame de retorno ao trabalho e emissão do respectivo atestado de saúde ocupacional. Fixam que o atendimento em SGA.8 deverá ser multidisciplinar, envolvendo médico clínico, médico do trabalho, equipe de enfermagem e assistência social.

Sustentam que, enquanto perdurar o período de afastamento, paciente e familiares deverão obedecer a restrição de acesso às dependências administrativas da Câmara, exceção feita a SGA.8.

É o relatório. Passo a opinar.

O Ato 1090/2009 traz em sua ementa a seguinte descrição: “regulamenta os procedimentos relativos à caracterização de inassiduidade em decorrência de alteração comportamental pelo uso de substâncias psicoativas ou de problemas de outra natureza, que ocasionam prejuízo à eficiência e ao bom andamento dos trabalhos em sua unidade, e dá outras providências”. Referido Ato, portanto, tem um enfoque disciplinar, punitivo, regulando situações em que há um descumprimento dos deveres funcionais em decorrência do uso, pelo servidor, de substâncias psicoativas ou de problemas de outra natureza.

A partir dos relatos apresentados pelas unidades e das diversas reuniões realizadas, verifica-se que a preocupação que surge neste momento não é a questão disciplinar, mas sim a de como tratar casos em que se perceba que o servidor está acometido de uma enfermidade, de modo a preservar a incolumidade física dos colegas de trabalho e a de auxiliar o servidor que necessita de cuidados médicos.

O Ministério Público Federal, no bojo do RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 57.202/MS (2018/0088411-9), que visa a anular exoneração de servidor por abandono de emprego, assim entendeu:

RECURSO ORDINÁRIO.  PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CEM (100) AUSÊNCIAS INJUSTIFICADAS NO PERÍODO DE JANEIRO A DEZEMBRO DE 2014. ABANDONO DE CARGO MOTIVADO POR QUADRO DE DROGADIÇÃO. PERÍCIA MÉDICA NO SENTIDO DE QUE O RECORRENTE NÃO TINHA CAPACIDADE DE AUTODETERMINAR-SE, ALÉM DE POSSUIR RETARDAMENTO PARA ENTENDER O CARÁTER ILÍCITO DO FATO E DE SUA CONDUTA. ANIMUS ABANDONANDI. NÃOCONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DE ENFOQUE TERAPÊUTICO DA QUESTÃO. MUDANÇA DE POSTURADA SOCIEDADE. POLÍTICA DE ESTADO. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA MATÉRIA RELATIVA ÀS DROGAS. PRECEDENTES. Conclusão da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar pela demissão do Servidor, ora recorrente, em razão da suposta ausência “injustificada” ao serviço, por 100 dias no ano de 2014 e 54 em 2015. Entretanto, conforme laudos médicos oficiais, o ora recorrente é dependente de drogas, enfermidade mental que o deixa em estado depressivo e o reconduz reiteradamente ao vício. O fato de alguém ser portador de enfermidade mental causada por dependência química não pode configurar infração disciplinar. Perícia médica que indica o comprometimento da autodeterminação (vontade) e da capacidade de julgamento do indiciado que o torna inimputável, segundo aplicação analógica dos institutos penais, o que demonstra ser incabível a sanção disciplinar. Falta de voluntariedade da conduta, que é condição da própria consubstanciação do ilícito disciplinar. Mesmo que se entenda  que a conduta (doença) ilogicamente constitua violação ao dever de comparecer regularmente ao serviço, o enfoque deve ser terapêutico e não punitivo. Interpretação conforme os precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho em hipóteses de alcoolismo crônico que podem servir de diretrizes para a solução de casos de dependência relativas a substâncias químicas causadoras de danos de bem maior extensão, tanto que passíveis até mesmo de ceifar a própria vida do paciente, conforme conclusões médicas no caso específico de que se trata. Inovação da Lei de Drogas, no sentido da impunidade do usuário/dependente, cuidando da hipótese como um problema de saúde pública (política de Estado) e não propriamente criminal. PARECER NO SENTIDO DO PROVIMENTO DO RECURSO PARA CASSAR O ATO DE DEMISSÃO.

Extremamente didático e atual o parecer do membro do MPF. Em resumo, entendeu o órgão ministerial que:

  • Para o exercício da pretensão punitiva, deve restar demonstrada a capacidade do recorrente de autodeterminar-se à época dos fatos, bem como sua capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta, restando inadequado o enfoque disciplinar quando o servidor não atende referidos requisitos;
  • Diferencia o uso de drogas da dependência química;
  • Sustenta competir ao Estado, até por questão de política pública de saúde, diligenciar e atuar no sentido de tratar seus cidadãos dependentes químicos;
  • Invoca analogicamente institutos penais, sustentando que tanto o uso patológico de álcool quanto o de entorpecentes produz efeitos na imputabilidade do agente;
  • Em caso de faltas reiteradas, entende que estas por si sós não são suficientes para caracterizar o abandono de cargo, sendo necessário, antes, que seja demonstrado o animus abandonandi;
  • No caso em que o servidor esteja doente e sua autodeterminação e capacidade de julgamento quanto ao certo ou errado estejam comprometidas, conclui que também lhe falta voluntariedade na conduta, condição essencial para a configuração do ilícito administrativo;
  • Sustenta que deve ser dado enfoque terapêutico e não punitivo à questão;
  • O Novo Código Civil, que reconheceu os efeitos deletérios dos entorpecentes no discernimento da pessoa e elencou os dependentes de drogas, assim como os ébrios habituais, ao lado dos deficientes mentais que tenham entendimento reduzido, quando tratou da matéria relativa à incapacidade;
  • A Justiça Laboral, reconhecendo que o uso do álcool, caso seja crônico, é classificado como doença (síndrome de dependência do álcool), tem atenuado o rigor da norma prevista no artigo 482, que prevê a “embriaguez habitual ou em serviço” como justa causa, para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, afastando a referida sanção;

O membro do órgão ministerial traz vários julgados para corroborar sua tese, mormente quanto à questão da dependência de álcool e de outras drogas, os quais transcrevo abaixo:

“EMBARGOS. JUSTA CAUSA. ALCOOLISMO CRÔNICO. ART. 482, F, DA CLT. 1. Na atualidade, o alcoolismo crônico é formalmente reconhecido como doença pelo Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, que o classifica sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2). É patologia que gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Clama, pois, por tratamento e não por punição.

  1. O dramático quadro social advindo desse maldito vício impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, ‘f’, da CLT, no que tange à embriaguez habitual.
  2. 3. Por conseguinte, incumbe ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando a recuperá-lo.
  3. Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, e provido para restabelecer o acórdão regional.” (Tribunal Superior do Trabalho – Subseção Especializada em Dissídios Individuais – I – embargos no Recurso de Revista n° 586.320, publicado em 21.05.2004)

 

“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. REINTEGRAÇÃO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DEPENDENTE QUÍMICO. ÔNUS DA PROVA.

Do teor da Súmula nº 443 do TST[1] se constata a possibilidade de presumir-se discriminatória a dispensa sem justa causa do empregado portador de patologia grave que suscite estigmas ou preconceitos.

Ademais, ao analisar casos em que o empregado é dependente químico, este Tribunal tem reconhecido o caráter grave da patologia, sendo sua dispensa discriminatória, na esteira do que preleciona a Súmula 443 do TST. Precedentes. Desse modo, sendo incontroverso nos autos, por meio de prova documental, que foram solicitados 15 dias de afastamento do autor, a partir de 23/09/2013, por motivo de doença, e que no dia 26/09/2013 houve o encaminhamento do obreiro para internação em clínica para tratamento de dependentes químicos, forçoso reconhecer a natureza discriminatória da dispensa, nos exatos termos do que preleciona a Súmula 443 do TST. Recurso de revista conhecido e provido. (…).” (RR 10524-33.2014.5.15.0031, Relator Ministro: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 28/02/2018, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/03/2018).

 

“RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – EMBRIAGUEZ HABITUAL NO SERVIÇO – COAÇÃO DO SERVIDOR DE PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO, MEDIANTE A COLETA DE SANGUE, NA COMPANHIA DE POLICIAIS MILITARES PRINCÍPIO DO ‘NEMO TENETUR SE DETEGERE’ – VÍCIO FORMAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO – CERCEAMENTO DE DEFESA – DIREITO DO SERVIDOR À LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE E, INCLUSIVE, À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ – RECURSO PROVIDO.

  1. É inconstitucional qualquer decisão contrária ao princípio nemo tenetur se detegere, o que decorre da inteligência do art. 5º, LXIII, da Constituição da República e do art. 8º, § 2º, ‘g’, do Pacto de São José da Costa Rica. Precedentes.
  2. Ocorre vício formal no processo administrativo disciplinar, por cerceamento de defesa, quando o servidor é obrigado a fazer prova contra si mesmo, implicando a possibilidade de invalidação da penalidade aplicada pelo Poder Judiciário, por meio de mandado de segurança.
  3. A embriaguez habitual no serviço, ao contrário da embriaguez eventual, trata-se de patologia, associada a distúrbios psicológicos e mentais de que sofre o servidor.
  4. O servidor acometido de dependência crônica de alcoolismo deve ser licenciado, mesmo compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se for o caso, aposentado, por invalidez, mas, nunca, demitido, por ser titular de direito subjetivo à saúde e vítima do insucesso das políticas públicas sociais do Estado.
  5. Recurso provido”. (RMS 18.017/SP, Relator: Ministro PAULO MEDINA, 6ª Turma, julgado em 09.02.2006, publicado no DJ de 02.05.2006, p. 390). [Grifos nossos].

 

Sobre o julgado acima, manifesta-se:

“Do voto proferido pelo Relator do precedente acima citado, destacam-se os seguintes excertos, merecendo realce a recomendação no sentido da aposentadoria por incapacidade laborativa. Vejamos:

Poder-se-ia, neste caso, alegar que, dada a própria aplicação do princípio da eficiência, previsto no caput do art. 37 da Constituição da República, como informador da Administração Pública, não se pode obrigar ao Estado manter no serviço público um servidor que lhe causa insegurança, incômodos e transtornos, porquanto se apresente, habitualmente, embriagado. Não obstante, cumpre observar que os documentos de fls. 37⁄38 comprovam que, desde 1994 (considerando que o fato que culminou na perda do cargo pelo servidor ocorreu em 2000), o Recorrente era, reiteradamente, submetido a longos períodos de internação e tratamento, por ser portador de alcoolismo crônico, transtornos mentais e distúrbios depressivos. Ciente desse fato e considerando que o Recorrente, habitualmente, encontrava-se em condições de embriaguez no serviço, a Administração Pública deveria tê-lo licenciado, compulsoriamente, para tratamento de saúde e, se fosse o caso, até mesmo, aposentá-lo por invalidez, como prevêem os arts. 191, § 1º, e 193 do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo, in verbis:

‘Art. 191. Ao funcionário que, por motivo de saúde, estiver impossibilitado para o exercício do cargo, será concedida licença, mediante inspeção em órgão médico oficial, até o máximo de 4 (quatro) anos, com vencimento ou remuneração. § 1º Findo o prazo, previsto neste artigo, o funcionário será submetido à inspeção médica e aposentado, desde que verificada a sua invalidez, permitindo-se o licenciamento além desse prazo, quando não se justificar a aposentadoria.”

Art. 193. A licença para tratamento de saúde dependerá de inspeção médica, realizada em órgão oficial e poderá ser concedida: I – a pedido do funcionário; e II – ex – officio.’ Pois, não restam dúvidas de que o alcoolismo crônico e a dependência de outros vícios são patologias, infelizmente, cada vez mais, comuns no seio da sociedade moderna.

AIRTON ROCHA NÓBREGA, in Embriaguez eventual de servidor público. Jus Navigandi, Teresina, a.5, n. 51, out. 2001. Disponível em: http:⁄⁄www1.jus.com.br⁄doutrina⁄texto.asp?id=2163. Acesso em 09.06.2005., assinala:

‘A ingestão eventual de bebidas alcóolicas no horário de expediente ou em intervalo de almoço é postura que não raro se detecta e que vem em desfavor dos interesses da repartição, causando prejuízo ao regular desempenho das atribuições que incumbem ao servidor. Não se cuida aqui de situação em que o servidor encontra-se submetido ao vício da embriaguez quando a ingestão de bebida ocorre de forma imoderada e integra o seu cotidiano. Nesse caso, como anteriormente apontado em trabalho sob o título ‘Alcoolismo e Demissão de Servidor’ (NDJ⁄BDA, 11⁄98; Direito &Justiça de 0510.98), não cabe falar-se em punição do servidor, mas sim em tratá-lo adequadamente de modo a restabelecer, tanto quanto possível, a sua situação funcional. A respeito do assunto, resta ali consignado que ‘… a embriaguez habitual representaria não um ato punível, mas sim um estado patológico de alienação mental em que o servidor, submetido ao vício e à dependência dele resultante, não teria condições de se orientar e de dirigir as suas próprias ações, merecendo tratamento especializado e não uma punição em função do vício ou de atos praticados em sua decorrência’.

Para reforçar a tese de que o alcoolismo habitual não representa falta funcional, mas patologia de que sofre o servidor, o Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, ao cuidar dos transtornos mentais, de compulsão por determinado desejo irresistível, avalia a síndrome da dependência como:

‘um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substância alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham um maior valor’.

Como problema social, que compete ao Estado cuidar, o servidor que sofre de alcoolismo crônico deve ser tratado, com a máxima dignidade e respeito, como cidadão titular de direito subjetivo à saúde, de competência comum do poder público e da iniciativa privada, consoante disposição expressa na Carta Magna, art. 196.

O que não pode é o Estado punir seu servidor, que colaborou no laboro público, durante anos, e que, hoje, se apresenta como verdadeira vítima do insucesso das políticas públicas sociais, como um infrator disciplinar, um indivíduo pernicioso, causador de repulsa, que deve ser banido para o bem do serviço público.

Posto isso, DOU PROVIMENTO ao recurso, para conceder a ordem e reintegrar no cargo o Recorrente, devendo a autoridade coatora tomar as diligências necessárias para o tratamento de saúde do Recorrente” [Grifos nossos].

 

Apesar do posicionamento jurisprudencial acima demonstrado, não significa que a Administração Pública não poderá exercer seu exercício de pretensão punitiva face aos servidores que apresentarem dependência química ou algum tipo de transtorno psíquico. Significa apenas que é dever do empregador, ao perceber que o servidor se encontra neste tipo de situação, propiciar-lhe os meios para sua recuperação e, caso não haja interesse por parte do servidor e vindo a serem cometidas infrações funcionais, poderá a Administração instaurar procedimentos disciplinares para apuração. A Procuradoria Geral do Município de São Paulo, em caso recente submetido à sua análise, manifestou-se no seguinte sentido:

O procurador parecerista relata que, de fato, tanto STJ quanto o TJSP vêm entendendo que em se tratando de ato sancionatório disciplinar consistente em abandono de emprego ou inassiduidade, impõe-se averiguar o grau de desídia do servidor e seu animus abandonandi. E para se aferir tal condição, “somente o contexto fático in concreto, dependente de aspectos próprios de cada situação, permite uma definição sobre a configuração da infração ou da presença de causas para o abrandamento. Incabível – indesejável, até – uma estipulação e uma dosimetria apriorísticas acerca dos múltiplos fatores que lhe são correlatos. Evidentemente, tal análise deve estar conjugada com a própria possibilidade de que o servidor seja readaptado ou aposentado por invalidez, o que reforça a necessidade de avaliação médica (prévia à conclusão do processo disciplinar, preferencialmente) em relação ao estado clínico do agente público.”

Juntou vários julgados a seu parecer, os quais transcrevo:

“6. Claro, não passou despercebido a este julgador que o autor/apelante buscou eximir-se das consequências das faltas em que incorreu alegando que passava por problemas com dependência química.

6.1. Análise detida de todo o Inquérito Administrativo nº 2008-0.099.483-0, de fato, permite verificar que o requerente/apelante realmente passou por dificuldades decorrentes de dependência química.

6.2. E sabe-se que hodiernamente é recorrente a verificação de pessoas com problemas decorrentes do consumo de drogas ou álcool, sendo certo que, em se tratando de servidor público, a postura da Administração deve ser, a rigor, a de submeter o funcionário a tratamento médico, no instante em que o indivíduo nessas condições não costuma discernir acerca de seus compromissos e realidades.

6.3. Na hipótese em epígrafe, entrementes, verifica-se que o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO procurou disponibilizar tratamento ao requerente/apelante, concedendo-lhe licença médica, sendo que, todavia, o autor/apelante se mostrou resistente, abandonando o tratamento, conforme se verifica do documento juntado a fls.363.

6.4. Imperioso consignar que o laudo pericial médico acostado a fls. 354, ainda que reconheça que o autor/apelante não ostentava capacidade laborativa preservada para a função diante do grau acentuado de dependência, registrou que o autor/apelante encontrava-se imputável, isto é, tinha ciência de suas condições e ações.

6.5 Logo, diante desse cenário, com todo o respeito, não há como se impor ao MUNICÍPIO DE SÃO PAULO que mantenha em seus quadros servidor que incorre em faltas reiteradamente e que, notoriamente dependente de drogas, recusa-se a submeter-se a tratamento.[2]

 

“Ato administrativo. demissão de servidor municipal. Abandono do serviço. Alcoolismo. laudo médico conclusivo de que a doença não o atingiu num grau que o privasse da capacidade cognitiva ou de se autogerir. A Administração concedeu-lhe licenças médicas, mas o autor não reagiu ao tratamento. Comportamento incompatível com o serviço público. procedimento administrativo sem máculas e obediente aos princípios do contraditório e da ampla defesa. pretensão de anulação do ato demissório, de reintegração no cargo e de recebimento dos vencimentos pretéritos. Ação julgada improcedente. sentença mantida. Recurso improvido.” (APELAÇÃO CÍVEL n° 0010888-83.2011.8.26.0053, 12ª Câmara de Direito Público, 17/09/2015)

Ressalta que até mesmo os Acórdãos que determinam a anulação da pena de demissão fazem alusão à necessidade de aferição do contexto de dependência química.

“Mas, muito embora o processo administrativo tenha observado o contraditório e ampla defesa verifica-se que a reiterada conduta faltosa do servidor estava ligada ao estado patológico em que vivia cujo alcoolismo configurou causa determinante do comportamento anormal do autor, devendo a Administração tê-lo submetido à perícia para averiguação acerca de sua higidez física e mental. Não fora produzida prova pericial no processo administrativo. O que se depreende é que a demissão do autor se mostrou prematura porquanto desprovida de qualquer encaminhamento a tratamento de saúde ou criteriosa perícia técnica para ser verificado se efetivamente não seria aferido se a inassiduidade do servidor decorreu de sua deficiência volitiva ou de descaso com o serviço público. O servidor portador de alcoolismo crônico que, por esse motivo, se ausenta do trabalho, não pode simplesmente ser demitido diante do número de faltas. Desde que o empregador tenha conhecimento de seu estado de saúde, imprescindível seu tratamento ou aposentadoria, jamais a demissão sob o manto do regular processo administrativo disciplinar ou de que tenha sido encaminhado a determinado setor para que fosse submetido a tratamento[3].

 

Ao final, conclui que “o servidor portador de doença crônica relacionada à dependência não está imune à punição disciplinar, desde que o contexto fático envolvendo a conduta do agente público diante de sua patologia indique a presença de animus abandonandi. Imprescindível, ademais, a aplicação do postulado da proporcionalidade, de modo que a demissão se impõe como ultima ratio, nas situações em que outras medidas menos gravosas, inclusive a aposentadoria por invalidez, evidenciarem-se como incabíveis ou ineficazes. Todos estes aspectos estão condicionados a uma avaliação técnica de caráter médico, de competência do Departamento de Saúde do servidor.

Ao se analisar a jurisprudência dos tribunais pátrios, verificamos que a posição majoritária é no sentido da não aplicação da demissão por justa causa aos funcionários que são alcoólatras. Isto porque o alcoolismo é doença e necessita de tratamento, não se confundindo com embriaguez eventual, sendo que a demissão por justa causa pode vir a agravar a situação do funcionário.

“É certo que o alcoolismo é uma doença, assim considerada pela Organização Mundial da Saúde, caracterizada por “transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso do álcool”. Também concordo que o alcoólico não merece punição, mas tratamento. Porém, não se sabe se o autor já chegou a esse ponto ou se apenas bebe em excesso algumas vezes. Nada, nenhum elemento nos autos autoriza a conclusão de que se trata de alcoolismo crônico. Foi o autor punido antes pela mesma razão. Mas só uma vez antes, e havia mais de seis meses (fl. 112). Sem levar em conta que ele mesmo questiona essas punições anteriores.

Daí que, estando bem provado que estava embriagado em serviço, e sem nenhuma evidência de que padece de alcoolismo crônico, é de ser mantida a sentença, restando prejudicado o apelo no que diz respeito ao dano moral.” (Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 17476200390202006  – São Paulo. Juiz Eduardo de Azevedo Silva. Pesquisa de Jurisprudência, 05 ago 2003. Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta013&docId=32a8c7e3a2413f9349fc82cdcc4397a9c44f7db9&fieldName=Documento&extension=html>. Acesso em: 14 nov. 2019)

 

EMENTAS: 1. JUSTA CAUSA POR EMBRIAGUEZ. ALCOOLISMO CRÔNICO (CID-303) x DESÍDIA. FALTA GRAVE NÃO CARACTERIZADA. Como bem ressaltou o MM. Juízo a quo, ficou configurada, neste caso, a embriaguez habitual, e não a desídia, como quer fazer crer a reclamada. Ora, uma breve leitura do processo administrativo permite constatar, sem maiores esforços, que o caso dos autos é de alcoolismo crônico, e não, desídia. Não houve negligência ou desinteresse do obreiro pelo labor, mas sim repercussão negativa no contrato de trabalho de uma grave doença, reconhecida como tal pela OMS – Organização Mundial de Saúde, que acomete milhões de pessoas no mundo. Assim, afasta-se a tese de justa causa baseada na desídia, analisando-se os autos sob a ótica do art. 482, “f” da CLT. Inquestionável que o alcoolismo é uma doença e não um mero desvio comportamental a ser sancionado com a dispensa por justa causa. Inobstante a velha (e boa) CLT ainda mantenha em sua redação a anacrônica referência à falta grave da “embriaguez habitual ou em serviço”, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, em face da evolução da ciência médica, têm entendido que o empregado que sofre da doença do alcoolismo, catalogada no Código Internacional de Doenças com a nomenclatura de “síndrome de dependência do álcool” (CID-303), não pode sofrer despedida por justa causa em razão dessa cruel dependência. Sentença mantida, no particular. 2. ALCOOLISMO. DISPENSA INVÁLIDA. DISCRIMINAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. Desse modo: a) diante da falta de fundamento legal/ constitucional para despedida do empregado público admitido sob concurso; b) tratando-se de portador de doença crônica reconhecida como tal pela OMS; c) e sendo cipeiro, e portanto, titular de garantia no emprego (art. 10, II, “a” do ADCT), merece reforma o julgado recorrido, para que o obreiro seja reintegrado no emprego. A estes argumentos adiciona-se o entendimento do C. TST, consubstanciado na Súmula 443: Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. O verbete sumular está alicerçado nos arts. 1º e 4º, I da Lei 9.029/95, e dúvida não há de que o alcoolismo crônico é doença grave que suscita estigma e preconceito, o que torna discriminatória a dispensa (inválida) praticada. Assim, sob qualquer óptica, deve ser reintegrado o trabalhador, independentemente do trânsito em julgado, em face das circunstâncias pontuadas. Recurso provido, no particular.”

Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 0001498-09.2011.5.02.0312 – São Paulo. Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta013&docId=385c96fe65ea8836c5a6ff3470819d1ac98c9eb0&fieldName=Documento&extension=pdf#q=>. Acesso em: 14 nov. 2019.

 

“EMENTAS: 1. DEPENDENTE QUÍMICO. DISPENSA INVÁLIDA. Não se pode tratar como desvio comportamental passível de punição aquilo que comprovadamente é doença. Segundo informa a ABEAD –Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, “(..) a tendência entre as grandes empresas é proporcionar o tratamento ao empregado dependente químico, aí incluindo o alcóolatra, medida que se impõe para que não se percam os bons profissionais, não se perca o investimento que possa ter sido realizado e para que não sejam oneradas com treinamento a novos empregados, aos quais ninguém garante que estejam imunes à doença(..)”. In casu, diante das provas colhidas nos presentes autos, manifesto que o reclamante já apresentava problemas decorrentes da ingestão habitual de bebida alcoólica, sendo assim, doente. Essa condição não autoriza a aplicação da penalidade máxima da justa causa, mas sim, seu afastamento e, consequente encaminhamento para tratamento médico pelo órgão previdenciário. Recurso obreiro que ao qual se dá provimento, no particular. 2. CARTÕES DE PONTO E COMPROVANTES DE PAGAMENTO. RÉPLICA INDOLENTE. INEFICÁCIA. Insuficiente a alegação vaga, feita em réplica, de que os cartões “não refletem a realidade”, mormente na situação dos autos em que a reclamada apresentou todos os controles horários e respectivos holleriths, e estes acusaram o pagamento de horas extras, a atestar a quitação alegada (art. 333, II, CPC). In casu, ao autor incumbia a prova do fato constitutivo da pretensão (art. 818, CLT e 333, I, CPC), e no entanto dispensou sua prova oral. Desse modo, a réplica indolente, desacompanhada de indicação de diferenças, ainda que por amostragem, equivale a negativa geral e revela-se ineficaz para influir na formação da convicção do magistrado quanto à existência de horas extras insatisfeitas. Sentença mantida, neste tópico.”

Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 00025807420145020052 – São Paulo. Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta013&docId=e35e94b23d738a9c3f521ae30957df58631416de&fieldName=Documento&extension=pdf#q= >Acesso em: 14 nov. 2019.

 

“EMENTAS: 1. DEPENDENTE QUÍMICO. DISPENSA INVÁLIDA. Não se pode tratar como desvio comportamental passível de punição aquilo que comprovadamente é doença. Segundo informa a ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, “(..) a tendência entre as grandes empresas é proporcionar o tratamento ao empregado dependente químico, aí incluindo o alcóolatra, medida que se impõe para que não se percam os bons profissionais, não se perca o investimento que possa ter sido realizado e para que não sejam oneradas com treinamento a novos empregados, aos quais ninguém garante que estejam imunes à doença(..)”. In casu, diante das provas colhidas nos presentes autos, manifesto que o reclamante já apresentava problemas decorrentes da ingestão habitual de bebida alcoólica, sendo assim, doente. Essa condição não autoriza a aplicação da penalidade máxima da justa causa, mas sim, seu afastamento e, consequente encaminhamento para tratamento médico pelo órgão previdenciário. Recurso obreiro que ao qual se dá provimento, no particular.” (Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 00025807420145020052– São Paulo. Relator: Ricardo Artur Costa E Trigueiros. Pesquisa de Jurisprudência, 05 abril 2016. Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta013&docId=e35e94b23d738a9c3f521ae30957df58631416de&fieldName=Documento&extension=pdf#q= >. Acesso em: 14 nov. 2019)

“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA Nº 219 DO TST. CONTRARIEDADE NÃO CONFIGURADA. Verificada, nos autos, a existência de credenciamento sindical em nome do advogado do autor, além da concessão do benefício da justiça gratuita, consideram-se atendidos os requisitos previstos na Súmula nº 219 do TST, que, portanto, não restou contrariada. Recurso de embargos não conhecido. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ALCOOLISMO. DOENÇA CRÔNICA. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADA. ARESTO INESPECÍFICO. SÚMULAS Nº 296, I, E Nº 23, DO TST. O aresto trazido à colação no recurso de embargos reflete situação na qual a desproporcionalidade e a falta de razoabilidade do valor fixado a título de reparação por danos morais foram proclamadas em hipótese de indenização por atraso no pagamento de verbas rescisórias; ao passo que o quantum fixado no caso vertente diz respeito à indenização por danos morais decorrentes da dispensa injustificada de empregado que, não obstante ser dependente químico, apresentando quadro que associa alcoolismo crônico com o uso de maconha e crack – de amplo conhecimento do empregador –, ainda assim foi imotivadamente dispensado. Sobressai, assim, que o julgado paradigma é efetivamente inespecífico, por não revelar a necessária identidade de fatos e fundamentos preconizada nas Súmulas nº 296, I, e nº 23, ambas deste Tribunal Superior. Recurso de embargos não conhecido.” (Tribunal Superior do Trabalho – TST – RR n.º 529000-74.2007.5.12.0004 – Brasília. Relator: Alexandre Agra Belmonte. Pesquisa de Jurisprudência, 20 março 2014. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/processos-do-tst>. Acesso em: 14 nov. 2019)

 

Caso o funcionário seja alcoólatra ou dependente químico de outras substâncias e apresente episódios de agressividade, vindo a apresentar comportamentos ensejadores de infrações indisciplinares, a demissão por justa causa ou punição disciplinar poderá ocorrer.

A testemunha confirmou também que o autor desobedecia suas ordens, ingeria bebidas alcoólicas durante o serviço, descumpria as tarefas a ele determinadas, não acatava as ordens e era agressivo; disse ainda que o autor jogou fora uma marmita por não vir do modo como queria. No que toca à embriaguez habitual em serviço, vejo que, no caso do reclamante, este fato não poderia ter sido utilizado pela primeira reclamada para justificar a demissão por justa causa, pois a Organização Mundial de Saúde e a jurisprudência, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho, têm entendido que o alcoolismo habitual é doença. Assim, a justa causa somente pode ser reconhecida se, em decorrência da embriaguez em serviço, o empregado comete atos típicos de falta grave, como é o caso dos autos. Apesar de o alcoolismo, que é doença, não ser motivo para a rescisão do contrato de trabalho, entretanto, se por motivo do alcoolismo deste, ou por outros fatores, o empregado pratica atos que tornam impossível a manutenção do contrato de trabalho, o mesmo pode ser rescindido por justa causa. Foi provado que o autor era insubordinado, indisciplinado, além de ter comportamento agressivo.”

Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 0001847-60.2010.5.02.0081– São Paulo. Relator: Jonas Santana De Brito. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta014&docId=eb8ab4fd5675e7642e3274f27aec154a1d6d657d&fieldName=Documento&extension=pdf#q=>. Acesso em: 14 nov. 2019

 

EMENTA: EMBRIAGUEZ HABITUAL. REINTEGRAÇÃO. Há tempos a jurisprudência abandonou o disposto nos termos do artigo 482, “f” da CLT como razão para rescisão motivada de contrato, posto que a embriaguez habitual é considerada uma doença. Diante do estigma social que acompanha o alcoólatra, é natural a sua resistência inicial, e há que se conceder um período razoável de tempo para que ocorra a conscientização da necessidade de tratamento, o que não advém em uma simples consulta. O empregado serviu à Prefeitura por catorze anos. O problema era recorrente e de conhecimento da reclamada há um bom tempo. Não foram adotadas medidas disciplinares com caráter gradual, como advertências, suspensões. A prova documental acerca do oferecimento de tratamento médico é frágil e não demonstra, satisfatoriamente, a recusa reiterada do reclamante em se submeter ao tratamento oferecido, sem prejuízo ao seu emprego, além de nada provar sobre encaminhamento ao INSS. Não pode se esquecer o empregador, e mormente quando este é o próprio Município, sua função social. Não é correto descartar o empregado como se fosse um incômodo problema, devolvê-lo à sociedade sem condições de sustento próprio e cada vez mais afundado no vício, adotando, na verdade, como providência e de imediato a pena máxima da demissão motivada. Cabe ainda considerar que de fato o reclamante não é portador de garantia provisória do emprego, mas como constado pela perícia, sendo portador de “alcoolismo crônico” o contrato não pode ser extinto enquanto o empregado estiver doente, razão pela qual também correta a determinação de reintegração do empregado determinada pelo Juízo a quo para que seja submetido a efetivo tratamento.”

Tribunal Regional do Trabalho – SP – RO n.º 0000660-69.2012.5.02.0332– São Paulo. Relatora: Maria José Bighetti Ordoño Rebello. Pesquisa de Jurisprudência, 29 out 2013 . Disponível em: < http://search.trtsp.jus.br/easysearch/cachedownloader?collection=coleta013&docId=a8fc49f178f528eafd650b335aa48824dc3e21b9&fieldName=Documento&extension=pdf#q=>. Acesso em: 14 nov. 2019

 

Como conclusão, entendo que os casos de alcoolismo e dependência de substâncias entorpecentes devam ser tratados como doença, não podendo o servidor vir a ser punido simplesmente porque faz uso de tais substâncias. Cabe à Câmara zelar pela saúde física e mental de seus servidores, devendo, em tais casos, encaminhar o servidor para que receba o tratamento adequado, encaminhando-o para o COGESS para concessão de licença ou, em último caso, para concessão de aposentadoria por invalidez.

Dessa maneira, a simples inassiduidade do servidor não enseja a aplicação de sanção, motivo pelo qual entendo deva o Ato nº 1090/2009 ser revogado, por não estar em consonância ao posicionamento jurisprudencial mais atual, apesar de estar em simetria ao Decreto nº 50.573/2009.

Isto não significa que a Administração Pública não poderá exercer seu exercício de pretensão punitiva face aos servidores que apresentem dependência química ou algum tipo de transtorno psíquico e ajam em desacordo ao Estatuto dos Funcionários do Município de São Paulo. Também não quer dizer que a assunção de doenças crônicas afastaria per se a punição disciplinar, de modo a remanescer apenas as alternativas de tratamento de saúde ou aposentadoria. Significa apenas que é dever do empregador, ao perceber que o servidor se encontra neste tipo de situação, propiciar-lhe os meios para sua recuperação e, caso não haja interesse por parte do servidor e vindo a serem cometidas infrações funcionais, poderá a Administração instaurar procedimento disciplinar para apuração.

Especificamente quanto aos casos de agressividade por parte do servidor em decorrência do uso de tais substâncias, ficando configurado que o servidor comete atos típicos de falta grave, que tornam impossível o convívio com os colegas e seu vínculo com a Administração, poderá sua conduta ser apurada em processo administrativo disciplinar.

Assim sendo, encaminho a presente minuta de Ato, já avalizada por SGA.14 e SGA.8.

Esta é a minha manifestação, que submeto à apreciação de V.Sa.

 

São Paulo, 08 de janeiro de 2020.

 

 

Érica Corrêa Bartalini de Araujo

Procuradora Legislativa SUPERVISORA – SETOR JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

OAB/SP n° 257.354

 

 

 

Carlos Benedito Vieira Micelli

PROCURADOR LEGISLATIVO – PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE SINDICÂNCIA

OAB/SP nº 260.308

[1] DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

[2] VOTO Nº 20952 – APELAÇÃO Nº 0044814-26.2009.8.26.0053 – 8ª Câmara de Direito Público – 16/08/2017

[3] Apelação nº 0000860-51.2006.8.26.0079, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Danilo Panizza, j. em 21/03/2017.