Parecer ADM n° 0007/2021
TID 19096495
Interessado: Secretaria Geral Administrativa.
Assunto: Incidência do teto remuneratório e Gratificação de Gabinete.
Ementa: SERVIDOR PÚBLICO. Teto remuneratório constitucional. Gratificação de Gabinete. Vantagem pessoal de natureza remuneratória. Limitação ao teto constitucional. Corte remuneratório. Desnecessidade de observância do contraditório e ampla defesa. Notificação aos servidores afetados. Irrepetibilidade da gratificação paga acima do teto após a aprovação da Lei nº 17.224/2019 recebida de boa-fé pelo servidor.
Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,
Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Geral Administrativa, para análise e manifestação a respeito de dúvida suscitada pela Equipe de Folhas de Pagamento, SGA.12, sobre a incidência do teto remuneratório (art. 37, inciso XI, da Constituição Federal) à Gratificação de Gabinete.
Segundo informações de SGA.12, até o presente momento, a Gratificação de Gabinete encontra-se fora da incidência do teto remuneratório, em decorrência de orientação contida na Ordem Interna nº 446/2011. No entanto, diante da alteração do Ato nº 1.142/2011 pelo Ato nº 1.496/2020, bem como da revogação da Lei nº 10.442/1988 pela Lei nº 17.224/2019, adveio a dúvida sobre a manutenção do entendimento.
Em resposta à solicitação de SGA, a Divisão de Gestão de Folha de Pagamento da Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura Municipal de São Paulo informou que a Gratificação de Gabinete prevista no art. 100, da Lei nº 8.989, de 30 de outubro de 1979 está excluída do teto remuneratório, nos termos do Decreto nº 52.192/2011 (art. 6º, inciso I, alínea f).
É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.
Abordar o tema da limitação remuneratória constitucional da verba de gabinete exige uma breve digressão; primeiramente na natureza jurídica da verba em questão e depois, no tema do teto constitucional (art. 37, inciso XI), para, enfim, elucidarmos a dúvida suscitada.
1. Das Vantagens Pecuniárias:
A gratificação de gabinete configura-se como uma espécie de vantagem pecuniária. Segundo José dos Santos Carvalho Filho,
Vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniárias acrescidas ao vencimento-base em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica pertinente. Toda vantagem pecuniária reclama a consumação de certo fato, que proporciona o direito à sua percepção. Presente a situação fática prevista na norma, fica assegurado ao servidor o direito subjetivo a receber o valor correspondente à vantagem. Esses fatos podem ser das mais diversas ordens: desempenho das funções por certo tempo; natureza especial da função; grau de escolaridade; funções exercidas em gabinetes de chefia; trabalho em condições anormais de dificuldade etc. (Manual de Direito Administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 742).
Dentre as vantagens pecuniárias, podemos citar os abonos, os prêmios, as verbas de representação, as parcelas compensatórias, o auxílio-alimentação, as diárias, dentre tantas outras. Contudo, convém nos deter nas gratificações, já que o objeto do presente opinativo é denominado desta forma pela lei. Quanto a estas, importa dizer que há certa proximidade com os adicionais, cuja distinção fora estudada pelo memorável professor Hely Lopes Meirelles:
O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor. (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 405)
Ocorre, contudo, que a denominação utilizada na legislação que institui uma determinada vantagem pecuniária nem sempre obedece a essa distinção doutrinária. Segundo José dos Santos Carvalho Filho,
A despeito da distinção, a verdade é que, na prática, não tem sido ela elaborada nos infinitos diplomas que tratam da matéria. De fato, seria razoável distinguir essas vantagens considerando que os adicionais se referem à especificidade da função, ao passo que as gratificações têm relação com a especificidade da situação fática de exercício da função. Entendemos, não obstante, que atualmente não mais prevalece a distinção, razão por que nos parece que o fator mais importante é o que leva em conta que as vantagens pecuniárias pressupõem sempre a ocorrência de um suporte fático específico para gerar o direito a sua percepção. Será, pois, irrelevante que a vantagem relativa ao tempo de serviço seja denominada de adicional de tempo de serviço ou gratificação de tempo de serviço; de adicional de insalubridade ou gratificação de insalubridade; de adicional ou de gratificação de nível universitário. O que vai importar é a verificação, na norma pertinente, do fato que gera o direito à percepção da vantagem. (ob. cit, p. 743)
Diante disto, concluímos que o fator relevante a se observar para caracterizar uma vantagem como gratificação deve ser o evento fático que dá direito à percepção da vantagem, e não o nome adotado pela legislação.
1.1. Das gratificações e de sua natureza indenizatória ou remuneratória:
Devemos abordar a importante distinção entre as vantagens pecuniárias com caráter remuneratório e as de caráter indenizatório. As gratificações, assim como as demais vantagens, podem adotar a natureza de indenização ou de remuneração. Mais uma vez, as lições de José dos Santos Carvalho Filho são preciosas:
Dependendo do estatuto funcional, outras vantagens podem ser previstas, como é o caso de abonos, prêmios, verbas de representação, parcelas compensatórias, direito pessoal e outras da mesma natureza. Todas essas têm caráter remuneratório, ou seja, incluem-se entre os ganhos do servidor. Tais parcelas, conquanto indiquem vantagem pecuniária, não se confundem com aquelas que espelham natureza indenizatória, servindo para compensar gastos efetuados pelo servidor. Como exemplos, o auxílio-transporte, a ajuda de custo para mudança, o auxílio-alimentação, as diárias e outras vantagens similares. Como não constituem propriamente rendimentos, sobre elas não podem incidir o imposto de renda nem a contribuição previdenciária. O valor relativo a horas extraordinárias, porém, caracteriza-se como remuneratório e, por isso, sujeita-se à referida incidência tributária. (grifamos) (ob. cit., p. 743).
Destarte, as gratificações devidas aos servidores podem ser classificadas como indenizatórias ou remuneratórias, a depender da causa que as origina; se decorrentes de dano sofrido pelo servidor, terão natureza indenizatória; se, por outro lado, são contraprestação ao serviço prestado pelo servidor, sua natureza é remuneratória.
1.2. Da natureza jurídica da gratificação de gabinete:
Apresentadas brevemente tais premissas, a delimitação da natureza jurídica da gratificação de gabinete se faz necessária à solução da questão objeto deste parecer.
A gratificação de gabinete decorre de previsão do art. 100, inciso I, da Lei nº 8.989/1979 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São Paulo):
Art. 100 – Poderá ser concedida gratificação:
I – pelo exercício em Gabinete do Prefeito, de Secretário Municipal e de outras autoridades, até o nível de Diretor de Departamento, e pelo exercício em função de Diretor de Divisão;
A Lei nº 10.442/1988, já revogada, como se demonstrará em seguida, tinha o intuito de dispor sobre a permanência da gratificação prevista no art. 100, inciso I, da Lei nº 8.989/1979, e nesse sentido, dispunha:
Art. 1º A gratificação a que se refere o inciso I do artigo 100 da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979, tem caráter de indenização e se torna permanente, desde que tenha sido percebida, ou venha a sê-lo, por período mínimo de 5 (cinco) anos.
Parágrafo único – Sobre a gratificação, tornada permanente em razão desta lei, não incidirá qualquer vantagem a que a que faça jus o servidor, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária.
No âmbito do Poder Executivo Municipal, a fim de dispor sobre a aplicação do limite remuneratório constitucional, editou-se o Decreto nº 52.192, de 18 de março de 2011, que também reforçou a natureza indenizatória da gratificação de gabinete:
Art. 6º. Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:
I – de caráter indenizatório, previstas em lei:
a) ajuda de custo;
b) auxílio acidentário;
c) auxílio-doença;
d) auxílio-refeição;
e) auxílio-transporte;
f) gratificação de gabinete;
g) férias em pecúnia;
h) indenização salário-maternidade regido pela legislação previdenciária do Regime Geral de Previdência Social;
i) vale-alimentação;
j) outras parcelas indenizatórias previstas em lei;
II – de caráter eventual ou temporário: abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária de que trata a Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005.
No mesmo passo, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, o Ato nº 1.142/2011, dispunha sobre a aplicação do limite remuneratório constitucional, e com esse fim, estabelecia:
Art. 6º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:
I – indenizatórias, previstas em lei, tais como:
a) ajuda de custo;
b) auxílio-refeição;
c) auxílio-transporte;
d) férias em pecúnia;
e) indenização salário-maternidade regido pela legislação previdenciária do Regime Geral de Previdência Social;
f) vale-alimentação;
g) parcela suplementar a que se refere o artigo 30 da lei 13.637/03; (Revogado pelo Ato 1496 de 01 de dezembro de 2020)
h) outras parcelas indenizatórias previstas em lei.
II – eventuais ou temporárias, tais como:
a) abono de permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previdenciária de que trata a Lei nº 13.973, de 12 de maio de 2005;
b) a função gratificada instituída pelos arts. 14 e 19 da Lei nº 13.637/03 e a parcela de irredutibilidade de que trata o art. 30 dessa mesma lei. (Redação dada pelo Ato nº 1.128 de 2013) (Revogado por Ato nº 1496 de 01 de dezembro de 2020)
Art. 7º Estão sujeitas ao teto remuneratório as vantagens pecuniárias de caráter permanente, eventual ou temporário, e as de qualquer origem que não estejam explicitamente excluídas pelo artigo 6º deste Ato.
Interessante destacar a previsão do art. 7º, do Ato nº 1.142/2011, segundo a qual as verbas que não estivessem expressamente previstas no art. 6º deveriam se sujeitar ao teto remuneratório. Dito de outro modo, as verbas não mencionadas no art. 6º do mencionado Ato ou previstas em lei como indenizatórias (art. 6º, inciso I, alínea h), deveriam estar sujeitas ao teto, sendo, por isso, a regra a observância ao teto, salvo as exceções previstas em lei como indenizatórias.
Tendo em vista a aprovação do Ato nº 1.142/2011, fora editada, no âmbito da Edilidade, a Ordem Interna nº 446/2011, no seguinte sentido:
3. Nos termos do art.6º, I, “g”, do Ato nº 1142/2011, é excluída do teto remuneratório a parcela suplementar a que se refere o artigo 30 da Lei nº 13.637/03, com alterações posteriores, assim como, com fundamento no artigo 1º , da Lei nº 10.442/88, a Gratificação de Gabinete atribuída daqueles que a tornaram permanente e não aderiram ao novo regime inaugurado pela referida Lei nº 13.637/03, e da Gratificação de Gabinete integrante da remuneração do cargo daqueles que igualmente deixaram de aderir ao regime da Lei nº 13.637/03.
Tal cenário manteve-se incólume até a edição da Lei nº 17.224, de 31 de outubro de 2019, que, dentre outras disposições, revogou a Lei nº 10.442/1988 e extinguiu o instituto da permanência da gratificação de gabinete:
Art. 23. A partir da publicação desta Lei, fica extinta a incorporação ou permanência:
IV – da gratificação de gabinete, nos termos da Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;
Art. 43. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogados:
I – a Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;
Mais recentemente, a Lei nº 17.538, de 14 de dezembro de 2020, dispondo sobre o teto remuneratório, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, promoveu outra importante mudança em assunto correlato:
Art. 1º Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Constituição da República:
I – a função gratificada a que se referem os arts. 14 e 19 da Lei nº 13.637, de 4 de setembro de 2003;
II – o valor correspondente à parcela suplementar, prevista no art. 30 da Lei nº 13.637, de 2003.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à função gratificada tornada permanente, com fundamento no § 3º do art. 19 da Lei nº 13.637, de 2003.
Art. 2º Fica revogado o § 2º do art. 19 da Lei nº 13.637, de 2003.
No mesmo passo, o Ato nº 1.496, de 01 de dezembro de 2020, revogou os incisos I, “g” e II, “b” do artigo 6º do Ato da Mesa 1.142/11 da Câmara Municipal de São Paulo, com redação dada pelo Ato da Mesa nº 1228/13. No entanto, o Decreto nº 52.192/2011 permanece em vigor, sendo observado no âmbito da Prefeitura Municipal de São Paulo, conforme informação prestada por e-mail pela Secretaria Municipal de Gestão.
Portanto, apresentado o desenrolar cronológico da legislação, o que se tem atualmente é a seguinte situação:
I. A Lei nº 10.442/1988, que previa a natureza indenizatória da gratificação de gabinete e sua permanência após a percepção por 5 (cinco) anos consecutivos, fora revogada pela Lei nº 17.224/2019.
II. A alínea f, do inciso I, do Art.º 6º do Decreto nº 52.192/2011, que disciplinava a Lei nº 10.442/1988, encontra-se em vigor, sem revogação expressa, embora a lei para a qual servia de regulamentação esteja revogada.
III. O Ato nº 1.142/2011, por força do Ato nº 1.496/2020, não garante mais a natureza indenizatória da parcela suplementar prevista no artigo 30, da Lei nº 13.637/2003 e nem da função gratificada, prevista no art. 14 e 19 da Lei 13.637/2003. É importante lembrar que, contudo, não havia no Ato nº 1.142/2011, menção expressa à natureza indenizatória da gratificação de gabinete, embora pudesse ser enquadrada no termo “outras parcelas indenizatórias previstas em lei” (art. 6º, inciso I, alínea h), já que a Lei nº 10.442/88 ditava expressamente a sua natureza indenizatória, antes de sua revogação. Conquanto o art. 6º, inciso I, alínea h, do Ato nº 1.142/2011 esteja em vigor, não há mais lei que preveja a natureza indenizatória da gratificação de gabinete, por isso, está afastado o seu enquadramento neste inciso do Ato nº 1.142/2011.
IV. No âmbito da Câmara Municipal ainda há a Ordem Interna nº 446/2011, que, quanto à gratificação de gabinete, reforça a natureza indenizatória e a consequente desnecessidade de observância do teto constitucional, nos termos da revogada Lei nº 10.442/1988.
V. Por fim, a Lei nº 17.538, de 14 de dezembro de 2020, dispondo sobre o teto remuneratório, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, estabeleceu a necessidade de limitação ao teto constitucional da função gratificada (art. 14 e 19, Lei nº 13.637/2003) e da parcela suplementar (art. 30, Lei nº 13.637/03). Nada dispôs a respeito da gratificação de gabinete.
A despeito de o panorama não ser de uma clareza solar, não verificamos nenhum conflito real de normas. O que existe é a ausência de lei que preveja a natureza indenizatória da gratificação de gabinete. A classificação como indenizatória sustentava-se unicamente pela previsão na Lei nº 10.442/1988, e com sua revogação pela Lei nº 17.224/2019, não há mais o que justifique esta condição. Há apenas a Ordem Interna nº 446/2011, que ainda estipula a natureza indenizatória da gratificação de gabinete e o afastamento do respeito ao teto remuneratório, inobstante sua aplicabilidade tenha se tornado inócua, já que não há mais lei que dê sustentáculo à sua validade, em virtude da óbvia hierarquia das normas. É possível afirmar que não há lei que preveja a natureza indenizatória da gratificação de gabinete. A gratificação de gabinete, portanto, é uma vantagem pessoal não indenizatória. A sua natureza indenizatória decorria de previsão legal, que já não existe mais.
2. Do Teto Remuneratório Constitucional:
A Constituição Federal dispõe sobre o teto remuneratório do funcionalismo público nos seguintes termos:
Art. 37…………………………………….
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
O sistema originário da Constituição Federal de 1988 excluía as verbas de natureza pessoal do teto remuneratório. À época, a interpretação adotada pelo Supremo Tribunal Federal era consentânea com a redação do art. 39, §1º, da Constituição Federal, que expressamente distinguia as verbas de caráter individual ou pessoal e as relativas à natureza e local de trabalho, e neste passo, a Corte Suprema entendia que as verbas de caráter pessoal deveriam ser excluídas do teto constitucional; já as vantagens em decorrência do exercício do cargo deveriam ser incluídas.
A Emenda Constitucional nº 19/1998 introduziu as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza no limite remuneratório constitucional. Contudo, o entendimento da Corte durante a vigência da referida Emenda era de que se tratava de dispositivo de eficácia limitada, de modo que seria necessária a aprovação de lei que fixasse o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, o que nunca ocorreu, sendo na prática, ignorado o mandamento de aplicação das vantagens de caráter pessoal dentro do teto constitucional.
Em 2003, adveio a Emenda Constitucional nº 41, a qual manteve a sistemática da Emenda Constitucional nº 19/1998, incluindo as vantagens pessoais no teto constitucional. Entretanto, estabeleceu novos subtetos, dando autonomia aos demais Entes Federados, pois se estabeleceu como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.
E no ano de 2005, a Emenda Constitucional nº 47 incluiu o §11 ao art. 37, estabelecendo que as verbas de caráter indenizatório previstas em lei não devem ser computadas para efeitos do teto constitucional.
Desta feita, em 2015, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese ao final da análise do RE 606.358 (tema 257 da Repercussão Geral): “Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do artigo 37, XI, da Constituição da República, também os valores percebidos anteriormente à vigência da EC 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição de valores eventualmente recebidos em excesso e de boa-fé até o dia 18/11/2015″ [data do julgamento].
Do que se apresentou, é possível concluir que as verbas de caráter pessoal, após a Emenda Constitucional nº 41/2003 passaram a ser incluídas no teto constitucional, e somente as vantagens indenizatórias por previsão legal (art. 37, § 11, da Constituição Federal) podem romper o teto remuneratório. E há o que justifique tal sistema. As vantagens pecuniárias de caráter indenizatório podem ser excluídas do teto constitucional, pois não representam acréscimo patrimonial, mas sim, reposição de patrimônio. Nesta senda, José dos Santos Carvalho Filho leciona:
Primeiramente, sujeitam-se ao teto remuneratório qualquer tipo de remuneração dos servidores, além de proventos e pensões, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza. Entretanto, não serão computadas no referido teto as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei, conforme dispõe o art. 37, §11, da CF, introduzido pela já referida EC nº 47/2005. Em consequência, só se inserem no limite constitucional as parcelas de caráter remuneratório, e isso pela simples razão de que somente estas se configuram efetivamente como rendimentos. As primeiras, como expressa o próprio vocábulo, espelham indenização, não sendo cabível que sejam incluídas no limite estipendial, ou de ganhos. (grifamos) (Ob. cit, p. 755).
3. Gratificação de gabinete e teto constitucional:
Em vista do que se expôs, o afastamento da regra do teto remuneratório constitucional pressupõe a caracterização da verba como indenizatória. Por isso, a gratificação de gabinete somente poderia superar o limite do teto constitucional se fosse entendida como verba indenizatória, como se passava antes da aprovação da Lei nº 17.224/2019.
Com efeito, a Lei nº 10.442/1988 (art. 1º, caput), estabelecia expressamente a natureza indenizatória da gratificação de gabinete e por isso, a verba estava liberada do teto constitucional. Nesse sentido, seguia também a jurisprudência do STF, ao analisar a questão:
EMENTA: Constitucional. Administrativo. Servidor Público: Município de São Paulo. Remuneração: teto e subteto: Lei 10.430, de 1988, do Município de São Paulo, art. 42. C.F., art. 37, XI.
I – A Lei 10.430, de 1988, do Município de São Paulo, SP, art. 42, que estabelece o subteto, foi recebida pela CF/88. Excluem-se do teto a gratificação de gabinete e o adicional de função, se já incorporados aos vencimentos. Inclui-se no teto a verba honorária.
II – Precedentes do STF: RE 220.397-SP, Galvão, Plenário, 09.12.98; RE 226.473-SC, Pertence, Plenário, 15.5.98; RE 312.026-SP, Galvão, 1ªT., “DJ” de 14.12.2001; RE 242.533-(AgRg)-SP, 1ªT., “DJ” de 18.5.2001.
III – RE conhecido e provido, em parte.
DECISÃO: Do exposto, forte no disposto no art. 557, § 1º-A, CPC, conheço do recurso e dou-lhe provimento, em parte, para mandar excluir do teto as gratificações de gabinete e o adicional de função. Verba honorária de 5% (cinco por cento) sobre a liquidação, observando-se o disposto no art. 21, CPC. (RE 342.855-1 SP. 13/06/2002).
Não obstante, a revogação da Lei nº 10.442/1988 pela Lei nº 17.224/2019 retira o alicerce da tese de que a gratificação de gabinete possui caráter indenizatório e pode ser paga acima do teto. A existência da Ordem Interna nº 446/2011 não possui o condão de alterar tal cenário, já que os atos normativos secundários, ou também denominados de normas infralegais, visam regulamentar uma lei, e por isso, devem obediência a esta, por serem hierarquicamente inferiores. No caso, a revogação da Lei nº 10.442/1988 torna a Ordem Interna inaplicável no tocante à gratificação de gabinete, já que a desnecessidade de conformidade com o teto remuneratório decorria da lei.
Já o Ato nº 1.142/2011, não previa expressamente a natureza indenizatória da gratificação de gabinete, ao contrário da parcela suplementar prevista no artigo 30, da Lei nº 13.637/2003 e da função gratificada, prevista no art. 14 e 19 da Lei 13.637/2003, embora pudesse ser enquadrada no termo “outras parcelas indenizatórias previstas em lei” (art. 6º, inciso I, alínea h). Revogada a lei que previa a natureza indenizatória da gratificação de gabinete, não há que se alegar de enquadramento no Ato nº 1.142/2011.
Por não ser indenizatória, a gratificação de gabinete não pode ser entendida como exceção à regra, que é o limite constitucional remuneratório previsto no art. 37, inciso XI. Não se pode perder de vista que a regra é que a remuneração do servidor esteja limitada ao teto constitucional e que somente as vantagens de caráter indenizatório por determinação legal podem ficar de fora do limite, conforme dita o art. 37, §11, da Constituição Federal e repete o art. 7º, do Ato nº 1.142/1988.
De se concluir que a mudança de orientação poderá ser efetivada por Decisão de Mesa que confira ao artigo 6º, inciso I, alínea h, do Ato nº 1.142/2011, interpretação conforme à Lei nº 17.224/2019, para o fim de se afastar qualquer interpretação que tenda a inserir a mencionada gratificação dentre as consideradas indenizatórias e passíveis de superação do teto constitucional.
4. Da desnecessidade de observância do contraditório e ampla defesa:
Da conclusão de que a gratificação de gabinete possui natureza remuneratória e está sujeita ao teto constitucional, exsurge a dúvida sobre a necessidade de observância do princípio constitucional do contraditório e ampla defesa para a execução do corte remuneratório dos servidores que recebam gratificação de gabinete acima do limite constitucional.
O Ato nº 1.142/1988 prevê:
Art. 9º O servidor será cientificado do corte remuneratório uma única vez, no primeiro mês em que sua remuneração exceder os limites de que trata este Ato, inclusive na hipótese do corte ocorrer ocasionalmente em virtude de valores relacionados a parcela variável, podendo apresentar defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias, observado o seguinte procedimento:
I – a defesa, devidamente justificada com exposição dos fatos e de seus fundamentos, deverá ser dirigida ao Secretário Geral Administrativo;
II – concluída a instrução, o Secretário Geral Administrativo intimará o interessado para apresentar suas razões finais no prazo de 5 (cinco) dias;
III – da decisão final da Mesa Diretora caberá pedido de reconsideração na forma dos artigos 176 e 177 da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979.
Da leitura do Ato, depreende-se ser necessário notificação do servidor quanto aos valores que serão objeto de corte remuneratório, bem como ser-lhe oportunizada defesa para expor fatos e fundamentos.
O tema contraditório e ampla defesa quanto a corte de vencimentos fundados em alteração legislativa já foi objeto de manifestação por parte desta Procuradoria, por meio do Parecer Chefia nº 15/2020, cujos trechos relevantes encontram-se a seguir transcritos:
A inobservância do contraditório quando, fundado em Ato administrativo, a Mesa aplicou o entendimento alcançado pelo Supremo Tribunal Federal na Tese de Repercussão Geral 257, gerou o ingresso em juízo de 237 servidores, em ao menos 63 Mandados de Segurança individuais ou coletivos, que obtiveram êxito de liminarmente suspenderem quaisquer cortes, pela inobservância no contraditório (art. 5º, inc. LV da Constituição Federal). Relembre-se que a dificuldade gerada pelas contumazes derrotas da Câmara no que diz respeito à não oportunidade de defesa quando da edição do Ato nº 1339/16 ensejou a Decisão de Mesa 3442/17, determinando à Procuradoria não interpor mais recursos quanto a este aspecto, na esteira do que fez a Procuradoria Geral do Município em todos os feitos em que atuou, tão evidente era, aos julgadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, a necessidade de sua observância.
(…)
E mais: a aplicação do Ato nº 1496 em consonância com a vigência da Lei nº 17.538 estará dando cumprimento ao novo regramento legal e, portanto, será plenamente hígida, sendo descabido cogitar-se de prévio direito de defesa para aplicação da lei – minimizando sobremaneira o risco do passivo judicial que orientação diversa ensejaria , como ocorreu em passado recente.
A partir da leitura dos excertos acima transcritos, conclui-se que, caso o corte remuneratório decorra de mero ato administrativo, há necessidade de se observarem contraditório e ampla defesa; no entanto, quando se fundar em cumprimento de novo regramento legal, a aplicação restará plenamente hígida, não se cogitando de prévio direito de defesa para a aplicação da lei.
No caso em apreço, por derivar a nova orientação de alteração legislativa, descabido cogitar-se de contraditório e ampla defesa. Contudo, haja vista o lapso temporal entre a data de edição da lei e a nova orientação dela decorrente, entende-se por bem serem os servidores abarcados pelo corte remuneratório notificados, devendo constar de referida notificação a data a partir da qual serão iniciados os cortes, bem como o valor a ser retido.
5. Da desnecessidade de devolução dos valores:
Noutro giro, devemos nos ater ao aspecto da necessidade ou não da repetição dos valores pagos a maior aos servidores cujas remunerações incluíam a gratificação de gabinete acima do teto, após a aprovação da Lei nº 17.224/2019, que revogou a Lei nº 10.442/1988.
Sobre o assunto, cabe transcrever importante dispositivo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.655/2018, que dispõe:
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Do que se observa, a mudança de orientação geral quanto à validade de ato ou norma administrativa não pode induzir à anulação de situações plenamente constituídas segundo a orientação vigente à época de sua prática. Por isso, o entendimento adotado até o presente momento, baseado na Ordem Interna nº 446/2011, embora deva se modificar em atenção à mudança da legislação, não poderá servir de supedâneo para a desconstituição dos pagamentos já efetuados, em observância ao entendimento vigente à época.
Não há como se invocar o direito de a Administração pleitear a repetição dos valores pagos acima do teto a título de gratificação de gabinete, já que recebidos de boa-fé pelos servidores, em manutenção de entendimento válido no passado, que se baseava em lei vigente, mas que, por equívoco da Administração, se manteve, embora revogada a lei que o originou. Tal tese pertence ao repositório de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recursos repetitivos, no intitulado Tema 531, cuja Ementa do julgado do recurso representativo de controvérsia reproduzimos abaixo:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC.
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial não provido. (STJ. REsp nº 1.244.182/PB. J.10.10.2012).
Conclusões
A gratificação de gabinete caracteriza-se como vantagem de natureza remuneratória, que deve ser incluída dentro dos limites do teto remuneratório constitucional. A um porque a Lei nº 10.442/1988, que dizia ser indenizatória, fora revogada. A dois, porque a regra é a observância do teto constitucional, salvo as verbas de caráter indenizatório (art. 37, §11, da Constituição Federal).
Orientamos que a mudança de entendimento se proceda por meio de Decisão de Mesa que confira ao artigo 6º, inciso I, alínea h, do Ato nº 1.142/2011, interpretação conforme à Lei nº 17.224/2019, para o fim de se afastar qualquer interpretação que tenda a inserir a mencionada gratificação dentre as consideradas indenizatórias e passíveis de superação do teto constitucional.
A realização do corte remuneratório dos servidores que percebam gratificação de gabinete acima do teto constitucional não requer a observância do contraditório e ampla defesa, haja vista decorrer de alteração legislativa. Contudo, tendo em vista o lapso temporal entre a edição da lei que revogou o caráter indenizatório da gratificação e a presente data, sugerimos sejam os servidores abrangidos pelo corte remuneratório cientificados.
Ademais, não se deve cogitar de devolução de valores pagos acima do teto a título de gratificação de gabinete, já que recebidos de boa-fé pelos servidores.
É a minha manifestação, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.
São Paulo, 01 de março de 2021.
Cíntia Laís Corrêa Brosso
Procuradora Legislativa
OAB/SP 319.729
_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Parecer Chefia n° 0003/2021
Ref. Memo SGA.12 nº 97/2020 – Equipe de Folha de Pagamentos
TID 19096495
Interessado: Secretaria Geral Administrativa e Presidência.
Assunto: Orientação à SGA.12 quanto à inclusão da Gratificação de Gabinete no teto remuneratório .
Ementa: Gratificação de Gabinete – Caráter indenizatório reconhecido pela Lei nº 10.442 de 1988, revogada pela Lei nº 17.224 de 31 de outubro de 2019 – Vedação de pagamentos acima do teto sem amparo legal – Necessidade de imediata adequação da orientação administrativa à nova disciplina legal – Incidência do art. 6º, inc. I e art. 7º do Ato 1142 de 2011 – Desnecessidade de defesa prévia – Precedentes dos Tribunais Superiores – Teses de Repercussão Geral 41, 257 e 480 do STF – Cumprimento do teto constitucional, art. 37, XI, § 11 da CF de 1988
À Secretaria Geral Administrativa
Sr. Secretário Geral
V.Sa. encaminhou em 15 de fevereiro p.p. o pedido de análise e manifestação desta Procuradoria em face da solicitação de orientação formulada por SGA.12 quanto à continuidade da exclusão da gratificação de gabinete no cômputo do teto remuneratório. O expediente foi instruído com a informação de que no âmbito da Prefeitura, o Decreto nº 59.192 de 18 de março de 2011, conforme art. 6º, inc. f, exclui referida gratificação do cômputo do teto remuneratório.
Encaminho o Parecer ADM 7/2021, da lavra da dra. Cíntia Laís Corrêa Brosso, avalizado pela dra. Érica Corrêa Bartalini de Araujo, Supervisora do Setor Jurídico-Administrativo desta Procuradoria, e também por mim. O bem lançado parecer conclui que a gratificação de gabinete caracteriza-se como vantagem de natureza remuneratória, que deve ser incluída dentro dos limites do teto remuneratório constitucional. A um, porque a Lei nº 10.442 de 4 de março de 1988, que dizia ser indenizatória, foi revogada pela Lei nº 17 224 de 31 de outubro de 2019. A dois, porque a regra é a observância do teto constitucional, salvo as verbas de caráter indenizatório (art. 37, inciso XI, §11, da Constituição Federal). Deste modo, orienta que a mudança de entendimento se proceda por meio de Decisão de Mesa que confira ao artigo 6º, inciso I, alínea h, do Ato nº 1.142 de 31 de março de 2011, interpretação conforme à Lei nº 17.224 de 2019, para o fim de se afastar qualquer interpretação que tenda a inserir a mencionada gratificação dentre as consideradas indenizatórias e passíveis de superação do teto constitucional. Finalmente, pontua que a realização do corte remuneratório dos servidores que percebam gratificação de gabinete acima do teto constitucional não requer a observância do prévio contraditório e ampla defesa, haja vista decorrer de alteração legislativa. Contudo, tendo em vista o lapso temporal entre a edição da lei que revogou o caráter indenizatório da gratificação e a presente data, sugere sejam os servidores abrangidos pelo corte remuneratório cientificados.
Dada a importância de que se reveste a matéria, parece-me oportuno, em abono ao quanto já exposto no Parecer ADM nº 7/2021, traçar um apanhado histórico da legislação e de sua aplicação no âmbito da Edilidade, bem como das decisões do Supremo Tribunal Federal que endossam as recomendações ora preconizadas. Para tanto, alinho os seguintes tópicos: I- Histórico do tratamento dado em nível de lei à gratificação de gabinete no Município e na Câmara Municipal de São Paulo; II– Histórico do tratamento dado em nível de Atos Administrativos à gratificação de gabinete; III – Da vedação de pagamentos acima do teto sem amparo legal; IV- Da necessidade de imediata adequação da orientação administrativa à nova disciplina legal; V- Dos recentes precedentes dos Tribunais quanto à desnecessidade de defesa prévia – VI- Do descabimento de devolução de valores recebidos de boa fé; VII – Do direito de defesa após o corte; VIII- Recomendações.
I- HISTÓRICO DO TRATAMENTO EM NÍVEL DE LEI DADO À GRATIFICAÇÃO DE GABINETE NO MUNICÍPIO E NA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO
A gratificação de gabinete está prevista no art. 100, inc. I, da Lei Municipal nº 8.989, de 30 de outubro de 1979, in verbis:
Art. 100 – Poderá ser concedida gratificação:
I – pelo exercício em Gabinete do Prefeito, de Secretário Municipal e de outras autoridades, até o nível de Diretor de Departamento, e pelo exercício em função de Diretor de Divisão;
A Lei nº 10.442 de 4 de março de 1988 permitiu a permanência da gratificação de gabinete, desde que percebida por período mínimo de 5 anos, conferindo-lhe caráter indenizatório. Em seu artigo 7º, restou respeitado o disposto em legislação específica, que previa a incorporação da referida vantagem em determinados casos, o que era previsto por meio de Resoluções da Edilidade com força de lei. Confira-se a redação original:
Art. 1º A gratificação a que se refere o inciso I do artigo 100 da lei nº 8989, de 29 de outubro de 1979, tem caráter de indenização, e se torna permanente, desde que tenha sido percebida, ou venha a sê-lo, por período mínimo de 5 anos.
Parágrafo Único – Sobre a gratificação, tornada permanente em razão desta lei, não incidirá qualquer vantagem a que faça jus o servidor, vedada, assim, sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária.
…
Art. 7º Respeitado o disposto em legislação específica, esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
As gratificações de gabinete da Câmara Municipal, em conformidade com os textos legais do Município e específicos da própria Edilidade, anteriores à Lei 13.637, de 4 de setembro de 2003, consistiam em vantagens decorrentes: a) do exercício de cargo de provimento em comissão, ou b) do acesso a cargos efetivos, sobretudo de Diretor Geral, Secretário Geral, Assessor Técnico Legislativo, Diretor Técnico de Departamento, Assessor Técnico Supervisor, Chefe de Subsecretaria Parlamentar e Subdiretor Técnico, ou c) do exercício em substituição ou transitório desses cargos efetivos por períodos prolongados, concedidas por Atos da Mesa. Tais gratificações poderiam ser incorporadas ou tornadas permanentes, preenchidos os requisitos legais (artigo 100, inciso I da Lei 8.989/79, arts.6º, 30, 33 e 43 da Lei 9.696 de 10 de julho de 1981, bem como: arts. 4º e 5º da Lei 7.747/72, art. 1º da Lei 7840/73, art. 3º da Lei 8.097/74, art 44 da Lei 8.184/74, art. 27 da Lei 8217/75 e art. 13 da Lei 9.170/80; Resoluções da CMSP nºs 8/59, 2/68, 8/90, 9/92, 6/93, 2/94, 8/95 e 3/97; e Atos da Mesa nºs 102/82, 111/82, 128/83, 218/87, 264/89 e 284/89), e tinham a sua natureza indenizatória reconhecida pelo art. 1º da Lei 10.442/88.
Quanto à permanência da gratificação, estava tal direito, preenchidos os requisitos estabelecidos, previsto no art. 1º da Lei 10.442 de 1988. No tocante à incorporação, tratava-se tal vantagem assegurada pelo acesso ou exercício em substituição ou transitório dos cargos efetivos acima mencionados, com fulcro na legislação específica acima mencionada, algumas delas inclusive antes da lei 10.442 de 1988. Apenas a título de exemplo, convém transcrever os termos do art. 3º da Resolução nº 06/93 (os valores foram aumentados posteriormente pelas Resoluções nº 2/94, 8/95 e 3/97) da Câmara Municipal, com força de lei à época (tendo em vista a independência do Poder Legislativo sobre a matéria, e considerando que ainda não fora editada a Emenda Constitucional nº 19/98, que deu nova redação ao art. 37, inc. X da Constituição Federal):
Art. 3º Ressalvado aos atuais titulares e inativos o direito de opção pelos sistema anterior, a gratificação de gabinete ora incorporada, passa a ser calculada sobre o valor correspondente a 1,5 (uma vez e meia) a referência DA-16 e fixada em:
I – 105% (cento e cinco por cento) para o cargo de Chefe de Gabinete da Presidência;
II – 94% (noventa e quatro por cento) para os cargos de Diretor Geral e Secretário Geral;
III – 88% (oitenta e oito por cento) para os cargos de Assessor Técnico Legislativo Chefe e Diretor Técnico de Departamento;
III – 72% (setenta e dois por cento) para os cargos de Assessor Técnico Supervisor;
IV – 66% (sessenta e seis por cento) para os cargos de Chefe de Gabinete e Chefe de Subsecretaria Parlamentar;
VI – 33% (trinta e três por cento) para os cargos de Subdiretor Técnico;
Tanto a permanência como a incorporação da gratificação de gabinete ficaram asseguradas aos servidores que não optaram pelo regime da Lei 13.637, de 2003, pois esta Lei, em seu art. 25, estabeleceu: “Aos servidores efetivos que optarem pela permanência na situação anterior a esta lei, fica assegurado o direito de percepção da remuneração de seu cargo, de acordo com as escalas de padrões de vencimentos vigentes anteriormente a esta lei, devidamente reajustados nos termos da legislação de reajuste geral de vencimentos, mantidas as atuais denominações, referências de seus cargos e respectivas jornadas de trabalho”. Diversamente, os servidores que não optaram pela remuneração anterior tiveram a gratificação de gabinete absorvida em seu vencimento básico, conforme art. 15, § 1º, da mesma Lei, e, remanescendo eventual diferença, passaria ela a constituir “parcela suplementar”, nos termos previstos em seu art. 30. Convém transcrever o mencionado § 1º do art. 15:
§ 1º – Ficam absorvidos, no novo vencimento básico, os valores relativos aos adicionais de terços; a Gratificação de Gabinete do cargo e a tornada legalmente permanente ou incorporada; e a Gratificação de Apoio Legislativo regularmente tornada permanente na forma da lei, previstos no artigo 100, inciso I da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979 e Resolução nº 8, de 19 de outubro de 1990.
Assim, a partir da edição da Lei nº 13.637, de 4 de setembro de 2003, a gratificação de gabinete na Câmara Municipal de São Paulo deixou de ser paga para a grande maioria dos servidores, uma vez que absorvida no novo vencimento básico então instituído. Apenas os servidores que optaram pela antiga remuneração continuaram a recebê-la. Nesse último caso, tanto se a recebiam em virtude de a terem tornado permanente, como em razão de a terem incorporado em sua remuneração, o caráter indenizatório da verba era reconhecido única e tão somente por força do art. 1º da Lei 10.442 de 1988.
Pois bem: a Lei Municipal nº 17.224 de 2019, em seu art. 23, caput, extinguiu a incorporação ou permanência da gratificação de gabinete, e, em seu art. 43, inciso I, revogou expressamente a Lei nº 10.442 de 1988. Por outro lado, no § 2º do art. 23 da mesma Lei, assegurou que a verba mencionada constituiria vantagem pessoal nominalmente identificada. Confira-se:
“Art. 23. A partir da publicação desta Lei, fica extinta a incorporação ou permanência:
…
IV – da gratificação de gabinete, nos termos da Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;
§ 1º É assegurado o direito à incorporação ou permanência das verbas mencionadas nos incisos I a V do caput deste artigo, aos servidores que, até a véspera da data da publicação desta Lei, cumpriram todos os requisitos para seu deferimento, nos termos das respectivas legislações de regência.
§ 2º A importância atualmente paga em razão da incorporação ou permanência das verbas mencionadas nos incisos I a V do caput deste artigo ou deferida nos termos do § 1º deste artigo constituirão vantagem pessoal nominalmente identificada.
…
Art. 43. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogados:
I – a Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988;
…”.
Portanto, desde a edição da Lei 17.224, de 2019, a legislação deixou de reconhecer o caráter indenizatório da gratificação de gabinete, tanto no caso de gratificação de gabinete incorporada como no caso de gratificação de gabinete tornada permanente, e passou ela a ser vantagem pessoal remuneratória, a ser computada no teto, pois a Constituição Federal, nos termos do art. 37, inc. XI, estabelece um teto remuneratório, e em seu § 11, prevê que “não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei”.
II- HISTÓRICO DO TRATAMENTO DADO EM NÍVEL DE ATOS ADMINISTRATIVOS À GRATIFICAÇÃO DE GABINETE
No âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, o Ato nº 1142 de 31 de março de 2011 assim dispôs:
Art. 6º Ficam excluídas da incidência do teto remuneratório constitucional as seguintes verbas:
I – indenizatórias, previstas em lei, tais como:
a) ajuda de custo;
b) auxílio-refeição;
c) auxílio-transporte;
d) férias em pecúnia;
e) indenização salário-maternidade regido pela legislação previdenciária do Regime Geral de Previdência Social;
f) vale-alimentação;
g) parcela suplementar a que se refere o artigo 30 da lei 13.637/03; (Revogado pelo Ato 1496 de 01 de dezembro de 2020)
h) outras parcelas indenizatórias previstas em lei.
Como se observa, o Ato n° 1142 de 2011 não exclui a gratificação de gabinete, expressamente, do cômputo do teto remuneratório. Porém, em lista exemplificativa, determina a exclusão no cômputo do teto das “parcelas indenizatórias previstas em lei, tais como..” .Note-se que no âmbito do Poder Executivo, o Decreto nº 52.192 de 18 de março de 1988 exclui tal verba expressamente, nos termos do art. 6º, inc. I, alínea f.
A Secretaria Geral Administrativa, mediante a Ordem Interna nº 446 de 2 de maio de 2011, item 3, determinou a exclusão da gratificação de gabinete do cômputo do teto remuneratório com fundamento no art. 6º, inc. I do Ato nº 1442 de 2011 em conformidade ao art. 1º da Lei nº 10.442 de 1988, então vigente, e à própria Constituição Federal, que no art. 37, XI, § 11 determina a exclusão no teto das verbas de caráter indenizatório previstas em lei. A Ordem Interna de SGA nº 446 de 2011 assinala em seu item 3:
3. Nos termos do art. 6, I, g, do Ato nº 1142/2011, é excluída do teto remuneratório a parcela suplementar a que se refere o art. 30 da Lei nº 13.637/03, com alterações posteriores, assim como, com fundamento no art. 1º da Lei nº 10.442/88, a Gratificação de Gabinete atribuída daqueles que a tornaram permanente e não aderiram ao novo regime inaugurado pela referida Lei 13.637/03, e da Gratificação de Gabinete integrante da remuneração do cargo daqueles que igualmente deixaram de aderir ao regime da Lei nº 13.637/03.
Daí que da leitura do item 3 da Ordem Interna da SGA nº 446 de 2011 deduz-se que há duas situações nas quais servidores da Câmara Municipal fazem jus à gratificação de gabinete, não havendo, em ambos os casos, aderido ao regime pela Lei nº 13.673 de 2003:
1) servidores que tornaram permanente a gratificação de gabinete nos termos do art. 1º da Lei nº 10.442 de 1988; ou
2) servidores nos quais a gratificação de gabinete estava incorporada na sua remuneração, tal como dispunham as disposições legais referidas, em especial artigos 30 e 33 da Lei 9.696 de 10 de julho de 1981; e nas Resoluções 8/90, 9/92, 6/93 e 8/95.
Eis por que o item 3 da Ordem Interna de SGA nº 446 de 2011, quanto à exclusão do teto da gratificação de gabinete, que encontrava anteriormente amparo na Lei 10.442, de 1988 e também no art. 37, XI, § 11, da Constituição Federal, revelou-se, a partir da entrada em vigor da Lei Municipal nº 17.224, de 2019, contrário aos termos constitucionais e legais, e merece ser tornado sem efeito, até porque ter tal Ordem Interna foi subscrita em 2011, muitos anos antes da edição da Lei Municipal mencionada. Não há dúvida quanto à sua insubsistência, neste particular.
Noto que o mesmo item 3 da Ordem Interna supra referida excluía do cômputo do teto remuneratório, além da gratificação de gabinete, a parcela suplementar referida no 30 da Lei nº 13.637 de 2003. Contudo, a Lei nº 17.538 de 2020 passou a incluir no cômputo do teto remuneratório essa parcela (assim como a função gratificada), e o Ato nº 1496 de 2020 determinou sua pronta aplicação. Na oportunidade, recomendei à autoridade superior, por meio do Parecer Chefia nº 15 de 2020, “ordenar desde logo à Equipe de Folha de Pagamentos a adoção de todas as medidas administrativas e operacionais preparatórias para o perfeito cumprimento da Lei nº 17.538 de 14 de dezembro de 2020 em todos e nos seus exatos termos, de modo a computar-se a função gratificada e a parcela suplementar no teto remuneratório a partir de sua imediata entrada em vigor”. No mesmo parecer, acolhido na Decisão de Mesa nº 4648/20 (DOC de 22/12/2020), apontei que o Ato nº 1496 de 2020 deveria ser aplicado em concomitância com a entrada em vigor da referida lei, sem cogitar-se de prévio de direito de defesa:
(…) a aplicação do Ato nº 1496 em consonância com a vigência da Lei nº 17.538 estará dando cumprimento ao novo regramento legal e, portanto, será plenamente hígida, sendo descabido cogitar-se de prévio direito de defesa para aplicação da lei.
Todavia, nem a Lei nº 17.538 de 2020 nem o Ato nº 1496 de 2020 fizeram menção à gratificação de gabinete, razão pela qual, em boa hora, a Equipe de Folha de Pagamentos solicitou a presente orientação.
Em síntese: o suporte fático – previsão em lei – que atraía a incidência do art. 6º, inc. I, g do Ato 1142 de 2011, conforme a interpretação vazada no item 3 da Ordem Interna de SGA 446 de 2011, DEIXOU DE EXISTIR, em relação à gratificação de gabinete, desde a edição da Lei nº 17.224 de 2019. Assim, cabe à Alta Administração aplicar o Ato 1142 de 2011 de forma coerente com o novo enquadramento legal, revogando expressamente o item 3 da Ordem Interna em questão, por falta de amparo legal para sua incidência. Note-se que a parcela suplementar mencionada no mesmo item 3 da Ordem Interna já deixou de ser aplicada fora do teto por força da Lei nº 17.538 de 2020 e do Ato nº 1496 de 2020.
III- DA VEDAÇÃO DE PAGAMENTOS ACIMA DO TETO SEM AMPARO LEGAL
É pacífico o entendimento no Direito Brasileiro, em face de princípios e normas contidos na Constituição da República, em especial os da legalidade (art. 37, “caput”, da CF) e os que regem a despesa pública (arts. 165 a 167) e o processo legislativo (arts. 60 a 74), de que “toda e qualquer despesa deverá ser previamente autorizada pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo, isto é, nenhuma autoridade pode efetuar ou ordenar despesa sem autorização legislativa, ou acima dos limites estabelecidos, nem empregar a outra finalidade, ainda que mais relevante, quando despesa especificada” (BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. ed. rev. atual. por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 73).
Nesse sentido, a E. Mesa Diretora deve obrigatoriamente atender a todos os dispositivos da Lei 4.320, de 17 de março de 1964, que estabelece critérios para a Administração realizar despesas públicas com servidores, tais como os arts. 6º a 8º, 58 a 64 e 75, inciso I, e, particularmente, aos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, em especial os seus arts. 16, 17 e 18, § 3. Dispõe o § 3º do art. 18 da LRF, incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021: “Para a apuração da despesa total com pessoal, será observada a remuneração bruta do servidor, sem qualquer dedução ou retenção, ressalvada a redução para atendimento ao disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal”:
Ora, de modo claro restou decidido pelo STF, na Repercussão Geral 257, que “A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público” (STF, Pleno, RE 606.358, Rel. Min. Rosa Weber, j.18/11/2015).
Assim, e tendo em conta a Tese de Repercussão Geral 480, que determina tratar-se tal matéria de aplicabilidade imediata, as despesas em questão, relativas a verbas remuneratórias de gratificação de gabinete que excedem ao teto, não encontram fundamento legal na Lei 4320/64 e na Lei de Responsabilidade Fiscal, inexistindo autorização legislativa para que a E. Mesa efetue qualquer pagamento a esse título, sendo-lhe vedado o pagamento a partir da ciência de sua irregularidade, sob pena de responsabilização.
IV – NECESSIDADE DE IMEDIATA ADEQUAÇÃO ADMINISTRATIVA À NOVA DISICPLINA LEGAL
A propósito da orientação ora solicitada por SGA.12, parece-me que a matéria merece ser apreciada e expressamente deliberada pela E. Mesa, uma vez que:
a) no Ato da Mesa nº 1142 de 2011 a gratificação de gabinete não está expressamente prevista no rol das parcelas indenizatórias previstas em lei a serem excluídas do teto remuneratório, como o está no Decreto municipal nº 52.192, de 18 de março de 2011;
b) a Lei nº 10.442 de 1988 que expressamente atribuía caráter indenizatório à gratificação de gabinete foi revogada pelo art. 43, inc. I, da Lei nº 17.224 de 2019;
c) de acordo com a Lei nº 17.224 de 2019 a importância atualmente paga em razão da incorporação ou permanência da gratificação de gabinete (que afeta servidores da Câmara que optaram por não aderir ao regime da Lei nº 13.637 de 2003) constitui vantagem pessoal, não detendo mais natureza indenizatória, por ausência de previsão legal;
Aliás, como se sabe, anteriormente à Emenda Constitucional 41/03, havia julgados no sentido de que as verbas de gabinete eram excluídas do teto, por se caracterizar como vantagem de ordem pessoal, por consistirem em gratificação relativa à natureza do trabalho, propter laborem, remunerando maior encargo do servidor (STF, Pleno, RE 220.397/SP, Rel. Ilmar Galvão, j. 09.12.1998). No entanto, a partir da Emenda Constitucional 41/03, a gratificação de gabinete passou a ser computada pelo STF no teto remuneratório, já que as vantagens pessoais passaram a ser incluídas no teto: “Verbas relativas à natureza do cargo incluem-se no teto” (STF, 2ª T. RE 215612 / SP, Rel. Nelson Jobim, j. 14/03/2006).
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, mediante a Tese de Repercussão Geral nº 257– já adotada no âmbito desta Casa, expressamente, a partir da edição do Ato da Mesa nº 1339 de 2016, que alterou o Ato nº 1142/2011 – considerou que as vantagens de natureza pessoal, como adicionais de tempo de serviço e sexta parte – estariam incluídas no teto remuneratório, ainda que a jurisprudência anterior, da mesma Corte Suprema, interpretando o mesmo texto normativo, admitisse a exclusão. Na oportunidade, ademais, o julgado do STF destacou que a inclusão de determinada vantagem, tendo em vista sua natureza, no cômputo do teto remuneratório, não implica em supressão da referida verba, mas apenas sua compreensão no teto, preservado o núcleo essencial do direito. Nesse sentido, oportuno transcrever a Ementa:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REMUNERAÇÃO. INCIDÊNCIA DO TETO DE RETRIBUIÇÃO. VANTAGENS PESSOAIS. VALORES PERCEBIDOS ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. INCLUSÃO. ART. 37, XI e XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da Constituição da República também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso de boa-fé até o dia 18 de novembro de 2015. 2. O âmbito de incidência da garantia de irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, da Lei Maior) não alcança valores excedentes do limite definido no art. 37, XI, da Constituição da República. 3. Traduz afronta direta ao art. 37, XI e XV, da Constituição da República a exclusão, da base de incidência do teto remuneratório, de valores percebidos, ainda que antes do advento da Emenda Constitucional nº 41/2003, a título de vantagens pessoais. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (RE 606.358, Rel. Min. ROSA WEBER, Pleno, j. 18/11/2015, REPERCUSSÃO GERAL, DJe-063 DIVULG 06-04-2016 PUBLIC 07-04-2016).
Nesse passo, oportuno citar trecho do voto da Exma. Min. Rosa Weber no RE 606358/SP: “14. Anoto, em qualquer hipótese, que a limitação, ao teto, da despesa efetiva da Administração com a remuneração de uma única pessoa não se confunde com a supressão .do respectivo patrimônio jurídico, do valor correspondente, uma vez preservado o direito à percepção progressiva sempre que, majorado o teto, ainda não alcançada a integralidade da verba. A incorporação de vantagens permanece, assim, hígida, e apenas não oponível ao corte exigido pelo imperativo da adequação ao teto constitucional.”
Há de aplicar-se ainda, na hipótese presente, o critério fixado pelo Tema nº 480 do STF, quanto à eficácia imediata dos limites máximos fixados na Emenda Constitucional nº 41/2003, a que foram submetidas inclusive as verbas adquiridas de acordo com regime legal anterior, nessa medida insuscetíveis de ser reclamadas, no que excederem dos limites constitucionais, com base na garantia da irredutibilidade de vencimentos. Eis a ementa do julgado:
“O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. Os valores que ultrapassam os limites estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.( RE 609.381/ RG, Pleno, Rel. Min.Ayres Britto, j. 22/9/11, DJE 2/52012).
Por outro lado, no Tema de Repercussão Geral nº 41 o Supremo Tribunal Federal pontuou não haver direito adquirido à forma de cálculo de parcelas incorporadas à remuneração.
Nesse sentido, parece-me oportuno, a fim de atender à solicitação de orientação de SGA.12 quanto à continuidade ou não da exclusão da referida gratificação no cômputo do teto remuneratório, conforme consta da inicial, que a E. Mesa, sobre quem recai o dever de dar imediato e pleno cumprimento às normas legais, no caso ao art. 37, inciso XI, e § 11, da Constituição Federal e à Lei Municipal nº 17.224 de 31 de outubro de 2019, bem como aos temas de Repercussão Geral nºs 257, 480 e 41 do STF, decida, incluindo expressamente a gratificação de gabinete no cômputo do teto remuneratório, e revogando expressamente o item 3 da Ordem Interna de SGA nº 446 de 5 de maio de 2011.
V- DOS RECENTES PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS QUANTO À DESNECESSIDADE DE DEFESA PRÉVIA
Inúmeros são os recentes posicionamentos do Poder Judiciário, em suas mais elevadas e abalizadas Cortes, no sentido de desnecessidade de prévia defesa em casos como o presente. Deve-se consignar, primeiramente, que o STF no RE 1.155.995/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 17 de dezembro de 2018, após transcrever o fundamento do v. Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no MS nº 2107772-95.2017.8.26.0000, de que “A imperatividade do devido processo legal administrativo, previamente ao ‘abate teto’, deve-se justamente para possibilitar à impetrante o exercício da defesa de seus direitos, com possibilidade de invocação de seus argumentos fáticos e jurídicos face a Administração do Tribunal de Justiça”, que havia justificado a procedência do mandamus, deu provimento ao Recurso ao Extraordinário para reformar a decisão a quo, aduzindo o que se segue:
“Todavia, esta Corte, no julgamento do RE 609.381/GO, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, julgado sob a sistemática da Repercussão Geral (Tema 480) firmou a seguinte tese:
“O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior. Os valores que ultrapassam os limites estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos”.
Confira-se a ementa do referido recurso:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES MÁXIMOS NELA
FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE.
1. O teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal anterior.
2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites preestabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos.
3. A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional.
4. Recurso extraordinário provido”.
Observa-se que, de acordo com a tese firmada sob a sistemática da repercussão geral, o teto de retribuição estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata, não havendo se falar em aplicação de processo administrativo para a retirada das parcelas que excederam o teto remuneratório. Como observado, o Tribunal a quo divergiu da referida orientação.
Isso posto, dou provimento ao recurso (art. 21, § 2°, do RISTF), para denegar a segurança pleiteada. Invertidos os ônus da sucumbência e sem condenação em honorários advocatícios (Súmula 512/STF).
Publique-se.” (destaque nosso)
Por outro lado, importante destacar o seguinte julgado do C. Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, plenamente aplicável à espécie vertente:
“Aplicação do tema nº 480 da repercussão geral, objeto do Recurso Extraordinário nº 609.381-GO ‘A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público. Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível federativo na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos’. ‘A incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação qualificada do texto constitucional’.(TJESP, Órgão Especial, MS nº 2060611-89.2017.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Bueno, j. 14/03/2018, destaque nosso) No mesmo sentido, Mandado de Segurança nº 2060636-05.2017.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Francisco Casconi, j.11/04/2018).
Ainda, o Desembargador Ferraz Arruda, Relator no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo MS nº 2137285-11.2017.8.26.0000, julgado em 21 de fevereiro de 2018, em hipótese similar à presente, muito bem pontuou:
“Ora, a pretensão da impetrante de que seja instaurado regular processo administrativo, mediante portaria, com formação de comissão processante, possibilidade de defesa prévia, produção de provas, alegações finais e recursos, como bem salientado pelo douto Procurador de Justiça oficiante nos autos, não se coaduna com o fim pretendido pela Administração que é simplesmente a imposição do teto remuneratório constitucional. Não há prova que se produzir em face da questão que é exclusivamente de direito, frise-se, constitucional. A correção levada a efeito na remuneração da impetrante, para que se adeque ao texto constitucional é medida da qual não pode a Administração se eximir, bem como decorre do seu poder de autotutela, pelo qual atos ilegais/inconstitucionais devem ser revistos de ofício.
Exigir a instauração de procedimento administrativo, nos moldes preconizados na legislação apontada pela impetrante, seria impor burocracia inútil à correção do ato, além de onerar em demasia a Administração Pública que teria que adotar o mesmo procedimento para a infinidade de servidores ativos e inativos de seu quadro, em igual situação. Ademais, a própria Corte Suprema reconheceu a eficácia imediata da incidência do teto remuneratório trazido pela Emenda Constitucional 41/03 (MS 29124- DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/06/2017). (…) Ressalte-se que o Tema de Repercussão Geral nº 257, do STF (RE 606.358) já afastou a irredutibilidade de vencimentos bem como o direito adquirido quando se trata de adequação de remuneração ao teto constitucional” (, destaque nosso).
Trata-se de entendimento predominante nas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos julgamentos recentes, tal como:
−“MANDADO DE SEGURANÇA. Servidor estadual. Inativo. Teto remuneratório estabelecido por força do artigo 8º da Emenda Constitucional nº 41/2003. Aplicabilidade imediata. Entendimento do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral. Adequação dos proventos ao teto. Desnecessidade de prévia instauração de procedimento administrativo. Ausência de violação aos princípios do contraditório e ampla defesa. Sentença que concedeu a segurança. Recursos oficial e voluntário providos para denegá-la.”(TJSP; Apelação/Remessa Necessária nº 1059438-14.2019.8.26.0053; Rel. Des. Antonio Carlos Villen; 10ª Câmara de Direito Público; j. 14/05/20). No mesmo sentido: Apelação Cível nº 1000792-62.2017.8.26.0382, 12ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Souza Nery, j. 22/08/2018; Apelação nº 1062075-35.2019.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marcelo Semer, j. 11/06/20; Apelação Cível nº 1057142-19.2019.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Paola Lorena, j. 22/09/2020; Apelação Cível nº 0007194-46.2015.8.26.0157, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Aguilar Cortez, j. 29/05/2017; Apelação Cível nº 1017852-65.2017.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Torres de Carvalho, j. 30/09/2019; Apelação Cível 0046114-52.2011.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. 15/04/2013; Apelação / Remessa Necessária nº 1005406-31.2015.8.26.0625, Rel. Des. Ponte Neto, 8ª Câmara de Direito Público, j. 22/08/2018; Apelação Cível 0003734-51.2015.8.26.0157, 10ª Câmara Extraordinária de Direito Público Rel. Des. Maria Olívia Alves, j. 14/08/2017; Apelação Cível nº 1005309-03.2015.8.26.0602, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, 9ª Câmara de Direito Público,j. 23/10/2017; e Apelação / Remessa Necessária 1053818-03.2017.8.26.0114, Rel. Des. Flora Maria Nesi Tossi Silva,13ª Câmara de Direito Público, j. 12/02/2020.
VI- DO DESCABIMENTO DE DEVOLUÇAO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA FÉ
Os servidores atingidos pela Decisão da Mesa que revogar a Ordem Interna não terão, no meu entendimento, perfilhado por nossos Tribunais, o dever de restituir aos cofres público o excesso remuneratório referente ao período pretérito. Este aspecto merece destaque.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB dispõe em seu art. 24:
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) (Regulamento)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Tal dispositivo é analisado de forma profunda pelo I. Professor de Direito Administrativo da PUC/SP, Dr. Jacintho Arruda Câmara, em artigo intitulado “Art. 24 da LINDB – Irretroatividade de nova orientação geral para anular deliberações administrativas” , que bem esclarece:
“Há uma ideia por trás da previsão do art. 24 da LINBD: a da irretroatividade da norma. Essa ideia, aliás, é das mais tradicionais no Direito e, num outro contexto, está incorporada ao art. 6º da LINBD, em sua redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957. Veja-se: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
O novo dispositivo deixa claro que a irretroatividade, para assegurar a segurança jurídica, deve se estender à interpretação dos textos normativos, não se atendo apenas à lei em sentido formal. (…) O artigo também indica que a regra deve ser aplicada pelas diversas searas de revisão da atividade administrativa: a administrativa, a controladora e a judicial. A previsão, portanto, abarca a atuação de todos os órgãos que compõe a administração pública, de qualquer dos poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário); abrange o exercício da função jurisdicional; e também deve ser obedecida pelos órgãos de controle, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas. Trata-se de regra que baliza, de modo abrangente, toda e qualquer forma de controle da atuação administrativa baseado no exame de legalidade. Incide sobre a chamada autotutela da administração, por meio da qual a administração pública exerce o controle de validade sobre seus próprios atos; alcança a revisão judicial dos atos administrativos, devendo ser observada em qualquer demanda que tenha como objeto a discussão sobre nulidade de decisão administrativa; como também deve balizar a atuação de órgãos de fiscalização da administração pública, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas..” (destaques nossos)
Na mesma senda, como decorrência do princípio da segurança jurídica, estabelece o artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII da Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal) que nos processos administrativos serão observados, entre outros os critérios de interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação.
Ainda, fixou o E. Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso repetitivo (RESp 1.244.182-PB, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, publicado em 10/10/2012) o TEMA 531, nos seguintes termos:
“Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.”
Desse modo, face ao princípio da irretroatividade das leis (artigos 5º, inciso XXXVI da CF, artigo 6º LINDB), à prescrição expressa do artigo 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942, incluído pela Lei nº 13.655/2018), associada à previsão do art. 2º, § único, XIII da Lei nº 9.784/99, bem como ao TEMA 531 do STJ, mudança de intepretação sobre a matéria ora em análise, seja por instrumento normativo ou interpretativo, não poderia ensejar qualquer efeito retroativo, inclusive no que tange à reposição ao erário.
Ademais, é inconteste que as verbas indicadas, reconhecidas como de natureza indenizatória até o advento da Lei Municipal nº 17.224 de 2019 e recebidas de boa-fé, constituem verbas de natureza alimentar. Sobre a impossibilidade de devolução de verbas dessa natureza, é pacífica a jurisprudência pátria. Com efeito, “é entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, que a verba de caráter alimentar paga a maior, por erro exclusivo da administração e recebida de boa-fé pelo beneficiado, não se sujeita à devolução” (TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação/Remessa Necessária nº 1052023-14.2018.8.26.0053, Relator Desembargador CARLOS EDUARDO PACHI, j. 06/07/2020, v.u.).
No mesmo sentido, além de precedentes do STJ (v.g. Resp 1.244.182/PB, Relator Ministro Benedito Gonçalves, S1, 1ª seção, j. 10/10/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 19/10/2012) podem-se citar inúmeros julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: AC nº 040025-76.2012.8.26.0053, Comarca de São Paulo, Relator Paulo Dimas Mascaretti, 2ª Câmara Extraordinária de Direito Público, j. 24/09/2015; AC nº 1047518-82.2015.8.26.0053, Relator Osvaldo Magalhães, 4ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 17/02/2020; AC nº 0004473-25.2014.8.26.0071, Comarca de Bauru, Relator José Luiz Gavião de Almeida, 3ª Câmara de Direito Público, j. 09/06/2015; AC. 1009451-96.2019,8.26.0606, Relator Reinaldo Miluzzi, 6ª Câmara de Direito Público, Data do julgamento: 29/05/2020; AC nº 0009375-19.2010.8.26.0408, Relator Décio Notarangeli, 9ª Câmara de Direito Público, j. 26/10/2015.
Assim, diante da boa fé dos servidores atingidos pela Decisão da Mesa, estarão eles isentos de devolver valores a título de excesso de teto quanto à gratificação de gabinete, referentes a períodos pretéritos aos efeitos da Decisão da Mesa a ser exarada.
VII- DO DIREITO DE DEFESA APÓS O CORTE
O art. 9º do Ato nº 1142 de 2011 dispõe:
Art. 9º O servidor será cientificado do corte remuneratório uma única vez, no primeiro mês em que sua remuneração exceder os limites de que trata este Ato, inclusive na hipótese do corte ocorrer ocasionalmente em virtude de valores relacionados a parcela variável, podendo apresentar defesa escrita no prazo de 15 (quinze) dias, observado o seguinte procedimento:
I – a defesa, devidamente justificada com exposição dos fatos e de seus fundamentos, deverá ser dirigida ao Secretário Geral Administrativo;
II – concluída a instrução, o Secretário Geral Administrativo intimará o interessado para apresentar suas razões finais no prazo de 5 (cinco) dias;
III – da decisão final da Mesa Diretora caberá pedido de reconsideração na forma dos artigos 176 e 177 da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979.
O art. 9º do Ato nº 1142 de 2011 ordena que o servidor seja notificado do corte a ser aplicado. Não alude à cientificação para o fim de apresentação de “defesa prévia” ao corte. Com efeito, a Administração deve dar imediato cumprimento às normas constitucionais e legais (art. 37, inc. XI, § 11 e Lei nº 17.224 de 2019, que revogou a Lei nº 10.442 de 1988) e não pode autorizar pagamentos extra teto sem amparo legal; adequando-se à disciplina existente. A jurisprudência mais recente dos Tribunais Superiores é copiosa quanto à desnecessidade de defesa prévia em hipóteses tais, como demonstrado nos itens precedentes deste Parecer.
É certo que a disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em consequência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral (cfr. ADI 2075-MC -Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 07.2.2001, DJ 27.6.2003).
Mas, como exaustivamente apontado, a DECISÃO NORMATIVA, sugerida no Parecer ADM nº 7/201, não inova a ordem jurídica; tão somente dá cumprimento no âmbito da Edilidade aos termos do art. 37, inc. XI, § 11, da Constituição Federal em face da Lei Municipal nº 17.224, de 2019, e ao Ato nº 1142 de 2011, de conformidade ao novo paradigma legal, a fim de conferir-lhe fiel execução. Para tanto, a Mesa, que exerce a direção e a superintendência administrativa da Casa, (Regimento Interno, art. 13, “caput” e inciso II,”a”) deverá dirimir em última instância administrativa a dúvida suscitada quanto à continuidade da exclusão da gratificação de gabinete no cômputo do teto remuneratório..
Caberá assim, nos termos do art. 9º do Ato da Mesa nº 1142 de 2011 determinar-se a cientificação aos servidores do corte aplicado, em decorrência da Decisão da Mesa a ser expedida, assegurando-lhes o direito de defesa, sem efeito suspensivo nos termos previstos do mesmo Ato e da Lei Municipal nº 14.141/2006, com prazo a contar após o corte em seus vencimentos.
VIII- RECOMENDAÇÕES
Do exposto, a fim de atender à solicitação de orientação de SGA.12, sou dada a concluir que:
CONSIDERANDO que a Lei nº 17.224, de 31 de outubro de 2019, em seu em seu art. 43, inciso I, revogou expressamente a Lei nº 10.442, de 4 de março de 1988, bem como em seu art. 23, caput, extinguiu a incorporação ou permanência da gratificação de gabinete, assegurando nos § § 1º e 2º do mesmo artigo, que a verba mencionada, permanente ou incorporada, passaria a constituir vantagem pessoal nominalmente identificada;
CONSIDERANDO que a Lei 10.442, de 1988, em seu art. 1º, consistia no único dispositivo legal municipal que assegurava a natureza indenizatória da gratificação de gabinete, prevista no art. 100, inciso I, da Lei 8.989, de 29 de outubro de 1979, de modo que, a partir da entrada em vigor da Lei Municipal nº 17.224, de 2019 tal gratificação deixou de ter natureza indenizatória, e passou a constituir vantagem submetida ao cômputo do teto constitucional remuneratório (art. 37, inciso XI e § 11 da Constituição Federal), que tem aplicabilidade imediata, nos termos das Teses de Repercussão Geral nºs 41, 480 e 257, do Supremo Tribunal Federal;
CONSIDERANDO que o item 3 da Ordem Interna da SGA nº 446/2011, determinou no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, a exclusão da gratificação de gabinete, tanto a tornada permanente como a incorporada, do teto constitucional remuneratório, com fundamento no art. 1º da Lei Municipal nº 10.442 de 1988, e no art. 6º, inc. I do Ato da Mesa nº 1142 de 2011, tornando-se, portanto, insubsistente e sem fundamento de validade, merecendo ser revogado, tornando-se ainda necessária uma adequada interpretação aos arts. 6º, inc. I, e 7º do Ato da Mesa nº 1142/11, para que a gratificação de gabinete não seja mais considerada “parcela indenizatória prevista em lei”, mas vantagem pessoal de natureza remuneratória;
CONSIDERANDO que a revogação do item 3 da Ordem Interna e a interpretação a ser dada aos arts. 6º, inciso I, e 7º do Ato da Mesa 1142/11, por Decisão da Mesa Diretora, visando ao imediato e pleno cumprimento do teto constitucional remuneratório e ao disposto na Lei Municipal nº 17.224, de 2019, acarretará cortes remuneratórios em servidores que continuam a receber tal gratificação fora do teto, mas que será desnecessária a defesa prévia do servidor para que tal corte se efetue, tendo em vista tratar-se de simples cumprimento de disposição constitucional e legal, de aplicação imediata, conforme Repercussões Gerais do STF, e tendo em vista a ausência de autorização legislativa para efetuar a despesa a esse título, em face de princípios e normas contidos na Constituição da República, em especial os da legalidade (art. 37, caput, da CF) e os que regem a despesa pública (arts. 165 a 167) e o processo legislativo (arts. 60 a 74), devendo a E. Mesa Diretora obrigatoriamente atender a todos os dispositivos da Lei 4320/64 e da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, em especial os seus arts. 16, 17 e 18, § 3;
CONSIDERANDO as recentes decisões do Poder Judiciário que dispensam a defesa prévia para o cumprimento do teto remuneratório, que há de ter aplicação imediata, em razão de que “A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público” (STF, Pleno, RE 606.358, Rel. Min. Rosa Weber, j.18/11/2015), tais como: a) do Supremo Tribunal Federal: RE 1.155.995/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.17/12/18; b) do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo: MS nº 2060611-89.2017.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Bueno, j. 14/03/2018; MS nº 2060636-05.2017.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Casconi, j.11/04/2018; e MS nº 2137285-11.2017.8.26.00, Rel. Des. Ferraz Arruda, j. 21/02/18; e c) das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo: Apelação/Remessa Necessária nº 1059438-14.2019.8.26.0053, Rel. Des. Antonio Carlos Villen; 10ª Câmara de Direito Público; j. 14/05/20; Apelação Cível nº 1000792-62.2017.8.26.0382, 12ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Souza Nery, j. 22/08/2018; Apelação nº 1062075-35.2019.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marcelo Semer, j. 11/06/20; Apelação Cível nº 1057142-19.2019.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Paola Lorena, j. 22/09/2020; Apelação Cível nº 0007194-46.2015.8.26.0157, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antonio Celso Aguilar Cortez, j. 29/05/2017; Apelação Cível nº 1017852-65.2017.8.26.0053, 10ª Câmara de Direito Público Rel. Des. Torres de Carvalho, j. 30/09/2019; Apelação / Remessa Necessária nº 1005406-31.2015.8.26.0625, Rel. Des. Ponte Neto, 8ª Câmara de Direito Público, j. 22/08/2018; Apelação Cível 0003734-51.2015.8.26.0157, 10ª Câmara Extraordinária de Direito Público Rel. Des. Maria Olívia Alves, j. 14/08/2017; e Apelação Cível nº 1005309-03.2015.8.26.0602, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, 9ª Câmara de Direito Público, j. 23/10/2017.
A Mesa Diretora da Câmara Municipal de São Paulo, usando de suas atribuições legais, acolhendo o Parecer ADM nº 7/2021 e o Parecer Chefia nº 003/2021 – que integrariam a Decisão ora recomendada -, tendo em conta o disposto na Lei nº 17.224 de 2019 e o art. 37, inciso XI e § 11, da Constituição Federal, deverá decidir em caráter normativo, incluir a gratificação de gabinete recebida pelos servidores da Edilidade no cômputo do teto remuneratório, por tratar-se de vantagem pessoal de caráter remuneratório e não indenizatório, revogando expressamente o item 3 da Ordem Interna de SGA nº 446 de 5 de maio de 2011, e orientando para esse fim a interpretação dos arts. 6º, inc. I e 7º do Ato da Mesa nº 1142 de 31 de março de 2011 de modo compatível com a ordem legal e constitucional vigente. Incidem sobre o período pretérito a esta Decisão o art. 24 da LINDB e a Súmula nº 531 do STJ. Fica assegurado o direito de defesa dos servidores atingidos por esta Decisão, no prazo de 15 (quinze) dias, sem efeito suspensivo, a partir do corte em seus vencimentos, nos termos do art. 9º do Ato 1142/11 e do art. 36, §1º, da Lei Municipal nº 14.141/2006.
Finalmente, cumpre registrar que as Decisões de Mesa nº 1463/12 (DOC 07.06.2012, pg, 122) e 1472/12 (DOC 19/06/2012 pg. 97), ressaltaram a necessidade de que o Tribunal de Contas do Município, a Prefeitura e a Câmara promovessem uniformização de entendimento e aplicação da sistemática de aplicação do limite de remuneratório máximo dos servidores do município, observadas as peculiaridades do sistema remuneratório de cada ente público. Assim, é relevante a informação de que no âmbito do Poder Executivo, permanece vigente o Decreto nº 59.192 de 18 de março de 2011, que conforme art. 6º, inc.I, f, exclui a gratificação do cômputo do teto remuneratório. A Câmara, portanto, vem aplicando a exclusão da gratificação de gabinete do teto remuneratório em consonância com a sistemática de aplicação no âmbito da Prefeitura, sem qualquer ressalva, quanto ao ponto, do E. Tribunal de Contas do Município, em todos os relatórios anuais de fiscalização. Todavia, face à consulta específica ora formulada por SGA.12, parece-me necessário adequar a interpretação conferida ao art. 6º, inc. I, h do Ato nº 1142 de 2011 ao disposto nos arts. 23 § 2º e art. 43, I da Lei nº 17.224 de 2019, incluindo-se a gratificação de gabinete no cômputo do teto remuneratório, a despeito de tratamento diverso no âmbito da normativa própria vigente no âmbito o Poder Executivo.
São as considerações e recomendações que elevo à consideração de V. Sa, para submetê-la à apreciação superior.
São Paulo, 4 de março de 2021
Maria Nazaré Lins Barbosa
Procuradora Legislativa Chefe
OAB 106.017