Parecer n° 59-ADM/2020

Ref.                 E-mail SGA

Assunto:        Situação funcional de servidora reintegrada com mais de 75 anos e considerada inapta no exame médico admissional – xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

 

 

Parecer ADM nº 059/2020

 

 

Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

 

Trata-se de pedido de análise e parecer sobre a situação funcional de servidora celetista reintegrada no quadro de pessoal da Casa, por decisão judicial transitada em julgado, com idade superior a 75 (setenta e cinco) anos e considerada inapta em exame médico admissional.

Foram juntados ao expediente cópia da certidão judicial de reintegração da servidora e da petição formulada pela Procuradoria Geral do Município de São Paulo, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0016700-53.2004.5.02.0059, em trâmite pela 59ª Vara do Trabalho da Capital, sustentando a impossibilidade de reintegração haja vista contar a servidora com mais de 75 (setenta e cinco) anos e mais de 70 (setenta) anos, quando da edição da Lei Complementar nº 152, de 03 de dezembro de 2015.

Consta também do procedimento informação de SGA.15 no sentido de que a servidora “foi reintegrada a partir do dia 29/06/2020” e, ainda, que “conforme atestado médico de inapto, emitido pelo médico do trabalho desta Edilidade, a servidora encontra-se em licença médica (falta abonada – 15 dias) desde 29/06/2020 até 13/07/2020, sendo que a partir do dia 14/07/2020, ou seja, o 16º dia de sua licença médica,  terá o seu contrato de trabalho suspenso nos termos do Ato n.º 1.117/2010, alterado pelo Ato n.º 1.149/2011”.

Encaminhou-se, então, o feito a esta Procuradoria solicitando a Secretaria Geral Administrativa – SGA análise e manifestação quanto a dois aspectos decorrentes da reintegração da servidora:

  1. a) A servidora foi submetida à avaliação médica em razão do seu retorno ao trabalho e, segundo informação de SGA.1, foi considerada inapta, não restando claro se a inaptidão é para a função ou para o trabalho;
  2. b) A servidora conta com 80 (oitenta) anos de idade, dispondo a Decisão de Mesa nº 3041/17, em caráter normativo, determinação de adoção das providências necessárias à aplicação das conclusões dos Pareceres Procuradoria mencionados na r. decisão aos servidores celetistas com 75 (setenta e cinco) anos de idade ou mais, estejam eles aposentados ou não, com o desligamento compulsório do exercício das funções junto à esta Edilidade.

Em complementação à documentação colacionada, a fim de subsidiar a análise completa da situação, esta Procuradoria solicitou a juntada de cópia do prontuário da servidora, bem como da conclusão de seu exame admissional, o que foi feito por SGA.1 em 17/07/2020.

É o breve relato do necessário. Passo a opinar.

Para melhor entendimento da situação, passa-se a relatar a sucessão de atos relevantes à análise do caso.

Cuida-se de servidora celetista admitida na Câmara Municipal de São Paulo em 29/03/1985 para exercer a função de copeira. Aposentada pelo Regime Geral de Previdência Social em 22/09/2000, foi atingida pelo Ato MEMO GAB. PRES. Nº 295/03, publicado em 21/08/2003, que determinou a rescisão de seu contrato de trabalho com a Edilidade.

Em 27/06/2020 foi reintegrada às suas funções, em virtude de mandado judicial expedido em cumprimento de decisão trabalhista transitada em julgado em 20/05/2020.

Passemos à análise do caso posto.

Em consulta ao processo trabalhista no portal do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, obteve-se cópia da decisão transitada em julgado, que determinou a reintegração da servidora, após anulação da rescisão do seu contrato efetivada em 21/08/2003 (doc. 1 anexo).

Dela é possível extrair-se que a idade da servidora ou mesmo aplicação da regra estabelecida no artigo 40, §1º, inciso II, da Constituição Federal não foram objeto da apreciação judicial, limitando-se a declarar a nulidade do ato de rescisão contratual da servidora, fundada na extinção do vínculo trabalhista com sua aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência, bem como na aplicação da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal aos servidores públicos celetistas (Súmula nº 390/TST), não havendo que se falar em cumulação indevida de remunerações.

Desta premissa decorrerá toda análise que a seguir se expõe.

 

  1. Da aplicação da Decisão de Mesa nº 3041/17 à servidora em questão

Como já relatado, a servidora conta com 80 (oitenta) anos de idade.

A Decisão de Mesa nº 3041, de 26 de janeiro de 2017, em caráter normativo, assim estabeleceu:

CONSIDERANDO o teor do Memorando n. 76/GAB.PRES/2017;

CONSIDERANDO a conclusão exarada nos Pareceres nºs 27/2017 e 28/2017 da Procuradoria Legislativa desta Casa, no sentido de que se aplica aos servidores públicos celetistas a idade de 75 (setenta e cinco) anos, estabelecida no artigo 40, §1º, II, da Constituição Federal c.c. Lei Complementar n. 152/2015, para efeito de desligamento compulsório;

A MESA DA CÂMARA MUNICIPAL, no uso de suas atribuições legais, DECIDE:

  1. Acolher as conclusões alcançadas nos referidos Pareceres por seus motivos e fundamentação;
  2. Determinar à Secretaria Geral Administrativa que adote as providências necessárias à aplicação das conclusões dos referidos Pareceres aos servidores públicos celetistas da Casa que contem com 75 (setenta e cinco) anos de idade ou mais, estejam aposentados ou não;
  3. Determinar que a Secretaria Geral Administrativa passe a adotar rotineiramente essas medidas, por meio dos órgãos administrativos da Câmara Municipal de São Paulo, no que tange aos servidores públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, a partir da publicação desta Decisão.

Como se verifica, há um comando legal na referida Decisão de Mesa, embasado nos Pareceres nº 27/2017 e nº 28/2017 desta Procuradoria, os quais se fundamentaram na ampla e consolidada Jurisprudência pátria sobre o tema da aplicação aos servidores públicos celetistas do disposto no art. 40, §1º, inciso II, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 40. (…)

  • 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:

(…)

II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; 

Remetendo-me especialmente ao Parecer nº 27/2017, no qual se colaciona à exaustão inúmeros julgados sobre o entendimento, permito-me apenas explanar sobre a plena aplicabilidade da Decisão de Mesa nº 3041/2017 ao caso em tela.

Como já exposto acima, o provimento judicial que determinou a reintegração da servidora ao quadro de pessoal da Casa não apreciou o tema da aposentadoria compulsória, razão pela qual a aplicação ou não da Decisão de Mesa em questão, a princípio, não interferiria em qualquer medida no cumprimento da decisão judicial.

Por outro lado, as informações trazidas pela Procuradoria do Município no sentido de que há recentes precedentes no âmbito do Supremo Tribunal Federal desfavoráveis à tese de que a aposentadoria compulsória se aplica aos servidores celetistas, s.m.j., também não afastam integralmente a aplicação da Decisão de Mesa nº 3041/2017.

Vejamos.

O D. Procurador do Município citou os seguintes precedentes:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 30.04.2019. EMPREGADO PÚBLICO CELETISTA. AUTARQUIA MUNICIPAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 40, § 1º, II, DA CF. INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA. ADI 2.602. PRECEDENTES. 1. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em divergência com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, no sentido de que, à luz do art. 40, § 1º, II da Constituição Federal, no caso de empregado público celetista, não se aplica a regra constitucional da aposentadoria compulsória, a qual se destina aos titulares de cargo efetivo, orientação extraída do julgamento da ADI 2.602, redator para o acórdão Min. Eros Grau, pelo Plenário desta Suprema Corte e de outros precedentes sobre o tema. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC. Incabível a aplicação do disposto no art. 85, § 11, do CPC, em virtude da ausência de fixação de honorários pelo Tribunal de origem.” (ARE 1091313 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 27/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-219 DIVULG 08-10-2019 PUBLIC 09-10-2019)

“DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EMPREGADO PÚBLICO CELETISTA. AUTARQUIA MUNICIPAL. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ART. 40, § 1º, II, DA CF. INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, no caso de empregado público celetista, não se aplica a regra constitucional da aposentadoria compulsória, a qual se destina a servidores públicos titulares de cargos efetivos em sentido estrito. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (ARE 1049570 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 22-06-2020 PUBLIC 23-06-2020)

Em que pese a aparente mudança de entendimento jurisprudencial a respeito do tema, os precedentes citados não necessariamente têm o condão de imediatamente alterar o procedimento adotado pela Edilidade paulistana pela Decisão de Mesa nº 3041/2017 quanto à aplicação da aposentadoria compulsória aos seus servidores celetistas.

Isso porque, referidos precedentes foram emitidos por Turmas da Suprema Corte, e não por seu plenário, tampouco estão revestidos de qualquer graduação maior de qualidade vinculante, como de Repercussão Geral ou mesmo de Súmula Vinculante. A Repercussão Geral nº 763 citada nos julgados diz respeito aos cargos em comissão, sem vinculação direta aos chamados “empregados públicos”.

Tal panorama, faz com que haja ainda insegurança jurídica quanto ao tema, uma vez que o entendimento continua consolidado no E. Tribunal Superior do Trabalho no sentido da aplicação do art. 40, §1º, II, CF aos empregados públicos, decorrente, inclusive, da tese firmada na sua Súmula nº 390, que garante estabilidade aos servidores públicos celetistas[1]. Assim, a menos que as demandas judiciais cheguem até o E. Supremo Tribunal Federal, o entendimento nas instâncias inferiores será pela regularidade da Decisão de Mesa nº 3041/2017.

Por outro lado, especificamente no caso da Câmara Municipal de São Paulo, tem-se conhecimento de dois precedentes a ela vinculantes, eis que emitidos em procedimentos em que a Edilidade figurou como parte.

Por ocasião da edição da Decisão de Mesa nº 3041/2017, o sindicato representante dos servidores da casa, o SINDILEX – SINDICATO DOS SERVIDORES DA CAMARA MUNICIPAL E DO TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICIPIO DE SAO PAULO, atuou em duas frentes para impugná-la. Impetrou Mandado de Segurança Coletivo e ofertou representação junto ao Ministério Público do Trabalho.

O Mandado de Segurança, inicialmente impetrado junto à Justiça Comum, foi reencaminhado à Justiça do Trabalho, tramitando sob o nº 1000087-17.2018.5.02.0069 na 69ª Vara do Trabalho da Capital e recebendo o seguinte julgamento (doc. anexo):

Diferentemente do que os argumentos expendidos na petição inicial, a análise dos elementos constantes do processo conduz claramente à conclusão de que o ato praticado pela autoridade coatora está em consonância com as normas constitucionais e com o entendimento jurisprudencial trabalhista nesta seara.

Cumpre salientar que não se discute, no caso em apreço, sobre a hipótese de aposentadoria espontânea tratada na Orientação Jurisprudencial nº. 361 da SDI-I do C. Tribunal Superior do Trabalho, mas sim de aposentadoria compulsória, decorrente do implemento da idade de setenta e cinco anos pelo empregado público.

A aposentadoria compulsória levada a efeito pelo impetrado encontra previsão expressa no artigo 40, parágrafo 1º, inciso II da Constituição Federal, preciso ao dispor sobre a aposentadoria compulsória dos servidores públicos aos setenta e cinco anos de idade:

“CF. Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (…)

II – compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 88, de 2015)” (grifei).

Neste diapasão, não há dúvidas de que o impetrado não pode – na qualidade de pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Pública – adotar procedimento diverso do previsto em lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

Considerando que o implemento da aposentação compulsória enseja, por consequência, a extinção da relação contratual havida entre empregado e empregador, mister se faz concluir que não houve ilegalidade no ato praticado pelo impetrado. Assim, não há que se cogitar em declaração de nulidade, já que os elementos constantes dos autos demonstraram que a motivação do ato administrativo encontra guarida em nosso ordenamento jurídico.

Nesse sentido, a jurisprudência adotada por este Eg. Tribunal Regional do Trabalho, que ora adoto como parte integrante da presente decisão:

(…)

Saliento, por oportuno, que o entendimento adotado na presente decisão também encontra amplo respaldo na jurisprudência da Corte Superior Trabalhista, conforme se extrai dos julgados abaixo transcritos:

(…)

Do exposto, resolve a MM. 69ª Vara do Trabalho de São Paulo DENEGAR a segurança, nos autos do presente Mandado de Segurança Coletivo impetrado por SINDICATO DOS SERVIDORES DA CÂMARA MUNICIPAL E DO TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – SINDILEX em face de ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE S PAULO, nos termos da fundamentação supra.

Referida decisão transitou em julgado em 18/09/2018.

Como se sabe, as decisões formadas em mandado de segurança coletivo vinculam as partes, dentre elas os membros vinculados à associação[2],[3], in casu, o reconhecimento da legalidade da aplicação de aposentadoria compulsória aos servidores celetistas da Câmara Municipal de São Paulo com mais de 75 anos de idade vincula a todos os servidores representados pelo SINDILEX.

Já quanto à representação ofertada pelo Sindicato junto ao Ministério Público do Trabalho, a decisão pelo arquivamento teve fundamentação calcada no posicionamento firmado pelo órgão sobre o assunto (doc. anexo):

(…)

De outro turno, caso os servidores sejam ocupantes de emprego público efetivo, também não assiste razão ao Sindicato denunciante quanto ao pedido de suspensão de aposentadoria compulsória determinada aos servidores nominados na denúncia, com mais de 75 anos, pela ausência de Lei regulamentadora e pela inaplicabilidade do art. 40 §1º, II e §13º da Constituição Federal, sendo incabível assim a instauração de inquérito civil, nos termos da Resolução CSMPT n.º 69/2007.

A matéria já foi enfrentada na ACP nº 0000822-72.2013.5.15.0104, promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face do Município de Tanabi/SP, tendo em vista que o Município mantinha no serviço público servidores com mais de 70 anos (à época, idade limite para a aposentação compulsória), pois estes não preenchiam os requisitos legais para a aposentadoria pelo regime geral de previdência social (RGPS).

Nesta ação a sentença julgou procedente o pedido do Ministério Público do Trabalho declarando ser aplicável aos servidores celetistas o disposto no art. 40, §1º, inciso II da CF, quando já tenham completado 70 anos de idade (atualmente, 75 anos).

Ou seja, na ação promovida pelo Ministério Público do Trabalho, sustentou o Órgão Ministerial o mesmo posicionamento adotado pela Câmara Municipal de São Paulo, ora atacado pelo noticiante, conforme os fundamentos expostos na petição inicial daquela ACP, a seguir transcritos:

“Todo servidor público, quer tenha sido contratado pelo regime estatutário, quer pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, não pode permanecer no serviço público após completar 70 (setenta) anos de idade, nos exatos termos em que dispõe o artigo 40, §1º, II, da Constituição Federal.

Primeiramente, é sabido que a discussão, por muito tempo travada, acerca da aplicabilidade de referido artigo do Texto Constitucional aos servidores públicos celetistas está superada, restando consolidado o entendimento de que aos mesmos também se aplica a aposentadoria compulsória prevista no artigo 40, §1º, II, da Constituição Federal.

Nesse sentido, cabe a transcrição dos seguintes julgados, in verbis:

(…)

Do exposto, infere-se que ao completar 70 (setenta) anos de idade, o servidor público celetista da administração pública direta, autárquica e fundacional, ainda que não reúna os requisitos legais para a aposentadoria pelo regime geral de previdência social (RGPS), a cargo do INSS, deve ser exonerado do serviço público, ato a que o administrador público encontra-se vinculado, não lhe restando qualquer espaço para juízo de discricionariedade. (…)”

Dessa forma, o entendimento deste Órgão Ministerial é pela correção da conduta da Câmara Municipal de SP ao decidir pelo afastamento dos servidores celetistas que tenham completado 75 anos de idade.

Veja-se, assim, que a Decisão de Mesa nº 3041/2017 foi referendada por dois órgãos de controle especializados na matéria, o Tribunal do Trabalho da 2ª Região e o Ministério Público do Trabalho, havendo inclusive decisão judicial em ação coletiva transitada em julgado vinculando todos os servidores da Câmara Municipal de São Paulo em que se reconheceu que a Edilidade “não pode – na qualidade de pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Pública – adotar procedimento diverso do previsto em lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade”.

Por tais razões, em que pese os novos precedentes judiciais emitidos pela E. Suprema Corte, ao menos por ora, não há razão para que se deixe de aplicar a Decisão de Mesa nº 3041/2017, sugerindo-se apenas que seja acompanhada de perto a consolidação do entendimento daquela corte sobre a matéria, podendo, eventualmente, haver necessidade de adequação da orientação interna da Casa sobre a aposentação compulsória de seus servidores celetistas.

Entende-se, portanto, que há para a Câmara Municipal de São Paulo dever legal de extinguir o vínculo com seus servidores celetistas a partir de que completem 75 (setenta e cinco) anos de idade, o que se aplica igualmente à servidora em tela.

In casu, tem-se que, em tese, a Decisão de Mesa nº 3041/2017 somente teria aplicabilidade à servidora a partir de sua emissão, já que não determinou aplicação retroativa do entendimento nela firmado. Vale dizer, a determinação de extinção do vínculo de trabalho com os servidores celetistas com mais de 75 (setenta e cinco) anos somente poderia ser aplicável à servidora em questão em 26 de janeiro de 2017, data em que contava com 76 (setenta e seis) anos de idade.

Por fim, quanto à efetivação da extinção do contrato de trabalho nessas circunstâncias, recomendou o Parecer nº 28/2017:

  1. Levantamento de todos os servidores submetidos à Consolidação das Leis do Trabalho com 75 anos ou mais, já aposentados ou não, com vistas a que sejam praticados os atos tendentes à extinção do vínculo com esta Casa (apontamentos necessários, baixa na CPTS, e demais providências rotineiras), não cabendo, neste caso, o pagamento de qualquer verba indenizatória prevista na CLT em decorrência de dispensa sem justa causa, pois, como frisou o citado parecer do judicial, “como o motivo da extinção do vínculo com os servidores públicos celetistas aos 75 (setenta e cinco) anos de idade decorre do comando constitucional inserto no artigo 40, § 1º, II, não há que se falar em dispensa imotivada e, assim, de pagamento de multa de 40% (quarenta por cento) sobre o saldo de FGTS, conforme ampla jurisprudência trabalhista já supracitada.” (destaque nosso)

Assim, tratando de hipótese de dispensa motivada, não há que se falar em pagamento de multa sobre saldo de FGTS quando do cálculo das verbas rescisórias.

  1. Quanto à hipótese do art. 51 da Lei Federal nº 8.213/91

O expediente também relata o atestado de inaptidão da servidora para a função em que foi reintegrada, segundo avaliação médica realizada por SGA.8, o que ocasionou a suspensão do seu contrato de trabalho recém restabelecido, a partir de 14/07/2020, uma vez que já goza de benefício de aposentadoria pelo Regime Geral de Previdência Social.

Cabe aqui ponderar que o Parecer nº 27/2017 também tratou, em sua fundamentação, da hipótese de aposentação dos servidores celetistas à luz do Regime Geral de Previdência Social. Concluiu-se, na ocasião:

  1. a) a idade prevista no artigo 40, §1º, II, da Constituição Federal c.c. Lei Complementar n. 152/2015 – 75 (setenta e cinco) anos – para desligamento compulsório dos servidores públicos aplica a estatutários e celetistas, sejam estáveis ou não, segundo consolidada jurisprudência do E. Tribunal Superior do Trabalho;
  2. b) antes dos 75 (setenta e cinco) anos e após os 70 (setenta) anos para homem e 65 (sessenta e cinco) anos para mulher, possui a Administração Pública a faculdade de extinguir o vínculo com os servidores celetistas não estáveis, nos termos do artigo 51 da Lei Federal n. 8.213/91, constatada a redução da capacidade laborativa.

Como se vê, cuidou, também, da faculdade da Administração de extinguir o vínculo de trabalho com servidores celetistas com mais de 70 (setenta) anos, se homem, e mais de 65 (sessenta e cinco) anos, se mulher, caso haja constatação da redução da sua capacidade laborativa, nos termos do art. 51 da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991[4].

Assim, o caso em tela, em que a servidora foi declarada inapta para a função em que foi reintegrada, a princípio, parece se amoldar, também, na hipótese legal do art. 51 da Lei nº 8.213/91.

Ocorre que, mesmo que não existisse o dever legal da Administração de extinção de vínculo de trabalho com servidores celetistas que contem com mais de 75 (setenta e cinco) anos de idade, o caso concreto não pode ser enquadrado na hipótese do mencionado art. 51, uma vez que há coisa julgada reconhecendo à servidora a estabilidade prevista no art. 41 da Carta Magna, nos termos da já citada Súmula 390 do E. TST, como se constata pela decisão judicial que determinou sua reintegração (p. 483/494 dos autos judiciais – doc. anexo).

 

  1. Conclusão

Por todo o exposto, entende-se que remanesce para a Administração o dever legal de extinguir o vínculo trabalhista com seus servidores, a partir dos 75 (setenta e cinco) anos de idade, aplicando-se integralmente a Decisão de Mesa nº 3041/2017 ao caso em tela, a partir da data de sua assinatura (26/01/2017).

Inobstante o entendimento exposto acima, há de se destacar que o caso concreto da servidora em tela possui peculiaridades decorrentes da reclamação trabalhista ainda em trâmite.

Vejamos.

O v. Acórdão que transitou em julgado no E. Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do Recurso de Revista nº 16700-53.2004.5.02.0059 (doc.1, anexo), deu provimento ao recurso interposto pela autora, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, e assim dirimiu a matéria:

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de revista por contrariedade à Súmula nº 390, I, do TST, e, no mérito, com amparo no art. 118, X, do RITST, DOU-LHE PROVIMENTO para, reconhecida a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal e declarada a nulidade da rescisão contratual, determinar a reintegração da reclamante ao emprego, com a condenação do reclamado ao pagamento dos salários e demais vantagens do período do afastamento até a efetiva reintegração. Declarada a nulidade da dispensa e deferida a reintegração no emprego, autoriza-se, de ofício, a dedução dos valores eventualmente pagos a título de verbas rescisórias, conforme apurado em liquidação de sentença, e indefere-se o pedido de condenação do reclamado ao pagamento das verbas trabalhistas pleiteadas sucessivamente, a fim de se evitar enriquecimento sem causa da reclamante.

Tal decisão, transitada em julgado, proferida em face do Município de São Paulo, envolvendo a condenação de salários e demais vantagens entre o período do afastamento até a efetiva reintegração, é a que agora está em fase de cumprimento perante a 59ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos nº 0016700-53.2004.5.02.0059.

Até o presente momento, ocorreu somente em parte o cumprimento da decisão judicial, uma vez que a servidora, em 27/06/2020, foi reintegrada às suas funções na Edilidade, restando pendente o pagamento dos valores até sua reintegração efetiva. A data da efetiva reintegração ainda está sendo discutida pela Municipalidade, que intenta delimitá-la, a fim de atender aos ditames constitucionais, notadamente o que dispõe acerca da aposentadoria compulsória por idade aplicada aos servidores públicos.

No que se refere aos valores pendentes de pagamento, como a servidora havia sido afastada da Edilidade pelo Ato MEMO GAB. PRES. nº 295/03, publicado em 21/08/2003, que determinou a rescisão de seu contrato de trabalho, caberia ao Município o pagamento a ela do salário e demais vantagens correspondentes ao período compreendido entre 21/08/2003 a 27/06/2020.

Contudo, a Municipalidade, por meio de petição ao MM Juiz de 1º grau, pediu que o Poder Judiciário limitasse os efeitos do cumprimento do julgado, a fim de que a reintegração da servidora fosse efetivada retroativamente à data em que ela completou 70 (setenta) anos de idade ou, subsidiariamente, 75 (setenta e cinco) anos de idade, tendo em conta o art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal, no tocante à aposentadoria compulsória por idade do servidor público, porquanto a servidora atualmente conta com 80 anos de idade.

Em 26 de junho de 2020, tal pedido foi indeferido, pois assim decidiu o MM. Juiz de 1º grau:

Vistos.

Esclareço ao réu que o acórdão do E. TST. fora proferido recentemente, em meados de fevereiro do corrente ano, de maneira que do mesmo não constou qualquer restrição em relação à reintegração pela idade da autora.

Desse modo, caberá ao ente federativo quando do cumprimento do mandado, editar, caso entenda cabível, o respectivo ato administrativo a respeito da aposentadora compulsória da reclamante, com a juntada do referido documento aos autos. (doc.2)

Irresignada, a Municipalidade ingressou com Agravo de Petição em face dessa decisão, com pedido de efeito suspensivo, mas o MM. Juiz denegou seguimento ao Recurso. O Município, então, interpôs Agravo de Instrumento contra Despacho Denegatório de Agravo de Petição, bem como pedido de efeito suspensivo ao referido recurso, assim como ao Agravo de Petição interposto.

Os autos foram encaminhados ao E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, sem apreciação do pedido de efeito suspensivo em questão. No âmbito do Tribunal, o Município também requereu tutela cautelar.

Sem apreciação do pedido liminar, a Desembargadora Relatora abriu vista ao Ministério Público do Trabalho, que, em parecer datado de 15 de julho de 2020, já se manifestou pelo conhecimento e provimento do Agravo de Instrumento e pelo parcial provimento do Agravo de Petição, no sentido da impossibilidade de cumprimento integral do julgado e aplicação da aposentadoria compulsória à servidora a partir de seus 75 (setenta e cinco anos) – doc. 3:

Executada sustenta que o limite estabelecido no art. 40, § 1º, inciso II, da CRFB/88 impossibilitaria o cumprimento da determinação judicial de reintegração da Reclamante, dado que a obreira possui, atualmente, idade superior à aposentadoria compulsória (80 anos de idade).

Com a devida vênia, o Parquet entende que deve ser reformada a r. decisão.

Em atino ao mandamento constitucional do artigo 40, § 1º, II, da Constituição Federal, a aposentadoria é compulsória quando o servidor completa 75 anos de idade, nos termos da Lei Complementar (LC 152/2015) e, tão logo consumada, não é possível a continuidade do vínculo empregatício. (…)

Nesse sentido, é o entendimento consagrado no Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

(…)

Portanto, é cabível a discussão acerca da impossibilidade de cumprimento do r. decisum, nos termos dos artigos 525, § 1°, 536, § 4° do CPC e 884, §5° do CLT.

Não obstante, em relação à idade para a aposentadoria compulsória da obreira, deve ser aplicado, conforme pontuado, o disposto na Lei Complementar 152/2015, fazendo jus a todos os haveres até que completasse 75 anos, e não 70 anos como requer a executada.

Ressalta-se que a impossibilidade de reintegrar a obreira decorre exclusivamente de mandamento constitucional (artigo 40, § 1º, II, da CRFB/88), contudo, em relação aos valores devidos no período, esses são, de fato, devidos à obreira, nos termos expostos, em atenção ao Princípio do Título.

Nesses termos, tratando-se de cumprimento de sentença, deve ser observado a coisa julgada, em respeito ao Princípio do Título, que veda a alteração do título reconhecido em fase de conhecimento na liquidação ou execução de sentença.

Aguarda-se, no momento, manifestação do TRT da 2ª Região sobre a matéria.

Assim, estando sub judice, sob os cuidados da Procuradoria Geral do Município, em defesa do Município de São Paulo, o período relativo ao cumprimento da decisão judicial transitada em julgado, nos termos do v. Acórdão prolatado pelo E. TST, correspondente ao período compreendido entre 21/08/2003 a 27/06/2020, conclui-se que, a despeito da inclinação do Ministério Público do Trabalho e dos Tribunais da Justiça do Trabalho para o reconhecimento de aplicação da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, §1º, II, CF aos servidores públicos celetistas, é possível, in casu, que haja conflito de entendimentos quanto à idade aplicável à servidora em tela para a aposentadoria compulsória e, ainda, sobre os períodos de contrato de trabalho a serem reconhecidos para cálculo das verbas rescisórias.

Por esta razão, por ocasião da rescisão contratual com a servidora, recomenda-se que seja considerada data incontroversa para aplicação da aposentadoria compulsória, podendo a Edilidade decidir administrativamente:

  1. a) desde já, nos termos da Decisão de Mesa nº 3041/2017, desligar a partir de 28 de junho de 2020 a servidora xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, extinguindo o contrato de trabalho respectivo, por meio do correspondente ato administrativo;
  2. b) no mesmo ato administrativo, ainda, simultaneamente, nos termos do art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal, decidir que fica a data do desligamento retroagida à data da Decisão de Mesa nº 3041/2017 (26/01/2017), mas tal retroação fica, por ora, suspensa, enquanto pendem os recursos interpostos e medidas judiciais adotadas pela Municipalidade quanto ao período pretérito à reintegração efetuada em 27 de junho de 2020, até que transitem em julgado quanto à eventual limitação do período a ser cumprido, em face da idade elevada da servidora, aguardando-se a orientação da Procuradoria Geral do Município sobre a abrangência e alcance dessa retroação.

No caso de acolhimento do presente parecer, a Edilidade deverá, posteriormente à edição do ato administrativo, comunicar a Procuradoria Geral do Município para que ela informe o MM. Juiz do feito, bem como para que, oportunamente, comunique a este órgão o resultado dos recursos e das medidas judiciais adotadas pela Municipalidade acerca da matéria em questão, com o respectivo trânsito em julgado.

Esse é o entendimento que se submete à apreciação superior.

São Paulo, 30 de julho de 2020.

Djenane Ferreira Cardoso Zanlochi

Procuradora Legislativa – RF 11.418

OAB/SP nº 218.877

[1] Súmula nº 390 do TST:

ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 – inserida em 27.09.2002 – e 22 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000)

II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)

[2] Art. 22, caput, da Lei Federal nº 12.016, de 07 de agosto de 2009: “No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituída pela impetrante”.

[3] Art. 22. 1ª. “Por ser indivisível, o interesse coletivo implica em que a coisa julgada no writ coletivo a todos aproveita, seja aos filiados à entidade associativa impetrante, seja aos que integram a classe titular do direito subjetivo” (STJ – 1ª T., AI 435.851-AgRg, Min. Luiz Fux, j. 6.5.03, DJU 19.5.03). Assim: “O fato de haver sido impetrado o mandado de segurança coletivo relativamente a alguns filiados não constitui óbice à extensão da medida liminar a outros membros da categoria” (RP 147/263). (NEGRÃO, Theotonio… [et al.]. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor – 48 ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1638)

[4] Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.