Parecer n° 0025-ADM/2020

TID nº 18766463

Ref.                 PA nº 21/2020 – XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Assunto:        Permanência de função gratificada

 

Parecer ADM nº 25/2020

 

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de requerimento formulado pelo servidor XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX no sentido de ter declarada a permanência da função gratificada correspondente à função de Supervisor de Equipe – FG-2, com fundamento no artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637/2003.

Por SGA.15 foi informado que o servidor completou 05 (cinco) anos de exercício na função gratificada em 13/01/2020.

O Sr. Secretário de Recursos Humanos, então, solicita manifestação desta Procuradoria acerca dos efeitos do artigo 1º da Emenda Constitucional nº 103/2019, que acresceu o §9º ao artigo 39 da Constituição Federal, impondo vedação à “incorporação” de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

É o breve relato do necessário. Passo a opinar.

Dispõe os termos da vedação imposta na novel redação incluída no §9º do artigo 39 da Carta Magna:

É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Por seu turno, o artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637, de 04 de setembro de 2003, com a redação dada pela Lei Municipal nº 14.381, de 07 de maio de 2007, estabelece:

Art. 19 – Os servidores efetivos integrados nas Escalas de Vencimentos Básicos, previstos nesta lei, quando designados para o exercício das funções gratificadas previstas no artigo 14 desta lei, farão jus ao vencimento básico de seu cargo efetivo, acrescido do valor correspondente à respectiva função, constante da Tabela B do Anexo IV, desta lei.

  • O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária. (Redação dada pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  • 2º A Função Gratificada fica excluída do limite salarial previsto na Lei nº 12.477, de 22 de setembro de 1997. (Redação dada pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  • Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor, bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de cinco anos, nas seguintes condições: (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

I – poderão ser somados períodos contínuos ou descontínuos de percepção de uma ou mais funções gratificadas; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

II – em sendo exercida mais de uma função gratificada: (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

  1. a) a permanência dar-se-á pelo maior valor percebido por período não inferior a um ano; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)
  2. b) se o maior valor for percebido por período inferior a um ano, a permanência dar-se-á em relação àquele imediatamente inferior cuja percepção, somada à do maior, perfaça, no mínimo, um ano. (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

III – declarada a permanência, se o servidor vier a perceber valor superior de função gratificada, receberá somente a diferença; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

IV – poderá ser tornada permanente a diferença entre o valor já tornado permanente e novo valor de função gratificada que venha a ser percebido por um período mínimo de um ano; (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007)

V – os tempos de percepção só poderão ser computados uma única vez. (Inserido pela Lei nº 14.381, de 07 de maio de 2007) – destaques nossos.

Observa-se que a norma não faz menção à incorporação, mas sim ao instituto da permanência, fenômenos esses diferentes entre si, como se denota em toda a legislação municipal.

Como exemplo pode-se citar o artigo 18[1] do Decreto nº 46.861/2005 que, em consonância com o que dispõe o artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei Municipal nº 13.973/2005, faz distinção entre os institutos da incorporação e da permanência de vantagens à remuneração dos servidores.

Doutrinariamente a distinção entre os institutos nasce justamente das características inerentes à incorporação:

Para que essas vantagens passem a integrar os vencimentos, é necessário que a lei assim preveja: é a incorporação, mediante a qual a vantagem adere ao vencimento, não podendo ser suprimida dos vencimentos, salvo opção explícita do servidor. A lei poderá determinar a incorporação automática, como ocorre com o adicional por tempo de serviço; ou exigir tempo de percepção ou prever a incorporação progressiva, proporcional ao tempo de percepção. Se, no decurso da vida funcional, a mesma vantagem é recebida em diversos percentuais, a lei que permite a incorporação deverá definir o respectivo percentual. Os acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor não podem ser computados nem acumulados para fins de atribuição de acréscimos ulteriores (CF, art. 37, XIV). (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 281)

(…) “É ainda de Hely Lopes Meirelles a advertência denotando a existência de ‘vantagens irretiráveis’ (que assumem especial relevância para o debate sobre a irredutibilidade e o teto) adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis) em cujo núcleo se excluem as dependentes de trabalho a ser feito (pro labore faciendo), de um serviço a ser prestado em determinadas condições (ex facto officci) ou de sua anormalidade (propter laborem) ou em razão das condições individuais do servidor (propter personam)” (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 86/87, n. 10)

Alguns estatutos funcionais preveem o denominado sistema de incorporação, pelo qual o servidor agrega ao vencimento-base de seu cargo efetivo determinado valor normalmente derivado da percepção contínua, por período preestabelecido, de certa vantagem pecuniária ou decorrente do provimento de cargo em comissão. Exemplifique-se com a hipótese em que o servidor incorpora o valor correspondente a 50% do vencimento de cargo em comissão, se nele permanecer dez anos ininterruptamente. Ou com a incorporação do valor correspondente a certa gratificação funcional se esta for percebida no mínimo por cinco anos. Seja como for, esse valor incorporado terá a natureza jurídica de vantagem pecuniária, por ser diverso da importância percebida em razão do cargo, mas, em última análise, reflete verdadeiro acréscimo na remuneração do servidor por seu caráter de permanência. Consumado o fato que a lei definiu como gerador da incorporação, o valor incorporado constituirá direito adquirido do servidor, sendo, portanto, insuscetível de supressão posterior pela Administração. O necessário, sem dúvida, é que a lei funcional demarque, com exatidão e em cada caso, qual a situação fática que, consumada, vai propiciar a incorporação; ocorrida a situação, o servidor faz jus à agregação do valor a seu vencimento-base. (…)

As vantagens pecuniárias devem ser acrescidas tomando como base o vencimento do cargo. Não podem os acréscimos pecuniários ser computados nem acumulados para o efeito de percepção de outros acréscimos. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012, p. 733/734)

Aliás, no âmbito desta Municipalidade, há muito se faz tal distinção, tendo surgido com o advento da Lei Municipal nº 10.442/1988, como bem explanado nos Pareceres desta Procuradoria de nº 088/2001 e nº 086/2002, ambos de autoria do Professor e Procurador Legislativo Dr. Antonio Rodrigues de Freitas Jr.:

Anteriormente ao advento da Lei 10.442/88, a única modalidade de indenização ficta conhecida por lei como veículo para ocasionar a insusceptibilidade de revogação de gratificações discricionárias consistia no instituto da incorporação. Como se sabe, ou se de deveria saber, a ocorrência da incorporação fazia incidir a parcela incorporada sobre o padrão do vencimento, de sorte não apenas que a gratificação incorporada tornava-se insusceptível de supressão como, no mesmo ato, que ao repercutir no padrão ensejava majoração do produto final da remuneração.

Foi precisamente colimando oferecer tratamento mais parcimonioso que se deu o advento da Lei 10.442/88. Daí a razão pela qual a proibição da incidência constar de parágrafo (nem preciso reiterar qual a função normativa de um parágrafo), e de parágrafo único do artigo que instituiu justamente a permanência, como instituto inovador no Direito Municipal de São Paulo. Diga-se de passagem: instituto originariamente restrito à figura da Gratificação de Gabinete e para essa idealizado.

Do exposto, evidencia-se, na boa fé interpretativa, que ao vedar “sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária”, o endereço do verbo, vale dizer, seu objeto direto consiste na Gratificação “tornada permanente”. Aliás, permito-me esse desnecessário truísmo na intenção de enfatizar que a proibição do referido parágrafo único evitou conferir, ao ato de reconhecimento da permanência, os efeitos majoratórios até então ínsitos ao ato concessivo da incorporação desde aí já não mais aplicável à Gratificação de Gabinete. (Parecer nº 088/2001) – destaques nossos.

Em minha percepção, o problema resolveu-se não por via do art. 1º, parágrafo único, da Lei 10.442/88, mas em virtude do tratamento legal conferido às demais vantagens. Tenhamos presente que a dicção desse preceito objetivou, como acertadamente afirma o Anexo do Relatório GV, evitar que o ato declaratório de permanência viesse a ser tratado de igual modo que a incorporação. Assim sendo, a decisão do E. TCM, ao contrário do que se possa supor por uma leitura apressada, não determinou que a GG, ao se tornar permanente, viesse aderir ao padrão e a repercutir sobre todas as demais vantagens que sobre ele se calculassem. Considerando a autonomia legislativa da Câmara para dispor sobre suas gratificações, o Parecer que embasa a decisão do C. TCM ocupou-se de interpretar a forma de cálculo dessas últimas e houve por concluir o que determinou como correta fórmula de cálculo dos servidores do Legislativo (e TCM), sem qualquer distinção entre GG de todos aqueles servidores, com ou sem direito à permanência. Por sinal, não houvesse a figura da permanência, isso em nada alteraria as premissas por ele esposadas. O que fundamentou a decisão do C. TCM foram as normas destinadas a outras vantagens, diversas daquelas concedidas aos demais servidores do Executivo. (Parecer nº 086/2002) – destaque nosso.

Em outros pareceres desta Procuradoria também se pontuou a diferença entre os dois fenômenos no sistema remuneratório dos servidores do Município:

Consequentemente, vemos que ambos os benefícios – a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81, e a permanência disciplinada pela Lei nº 10.442/88 e Resolução nº 06/93 – são legalmente previstos, sendo passíveis de serem obtidos pelos servidores deste Legislativo, desde que preenchidos os respectivos requisitos legais. Tratam-se de dois benefícios legalmente previstos, com objetos, critérios e requisitos distintos, mas com semelhante efeito em relação a cada respectivo objeto. Este efeito, como já visto, pode ser assim traduzido: a respectiva vantagem (na permanência, uma gratificação; na incorporação, o conjunto de vantagens próprias de um cargo) passa a integrar em definitivo a remuneração do funcionário. (Parecer nº 031/2003, de autoria do Procurador Legislativo Sebastião Rocha) – destaque nosso.

Ambos os benefícios, a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81 (em que são incorporadas todas as vantagens do cargo) e a permanência, disciplinada pela Lei nº 10.442/88 (em que uma vantagem específica é tornada permanente) coexistem e são passíveis de serem adquiridos pelo funcionário do QPL, desde que preenchidos os requisitos próprios estabelecidos nas respectivas leis, não havendo incompatibilidade entre eles. (Parecer nº 9002/2003, de autoria do Procurador Legislativo Mário Sérgio Maschietto) – destaque nosso.

Observe-se, ainda, que a distinção entre os institutos foi reconhecida pelo E. Tribunal de Contas do Município, no TC nº 72.002.911.02-25, em ocasião na qual, entendendo não ser mais possível a incorporação da Gratificação de Gabinete após 05/06/1998 (EC nº 19/98), passou a recomendar a readequação da gratificação ao fenômeno da permanência “previsto pela Lei 10.442/88, inclusive com relação a não constituir base de cálculo de nenhum outro benefício”.

Ora, o artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637/2003 expressamente estabelece[2], em distinção ao que ocorre com a incorporação, que o valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária.

Resta claro, portanto, a existência de diferença conceitual e de tratamento quanto à incorporação e à permanência.

Passemos, então, à análise do alcance da norma inserida no §9º do artigo 39 da Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 103/2019.

Transcrevamos novamente o teor da norma:

É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Sabe-se que a lei não contem palavras inúteis e que a exegese literal deve observar algumas cautelas, como brilhantemente, há muito, destacado pelo mestre da hermenêutica Carlos Maximiliano[3]:

Cada palavra pode ter mais de um sentido; (…) em regra, só do complexo das palavras empregadas se deduz a verdadeira acepção de cada uma, bem como a ideia inserta no dispositivo.

(…)

Notam-se na linguagem duas tendências, opostas, exercidas simultaneamente sobre palavras diversas, ou sobre a mesma e em épocas diferentes: para generalizar e especializar o sentido respectivo, o qual vai mudando à proporção que se verifica o mencionado fenômeno de Linguística. Precisa, portanto, o hermeneuta conhecer o desenvolvimento evolutivo, a história de um vocábulo, a fim de apurar o que este foi chamado a exprimir.

(…)

Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas ser entendidas como escritas adrede, para influir no sentido da frase respectiva.

No caso em tela a norma cita expressamente o termo “incorporação”.

A referendar, ainda, a menção ao termo “incorporação” em seu sentido técnico, a regra faz menção à integração de “vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo”.

Observa-se da leitura da norma que o intuito do legislador foi vedar, e parcialmente, o fenômeno da incorporação em sentido estrito e técnico, isto é, a integração de vantagens ao vencimento padrão do cargo, a fim de se constituir base para outras vantagens pecuniárias, não se confundindo com a permanência da percepção da vantagem em si, após preenchidos os requisitos legais.

Na legislação geral e na Doutrina é clara a diferença entre vencimentos e remuneração, sendo certo que o primeiro termo é o que se aplica à contraprestação pelo exercício de um cargo, enquanto o segundo diz respeito ao conjunto de valores (vencimento + vantagens) recebidos por um servidor.

A Lei Federal nº 8.112, 11 de dezembro de 1990 estabelece distinção entre os dois conceitos:

Art. 40. Vencimento é a retribuição pecuniária pelo exercício de cargo público, com valor fixado em lei.

Parágrafo único. Nenhum servidor receberá, a título de vencimento, importância inferior ao salário-mínimo.

Art. 41. Remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei.

A Doutrina, igualmente, é uníssona quanto à diferenciação:

Os autores têm distinguido, nessa matéria, vencimento, vencimentos, remuneração e subsídio. Vencimento e vencimentos são expressões próprias do regime estatutário e sempre estão referidas a cargo. Vencimento tem acepção estrita e corresponde à retribuição pecuniária a que faz jus o servidor pelo efetivo exercício do cargo. É igual ao padrão ou valor de referência do cargo fixado em lei. Nesse sentido, a retribuição é sempre indicada por essa palavra (vencimento), grafada no singular. Vencimentos tem sentido lato e corresponde à retribuição pecuniária a que tem direito o servidor pelo efetivo exercício do cargo, acrescida pelas vantagens pecuniárias (adicionais e gratificações) que lhe são incidentes. Compreende o padrão e as vantagens pecuniárias: as do cargo ou as pessoais. Nesse sentido, a retribuição é sempre indicada pelo vocábulo em apreço, escrito no plural (vencimentos), muito embora essas regras não sejam absolutas. A Constituição Federal em nenhum momento utilizou a expressão “vencimento”, como aqui entendida. Às vezes que a usou, o fez para indicar o transcurso de um prazo, como ocorre no art. 46 do ADCT. Na segunda acepção aparece no texto da Lei Maior em vários dispositivos, a exemplo do art. 37, XII. A locução “remuneração” já não tem o seu antigo significado, ou seja, de retribuição composta por uma parte fixa, quase sempre igual a dois terços do padrão, e uma parte variável (quotas ou percentagens da sucumbência ou das multas arrecadadas) paga em razão da produtividade. Atualmente significa o somatório de todos os valores percebidos pelo servidor, quer sejam pecuniários, quer não. Assim, abrange o vencimento, as vantagens e as quotas de produtividade. (…) (GASPARINI, Diógenes. “Direito Administrativo”. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 244) – destaques nossos.

Remuneração é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação funcional.

(…)

Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo, conforme a correta conceituação prevista no estatuto funcional federal (art. 40, Lei nº 8.112/1990). Emprega-se, ainda, no mesmo sentido vencimento-base ou vencimento-padrão. Essa retribuição se relaciona diretamente com o cargo ocupado pelo servidor: todo cargo tem seu vencimento previamente estipulado. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. “Manual de Direito Administrativo”. 25ª Edição, São Paulo: Atlas, 2012, p. 729) – destaques nossos.

5.4.3 Vencimentos – Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Assim, o vencimento (no singular) correspondente ao padrão do cargo público fixado em lei, os vencimentos são representados pelo padrão do cargo (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público da Administração direta, autárquica e fundacional. Esses conceitos resultam, hoje, da própria Carta Magna, como se depreende do art. 39, § 1º, I, c/c o art. 37, X, XI, XII e XV. Quando o legislador pretender restringir o conceito ao padrão do cargo do servidor, deverá empregar o vocábulo no singular – vencimento; quando quiser abranger também as vantagens conferidas ao servidor, deverá usar o termo no plural – vencimentos. (MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, 30ª ed., Malheiros Editora, 2005, São Paulo, p. 464)

A legislação ordinária emprega, com sentidos precisos, os vocábulos vencimento e remuneração, usados indiferentemente na Constituição. Na lei federal, vencimento é a retribuição pecuniária pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão fixado em lei (art. 40 da Lei n.º 8.112/90) e remuneração é o vencimento mais as vantagens pecuniárias atribuídas em lei (art. 41). Provento é a retribuição pecuniária a que faz jus o aposentado. E pensão é o benefício pago aos dependentes do servidor falecido. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, “Direito Administrativo”, 14ª ed, Ed. Atlas, 2002, p. 492)  – destaques nossos.

Pode-se dizer, assim, que o vencimento refere-se ao cargo e a remuneração refere-se à pessoa e que os termos utilizados ao longo do texto constitucional não necessariamente guardam fidelidade técnica.

Daí porque se conclui que, a despeito do termo “remuneração” ter sido utilizado na norma inserida no §9º do artigo 39 da Constituição Federal, como a norma faz referência à vedação da integração de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à contraprestação de cargo efetivo, não há outra interpretação a fazer que não seja a de que está vedada apenas a incorporação dessas vantagens ao vencimento-padrão do cargo, isto é, tais vantagens não podem integrar a base de cálculo utilizada para quaisquer outras vantagens.

Partilho do entendimento, portanto, de que a norma constitucional não veda o instituto da permanência, previsto no ordenamento jurídico municipal.

Tal entendimento, inclusive, é o que mais se coaduna com a repartição de competências estabelecida pela própria Constituição Federal, dentro do sistema federativo por ela adotado.

Nesse sentido, destaca-se o quanto disposto no artigo 37, inciso X, da Lei Maior:

“a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

No mesmo sentido trecho do seguinte acórdão do E. Tribunal Bandeirante:

“Incorporação. Diferença de Chefia. Cargo de Fiscal de Obras e de Chefe de Divisão. A pretensão do autor deve ser analisada à luz da legislação municipal, que rege por completo a matéria ora discutida; não há que se cogitar em aplicação das disposições previstas aos servidores públicos estaduais, dentre as quais o art. 133 da Constituição Estadual, sob a pena de ofender o poder de auto-organização e autogoverno do município. A discussão no caso concreto se refere ao preenchimento dos requisitos necessários à incorporação.” (TJSP, Apelação nº 0006819-21.2014.8.26.0338, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. TORRES DE CARVALHO, j. 24/07/2017)

Persiste, assim, em norma constitucional de igual envergadura, a autonomia municipal, respeitada a iniciativa de cada Poder, para fixar e regular a remuneração de seus servidores.

No caso concreto, a legislação municipal, como já exposto acima, faz expressa distinção entre os institutos da incorporação e da permanência, razão pela qual, pelo entendimento que ora se expõe, remanesce a possibilidade jurídica de declaração de permanência de vantagens vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão, isto é, da continuidade de sua percepção no tempo, após preenchidos os requisitos legais, sem que se integre ao vencimento do cargo efetivo e, portanto, sem que possa integrar a base de cálculo de outras vantagens pecuniárias.

Outrossim, há de se ressaltar que, integrantes do mesmo regime jurídico, a Prefeitura Municipal de São Paulo e o Tribunal de Contas do Município continuam a reconhecer o direito de permanência das vantagens relativas às funções gratificadas mesmo após o advento da Emenda Constitucional nº 103/2019, como demonstram exemplificativamente as publicações anexas.

Por todo o exposto, conclui-se que há amparo jurídico para o deferimento do pleito do servidor requerente.

S.m.j., é o entendimento que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 11 de março de 2020.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa – RF 11.418

OAB/SP nº 218.877

[1] Art. 18. A partir de 11 de agosto de 2005, os servidores que não implementarem as condições estabelecidas na legislação específica para incorporação ou permanência, na atividade, de vantagens que constituem a base de cálculo da contribuição social de que trata a Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005, e que integram a base de contribuição na forma do Decreto nº 46.860, de 27 de dezembro de 2005, terão direito, por ocasião da aposentadoria ou pensão, a que as remunerações a elas correspondentes sejam consideradas mediante cálculo, segundo média aritmética simples, na conformidade da regra estabelecida no artigo 16.

[2] Art. 19, §1º, Lei Municipal nº 13.637/2003: “O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária”.

[3] In “Hemenêutica e Aplicação do Direito”, 2ª edição, Livraria do Globo: Porto Alegre, 1933, p. 124/125.

____________________________________________________________________________________

Parecer Chefia nº 04/2020

Ref: TID nº 18766463 e Parecer ADM 25/2020

Ref. PA nº 21/2020 – XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Assunto: Permanência de gratificação vinculada ao exercício de função de confiança – Emenda Constitucional nº 103/2019 – Impossibilidade – Contribuição Previdenciária – Opção; Posicionamento do Parecer ADM 25/2020 em sentido diverso.

 

À SGA – Sr. Secretario Geral Administrativo

 

O servidor XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX solicita declaração da permanência da função gratificada correspondente à função de Supervisor de Equipe – FG-2, com fundamento no artigo 19 da Lei Municipal nº 13.637/2003.

Às fls. 08, a Secretaria de Recursos Humanos informa que o servidor completou 05 (cinco) anos de exercício na função gratificada em 13/01/2020, e às fls. 8v. solicita manifestação da Procuradoria acerca do art. 1º da Emenda Constitucional nº 103/19, que acresce § 9º do art. 39 da Constituição Federal.

O Setor Jurídico-Administrativo desta Procuradoria, no parecer ADM nº 25/2020 (fls. 10-15 V.), opina pela viabilidade jurídica do pleito. Sustenta que o art. 19 da Lei Municipal nº 13.637 de 4 de setembro de 2003, que admite a permanência de gratificação de função decorrido certo lapso de tempo, não conflita com a Emenda Constitucional nº 103/19 que veda a incorporação de vantagens, posto serem a permanência e a incorporação institutos distintos, como estabelecido em legislação do Município de São Paulo, que dispõe sobre a remuneração de seus próprios servidores, com base na autonomia municipal constitucional. Assevera, assim, não ter a Emenda Constitucional vedado a permanência, mas apenas a incorporação da gratificação de função. Além disso, a vedação expressa no art. 39 § 9º, segundo o Setor Jurídico-Administrativo, seria apenas à incorporação de vantagens ao vencimento-padrão do cargo, e não propriamente à remuneração do cargo, expressão que teria sido utilizada no dispositivo constitucional de modo impróprio. Salienta, por fim, que o Tribunal de Contas do Município tem admitido a permanência de gratificação de função, mesmo após a Emenda Constitucional nº 103/19, conforme deferimento publicado em 12.02.2020, cuja cópia anexa (fls. 16).

Em que pese tal linha argumentativa, expresso a seguir meu entendimento, em sentido diverso, conforme razões que passo a expor.

 

I INTRODUÇÃO

 

1.O art. 1º da Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, assim dispôs quanto à matéria, em seus arts. 1º e 13:

 

Art. 1º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art.39

……………………………………………………………………………………………………….

  • É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.” (NR)

…..

Art. 13. Não se aplica o disposto no § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão efetivada até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.

 

  1. Observo, primeiramente, que a vedação de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, constante do § 9º do art. 39 da Constituição a partir da Emenda Constitucional nº 103/19, tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, uma vez que não previu a necessidade de edição de norma regulamentadora posterior, nem teve sua eficácia restringida por outras normas, constitucionais ou infraconstitucionais.[1] Ademais, como se verifica dos expressos termos de seu art. 13, a sua aplicação tem caráter prospectivo, com a ressalva de sua não incidência às incorporações dessa natureza ocorridas até a data de sua entrada em vigor.

 

  1. Portanto, a vedação à incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança não alcança aquelas efetivadas até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional, que, conforme seu art. 36, inc. III deu-se, no ponto, no dia de sua publicação (13 de novembro de 2019).

 

  1. Trata-se de examinar se a vedação à INCORPORAÇÃO de vantagens na REMUNERAÇÃO de cargos efetivos da Câmara Municipal de São Paulo, estabelecida pelo § 9º do art. 37 da Constituição Federal pela EC 103/19, implicaria igualmente vedação à PERMANÊNCIA dessas mesmas vantagens, admitida de acordo com a legislação local.

 

  1. Para esse fim, em primeiro lugar, será necessário estabelecer-se qual o significado dos termos REMUNERAÇÃO e INCORPORAÇÃO na sistemática constitucional e, posteriormente, verificar-se a existência das semelhanças e diferenças entre os conceitos de PERMANÊNCIA e INCORPORAÇÃO.

 

  1. Os significados dos termos REMUNERAÇÃO e INCORPORAÇÃO, integrantes do regime remuneratório do servidor público hão de ser extraídos da própria sistemática constitucional, com o conteúdo e limites assinalados pela doutrina e pela jurisprudência, aplicáveis a todas as esferas federadas, Estados e Municípios, e não, evidentemente, pelas Leis ou Decretos do Município de São Paulo. Trata-se de obediência ao princípio da hierarquia das leis, do qual se extraem os princípios da constitucionalidade e da legalidade, tão bem esclarecidos por Vicente Ráo:

O princípio da constitucionalidade exige a conformidade de todas as normas e atos inferiores, leis, decretos, regulamentos, atos administrativos e atos judiciais, às disposições substanciais ou formais da Constituição; o princípio da legalidade reclama a subordinação dos atos executivos e judiciais às leis e, também, a subordinação, nos termos acima indicados, das leis estaduais às federais e das municipais a umas e outras(O Direito e a Vida dos Direitos – Vol . I,Tomo II ,Ed. Resenha Universitária, 2ª edição, 1976, p. 263) .

 

  1. Em face desse princípio, que faz com que a lei infraconstitucional encontre seu fundamento de validade na Constituição, toda legislação municipal que afrontar a Constituição, ou a Emenda Constitucional nº 103/2019, deixa de ter validade e eficácia, e é considerada revogada, nos termos de pacífica jurisprudência:

“A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. (…) Nestes termos, ficou assentado que não cabe a ação direta quando a norma atacada for anterior à Constituição, já que, se for com ela incompatível, é tida como revogada, e, caso contrário, como recebida. E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação às emendas constitucionais, que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo ‘status’ dos preceitos originários. Vale dizer, todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordem instaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado. Nesse sentido, a observação do Ministro Celso de Mello, ao dispor que: ‘(…) Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal– tratando-se de fiscalização abstrata de constitucionalidade — apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos, que, emanados da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, tenham sido editados sob a égide de texto constitucional ainda vigente.”(ADI 2.971,DJ de 18-5-2004). (ADI 1.717-MC, DJ de 25-2-2000; ADI 2.197DJ de 2-4-2004; ADI 2.531-AgRDJ de 12-9-2003; ADI 1.691DJ de 4-4-2003; ADI 1.143, DJ de 6-9-2001 e ADI 799, DJ de 17-9-02).” (ADI 888, rel. min. Eros Grau,  j.6/62005,DJde 10-6-2005.).

Por esse motivo, a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo fez publicar o seguinte Enunciado (Diário Oficial do Estado, Poder Executivo, 4 de abril de 2020, pg. 48):  :

 

Enunciado 124“CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. INCORPORAÇÃO DE VANTAGENS TRANSITÓRIAS. DESCABIMENTO. O § 9º do art. 39 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda n. 103/19, revogou todas as normas infraconstitucionais em sentido contrário ao vedar a incorporação de vantagens (a) de caráter temporário ou (b) vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, descabendo a promoção de ação direta de inconstitucionalidade em face de anterior legislação estadual ou municipal”

 

  1. A Constituição Federal, de aplicabilidade imediata, molda o regime remuneratório do servidor público, que é de observância obrigatória pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em face do princípio da supremacia da Constituição, nenhuma norma jurídica relativa ao sistema remuneratório dos servidores públicos pode contrariá-la material ou formalmente, sob pena de inconstitucionalidade. Como aponta Carmem Lúcia Antunes Rocha:

Não se tem como constitucional o exercício da competência legislativa infraconstitucional regulamentadora ou o ato que dela decorra que reduza ou restrinja o princípio ou o direito de molde a talhar uma instituição diversa daquela constitucionalmente concebida” (in Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, pg. 111).

 

  1. Assentadas essas premissas nesta Introdução, iremos tratar a seguir: II- Da Remuneração no sistema constitucional; III – Da Incorporação no sistema constitucional e a Emenda nº 19 de 1998; IV- Da incorporação/permanência da gratificação vinculada ao exercício de função de confiança até a Emenda Constitucional nº 103/2019 e a necessidade de sua correspondente contribuição previdenciária; V- Da permanência da gratificação vinculada ao exercício de função de confiança no Município de São Paulo e a necessidade de sua correspondente contribuição previdenciária; VI- Conclusão.

 

II – DA REMUNERAÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL

 

  1. Passemos, portanto, a verificar a abrangência do termo REMUNERAÇÃO dos servidores públicos, que está prevista não apenas na nova redação dada pelo art. 39, § 9º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda nº 103/2019, mas em diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988 que versam sobre a remuneração de servidor público, que devem ser interpretados sempre de maneira sistemática, sendo de mencionar, em especial, os arts. 7º, IX, 37, inciso X, 37, inciso XI, 37, inciso XIII, 37, § 10, 37, § 13, 39, “caput”, 39, § 6º, 39, § 8º, 40, § 17, 41, §2º, 41, §3º, 51, inciso IV, 52, inciso XIII, 61,§ 1º, inciso II, alínea “a”, 61,§ 1º, inciso II, alínea “f”, 96, inciso II, alínea “b”, 142, § 3º, inciso X, 144, § 9º, 151, inciso II, 169, § 1º, 169, § 5º, 202, § 2º e 239,§ 3º, bem como os arts. 17 e 109, inciso I do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Alguns desses dispositivos tiveram sua redação modificada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, que utilizou diversas vezes a expressão REMUNERAÇÃO, assim como o texto constitucional anterior, agora alterado.

 

  1. A REMUNERAÇÃO, nos termos constitucionais, consiste em todos os valores que os servidores públicos recebem mensalmente como retribuição pelo seu trabalho abrangendo o padrão e todas as vantagens pecuniárias diversas, a qualquer título. Para Hely Lopes Meirelles:

“O sistema remuneratório ou a remuneração em sentido amplo da Administração direta e indireta para os servidores da ativa compreende as seguintes modalidades: a) subsídio, constituído de parcela única e pertinente, como regra geral, aos agentes políticos; b) remuneração, dividida em (b1) vencimentos, que corresponde ao vencimento (no singular, como está claro no art. 39, § 1º, da CF, quando fala em “fixação dos padrões de vencimento”) e (b2)às vantagens pessoais (que, como diz o mesmo art. 39, § 1º, são os demais componentes do sistema remuneratório do servidor público titular do cargo público na Administração direta, autárquica ou fundacional)” (Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição, 2007, pp. 477/478).

 

  1. Por seu turno, José Afonso da Silva leciona:

os termos vencimento (no singular), vencimentos (no plural) e remuneração dos servidores públicos não são sinônimos. Vencimento, no singular, é a retribuição devida ao funcionário pelo efetivo exercício do cargo, emprego ou função, correspondente ao símbolo ou ao nível e grau de progressão funcional ou ao padrão, fixado em lei. Nesse sentido, a palavra não é empregada uma só vez na Constituição. Vencimentos no plural, consistem no vencimento (retribuição correspondente ao símbolo ou ao nível ou ao padrão fixado em lei) acrescido das vantagens pecuniárias fixas”(…). Hoje se emprega o termo remuneração quando se quer abranger todos os valores, em pecúnia ou não, que o servidor percebe mensalmente em retribuição de seu trabalho. Envolve, portanto, vencimentos , no plural , e mais quotas e outras vantagens variáveis em função da produtividade ou outro critério. Assim, a palavra remuneração é empregada em sentido genérico para abranger todo tipo de retribuição do servidor público, com o que também envolve o seu sentido mais específico lembrado acima”.(Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 23ª ed., 2004, pág. 667/668; destaque em negrito nosso).

 

  1. Carmen Lúcia Antunes Rocha, no mesmo sentido, em obra publicada sobre o tema, ensina:

“A Constituição aplica seguidamente o termo remuneração, sempre ligando o seu significado à contraprestação pecuniária pelo desempenho de cargo, função ou emprego público, de qualquer natureza e com quaisquer características com que conte. A remuneração engloba todos os valores que compõem o quantum a ser recebido pelo agente público como retribuição legal devida pelo seu desempenho. Assim, todas as parcelas denominadas “acréscimos pecuniários”, pagos a títulos de vantagens, como indenização ou como adjutório ao agente público, inserem-se na definição normativa de remuneração, pois elas compõem-na e estabelecem o seu valor” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes Rocha. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 305/306).

 

  1. Certo é que, em alguns casos, a REMUNERAÇAO há de ter uma interpretação mais restrita, sendo de se salientar a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem:

Vencimento é a retribuição pecuniária fixada em lei pelo exercício de cargo público (art. 40 da Lei 8.112). O valor previsto como correspondente aos distintos cargos é indicado pelo respectivo padrão. O vencimento do cargo mais as vantagens pecuniárias permanentes instituídas por lei constituem a remuneração (art. 41)” (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 27ªed., 2010, p. 313).

 

  1. Assim, a redação do § 9º ora inserto no art. 39 da Constituição Federal estabelece singelamente ser vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, referindo-se implícita e obviamente à remuneração do servidor titular do cargo efetivo, que é o sujeito da remuneração, expressão tomada em sentido amplo. Aplica-se também quanto ao § 9º do art. 39 da Constituição Federal, em sua nova redação, como ordinariamente, o significado expresso reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em sua Súmula Vinculante nº 16, com o seguinte teor: Os artigos 7º, IV, e 39, § 3º (redação da EC 19/98), da Constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público.” (Tese definida no RE 582.019 QO-RG, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13-11-2008, DJE, 30/02/2009, Tema 142). É preciso ter em conta os efeitos da incorporação da vantagem no caso, inclusive no regime previdenciário do servidor, no qual prevalece o princípio da solidariedade, conforme art. 40, “caput” da Constituição Federal, que conduz à ampliação do conceito de remuneração (STJ, 1ª T., REsp 512.848/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavasci, j. 28/09/2006) .Caso pretendesse restringi-la, tendo em vista a posição sedimentada da doutrina e da jurisprudência, a Emenda Constitucional nº 103/19 deveria fazê-lo de modo expresso.

 

  1. O servidor titular de cargo efetivo não poderá doravante, portanto, incorporar em sua remuneração, tomada em sentido ordinário e amplo, nela abrangida toda contraprestação pecuniária pelo desempenho de seu cargo ou função, independentemente da sua espécie, natureza ou denominação, vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão.

 

III – DA INCORPORAÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL E A EMENDA CONSTITUCIONAL nº 19 DE 1998

 

  1. Para a compreensão do conceito constitucional de INCORPORAÇÃO, não se pode contentar com o singelo e formal “nomen juris”, mas sim com a abrangência e alcance de seu significado, e para esse fim é preciso aprofundar nas origens históricas do termo, distinguindo-o do conceito anterior à Emenda Constitucional nº 19 de 4 de junho de 1998. Como se sabe, esta Emenda deu nova redação ao inc. XIV do art. 37 da Constituição Federal assentando que “os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores”. Até então, embora se proibissem acréscimos remuneratórios que tivessem idêntico fundamento ou mesmo título de algum anteriormente concedido, o “efeito cascata” era permitido.

 

  1. A doutrina é unânime no sentido de que o legislador constituinte buscou por essa Emenda Constitucional nº 19/1998 reparar a prática de se incorporarem adicionais e gratificações à base de cálculo de novos acréscimos, que multiplicava indevidamente o quantum remuneratório. Ou seja: o objetivo da norma foi evitar distorções nas remunerações de servidores, vedando a incidência cumulativa de vantagens pecuniárias.

 

  1. Carmen Lucia Antunes Rocha, a esse respeito, leciona:

“Também continua plenamente assegurada no sistema vigente a possibilidade de se terem acréscimos pecuniários para os servidores que percebam vencimento ao qual se adicionem outras parcelas, desde que estas disponham de fundamento próprio e legítimo. Todavia, altera-se a norma constitucional que, antes do advento da Emenda Constitucional n. 19/98, apenas proibia acréscimos que tivessem idêntico fundamento ou sob o mesmo título de algum anteriormente concedido. O seu cômputo ou acumulação era vedada para novos acréscimos quando o seu elemento definidor fosse o mesmo antes aproveitado. A alteração, trazida à matéria pela Emenda Constitucional n. 19/98, diz respeito à extensão da proibição, que agora, independente de ter idêntico fundamento ou ser sujeita ao mesmo título, faz-se impositiva no sentido de que não será computado nem acumulado acréscimo pecuniário percebido por servidor público para fins de novos acréscimos”. (Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, pg. 324/325).

 

  1. José dos Santos Carvalho Filho, igualmente assevera:

“Alguns estatutos funcionais preveem o denominado sistema de incorporação, pelo qual o servidor agrega ao vencimento-base de seu cargo efetivo determinado valor normalmente derivado da percepção contínua, por período preestabelecido, de certa vantagem pecuniária ou decorrente do provimento em cargo em comissão. Exemplifique-se com a hipótese em que o servidor incorpora o valor correspondente a 50% do vencimento do cargo em comissão, se nele permanecer dez anos ininterruptamente. Ou com a incorporação do valor correspondente a certa gratificação funcional se esta for percebida no mínimo por cinco anos. Seja como for, esse valor incorporado terá a natureza jurídica de vantagem pecuniária, por ser diverso da importância recebida em razão do cargo, mas, em última instância, reflete verdadeiro acréscimo na remuneração do servidor por seu caráter de permanência. Consumado o fato que a lei definiu como gerador da incorporação, o valor incorporado constituirá direito adquirido do servidor, sendo, portanto, insuscetível de supressão posterior pela Administração. O necessário, sem dúvida, é que a lei funcional demarque, com exatidão e em cada caso, qual a situação fática que, consumada, vai propiciar a incorporação; ocorrida a situação, o servidor faz jus à agregação do valor a seu vencimento-base. Não havendo lei que contemple de forma expressa a incorporação, o servidor não tem direito a esse tipo de vantagem.

(…) As vantagens pecuniárias devem ser acrescidas tomando como base o vencimento do cargo. Não podem os acréscimos pecuniários ser computados nem acumulados para o efeito da percepção de outros acréscimos. Essa foi (e ainda é em alguns casos) uma prática constante empregada na Administração, denominada de efeito cascata, e que gera evidentes distorções no sistema remuneratório. A Constituição coíbe essa prática no art. 37, XIV, com a redação dada pela EC 19/1998, ainda que o acréscimo tenha o mesmo título ou fundamento.” (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. Pp. 733-734 destaques acrescidos).

 

  1. Na mesma seara interpretativa, a jurisprudência sedimentou-se no sentido de que a Emenda nº 19/98 vedou a incorporação de vantagens entendida como permissão de acréscimos pecuniários que sirvam de base para outros acréscimos. Porém, não vedou a incorporação dessas vantagens se, prevista na legislação local pelo desempenho no decurso do tempo de atividade temporária de cargo ou função, não ocorresse o denominado “efeito cascata”.

 

  1. É particularmente expressivo, nesse sentido, o modo como o Supremo Tribunal Federal interpretou o art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo, após a Emenda 19/98, que dispunha:

 

Artigo 133 – O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.

 

  1. Este dispositivo da Constituição Estadual teve sua redação alterada pelo Recurso Extraordinário nº 219.934, provido pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade tão somente da expressão “a qualquer título”. Nos Embargos de Declaração oferecidos contra o acórdão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “a qualquer título” contida no art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo (RE 219.934-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.10.2004) ficou assentado que a finalidade da incorporação é garantir a estabilidade financeira “que decorre da situação perfeitamente regular de um funcionário efetivo exercer um cargo em comissão e dar-se estabilidade financeira em virtude dessa legítima razão” (fl. 442 daqueles autos).

 

  1. Ademais, é interessante notar que, no seu voto, a i. Ministra relatora abordou expressamente a questão, ao afirmar o que segue:

“Não penso que a intenção do julgado embargado fosse atingir o instituto da estabilidade financeira, reconhecido como instrumento justo e adequado legalmente para amparar situações consolidadas ao longo do tempo.

Além disso, está prevista na Carta Maior, em seu art.37 II, in fine, a ressalva à possibilidade de ‘nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação’, como exceção à exigência de concurso público.

Ora, não é inconstitucional o instituto da estabilização e a nomeação para cargo comissionado, sem concurso, está expressamente prevista no art.37 II, in fine, não há razão para declarar inconstitucionais ou correspondentes dispositivos da Constituição Paulista, em sua totalidade.

Inconstitucional, seria o permissivo constitucional estadual apenas na parte em que permite a incorporação ‘a qualquer título’ porque este ‘a qualquer título’ é que abrangeria situações como a dos autos, em que o servidor, que tenha prestado concurso para um cargo venha a receber proventos próprios ou até mesmo a denominação de cargo diferente, para o qual se exija outro concurso (g.n.)”

 

  1. Respeitados os limites da ausência de “efeito cascata” e a impossibilidade de que fosse “a qualquer título”, continuou-se, portanto, a admitir-se a possibilidade de incorporarem-se vantagens temporárias, tal como a gratificação de função, e o art. 133 da Constituição do Estado de São Paulo continuou sendo aplicável, reconhecida a sua constitucionalidade[2].

 

  1. O significado do conceito de INCORPORAÇÃO, de acordo com a doutrina e a jurisprudência pátrias, após a Emenda 19/1998, foi brilhantemente sintetizado pelo Desembargador Torres de Carvalho, na Apelação Cível nº 0429002-04.2010.8.26 0000 (Antigo nº 990.10.429002-3), em voto acolhido pela 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 13 de dezembro de 2010: o efeito legal de certas vantagens funcionais, consistentes em já não poderem ser retiradas do patrimônio do sujeito, em nenhuma circunstância, por norma do mesmo ou de escalão inferior”.

 

  1. O conceito de incorporação, a partir de então, vem também enunciado em outro sugestivo julgado da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“A natureza da vantagem, se eventual ou permanente, se incorporada ou não em atividade, é irrelevante nesse cálculo; qualquer delas refletirá de algum modo nos proventos se, se somente se sobre ela incidiu a contribuição previdenciária (…)  4. Gratificação por acúmulo de função. Incorporação. Como tenho afirmado outras vezes, a ‘incorporação’ é um termo muito usado, mas pouco compreendido; implica tão somente no pagamento da vantagem depois de ter cessado a causa. Dela não decorre nenhum outro reflexo; a inclusão na base de cálculo de outras vantagens ou mesmo o pagamento na aposentadoria não decorre dela, mas da disciplina dessas outras vantagens ou dos proventos. A incorporação é irrelevante para o cálculo dos proventos, segundo anotado acima, pois ainda que não incorporada, a gratificação de qualquer natureza recebida a qualquer tempo refletirá nos proventos se, e somente se sobre ela incidiu a contribuição previdenciária. Assim, a noção antiga de que o valor incorporado é acrescido aos proventos e é pago na inatividade não subsiste no novo sistema.. (Apelação nº 0006819-21.2014.8.26.0338, da Comarca de Mairiporã,10ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, Rel. Torres de Carvalho, j. 24.07.2017).

 

  1. Ou seja: a incorporação, admitida legalmente, até a Emenda 19/98 decorria de duas características simultâneas: (1) trazia ideia de permanência, continuidade, prolongamento = tornar permanente; e (2) servia de base para outras vantagens, daí a ideia de ‘in corpore’, de ‘um só corpo = fazer computável. Após a Emenda nº 19/98, esse segundo aspecto foi vedado. Consequentemente, a impossibilidade de “repique” ou “efeito cascata” nas vantagens transitórias incorporadas, por permissivo legal em cada caso, após a Emenda Constitucional nº 19/98 tornou equivalentes os conceitos permanência e incorporação.

 

  1. PERMANÊNCIA E INCORPORAÇÃO, portanto, passaram a ser conceitos com igual significado e idêntico conteúdo normativo após a Emenda 19/98, quando fazem referência a vantagem recebida pelo servidor no decurso no tempo e não mais podem ser retiradas do seu patrimônio, por consistirem em direito adquirido nos termos da legislação ordinária, obedecidos os limites constitucionais: não terem efeito cascata e não serem a “qualquer título”.

 

  1. Cite-se, com tal orientação, o acórdão prolatado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que entendeu, à época, como inconstitucional o § 5º do art. 29 da Lei nº 14.381/07 relativo à possibilidade de permanência da gratificação. A lei não emprega o termo incorporação, todavia, o acórdão está assim ementado (ADIN N°. 9048208-81.2008.8.26.0000, j. 12.09.12; Rel. Cauduro Padin, v.u.):

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 29 da Lei municipal n°. 14.381/07 que instituiu a gratificação legislativa de incentivo à especialização e produtividade (GLIEP). Requisitos legais objetivos e concretos. Atendimento ao princípio da eficiência. Precedente do Órgão Especial. Vício de iniciativa. Inocorrência. Gratificação devida. Incorporação afastada. Ação julgada procedente em parte para afastar a incorporação”

 

  1. Observo que a decisão apontou que a GLIEP, ostentando caráter temporário, seria vantagem pessoal, concedida mediante avaliação anual de desempenho; assim, a possibilidade de torná-la permanente seria inconstitucional, por caracterizar disfarçado aumento de remuneração. Em voto vencido, o Relator, usando indistintamente os termos permanência e incorporação – ao justificar seu posicionamento – chamou a atenção para o instituto da estabilidade financeira, sedimentado no âmbito do Supremo Federal:

No tocante à incorporação foi ela afastada pela maioria do Plenário contra o entendimento deste Relator sorteado que a concedia em razão dos seguintes fundamentos: A lei impugnada torna permanente a gratificação após a percepção por um período mínimo de cinco anos, preenchidas algumas condições (§ 5o).Tal previsão legal encontra-se em consonância com as disposições da Constituição Estadual. “Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço. Art. 133 – O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez décimos.”. Assim, bem ponderou o SINDILEX “é importante que tal gratificação de desempenho seja incorporada após certo tempo aos vencimentos, porque a melhor qualificação do servidor também se incorpora permanentemente ao exercício cotidiano de suas funções. Vale dizer: o servidor ao se qualificar, se qualifica para sempre. Assim, nada mais justo que sua GLIEP se incorpore após 05 anos.” (fl. 691). Vê-se, portanto, que não há qualquer inconstitucionalidade na referida previsão legal, instituída a gratificação em atendimento ao interesse público e às exigências do serviço, além de fixar prazo mínimo razoável para a sua incorporação e outras condições.  Incide aqui a denominada “estabilidade financeira” que é admitida pelo C. STF e é “prevista legalmente para  os casos de servidores que, por terem exercido funções ou cargos em comissão por determinado lapso temporal, incorporaram aos seus vencimentos, corno vantagem pessoal, parcelas da remuneração daqueles cargos ou funções” (Cf. ADI 1.264-9/SC). No caso, a referida gratificação, vantagem pessoal, obtida em razão da especialização e da produtividade do servidor público pode, preenchidos os requisitos legais, ser incorporada aos seus vencimentos.” Entretanto, a maioria diante do caráter temporário da gratificação e vislumbrando meio indevido e disfarçado de aumento de vencimento, manteve a gratificação sem a incorporação prevista no § 5o do art. 29 da Lei n°. 14.381/2007”.

 

  1. O direito adquirido à incorporação e à permanência é também chamado pela jurisprudência de “estabilidade financeira”, ou “apostilamento”. De fato, a chamada estabilidade financeira do servidor foi prestigiada pela Corte Suprema em diversas oportunidades. No RE 563.965-7 – RN, j. 11.02.2009, Rel. Min. Carmen Lucia, o acórdão restou assim ementado:

“DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: CONSTITUCIONALIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico. 2. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, consequentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento”.

 

  1. No voto condutor do acórdão acima ementado, que originou a Tese de Repercussão Geral nº 41 do STF, a I. Ministra Carmen Lucia, pontuou a evolução histórica do instituto da estabilidade financeira, assinalando que esta “consiste em previsão legal que não iguala ou equipara vencimentos, apenas reconhece o direito daqueles que exercem cargos ou funções comissionadas por certo período de tempo em continuar percebendo esses valores como vantagem pessoal”.

 

  1. Inúmeros julgados recentes do STF confirmaram essa possibilidade de os Estados ou Municípios preverem em suas legislações locais a incorporação (ou permanência, ou “estabilidade financeira”, ou “apostilamento” de vantagens temporárias tal como a gratificação de função), desde que obedecidos os limites da Emenda 19/98 sem o “efeito cascata”, tais como: A estabilidade financeira garante ao servidor efetivo, após certo tempo de exercício de cargo em comissão ou assemelhado, a continuidade da percepção da diferença entre os vencimentos desse cargo e o do seu cargo efetivo.(STF,1ª T., Ag.Reg.no RE 687.276/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 04/12/2012).O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico” (STF, Pleno, RE n.º 226.462/SC, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 25/05/2001); “Realmente, a vocação dos enunciados legais é regular o futuro, atribuindo consequências jurídicas a fatos ocorridos após a sua vigência(…).Para o caso em apreço, releva destacar que a possibilidade de incorporação de valores recebidos em razão do exercício de cargo ou função de confiança é compatível com a Constituição na medida em que promova a valorização e profissionalização do servidor público e evite decessos remuneratórios que comprometam o padrão de vida do servidor e de sua família ao fim do exercício da função”( ADIn 5441/MC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 26/06/2017) “Configurada situação de pagamento de vantagem pessoal, na qual se enquadra o princípio da ‘estabilidade financeira’, e não da proibição constitucional de vinculação de espécies remuneratórias vedada pelo art. 37, inc. XIII, da Constituição da República. 2. Previsão legal que não iguala ou equipara vencimentos, apenas reconhece o direito dos que exerceram cargos ou funções comissionadas por certo período de tempo em continuar percebendo esses valores como vantagem pessoal. Precedentes. (ADI 1.264/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 15/2/2008) . No mesmo sentido: RE 1.255.093/AM, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 23/04/2020.  RE 69.8242 AgReg./MS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/12/2012, DJe 19/02/2013.

 

  1. A União, o Distrito Federal e a grande maioria dos Estados e Municípios acolhem esse instituto em suas respectivas legislações, conforme poder de auto-organização e autogoverno dos entes federativos.

 

  1. Portanto, a vedação a que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público sejam acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores já existe expressamente no art. 37, inc. XIV da Constituição Federal desde a Emenda Constitucional nº 19/98, sem que se possa falar em qualquer vedação constitucional. Nesse sentido posicionou-se jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal.

 

  1. Assim, quer-me parecer que a novidade da Emenda Constitucional 103/19, no ponto tratado, é que esta vedou a continuidade da majoração na remuneração do servidor obtida por meio de vantagens de caráter temporário ou exercício de função de confiança uma vez cessada a causa de sua concessão. Isto é o que corresponde à noção de incorporação no sentido em que admitida após a Emenda nº 19 de 1998 pela doutrina e pela jurisprudência, e também à noção de “estabilidade financeira” e de “permanência”, ou “apostilamento”, admitida em legislações locais. E isso, precisamente, é que o passa a estar vedado.

 

IV- DA INCORPORAÇÃO/PERMANENCIA DA GRATIFICAÇÃO VINCULADA AO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019 E A NECESSIDADE DE SUA CORRESPONDENTE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

 

  1. Uma vez assentada a possibilidade da incorporação ou permanência de gratificação vinculada ao exercício de função de confiança até a Emenda Constitucional nº 103/2019, indispensável examinar como se verifica a necessidade da contribuição previdenciária correspondente a essa vantagem temporária a ser incorporada ao padrão, nos termos das normas previdenciárias específicas.

 

  1. Parece oportuno transcrever trecho de culto parecer da lavra da dra. Magadar Rosália Costa Briguet[3], Procuradora aposentada do Município de São Paulo, que salienta estar tal vantagem, amparada constitucionalmente se prevista em lei local, também em face das posteriores Emendas Constitucionais no 40/2003, 41/2003 e 47/2005, necessariamente sujeita à incidência de contribuição previdenciária e será considerada no cálculo para fins de concessão de futura aposentadoria. Conclui ela, no entanto, que caso aprovada a Emenda Constitucional em tramitação, PEC 6/2019 (o que veio a ocorrer por meio por meio da promulgação da Emenda 103/2019), tal incorporação (permanência) de parcelas de cargos em comissão, não mais poderá ser realizada, por inconstitucional:

“Assim, cada ente federativo deve, frente à legislação que disciplina a remuneração dos seus servidores, definir quais as vantagens remuneratórias que, pela sua natureza, devem ou não integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, para que, em qualquer critério de cálculo (seja integralidade da remuneração no cargo efetivo, seja no regime de média), aquelas que tenham caráter temporário ou indenizatório não integrem a base de incidência da contribuição previdenciária, exceto se a legislação local tenha previsão de que elas se incorporam aos vencimentos do servidor, ou seja, na atividade.

Vale dizer: não há, atualmente, qualquer vedação constitucional ou legal para que as verbas temporárias ou indenizatórias sejam incorporadas à remuneração no cargo efetivo. O que está vedado é que elas sejam incorporadas apenas para fins de aposentadoria – no momento de sua concessão – situação essa que era frequente na legislação dos entes, anteriormente à EC 20.

Quando há incorporação, na remuneração no cargo efetivo, de parcelas temporárias ou indenizatórias, como jornadas variáveis, gratificação de produtividade, horas extras, parcelas decorrentes do exercício de cargo em comissão, e outras, segundo as condições previstas em lei do ente respectivo (prazo de percepção, especialmente,), essas vantagens devem compor a base de cálculo da contribuição previdenciária, de maneira que passam, quando incorporadas, portanto, na atividade, a fazer parte, integrar, de forma definitiva, a remuneração no cargo efetivo, que constitui o limite dos proventos e pensões segundo o § 2º do art. 40 da Constituição Federal.

Importante registrar que na proposta de emenda constitucional em tramitação no Senado (PEC 6/2019) o § 2º do art. 40 tem sua redação alterada, de forma que, promulgada a referida emenda, não haverá mais a limitação relativa à remuneração no cargo efetivo, para o cálculo dos benefícios previdenciários da aposentadoria e pensões.

(…)

Nesse ponto, releva enfatizar, mais uma vez, que não existe, atualmente, impedimento constitucional ou legal para incorporação de parcelas de cargos em comissão, ou outras vantagens de natureza temporária, à remuneração no cargo efetivo, portanto, em atividade, desde que o ente tenha previsto essa incorporação na sua legislação.

Entretanto, promulgada a Emenda Constitucional, em tramitação no Senado (PEC 6/2019), qualquer lei infraconstitucional do ente federativo, que autorize essa incorporação, não poderá mais ser aplicada, pois não será recepcionada pelo § 9º introduzido no art. 39 da Constituição Federal”

 

  1. A jurisprudência pátria, no tocante à contribuição previdenciária, acolhe a orientação salientada por Magadar Rosália Costa Briguet, destacando-se os seguintes julgados:

“RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REPERCUSSÃO SOBRE OS VALORES DECORRENTES DO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO COMISSIONADA PARA EFEITO DE APOSENTADORIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O regime previdenciário dos servidores públicos tem caráter contributivo (EC 20/98), constituindo verdadeiro confisco o desconto de contribuição previdenciária sobre vantagens pecuniárias não integrantes das parcelas remuneratórias do cargo efetivo para fins de aposentação. 2. A natureza contributiva do desconto para a previdência deverá limitar-se ao benefício a ser recebido. 3. Recurso ordinário conhecido e provido.” (STJ – ROMS, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 22/09/03)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES. FUNÇÃO COMISSIONADA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. O STJ fixou orientação de que não incide a contribuição previdenciária sobre as parcelas, não incorporáveis, pagas aos servidores públicos no exercício de funções comissionadas ou gratificadas. 2. Agravo regimental provido para conhecer do agravo de instrumento e prover o recurso especial, de modo a afastar a incidência da contribuição previdenciária.” (STJ – AGA 461415/DF, Relator Min. João Otávio de Noronha, DJ de 01/03/2004, p. 160)

 

  1. O Tribunal de Contas da União, por igual, na Decisão do Plenário nº 684/2001, decidiu:

Administrativo. Representação formulada por unidade técnica do TCU. Dúvida acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre a parcela correspondente à remuneração da função comissionada, ante o disposto na Lei 9783/99. Análise da matéria. Preservação do equilíbrio financeiro-atuarial. Não incidência da contribuição social sobre a retribuição pelo exercício de função comissionada. Emenda Constitucional 20/98. Considerações.

 

  1. O voto condutor do mesmo julgamento cuidou de salientar:

 

“Desse modo, se com a promulgação da EC no20/98, a correspondência entre contribuições e benefícios passou a ser individual e esses benefícios não podem incluir a retribuição da função comissionada, esta retribuição da função comissionada não deve compor a base de cálculo das contribuições, aplicando-se este raciocínio às vantagens transitórias não incorporáveis aos proventos de aposentadoria ou pensões. Assim, entendo que a partir da vigência da EC no20/98 deverá ser excluída a remuneração da função comissionada ou do cargo em comissão da base de cálculo da contribuição previdenciária.”

 

  1. Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal, em Sessão Administrativa realizada a 18.12.02, decidindo pela não incidência da contribuição previdenciária sobre a função comissionada, a partir da edição da Lei nº 9.783/99, no âmbito da União, chegou à idêntica conclusão, fundamentando-se nos aspectos seguintes:

“a) pelo art.193 da Lei 8.112/91, os servidores públicos, ao se aposentarem, caso se encontrassem no exercício de função comissionada, perceberiam, como proventos, a remuneração total que auferiam em atividade; b) o dispositivo foi revogado pela MP 831/90, de 18/1/95, convertida na Lei 9.527; e, a partir daí, a função gratificada foi excluída dos proventos, ficando estes limitados à remuneração do cargo efetivo (art.40, §3o, da CF/88). c) o Tribunal de Contas da União exarou a decisão 683/2001, entendendo que a nova sistemática não se coaduna com a cobrança da contribuição previdenciária, sustentando o caráter contributivo na correlação direta e individual entre o valor da contribuição e o dos benefícios a serem auferidos. Como o servidor tem remuneração limitada ao seu cargo efetivo, a contribuição obedeceu a sistemática, incidindo sobre a remuneração do cargo efetivo. d) como cabe ao TCU a palavra final sobre as contas públicas, e ao STJ a palavra final sobre a aplicação da lei federal, tendo este último entendido que a Lei 9.783/99 não incluiu a função comissionada na base de cálculo da contribuição devida pelo servidor público à previdência social, há fortes indicações quanto a sua não-incidência; e) pelo sistema geral da previdência, antes da EC 20/98, a incidência ocorria sobre a totalidade dos vencimentos, uma vez que o art.40 previa aposentadoria com proventos integrais; f) anteriormente à EC 20/98, era possível ao ocupante de função comissionada levar para a aposentadoria vantagens pecuniárias, sendo lógico que, em sendo assim, haveria a incidência da contribuição sobre o total; g) com a EC 20/98, alterou-se sensivelmente a sistemática com a nova redação do §3o do art.40 da CF; h) a partir da Lei 9.783/99, não cabe mais o desconto aludido”.

 

  1. Em outros termos, como bem observou o STF no julgamento da ADInMC nº 2010/DF, “o regime contributivo é, por essência, um regime de caráter retributivo”. Vale dizer: contribui-se sobre aquilo que reverterá sobre a forma de proventos (retribuição) no futuro.

 

  1. A ideia do chamado equilíbrio financeiro atuarial permeia a necessidade de o sistema previdenciário ter viabilidade econômico-financeira quer no presente, quer em relação às futuras gerações de aposentados e pensionistas. Assim é que para o sistema previdenciário ser autossuficiente e financeiramente viável impõe-se a observância do equilíbrio financeiro atuarial, ou seja, a correspondência entre a arrecadação (obrigação dos contribuintes para com a seguridade) e os benefícios futuros (obrigação da seguridade para com os segurados). Tais diretrizes constavam já nas Emendas Constitucionais nº19 e 20 de 1998 e nº 41 de 2003.

Daí a posição pacifica do Supremo Tribunal Federal estampada no Tema 163 de Repercussão Geral (RE 593068/ SC Re. Min. Roberto Barroso, j. 11/10/2018):

“Ementa: Direito previdenciário. Recurso Extraordinário com repercussão geral. Regime próprio dos Servidores públicos. Não incidência de contribuições previdenciárias sobre parcelas não incorporáveis à aposentadoria. 1. O regime previdenciário próprio, aplicável aos servidores públicos, rege-se pelas normas expressas do art. 40 da Constituição, e por dois vetores sistêmicos: (a) o caráter contributivo; e (b) o princípio da solidariedade. 2. A leitura dos §§ 3º e 12 do art. 40, c/c o § 11 do art. 201 da CF, deixa claro que somente devem figurar como base de cálculo da contribuição previdenciária as remunerações/ganhos habituais que tenham “repercussão em benefícios”. Como consequência, ficam excluídas as verbas que não se incorporam à aposentadoria. 3. Ademais, a dimensão contributiva do sistema é incompatível com a cobrança de contribuição previdenciária sem que se confira ao segurado qualquer benefício, efetivo ou potencial. 4. Por fim, não é possível invocar o princípio da solidariedade para inovar no tocante à regra que estabelece a base econômica do tributo. 5. À luz das premissas estabelecidas, é fixada em repercussão geral a seguinte tese: “Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como ‘terço de férias’, ‘serviços extraordinários’, ‘adicional noturno’ e ‘adicional de insalubridade.” 6. Provimento parcial do recurso extraordinário, para determinar a restituição das parcelas não prescritas”.

 

  1. Não se admite, pois, o custeio sem benefício, em razão do caráter contributivo do regime previdenciário estabelecido pela Emenda Constitucional nº 19/98.. O reflexo individual da contribuição sobre os proventos tornou-se ainda mais acentuado com a superveniência da Emenda Constitucional nº 41/03, que previu esse caráter contributivo no deu ao § 3º do art. 40 da Constituição Federal a seguinte redação: “Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei”. Tal redação vigorou até a Emenda Constitucional nº 103/2019. O caráter contributivo do regime previdenciário dos servidores públicos desde a Emenda 41/03 estava expressamente previsto no art. 40, “caput” da Constituição Federal, e continua obrigatório, mesmo após a Emenda 103/2019, que deu a seguinte redação ao “caput”: “Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. Prevê no mesmo sentido, por fim, o art. 195, § 5º da Constituição Federal: Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

 

  1. Confira-se, a propósito da natureza contributiva do regime previdenciário, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no seguinte sentido (RO em MS nº 12.455 – MA 2000/0101036-0, Rel. Min. Franciulli Netto):

“O arcabouço previdenciário vigente está esteado em bases rigorosamente atuariais, de sorte que, se não houve lamentáveis distorções, deve haver sempre equivalência entre o ganho na ativa e os proventos e as pensões da inatividade. Por essa razão, é defeso ao servidor inativo, em vista da nota contributiva do regime previdenciário, perceber proventos superiores à respectiva remuneração no cargo efetivo em que se deu a aposentação. Se é certo que no ensejo da aposentadoria não será percebida a retribuição auferida na ativa concernente ao exercício de cargo em comissão, não faz o menor sentido que sobre o percebido a título de função gratificada incida o percentual relativo à contribuição previdenciária (cf. ROMS 12.686/DF, Relatora Min. Eliana Calmon, DJU 05.08.2002 e ROMS 12.590/DF, Relator Min. Milton Luiz Pereira, DJU 17.06.2002)”.

 

  1. E também o seguinte Acórdão do STJ:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SERVIDORES. FUNÇÃO COMISSIONADA NÃO INCIDÊNCIA.

1,O STJ firmou orientação de que não incide a contribuição previdenciária sobre as parcelas não incorporáveis, pagas aos servidores públicos no exercício de funções comissionadas ou gratificadas.

2.Agravo Regimental provido para conhecer do agravo de instrumento e prover o recurso especial, de modo a afastar a incidência da contribuição previdenciária.(STJ-AGA 4611415/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 01/03/2004)”.

 

  1. Acrescente-se recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em Agravo em Recurso Especial (nº 1.606.565/PB, Rel. Min. Herman Benjamin; j. 9.04.20) que manteve o acórdão recorrido, e do qual se destaca:

“O entendimento que prevalece não somente nesta Corte, mas também no STF e no STJ é de que apenas se admite a incidência de contribuição previdenciária sobre parcelas remuneratórias que, futuramente, serão percebidas pelo servidor, a título de proventos na aposentadoria. Eis trecho do voto condutor:

Cumpre esclarecer que, com a alteração da sistemática de cálculo dos proventos da aposentadoria, decorrentes da Lei 10.887/2004, não cabe mais falar em “verbas remuneratórias que não comporão a aposentadoria”. Isso porque, segundo o art. 1° da Lei referida, no cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores ocupantes de cargo efetivo, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo, desde a competência de julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela.

Desta forma, há que se perquirir quais seriam as parcelas salariais idoneas a sofrer a incidência de contribuição previdenciária.  (…)

No tocante ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), disciplinado no art. 201 da Constituição Federal, há expressa previsão de que serão incorporados ao salário, para efeito de contribuição previdenciária, os ganhos habituais do empregado, consoante se extrai do seguinte trecho normativo:(…)

De acordo com os comandos constitucionais que tratam do regime geral de previdência social, os ganhos habituais do empregado serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e a na forma da lei.

Percebe-se, do teor da norma constitucional, que foi deixado, ao plano infraconstitucional, o estabelecimento das parcelas que deveriam ser integradas ao conceito de remuneração, tendo-se, por princípio, a integração à remuneração das parcelas de natureza habitual.

Considere-se, nesse contexto, que as vantagens de natureza transitória, concedidas em razão de condições anormais da prestação de serviço não integram os proventos para aposentadoria ou pensão por morte, a não ser que sejam especificamente contempladas pela lei, o que decorre do princípio da legalidade – que, no âmbito da Administração Pública importa em atuar apenas nos limites permitidos pela lei, bem como ao preceituado pelo artigo 37, X, da Constituição de 1988.(…)

Desse modo, em relação às vantagens vinculadas a um serviço prestado em condições especiais, de natureza propter laborem, a regra é a não incorporação aos proventos do servidor, sendo cabível, entretanto, disposição específica em contrário, advinda de lei.

De fato, não se afigura razoável e acarretaria afronta ao princípio contributivo e do equilíbrio atuarial, a integração aos proventos de vantagem pecuniária que não tenha sido percebida em caráter habitual.

Cabe, portanto, à lei estabelecer em quais hipóteses o tempo prolongado de percepção do acréscimo condicional ou modal autoriza sua incorporação aos proventos.

Conclui-se que a incidência de contribuição previdenciária somente poderá ocorrer sobre as parcelas remuneratórias, excluindo, assim, de sua base de cálculo, àquelas indenizatórias.

A Lei n° 10.887/04, que dispõe sobre a aplicação de disposições da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, e altera dispositivos das Leis n°s 9.717, de 27 de novembro de 1998, 8.213, de 24 de julho de 1991, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e dá outras providências, aplica-se ao caso em tela por ter abrangência sobre todo o sistema previdenciário.

Em seu art. 4°, § 1°, a referida lei é textual na disposição sobre a base de incidência das contribuições previdenciárias, estabelecendo que ela atinge o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei; os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas: as diárias para viagem; a ajuda de custo em razão da mudança de sede; a indenização de transporte; o salário família; o auxílio alimentação; o auxílio creche; as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, e o abono de permanência.

Como se vê, tanto a legislação federal quanto a estadual, que regulamentam a matéria no âmbito de suas respectivas competências, são claras no que se refere à definição da base de contribuição, bem como em relação às verbas que serão consideradas na oportunidade da elaboração dos cálculos do provento da inatividade, ou seja, a contribuição só deve incidir naquelas que serão consideradas na composição dos valores da aposentadoria”.

 

  1. Assim, na esteira do parecer de Magadar Rosália Costa Briguet, parece-me que não há, até a Edição da Emenda Constitucional nº 103 de 2019, qualquer vedação constitucional ou legal para que verbas temporárias ou indenizatórias sejam incorporadas à remuneração no cargo efetivo, com a correspondente incidência da contribuição previdenciária. O que estava vedado é que elas fossem incorporadas unicamente para fins de aposentadoria.

 

V- DA PERMANÊNCIA DA GRATIFICAÇÃO VINCULADA AO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE CONFIANÇA NO MUNICÍPIO SE SÃO PAULO ATÉ A EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019 E A NECESSIDADE DE SUA CORRESPONDENTE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

 

  1. Certo é que decorre da própria Constituição Federal a competência dos Municípios para tratarem das questões de interesse local, administrando-os e legislando sobre o regime jurídico dos servidores públicos (art. 30, I, CF). Por regime jurídico dos servidores públicos deve-se compreender o “conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes” (STF, ADI MC 766-RS,Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, RTJ 157/460), dentre as quais as que versam sobre vencimentos” e aos “direitos e às vantagens de ordem pecuniária” dos servidores públicos” (STF, Pleno, ADI-MC 766-RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03-09-1992,DJ 27-05-94). No entanto, estão os Municípios, ao legislar sobre o regime jurídico de seus servidores, adstritos obrigatoriamente aos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual ( arts. 25, “caput” e 29, “caput”).

 

  1. Eis a razão pela qual a previsão de “incorporação de quantias aos vencimentos dos servidores municipais se enquadra perfeitamente como sendo de interesse local, podendo constar dos atos administrativos e de suas respectivas leis(TJESP, 10ª Câmara de Direito Público, Arguição de Inconstitucionalidade nº 0047340-76.2019.8.26.0000 Rel. Des. Alvaro Passos,,j. 19/02/2020). “Não se discute a idoneidade da instituição de vantagem para remuneração do exercício de cargo de provimento em comissão ou função de confiança por servidor público titular de cargo de provimento efetivo. Essa vantagem está de acordo com o interesse público e as exigências do serviço público previstos no artigo 128 da Constituição Estadual, bem como aos princípios da Administração Pública relacionados no art. 111 da referida Constituição. (….). No caso em apreço, a incorporação, por si só, não é inconstitucional” (TJESP, Órgão Especial, ADIn 0133699-39.2013.8.26.0000. Lei do Município de Analândia, Rel. Guerrieri Rezende, j. 12/02/2014). Mencione-se, por fim, recente Acórdão prolatado pelo C. Órgão Especial em 27/05/2020, na ADIn 2211942-50.2019.8.26.0000, relatado pelo Des. Jacob Valente, tendo por objeto Lei do Município de Itaquaquecetuba, no sentido de que a função de confiança consiste “na ampliação das atribuições e responsabilidades de um cargo de provimento efetivo, mediante uma gratificação pecuniária que pode ser objeto de incorporação temporal aos vencimentos, ou não”.

 

  1. Por outro lado, como vimos no item III deste parecer, a incorporação e a permanência das gratificações temporárias exigem, desde a Emenda Constitucional nº 19/1998, a correspondente contribuição previdenciária, que versa sobre matéria constitucional de competência concorrente ( art. 24, inciso XII, da Constituição Federal). Não se admite a concessão da vantagem remuneratória, e a sua incorporação, sem a correspondente contribuição previdenciária.

 

  1. Tratando-se a disciplina relativa à contribuição previdenciária matéria de competência legislativa concorrente, o Município, além de atender às normas e aos princípios da Constituição Federal e Estadual (arts. 24, inciso XII, 25, “caput”, 29, “caput”, e arts. 31, incisos I e II,da Constituição Federal), deve também atender às normas gerais da União ( art. 24, § 1º, da Constituição Federal).Neste sentido, confira-se julgado do Pleno do STF citando diversos precedentes:

“Já se firmou na jurisprudência desta Corte que, entre os princípios de observância obrigatória pela Constituição e pelas leis dos Estados-membros, se encontram os contidos no art. 40 da Carta Magna Federal (assim, nas ADI 101,ADI 178 eADI 755).[ADI 369, rel. min. Moreira Alves, j. 9-12-1998, P, DJ de 12-3-1999.] (STF, Pleno , ADIn 4.698 MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 1º/12/2011,DJe 25/4/2012). E que “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre previdência social, nos termos do disposto no art. 24 da Constituição Federal, hipótese em que a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, de acordo com o disposto no art. 24, § 1º, da CF.” STF, Pleno, ACO 2.821-AgR ,Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 22/3/2018; ACO 1.062-ED-ED-AgR,Rel. Min. EDSON FACHIN, Plenário, DJe de 21/6/2017; AgReg na ACO 2.607/TO, Re. Min. Alexandre de Moraes, j. 31/05/2019, DJe 13/6/2019)”.

 

  1. Daí que, embora detenha o Município autonomia para legislar sobre a matéria relativa à incorporação e permanência de servidores, essa autonomia não é absoluta, por estar delimitada por normas e princípios constitucionais, bem como às normas gerais previdenciárias da União.

 

  1. De modo coerente com o sistema constitucional, o Município de São Paulo sempre esteve adstrito à Lei Federal nº 9. 717, de 27 de novembro de 1998 (Conversão da Medida Provisória nº 1.723/98), aprovada pela União logo após a Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que dispôs sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

 

  1. No âmbito da União, a Lei nº 9.257 de 10 de dezembro de 1997 vedou a incorporação de retribuição percebida pelo exercício de função de direção ou chefia. Porém, nos termos da Emenda Constitucional nº 41/03 (art. 6º) e da Emenda Constitucional nº 47/05 (art. 3º), não ficou vedado às esferas federadas a previsão legal de incorporação dessas parcelas. Convém transcrever a propósito, trecho da Nota Técnica no. 4/2012/CGNAL/CGACI/DRPSP/SPPS/MPS, tal como o fez Magadar Rosalia Costa Briguet no parecer mencionado, em sintonia com a orientação dos Tribunais Superiores.

 

IV – DA INCORPORAÇÃO DE PARCELA TEMPORÁRIA NA REMUNERAÇÃO

  1. Conforme acima abordado, é expressamente vedada a inclusão diretamente nos benefícios de parcelas pagas em decorrência de local de trabalho, função de confiança, cargo em comissão ou outras de caráter temporário.21. Porém, não existe impedimento a que tais parcelas sejam incorporadas ao longo da vida laboral do servidor, ainda em atividade, desde que observados os seguintes requisitos: a) exista previsão expressa em lei do ente federativo para tal procedimento; b) o servidor tenha preenchido todos os requisitos legais definidos para a incorporação. 22. Preenchidos esses requisitos, a rubrica incorporada em atividade passa a ser considerada vantagem pessoal de natureza permanente e a integrar o conceito de remuneração do cargo efetivo. Nesse caso, estará necessariamente sujeita à incidência de contribuição previdenciária e será considerada no cálculo para fins de concessão dos benefícios. (g.n.)

 

  1. Coerente com tal cenário, a legislação do Município de São Paulo admite em diversas normas a permanência ou incorporação de gratificações de diversos tipos, e dispõe em seu regime próprio de previdência sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre tais parcelas.

 

  1. A Lei municipal nº 10.442, de 4 de março de 1988, instituiu pela primeira vez a possibilidade de “permanência” de uma vantagem temporária, no caso a denominada Gratificação de Gabinete, prevista no art. 100, inc. I da Lei nº 8989, de 29 de outubro de 1979 (Estatuto dos Servidores Públicos Municipais). Esta gratificação, de caráter indenizatório, tornava-se permanente após ser percebida pelo período de cinco anos. Cumpre anotar que a permanência da Gratificação de Gabinete, no âmbito do Poder Executivo, foi vedada a partir da edição da Lei nº 17.224 de 31 de outubro de 2019. Ainda a título exemplificativo, a Lei municipal nº 15.365, de 25 de março de 2011, que dispõe sobre a criação de funções gratificadas no Quadro da Guarda Civil Metropolitana, previu que a Gratificação de Comando adquirisse caráter de permanência, desde que percebida por 04 (quatro) anos, nas condições especificadas (§1º do art. 5º, com a redação dada pelo art. 57 da Lei nº 16.239, de 12 de julho de 2015).

 

  1. No âmbito do Poder Legislativo municipal, a Lei nº 13.637 de 4 de setembro de 2003 instituiu para servidores titulares de cargo efetivo a gratificação de função em decorrência do exercício de função de confiança, passível de tornar-se permanente, após a percepção por um período mínimo de cinco anos. Por ser o dispositivo legal que ampara a gratificação objeto do pedido inicial do servidor Sândor Vasconcelos Selber de Freitas, oportuno transcrever o art. 19 da Lei 13.637/03, com a redação dada pela Lei municipal nº 14.381 de 7 de maio de 2007:

Art. 19 – Os servidores efetivos integrados nas Escalas de Vencimentos Básicos, previstos nesta lei, quando designados para o exercício das funções gratificadas previstas no artigo 14 desta lei, farão jus ao vencimento básico de seu cargo efetivo, acrescido do valor correspondente à respectiva função, constante da Tabela B do Anexo IV, desta lei.

  • 1º O valor atribuído às funções gratificadas não constitui base de incidência de cálculo para qualquer outra vantagem pecuniária.
  • 2º A Função Gratificada fica excluída do limite salarial previsto na Lei nº 12.477, de 22 de setembro de 1997.
  • 3º Os valores atribuídos às funções gratificadas tornar-se-ão permanentes aos vencimentos e proventos do servidor, bem assim à pensão por morte, após a percepção por um período mínimo de cinco anos, nas seguintes condições

I – poderão ser somados períodos contínuos ou descontínuos de percepção de uma ou mais funções gratificadas;

II – em sendo exercida mais de uma função gratificada:

  1. a) a permanência dar-se-á pelo maior valor percebido por período não inferior a um ano;
  2. b) se o maior valor for percebido por período inferior a um ano, a permanência dar-se-á em relação àquele imediatamente inferior cuja percepção, somada à do maior, perfaça, no mínimo, um ano.

III – declarada a permanência, se o servidor vier a perceber valor superior de função gratificada, receberá somente a diferença;

IV – poderá ser tornada permanente a diferença entre o valor já tornado permanente e novo valor de função gratificada que venha a ser percebido por um período mínimo de um ano;

V – os tempos de percepção só poderão ser computados uma única vez.

 

  1. A Lei Municipal nº 13.973, de 12 de maio de 2005, que dispõe sobre as contribuições para o regime próprio de previdência social dos servidores públicos do Município de São Paulo, com as alterações da Lei nº 17.020, de 27 de dezembro de 2018, assim dispõe sobre a matéria:

Art. 1º A contribuição social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, regidos pela Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979, e alterações, para a manutenção do regime próprio de previdência social do Município de São Paulo, incluídas suas autarquias e fundações, será de 14% (quatorze por cento), incidentes sobre a totalidade da base de contribuição.

  • 1º Para os fins desta lei, entende-se como base de contribuição o total dos subsídios e vencimentos do servidor, compreendendo o vencimento do cargo, acrescido das vantagens pecuniárias que a ele se integram, nos termos da lei, ou por outros atos concessivos, bem como os adicionais de caráter individual, e quaisquer outras vantagens, excluídas:

I – as diárias para viagens;

……………………………………………………………………………………………………..

VI – parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;

VII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança;

VIII – terço de férias;

IX – hora suplementar;

X – o abono de permanência;

XI – outras vantagens instituídas em lei, não passíveis de incorporação aos vencimentos ou subsídios do servidor.

  • 2º O servidor titular de cargo efetivo poderá optar pela inclusão, na base de contribuição, de parcelas remuneratórias de que tratam os incisos VI e VII do § 1° deste artigo.

……………………………………………………………………………………………………………

  • 4° A regulamentação disciplinará as disposições deste artigo.

 

  1. Por seu turno, o Decreto nº 46.860, de 27 de dezembro de 2005, que regulamentou a Lei Municipal nº 13.973/05, com os acréscimos do Decreto nº 46.861 de 27 de dezembro de 2005, e as alterações dadas pelos Decretos nºs 49.721 de 8 de julho de 2008 e Decreto 58.648 de 1 de Março de 2019, e especificamente regulamentou o art. 1º da mencionada Lei, conforme previsão expressa dos arts. 1º, § 4º e 36 da Lei nº 13.973/05, assim dispôs quanto à contribuição social da parcelas remuneratórias pagas em decorrência do exercício de função de confiança:

Art. 2º A partir de 28 de março de 2019, inclusive, a contribuição social para o Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Paulo – RPPS, devida pelos servidores municipais, será de 14% (quatorze por cento) incidentes sobre a totalidade da base de contribuição.

Art. 3º A base de contribuição referida no artigo 2º deste decreto corresponde ao total dos subsídios e vencimentos do servidor, compreendendo o vencimento do cargo, acrescido das vantagens pecuniárias que a ele se integram, nos termos da lei ou de outros atos concessivos, bem como os adicionais de caráter individual e quaisquer outras vantagens, excluindo-se:

I – as diárias para viagens;

………………………………………………………………………………………………………………………

VI – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;

                   VII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança;

………………………………………………………………………………………………………………………

XI – outras vantagens instituídas em lei, não passíveis de incorporação aos vencimentos ou subsídios do servidor.

  • 1º. Para os efeitos deste artigo, integram a base de contribuição:

                   I – as vantagens tornadas permanentes ou que sejam passíveis de se tornarem permanentes e as vantagens incorporadas ou que sejam passíveis de incorporação, todas na atividade;

                   II – as vantagens pessoais ou as fixadas para o cargo de forma permanente, nos termos da legislação específica;

III – as vantagens cuja incorporação ou permanência tenha sido assegurada nos termos do artigo 17 do Decreto nº 46.861, de 27 de dezembro de 2005, enquanto forem ou quando voltarem a ser percebidas na atividade, na forma da lei.

  • 2º. As vantagens de que tratam os incisos VI e VII do “caput” deste artigo que não sejam passíveis de se tornarem permanentes ou de serem incorporadas na atividade, na forma da legislação específica, previstas na Tabela “A” do Anexo I deste decreto, integrarão, automaticamente, a base de contribuição, garantido ao servidor o direito de opção por sua exclusão, exceto na hipótese do artigo 17 do Decreto nº 46.861, de 27 de dezembro de 2005.
  • 3º. As vantagens de que tratam os incisos VI e VII do “caput” deste artigo, previstas na Tabela “B” do Anexo I deste decreto, não integrantes da base de contribuição nos termos do § 2º, poderão ser nela incluídas mediante opção do servidor.
  • 4º. As opções a que se referem os §§ 2º e 3º deste artigo serão feitas ou revistas, mediante formulários próprios, a qualquer momento, a partir do início da percepção da parcela a que se referir, e produzirão efeitos:

I – no mês da manifestação, em se tratando de parcela remuneratória paga em decorrência de local de trabalho, se esta ocorrer até o cadastramento da parcela;

II – no mês da manifestação, em se tratando de parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de função de confiança, se esta ocorrer até a data de início de exercício do cargo ou função;

III – no mês seguinte ao da opção, quando a manifestação ocorrer em períodos posteriores aos fixados nos incisos I e II.

  • 5º. Caso o servidor não opte nos termos do § 4º, ficarão automaticamente incluídas na base de contribuição as parcelas remuneratórias a que se refere o § 2º e excluídas da base de contribuição as parcelas remuneratórias a que se refere o § 3º.

 

  1. Importante assinalar que no item 12 do Anexo I- A, a que se refere o art.3º do Decreto nº 46.860/05, com a redação dada pelo Decreto n° 49.721, de 8 de julho de 2008, está incluída a Função Gratificada da Lei n° 13.637 de 04/09/03, que é a Lei do QPL da Câmara Municipal de São Paulo. E não se pode olvidar que o Decreto 46.860/05 regulamentou o art. 1º da Lei Municipal nº 13.973/05, conforme expressa previsão do art. 1º, § 4º e art. 36 da mencionada Lei,.

 

  1. Assim, nos termos do art. 3º, § 2º do Decreto nº 46.860/05, retro transcrito, “As vantagens de que tratam os incisos VI e VII do “caput” deste artigo que não sejam passíveis de se tornarem permanentes ou de serem incorporadas na atividade, na forma da legislação específica, previstas na Tabela “A” do Anexo I deste decreto, integrarão, automaticamente, a base de contribuição, garantido ao servidor o direito de opção por sua exclusão, exceto na hipótese do artigo 17 do Decreto nº 46.861, de 27 de dezembro de 2005”. Mediante tal previsão, e diante do item 12 do Anexo I-A (com a redação dada pelo Decreto nº 49.721/08) a que se refere o art. 3º do Decreto, bem como no disposto no art. 3º, inciso XII, 14, § 3º e 16 do Decreto nº 46.861/05, a Mesa da Câmara Municipal de São Paulo editou o Ato da Mesa nº 956/07, que estabelecia a incidência da contribuição previdenciária sobre essa parcela, podendo ser excluída, por expressa opção do servidor. Porém, com a superveniência do Ato nº 1003 de 31 de outubro de 2007, tornou-se obrigatória a inclusão da gratificação na base de cálculo da contribuição previdenciária ao IPREM. O Ato nº 1034, de 22 de outubro de 2008, com a alteração do Ato nº 1.326, de 3 de fevereiro de 2016, consolidando os Atos anteriores previu em seu art. 2º:

Art. 2º Nos termos da Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005, integram a base de contribuição social para o Regime Próprio de Previdência Social do Município – RPPS todas as vantagens tornadas permanentes ou que sejam passíveis de se tornarem permanentes, as incorporadas ou que sejam passíveis de incorporação, todas na atividade, bem assim as vantagens pessoais ou as fixadas para o cargo de forma permanente, na forma da legislação específica, não sendo as mesmas passíveis de exclusão por opção do servidor.

Parágrafo único. O adicional de função gratificada, criado pelo artigo 14 c/c artigo 19, ambos da Lei nº 13.637, de 4 de setembro de 2003, com a redação que lhes foi dada, respectivamente, pelos artigos 6º e 8ºda Lei nº 14.381, de 7 de maio de 2007, a parcela suplementar a que se refere o artigo 30 da Lei nº 13.637/03, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 15 da Lei 14.381/07, a Gratificação Legislativa de Incentivo à Especialização e Produtividade – GLIEP, instituída pelo artigo 29 da Lei nº 14.381/07, atribuída aos servidores da Câmara Municipal de São Paulo, têm a natureza das vantagens a que se refere o “caput”, devendo, portanto, serem obrigatoriamente incluídas na base de cálculo da contribuição previdenciária.

 

  1. Em resumo: a Lei Municipal nº 13.973/05, que trata do regime próprio de previdência do município de São Paulo, exclui, em princípio, da base de cálculo da contribuição previdenciária a parcela recebida em decorrência do exercício de função de confiança, conforme art. 1º, § 1º, inc. VII) (caso da gratificação de função estabelecida pela Lei nº 13.637/03). Porém, admite que o servidor titular de cargo efetivo possa optar pela sua inclusão na base de contribuição (art. 1º § 2°) ou, mais ainda, conforme seu Decreto regulamentador, a sua inclusão automática (art. 3º, § 2º, e Anexo I-A do Decreto nº 46.860/05, e Atos da Mesa 956/07, 1003/07, 1034/2008 e 1326/2016).

 

  1. Portanto, com amparo constitucional e nos termos legais e regulamentares, os valores percebidos em razão do exercício da função gratificada prevista na Lei nº 13.637/03 por servidores da Edilidade deveriam integrar obrigatoriamente a base de cálculo da contribuição, e a permanência na remuneração tornava-se direito adquirido para fins de aposentadoria.

 

  1. Contudo, as regras relativas aos servidores públicos no tocante à incorporação de vantagens à remuneração, e ao regime previdenciário, foram substancialmente alteradas pela Emenda Constitucional nº 103/19. Doravante, vantagem dessa natureza não mais poderá ser incorporada ou tornada permanente na remuneração, inclusive aos servidores da ativa. Portanto, não será passível de se tornar direito adquirido para fins de aposentadoria.

 

  1. Daí que apenas os períodos concluídos até 12 de novembro de 2019, dia anterior à vigência da Emenda nº 103, de 12 de novembro de 2019, publicada em 13 de novembro, têm o condão de ensejar a incorporação ou permanência de que trata o art. 19 da Lei municipal nº 13.637/03.

 

  1. Nessa mesma orientação, além do parecer já referido de Magadar Rosália Costa Briguet, confira-se o PARECER Nº 18.064/20, da Assessoria Jurídica e Legislativa da Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, Aline Frare Srmborst de 19.02.2020. Nesse Estado, a Lei Complementar nº 15.450, de 17 de fevereiro de 2020, na esteira da vedação prevista no art. 1º da Emenda da Constituição Estadual nº 78, de 4 de fevereiro de 2020, previu ficar “vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo ou aos proventos de inatividade ou pensão.”. No entanto, tal Lei Complementar, em seu artigo 3º, dispõe ficar “assegurada a incorporação de parcelas remuneratórias decorrentes de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão aos proventos de inatividade dos servidores que, na data da entrada em vigor desta Lei Complementar, tenham, cumulativamente”. Em seu Parecer, a Dra. Aline Frare Armborst posicionou-se no sentido de que “Apenas os períodos concluídos até 11 de novembro de 2019 têm o condão de ensejar a incorporação de que tratava o parágrafo único do artigo 39 da Constituição Estadual à remuneração do cargo efetivo. Relativamente à eventual incorporação da gratificação em voga aos proventos de inatividade, devem ser observadas as regras de transição previstas no artigo 3° da Lei Complementar Estadual n° 15.450/2020.”. Assim, no Rio Grande do Sul, de acordo com entendimento da Procuradoria Geral do Estado, consolidado no mencionado Parecer nº 18.064/20, ficou vedada a incorporação da vantagem de caráter temporário ou vinculada ao exercício de função de confiança a partir da vigência da Emenda nº 103/2019, mesmo antes da vigência da Emenda Estadual e da Lei Complementar que vedaram expressamente tal incorporação. Parecer no 31/2019 do SINJUSC – Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, adota a mesma orientação traçada no presente parecer, conforme a seguinte Ementa: “SINJUSC. REFORMA DA PREVIDÊNCIA E VPNI. Servidores do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina. Emenda Constitucional nº 103, de 2019. Vedação expressa à incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão[4]

 

  1. Diversas Prefeituras começam, na prática, a adotar o entendimento aqui esposado vedando as incorporações das vantagens transitórias, com fundamento no art 39, § 9º da Constituição, conforme EC nº 103/2019, como a Prefeitura de Araçatuba (https://www.alertadiario.com.br/publication_pages/079cf-diario-oficial-de-sao-paulo-caderno-executivo-2-2020-06-04-pg-10). Oportuna, outrossim, a advertência do Instituto de Previdência do Município de Marília, no Estado de São Paulo–IPREMM:

A Reforma da Previdência (regime geral/União) acabou com as incorporações de “vantagens de caráter temporário ou vinculados ao exercício da função de confiança ou cargo de comissão”, para o cálculo do benefício. A mudança passou a valer no dia 13 de novembro deste ano, não afetando os valores anteriormente incorporados. É muito importante esclarecer que estas mudanças não partem de um desejo do prefeito Daniel, aliás a Secretaria de Previdência já publicou Nota Técnica com orientações aos Municípios quanto a adoção imediata dessas medidas (Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME). Portanto, não são atos revestidos de discricionariedade, mas vinculados ao texto da Constituição Federal, que passam a vigorar de imediato. A PEC mudou a Constituição Federal e qualquer medida que for adotada fora dela, poderá ser declarada ilegal, acarretando prejuízos para o município e para a população” (https://www.marilia.sp.gov.br/portal/noticias/0/3/5985/ipremm-alerta-que-reforma-da-previdencia-tem-impacto-imediato-nos-municipios). Com efeito, na Nota Técnica referida, da Secretaria de Previdência Social, consta Tabela onde estão “selecionadas e resumidas as condições da aplicabilidade dos dispositivos da EC nº 103 de 2019 aos Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme fundamentos da Nota Técnica SEI nº 12212/2019/ME”, dentre os quais o art. 39, § 9º, da Constituição Federal, de aplicabilidade imediata, com os seguintes dizeres: Vedação de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo, ressalvadas as incorporações efetivadas até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019”.

 

  1. Importante considerar no presente parecer, por fim, como deverá a Administração proceder quanto à contribuição previdenciária relativa à gratificação de função prevista no art. 19 da Lei 13.637/03, em face da edição da Emenda Constitucional nº 103/2019.

Como já demonstrado, os servidores que já tornaram permanente a gratificação de função antes da publicação da EC 103/19, em razão do direito adquirido a tal vantagem, devem continuar a contribuir para o regime próprio de previdência municipal (IPREM) sobre essa vantagem, que será carreada aos seus proventos em sua aposentadoria, de modo integral ou proporcional, conforme a data de seu ingresso no serviço público, com fundamento nas EC 19/98 e 41/03, e na legislação previdenciária do Município de São Paulo.

 

  1. Por outro lado, entendo que os servidores que recebem tal vantagem e que, em razão da vigência da Emenda Constitucional nº 103/2019, não poderão mais torná-la permanente, deverão ter a opção de contribuir ou não para o regime próprio de previdência municipal (IPREM). Com efeito, o acréscimo de valores em sua aposentadoria poderá decorrer não da permanência da gratificação de função – doravante vedada – mas sim de cálculo de média das contribuições por eles realizadas ao regime previdenciário municipal, tal como assegurado de modo específico na Legislação do Município de São Paulo (Lei Municipal nº 13.973/05, art. 1º, § 1º, inc. VII, e § 2º; Lei nº 13.637/03, art. 19; Decreto Municipal nº 46.860/05, art. 3º, § 2º, e Anexo I-A do Decreto; Atos da Mesa nº 1034/2008 e 1326/2016 – vide item 60 desta manifestação).

Ou seja: como apontado nos itens 60, 61 e 62 deste parecer, a Lei previdenciária municipal, bem como seu Decreto regulamentador, que alude especificamente à Função Gratificada ora discutida, mantêm em seu texto a possibilidade de opção de contribuição do servidor que aufere vantagem dessa natureza. Todavia, a Mesa Diretora da Câmara, a quem compete legitimamente a superintendência administrativa da Casa, por meio do Ato nº 1304/2008 (com a redação dada pelo Ato n° 1326/2016), dispôs em seu momento sobre a obrigatoriedade dessa contribuição, de modo automático. Confira-se o teor do parágrafo único do art. 2º do Ato nº 1304/2008 (com a redação dada pelo Ato n° 1326/2016):

Art. 2º Nos termos da Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005, integram a base de  contribuição social para o Regime Próprio de Previdência Social do Município – RPPS todas as vantagens tornadas permanentes ou que sejam passíveis de se tornarem permanentes, as incorporadas ou que sejam passíveis de incorporação, todas na atividade, bem assim as vantagens pessoais ou as fixadas para o cargo de forma permanente, na forma da legislação específica, não sendo as mesmas passíveis de exclusão por opção do servidor.

Parágrafo único. O adicional de função gratificada, criado pelo artigo 14 c/c artigo 19, ambos da Lei nº 13.637, de 4 de setembro de 2003, com a redação que lhes foi dada, respectivamente, pelos artigos 6º e 8º da Lei nº 14.381, de 7 de maio de 2007, a parcela suplementar a que se refere o artigo 30 da Lei nº 13.637/03, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 15 da Lei 14.381/07, a Gratificação Legislativa de Incentivo à Especialização e Produtividade – GLIEP, instituída pelo artigo 29 da Lei nº 14.381/07, atribuída aos servidores da Câmara Municipal de São Paulo, têm a natureza das vantagens a que se refere o “caput”, devendo, PORTANTO, serem obrigatoriamente incluídas na base de cálculo da contribuição previdenciária. (Redação dada pelo Ato nº 1.326 de 2016).

 

Ora, o pressuposto para essa obrigatoriedade – indicado no próprio dispositivo transcrito – era a possibilidade de permanência admitida em lei. Cessado o pressuposto – a possibilidade de permanência – cessa, portanto, o fundamento de sua exigência na normativa da Casa, que deixa de ser recepcionada pelo novo ordenamento jurídico, no tocante a esses servidores atingidos pela EC 103/2019.

 

  1. Corrobora francamente esse entendimento a normativa trazida pela Lei municipal nº 17.224/19. Esta lei, publicada no dia 1º de novembro de 2019 – dias antes da publicação da EC 103/19 -, extinguiu a permanência ou incorporação de vantagens associadas ao exercício de função de confiança das leis municipais que especificou, conforme art. 23. Todavia, ressalvou no § 3º do art. 24 a opção de o servidor continuar a contribuir sobre tais vantagens. Confira-se:

Art. 23. A partir da publicação desta Lei, fica extinta a incorporação ou permanência:

I – da função gratificada, nos termos do art. 39 da Lei nº 8.183, de 20 de dezembro de 1974;

II – do adicional de função, nos termos do art. 15 da Lei nº 10.182, de 30 de outubro de 1986;

III – da gratificação de função, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.430, de 29 de fevereiro de 1988;

IV – da gratificação de gabinete, nos termos da Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;

V – da gratificação de comando, nos termos do art. 5º da Lei nº 15.365, de 25 de março de 2011.

(…)

Art. 24:….

(…)

  • 3º Os valores relativos às verbas mencionadas nos incisos I, II, III, IV ou V do caput do art. 23 desta Lei poderão ser incluídos na base de cálculo da contribuição para o Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Paulo – RPPS e para o Regime de Previdência Complementar – RPC, neste último caso na forma de seu regulamento, por opção expressa do servidor, nos termos dos §§ 2º e 4º do art. 1º da Lei nº 13.973, de 2005, e § 2º do art. 14 da Lei nº 17.020, de 2018, respectivamente.

 

  1. Dando aplicação a esse dispositivo, a Prefeitura disciplinou o modo como se fará a opção do servidor, por meio da Portaria Secretaria Municipal de Gestão –SG nº 9, de 17 de janeiro de 2020. Esta, em seu art. 1º, inciso II, institui os formulários próprios destinados à realização dessa opção previstas no § 3º do artigo 24 da Lei nº 17.224, de 2019, concernentes à inclusão na base de cálculo da contribuição para o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS. A mesma Portaria dispõe: “Art. 3º As opções de que tratam esta portaria deverão ser oportunizadas ao servidor pela respectiva unidade de gestão de pessoas por ocasião da posse ou designação para exercício de cargo de provimento em comissão, função de confiança, função gratificada ou deferimento da gratificação de gabinete”.

 

  1. Isso posto, caberia, segundo me parece, até mesmo o critério hermenêutico de analogia legis para sustentar que o servidor da Edilidade que recebe gratificação de função prevista na Lei nº 13.637/03, sem haver cumprido os requisitos para torná-la permanente até o advento da Emenda Constitucional 103/19, deverá ter assegurado o direito a optar por continuar a contribuir à previdência sobre esta vantagem, nos termos dos §§ 2º e 4º do art. 1º da Lei nº 13.973, de 2005, e § 2º do art. 14 da Lei nº 17.020, de 2018, respectivamente, tal como assegura em seu art. 24, § 3º, a Lei municipal nº 17.224/19, aos servidores do Executivo que não tornaram permanente as gratificações de função especificadas no art. 23 da mesma lei, cuja permanência ou incorporação foi vedada a partir da data de sua publicação (1º de novembro de 2019).

 

  1. Nesse sentido, aponta Norberto Bobbio: “Entende-se por “analogia’ aquele procedimento  pelo  qual se  atribui  a  um  caso  não-regulado  a  mesma  disciplina  de um  caso  regulado  de  maneira  semelhante.  (…)  A  analogia é  certamente  o  mais  típico  e  o  mais  importante  dos procedimentos  interpretativos  de  um  determinado  sistema normativo:  é  aquele  procedimento  mediante  o  qual  se manifesta  a  chamada  tendência  de  todo  sistema  jurídico  a expandir-se  para  além  dos  casos  expressamente  regulados[5].

 

  1. E, com maestria, Carlos Maximiliano aponta que a analogia legis encontra “reserva de soluções” nos próprios repositórios de preceitos legais. Em suas palavras: “A analogia legis apoia-se em uma regra existente, aplicável à hipótese semelhante na essência[6]”. E é este o caso: o fato jurídico que deu origem à regra do § 3º do art. 24 da Lei nº 17.224/19 foi a extinção da possibilidade de permanência ou incorporação das gratificações elencadas no dispositivo, todas elas vinculadas ao exercício de função de confiança. A extinção da possibilidade de permanência da gratificação de função prevista na Lei municipal nº 13.637/03 decorreu – dias após da edição da Lei nº 17.224/19 – do advento da EC 103/19. Todavia, sobre umas e outras gratificações previstas em diferentes leis municipais aplicam-se as mesmas regras previdenciárias. E estas permanecem vigentes – como expressamente ressalvado no § 7º do art. 10 da EC 103/19, in verbis:

Art. 10.

(…)

Aplicam-se às aposentadorias dos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social.

 

  1. Portanto, entendo recomendável adequar o Ato nº 1034/2008 (com a redação pelo Ato da Mesa nº 1.326/16), para permitir aos servidores não mais autorizados a tornar permanente a gratificação de função, em face da Emenda Constitucional nº 103/2019, OPTAREM por contribuir ou não sobre tal vantagem ao regime próprio de previdência municipal (IPREM). Enquanto não ocorrer tal alteração no Ato da Mesa, deve prevalecer o disposto na Lei Municipal nº 13.973/05, art. 1º, § 1º, inc. VII, e § 2º, com a redação dada pela Lei Municipal nº 17.020/18, e no Decreto regulamentador nº 46.860/05, art. 3º, § 2º, e Anexo I-A do mesmo Decreto, que permitem tal opção ao servidor municipal, mencionando aliás especificamente a Gratificação de Função prevista na Lei nº 13.637/03. Assim, neste tópico, o Ato da Mesa nº 1034/2008 (com a redação dada pelo Ato n° 1326/2016) tornou-se ineficaz.

 

  1. Deixo de me manifestar sobre a contribuição previdenciária incidente sobre a gratificação de função daqueles servidores que ingressarem no Quadro de Pessoal do Legislativo após a Emenda Constitucional nº 103/2019, uma vez que tal matéria merecerá análise futura, de acordo com a legislação vigente em seu momento.

 

VI- CONCLUSÃO

 

  1. A Constituição é a lei suprema do país; contra sua letra, ou espírito, não prevalecem as leis, decretos ou quaisquer normas federais, estaduais ou municipais. Em face do princípio da supremacia da Constituição que informa o ordenamento jurídico pátrio, toda norma infraconstitucional que afrontar material ou formalmente Emenda Constitucional editada é considerada como revogada ou não recepcionada pelo novo ordenamento jurídico (Item I deste Parecer).

 

  1. De acordo com o § 9º do art. 39 da Constituição Federal, inserido pela Emenda Constitucional nº 103/19, as vantagens temporárias decorrentes do exercício de função de confiança, mesmo que previstas em lei, doravante não poderão ser incorporadas na remuneração do servidor titular do cargo efetivo. A remuneração na sistemática constitucional, de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência pátrias, inclusive fixada em Súmula do STF em hipótese específica, diz respeito à totalidade dos vencimentos e valores recebidos pelo servidor como contraprestação pecuniária pelo desempenho de seu cargo ou função, independentemente da sua espécie, natureza ou denominação, a qualquer título. Não há como se entender de modo diverso no presente caso, portanto, pois caso o dispositivo constitucional pretendesse restringir o conceito de remuneração, deveria fazê-lo de modo expresso (Item II deste Parecer).

 

  1. A incorporação, admitida legalmente, até a Emenda 19/98 decorria de duas características simultâneas: (1) trazia ideia de permanência, continuidade, prolongamento = tornar permanente; e (2) servia de base para outras vantagens, daí a ideia de ‘in corpore’, de ‘um só corpo = fazer computável. Após a Emenda nº 19/98, esse segundo aspecto foi vedado. A doutrina e a jurisprudência, como fartamente demonstrado, são unânimes quanto a este aspecto. Ora, é à luz do sistema constitucional que se interpreta a legislação local, e não o inverso. Admitir que a Emenda Constitucional – cujos princípios reitores não se presumem inócuos – não alcança a “permanência”, mas tão somente a “incorporação” (entendida como possibilidade de “efeito cascata” de vantagens integradas permanentemente à remuneração) seria reduzi-la, no ponto, à inutilidade[7]. A novidade da Emenda 103/19, nesta matéria, é precisamente vedar a incorporação ou permanência de vantagens temporárias, como a gratificação de função, impedindo-se a despesa correspondente, seja na atividade, seja na inatividade, quando cessada a causa de sua concessão (Item III deste Parecer). Ressalto apenas o disposto pelo art. 13 da Emenda Constitucional nº 103/19, respeitado o princípio constitucional do direito adquirido, “clausula pétrea”, no sentido de não se aplicar o § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens vinculadas ao exercício de função de confiança até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, o que ocorreu no dia 13 de novembro de 2019, dia da sua publicação.

 

  1. Assim, também no âmbito local, não há mais possibilidade de se admitir a incorporação ou permanência mencionadas, tendo sido retirado o fundamento de validade de toda legislação infraconstitucional municipal que afronte a nova vedação constitucional (Item IV e Introdutório deste Parecer). Não se alegue, por outro lado, como argumento a amparar a continuidade de tal permanência, a autonomia plena do município em matéria remuneratória. Embora, como vimos, detenha o Município autonomia para legislar sobre a matéria relativa à incorporação e permanência de vantagens remuneratórias a seus servidores, essa autonomia de modo algum é absoluta, por estar delimitada por normas e princípios constitucionais, bem como às normas gerais previdenciárias da União.

 

  1. Necessário destacar, nesse passo, que de acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal (RE 593068, Repercussão Geral, Tese 163), e do STJ, “apenas se admite a incidência de contribuição previdenciária sobre parcelas remuneratórias que, futuramente, serão percebidas pelo servidor, a título de proventos na aposentadoria” (Agr. Rec. Esp. nº 1.606.565/PB, Rel. Min. Herman Benjamin; j. 9.04.20 (Itens IV e V deste Parecer). Ou seja: somente os servidores que tornaram permanente a gratificação de função antes da publicação da EC 103/19, em razão do direito adquirido a tal vantagem, têm o dever de continuar a contribuir para o regime próprio de previdência municipal (IPREM) sobre essa vantagem, que será futuramente recebida por eles em sua aposentadoria, de modo integral ou proporcional, conforme a data de seu ingresso no serviço público. Os servidores que recebem gratificação de função e não podem mais torná-la permanente, em razão da Emenda Constitucional nº 103/2019, DEVERÃO TER A OPÇÃO de contribuir ou não para o regime próprio de previdência municipal (IPREM), posto que farão jus apenas a mero acréscimo em sua aposentadoria de valores econômicos, decorrentes não da permanência da gratificação de função, mas sim de cálculo de média das contribuições por eles realizadas ao regime previdenciário municipal, tal como assegurado de modo específico na Legislação do Município de São Paulo.

 

  1. 84. Portanto, parece-me de todo recomendável que a E. Mesa Diretora adeque o Ato nº 1034/2008 (com a redação pelo Ato da Mesa nº 326/16), com o fim de, nos termos legais, permitir aos servidores da Câmara Municipal a opção de contribuir ou não ao regime próprio de previdência municipal (IPREM) em relação à gratificação de função não tornada permanente em face da Emenda Constitucional nº 103/2019. E, enquanto não ocorrer tal alteração no Ato da Mesa, deve prevalecer o disposto na Lei Municipal nº 13.973/05, art. 1º, § 1º, inc. VII, e § 2º (com a redação dada pela Lei municipal nº 17.020/18), e o disposto expressamente no seu Decreto regulamentador específico, nº 46.860/05, art. 3º, § 2º, e Anexo I-A do mesmo Decreto, que permitem tal opção ao servidor municipal. No tópico, torna-se ineficaz o Ato da Mesa n° 1034/2008 (com a redação dada pelo Ato n° 1326/2016), por não estar recepcionado no novo ordenamento jurídico (Item V, 70-76 deste Parecer).

 

  1. Por todo o exposto, lamento manifestar-me pelo indeferimento da declaração de permanência pleiteada, posto que o preenchimento das condições para sua obtenção dar-se-ia, de acordo com o art. 19 da Lei 13.637/03, posteriormente à entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019.

Encaminho, por oportuno, a Portaria da Secretaria Municipal de Gestão –SG nº 9, de 17 de janeiro de 2020, do Município de São Paulo, com data posterior à Emenda Constitucional nº 103/2019, que poderá fornecer subsídios à E. Mesa Diretora para adaptar o Ato da Mesa nº 1034/2008 (com a redação pelo Ato da Mesa nº 1.326/2016), a fim de permitir, aos servidores não mais autorizados a tornar permanente a gratificação de função, a opção de contribuir ou não à previdência no tocante a essa vantagem, tal como proposto no presente parecer.

 

Em sentido diverso, segue o Parecer ADM nº 25/2020 (fss. 10-15v), que entende plausível o deferimento da permanência da gratificação em comento mesmo após a EC 103/19, fazendo-se acompanhar de despacho nesse sentido do Sr. Subsecretário Administrativo Substituto do Tribunal de Contas do Município (fls. 16).

 

É o entendimento que expresso e submeto, com minhas homenagens, à criteriosa apreciação superior.

 

São Paulo, 5 de junho de 2020

 

 

 

Maria Nazaré Lins Barbosa

Procuradora Legislativa Chefe

OAB/SP 106.017

 

[1] Cfr.: SILVA, José Afonso..Aplicabilidade das normas constitucionais, São Paulo: RT, 1982, p. 63 e segs; PEDRO, Lenza.Direito Constitucional Esquematizado. 15ª Ed., Editora Saraiva, 2011, pg. 199.

[2] Cabe observar que o artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo foi revogado pela Emenda Constitucional nº 49, de 06 de março de 2020, assegurada a concessão das incorporações que, na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 103, de 12/11/2019, tenham cumprido os requisitos temporais e normativos previstos na legislação então vigente.

[3]https://abcprev.com.br/incorporacao-de-parcelas-relativas-ao-exercicio-de-cargos-em-comissao-ou-funcao-de-confianca-na-remuneracao-no-cargo-efetivo-calculo-dos-proventos-de-aposentadoria-nas-regras-transitorias-das-ec-41/

[4] (https://maisjustica.files.wordpress.com/2019/12/parecer-31-2019-sinjusc-ec-103-reforma-da-previdc3aancia-x-vpni-x-adi-5441-dez.2019-1.pdf.).

[5] BOBBIO, Norberto. Teoria  geral do  direito.  São  Paulo: Martins  Fontes, 2008.  p.  29.

[6] Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª ed., Forense, Rio de Janeiro, nº 242, pg. 173

[7] Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade, in Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2014, pg. 203.