Parecer ADM nº 39/2019
Ref.: Protocolo Geral 287523
TID nº 18313544
Assunto: Requerimento de vale-transporte cumulado com credencial de garagem
Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,
Cuida o expediente de requerimento formulado pelo servidor XXXXXXXXXXXXXX, RF XXXXXXXX, de concessão de auxílio-transporte com a manutenção do credencial de garagem. Segundo o peticionário, por se tratar de pessoa com deficiência e fazer uso do transporte coletivo, o benefício seria seu direito, apesar de utilizar vaga de garagem ocasionalmente.
Vem a documentação a esta Procuradoria para análise.
É o relatório. Opino.
A Constituição Federal de 1988 deu especial relevo ao princípio da isonomia, o qual é genericamente assegurado pelo art. 5º, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (caput), e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (inc. I). Especificamente em relação a servidores públicos, a isonomia deve ser observada em aspectos como o regime jurídico, a remuneração e as condições de ingresso .
O art. 39, caput, da Constituição Federal assegura “regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. A Emenda Constitucional 19/1998 havia excluído a exigência de regime jurídico único, permitindo cada esfera de governo adotar regimes jurídicos diversificados, mas, por decisão do Supremo Tribunal Federal, referida emenda teve a eficácia suspensa, voltando a vigor a redação original . Não obstante, ainda existem em todos os órgãos da Administração Pública do país servidores submetidos ao regime da CLT, ora porque foram admitidos entre a emenda e a referida decisão, ora porque admitidos antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988.
O servidor celetista tem um vínculo baseado no contrato de trabalho, regido pelas regras da CLT e demais leis aplicáveis a empregados, ainda que derrogadas pelas regras do regime de direito público. É, portanto, um tratamento distinto ao que é dado ao servidor estatutário. Nessa esteira, o Ato 784/2002, que disciplina o auxílio-transporte concedido a servidores desta Edilidade, veda a concessão do benefício a servidores celetistas (art. 5º, II) porque a estes se aplica a Lei Federal 7.418/1985, que institui o vale-transporte a ser pago por empregadores a empregados. O Ato 880/2005, por sua vez, estabelece regras específicas para concessão de vale-transporte a servidores celetistas e regras comuns referentes a ambos os benefícios.
O vale-transporte, de acordo com a Lei Federal 7.418/1985, é o benefício que o “empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais” (art. 1º). Essa antecipação corresponde ao que exceder em 6% do salário básico do empregado gastos com deslocamento (art. 4º, parágrafo único). Com base nesses dispositivos, assim dispõe o Ato 880/2005:
Art. 2º. Aos servidores celetistas, se requerido, será concedido Vale-Transporte.
Parágrafo único. É vedado o percebimento do Vale-Transporte simultaneamente a outro benefício de mesma natureza.
Art. 3º. O Vale-Transporte será concedido para utilização efetiva do próprio servidor celetista em despesas de deslocamento da residência para o trabalho e vice-versa, e custeado da seguinte forma:
I – pelo servidor, em parcela equivalente a 6% (seis porcento) do salário-base ou padrão do vencimento, excluídos quaisquer adicionais ou vantagens;
II – pela Administração, no que exceder a parcela cabente ao servidor.
Preconiza a Lei Federal 7.418/1985 que o vale-transporte “não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos” (art. 2º, “a”). Assim, não tendo natureza salarial, cessando a utilização de transporte público ou não havendo essa utilização de fato, cessa o direito a percepção do benefício. Não fazem jus ao benefício os empregados que se deslocarem de casa para o trabalho em veículo automotor, motocicletas, bicicletas ou a pé. O uso indevido, inclusive, pode constituir falta grave, passível de rescisão do contrato de trabalho por justa causa, caso seja comprovado que o empregado prestou declaração falsa para usufruir de um benefício que não lhe era devido (art. 482, “a”, da CLT). Para os servidores desta Casa Legislativa, assim disciplina o Ato 880/2005, com destaques nossos:
Art. 10. A distribuição, concessão ou a utilização indevida de qualquer dos benefícios caracteriza falta grave, sujeitando o responsável às penalidades previstas em lei, assim como à suspensão ou cassação definitiva do benefício.
Parágrafo único. As concessões serão suspensas nos casos em que se verificarem irregularidades na distribuição ou na utilização do Vale-Transporte, até a apuração dos fatos e responsabilidades.
Art. 11. O benefício do Vale-Transporte ou Auxílio-Transporte cessará:
I – por expressa desistência do servidor;
II – pela exoneração, dispensa, aposentadoria, demissão, falecimento ou qualquer outro ato que implique exclusão do serviço público municipal neste legislativo;
III – pela sua cassação, em conformidade com o artigo anterior;
IV – quando o beneficiário receber credencial ou autorização para utilização de qualquer dos estacionamentos da Câmara Municipal de São Paulo, ou das adjacências;
V – se constatada a falsidade ou incorreção dos elementos constantes da declaração apresentada pelo beneficiário;
VI – em caso de perda do cartão Bilhete Único, até que se regularize a situação junto à SGA.1’2 e à SPTrans.
§ 1º Sendo constatada a incorreção dos dados declarados ou a sua não atualização, o servidor deverá ressarcir a Edilidade das quantias percebidas indevidamente como benefício, ficando sujeito ainda às penas previstas no art. 187 da Lei 8989/79.
§ 2º O beneficiário do Vale-Transporte que deixar de retirá-los ou deixar de recarregar seu cartão Bilhete Único até o último dia útil do mês seguinte ao de referência do mesmo, terá seu benefício suspenso, salvo nos casos previstos do parágrafo único do artigo 9º deste Ato.
Art. 12. Ambos os benefícios serão concedidos apenas para a utilização de transporte coletivo público urbano, ou intermunicipal com características semelhantes ao urbano, excluídos os serviços seletivos e especiais.
Observe-se que uma das hipóteses de cessação do vale-transporte é a autorização para utilização de estacionamento da sede desta Câmara Municipal (art. 11, IV) e que o benefício só é concedido para a utilização de transporte coletivo urbano (art. 12). Os tribunais da Justiça do Trabalho tem repelido a tese de que o empregador estaria obrigado a ressarcir o empregado que utiliza veículo próprio:
RECURSO DO RECLAMANTE. VALE-TRANSPORTE. DESLOCAMENTO EM VEÍCULO PRÓPRIO. O pagamento de vale-transporte somente é devido nos casos de deslocamento para o trabalho pelo sistema de transporte público coletivo. Realizado deslocamento em veículo próprio, resta indevido seu pagamento. Recurso da reclamante a que se nega provimento, no particular. (TRT-4, 3ª Turma, RO 0021251-05.2014.5.04.0016, rel. Des. Maria Madalena Talesca, julgado em 10.05.2017).
LEI 7.418/85. VALE-TRANSPORTE. UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO. BENEFÍCIO INDEVIDO. A Lei nº 7.418/85 assegura ao empregado o direito ao vale-transporte quando o seu deslocamento para o trabalho é feito por meio de condução pública. O uso do próprio veículo por opção do trabalhador não têm o condão de obrigar o empregador a conceder a mencionada parcela. Recurso da reclamada conhecido e desprovido. Recurso do reclamante parcialmente conhecido e desprovido. (TRT-10, 3ª Turma, RO 00667-2013-101-10-00-5, rel. Des. Francisco Luciano de Azevedo Frota, julgado em 21.05.2014).
Ao pleitear vale-transporte com a manutenção do credencial de garagem, o requerente se ancora na Lei Federal 9.503/1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, e na Resolução 304/2008, do Conselho Nacional de Trânsito. Ocorre que a base normativa apenas obriga esta Edilidade a reservar vagas para veículos que transportem pessoas com deficiência em seu estacionamento, não a garantir vagas para todos os servidores que se encontrarem nessa condição.
Com efeito, ao regulamentar a Lei Federal 10.098/2000, o Decreto Federal 5.296/2004 especifica como se darão as condições de acessibilidade a pessoas com deficiência e, no caso de edificações de uso público ou de uso coletivo, como é o Palácio Anchieta, dispõe, com destaque nosso:
Art. 25. Nos estacionamentos externos ou internos das edificações de uso público ou de uso coletivo, ou naqueles localizados nas vias públicas, serão reservados, pelo menos, dois por cento do total de vagas para veículos que transportem pessoa portadora de deficiência física ou visual definidas neste Decreto, sendo assegurada, no mínimo, uma vaga, em locais próximos à entrada principal ou ao elevador, de fácil acesso à circulação de pedestres, com especificações técnicas de desenho e traçado conforme o estabelecido nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT.
§ 1º Os veículos estacionados nas vagas reservadas deverão portar identificação a ser colocada em local de ampla visibilidade, confeccionado e fornecido pelos órgãos de trânsito, que disciplinarão sobre suas características e condições de uso, observando o disposto na Lei no 7.405, de 1985.
§ 2º Os casos de inobservância do disposto no § 1º estarão sujeitos às sanções estabelecidas pelos órgãos competentes.
§ 3º Aplica-se o disposto no caput aos estacionamentos localizados em áreas públicas e de uso coletivo.
§ 4º A utilização das vagas reservadas por veículos que não estejam transportando as pessoas citadas no caput constitui infração ao art. 181, inciso XVII, da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997.
Dessa forma, o servidor requerente somente fará jus a vale-transporte se não possuir credencial de garagem, não podendo cumular benefícios, nos termos do Ato 880/2005. A promoção de acessibilidade a pessoas com deficiência obriga esta Administração apenas a reservar vagas no limite mínimo legal.
É o parecer que submeto ao elevado descortino de Vossa Senhoria.
São Paulo, 10 de maio de 2019.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048