Parecer ADM nº 61/2019
Ref.: Processo nº 1.585/2017
TID nº 17173839
Interessado: XXXXXXXXXXXXXXX
Assunto: Averbação de tempo de serviço
Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,
Cuidam os autos de averbação de tempo de serviço de XXXXXXXXXXXXXXX, RF XXXXXX, titular de cargo de provimento efetivo. Segundo a SGA.1, requer a servidora cômputo do tempo de estágio na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, de 05/04/2010 a 18/04/2010, e na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, de 04/05/2010 a 14/03/2011, como de serviço público.
Vêm os autos a esta Procuradoria para análise.
É o relatório. Opino.
O setor público, diferentemente da iniciativa privada, não atua em busca de lucro, mas de satisfação das necessidades da coletividade e do Estado. Tais serviços são prestados por agentes públicos, que são investidos em cargos e desempenham suas atribuições sob um regime específico, delineado pela Constituição Federal e pela lei, e imprescindível para realização do interesse público, que dizem respeito desde a criação de cargos até a sua extinção, desde o ingresso do servidor na carreira, até que ele a deixe, bem como as formas pelas quais isso se dará.
O estagiário da Administração Pública exerce uma atividade de prestação de serviço no âmbito das repartições, submetendo-se aos princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além dos direitos e das obrigações específicas relacionadas ao trabalho público. No entanto, não obstante os influxos do direito público, essa atividade não é exercida mediante vínculo funcional, decorrente de cargo, emprego ou função pública. O vínculo é formado com base na Lei Federal 11.788/2008 (Lei de Estágio):
Art. 1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§ 1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.
§ 2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Veja-se que, porquanto a atividade por ele desempenhada não é destinada a prestação de serviços profissionais e apenas tem por finalidade a aprendizagem e a complementação do ensino, o estagiário não recebe uma remuneração, na concepção jurídica do termo, mas um valor a título de bolsa. Não há vínculo funcional entre o estagiário e a Administração Pública, pelo que não há obrigação desta de efetuar o pagamento de qualquer contribuição previdenciária sobre o serviço por ele desenvolvido, nem de reter, da respectiva bolsa, qualquer valor a título de contribuição. Ante a essa natureza, a Lei Federal 8.213/1991 também não enquadra o estágio como caso de filiação obrigatória ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Sua natureza, pois, é diversa do serviço público, sendo uma contribuição do Estado ao processo educativo.
A partir da Emenda Constitucional 20/1998, que inseriu § 10 ao art. 40 da Constituição Federal, restou vedado à lei (federal, estadual ou municipal) dispor sobre o respectivo regime contributivo dos servidores titulares de cargos efetivos que contivesse normas que, por qualquer forma, admitissem para efeito de aposentadoria, contagem de tempo a qual não correspondesse efetiva contribuição do beneficiário. Assegurou-se também que o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição. Dessa forma, para situações até 16/12/1998 (data da referida emenda), a lei local pode considerar estágio realizado na Administração Pública, independentemente de contribuição previdenciária, como serviço público prestado para todos os fins, conforme já manifestado por esta Procuradoria no Parecer 450/2018.
A vedação à contagem fictícia de contribuição não obsta que o período de estágio na Administração Pública possa ser computado como de serviço público. Na verdade, a alteração constitucional buscou apenas preservar o equilíbrio financeiro-atuarial da previdência dos servidores públicos. Vantagens pessoais decorrentes do tempo de exercício de função pública não foram abrangidas, restando, pois, a possibilidade conferida a União, Estados, Distrito Federal e Municípios disciplinarem a questão do estágio.
Como corolário do princípio federativo, é fora de dúvida que cada ente pode estabelecer regras atinentes ao regime de seus servidores, conforme determina o art. 39, caput, da Constituição Federal, que consubstancia os preceitos legais sobre a acessibilidade aos cargos públicos, a investidura em cargo efetivo e em comissão, as nomeações para funções de confiança, os deveres e direitos dos servidores, a promoção e respectivos critérios, o sistema remuneratório, as penalidades, o processo administrativo e a aposentadoria . Esse é o prisma de análise de concessões de vantagens aos servidores: devem estar claramente previstas pela legislação do ente a que pertencem os beneficiados, nos exatos limites em que outorgadas, vedada qualquer aplicação analógica dos favores.
Dessa forma, o ente federativo, no exercício de sua autonomia e sempre por meio de lei, pode dar efeitos jurídicos ao tempo de estágio, inclusive computando-o como de serviço público, independentemente da inexistência do vínculo funcional entre a Administração Pública e o estagiário. Essa tese é antiga, consubstanciada na Súmula 567 do Supremo Tribunal Federal, editada em 1977 e, apesar da mudança da ordem jurídica desde então, é até hoje vigente:
Súmula 567. A Constituição, ao assegurar, no parágrafo 3º, do Art. 102, a contagem integral do tempo de serviço público federal, estadual ou municipal para os efeitos de aposentadoria e disponibilidade não proíbe à União, aos Estados e aos Municípios mandarem contar, mediante lei, para efeito diverso, tempo de serviço prestado a outra pessoa de direito público interno.
Na doutrina, é encontradiça a mesma ideia:
“É comum a legislação estabelecer como tempo de serviço público aquele exercido em atividades que não têm essa natureza, como o tempo de estágio, de advocacia em caráter privado, de serviço considerado relevante etc. Essa contagem não está proibida pelo novo dispositivo constitucional; o que ele veda é que seja considerado esse tempo como sendo de contribuição; para o requisito referente ao tempo de contribuição a contagem ficta não é admitida.”
“2.13 Tempo de serviço referente ao vínculo de estágio remunerado ou como prestador de serviço (médico etc.)
Desde que foi promulgada a Emenda Constitucional nº 20, de 16.10.1998, o que possui relevância para a averbação é existência de contribuição, não obstante o efeito do tempo efetivamente trabalhado para os casos de disponibilidade remunerada.
O tempo de estágio, desde que prestado com o pagamento de contribuição, poderá ser computado para efeito de aposentadoria. Entretanto, para outros efeitos apenas haverá a possibilidade de sua contagem nos casos em que a legislação infraconstitucional, e nesse caso deve ser aquela do regime perante o qual se faz a averbação, o considerar como tempo de serviço.
Não havendo previsão legal dessa contagem e inexistindo contribuição, estar-se-á diante de um caso de impossibilidade jurídica do pedido administrativo pela averbação.
Ressalte-se, no entanto, que o tempo de estágio anterior à EC nº 20 não poderá ser contado porque na oportunidade em que foi prestado o texto constitucional era claro em exigir tempo de serviço.”
No caso do Estado de São Paulo, o legislador, em regra, não possibilitou o cômputo do tempo de estágio ou até mesmo do tempo de serviço prestado a outros entes federativos como de serviço público para todos os fins. No ponto, a Lei Estadual 10.261/1968, que institui o estatuto do servidor público deste Estado, preceitua, em seu art. 76, que o tempo de serviço prestado ao Estado de São Paulo considerar-se-á para todos os fins e o tempo prestado à União, aos outros Estados e aos Municípios apenas para fins de aposentadoria. Uma vez que a Lei Complementar Estadual 437/1985 fixou o marco divisório da vigência do dispositivo – cuja redação vigente foi dada pela Lei Complementar Estadual 318/1983 – em 21/12/1984, a jurisprudência paulista é no sentido de que o servidor estadual não poderá computar o tempo de serviço nos demais entes federativos para obtenção de vantagens pessoais.
“Ação ordinária. Servidores públicos estaduais. Pretensão ao cômputo do tempo de serviço público federal para fins de quinquênio, sexta-parte e licença-prêmio. Inadmissibilidade. Ausência de previsão legal a amparar o pleito dos autores. Sentença de procedência. Recurso da ré provido.” (TJSP, 2ª Câmara de Direito Público, Apelação 1017538-89.2015.8.26.0506, rel. Des. Carlos Violante, j. 20.06.2017).
“Mandado de Segurança. Procurador do Estado. Pretendida contagem do tempo de estágio de Direito junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para obtenção dos adicionais temporais (quinquênio e sexta-parte) e licença-prêmio, bem como para critério de desempate em concurso de promoção na carreira de Procurador do Estado. Sentença que denega a segurança. Recurso do impetrante buscando a inversão do julgado. Inviabilidade. Inexistência de lei estadual que considere o tempo de estágio de Direito no TJ como sendo tempo de serviço público para os fins pleiteados. Recurso improvido.” (TJSP, 11ª Câmara de Direito Público, Apelação 0043984-03.2011.8.26.0114, rel. Des. Aroldo Viotti, j. 18.06.2013).
Entretanto, o mesmo legislador paulista abriu exceções. De acordo com o art. 90 da Lei Complementar Estadual 734/1993, estagiários do Ministério Público do Estado de São Paulo pode ver computado seu tempo como de serviço público e assim averbado, caso ingressem na Administração Pública do Estado como servidores.
“TEMPO DE SERVIÇO. Pretensão dos autores objetivando a contagem e averbação de tempo de serviço dos períodos em que exerceram a função de estagiário do Ministério Público, para fins de quinquênios, licença-prêmio, sexta-parte, aposentadoria e antiguidade. Procedência dos pedidos corretamente pronunciada em primeiro grau. Promoventes que, “in casu”, foram estagiários do MP durante a vigência da LC nº 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público), que no seu art. 90 garante a contagem, para todos os fins, como tempo de serviço público, do período de exercício na função aludida. Dispositivo legal referido que não restringe seus efeitos à própria instituição do Ministério Público, podendo ser aplicado a outros órgãos do Estado, sendo vedado ao intérprete discriminar onde a lei não impõe qualquer distinção. Reexame necessário, pertinente na espécie, e apelo da Fazenda Estadual não providos.” (TJSP, 2ª Câmara de Direito Público, Apelação 0040098-82.2011.8.26.0053, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 30.07.2015).
O suporte formal pouco importa. Seja no estatuto do servidor, seja na lei orgânica da instituição, fato é que o mesmo Estado de São Paulo, no exercício da mesma competência legislativa sobre regime de servidores, criou a hipótese excepcional. Esse ponto é crucial para compreender que os efeitos do serviço público definidos por um ente federativo ficam adstritos ao regime de seu pessoal. No julgado acima, os efeitos foram atribuídos a todo servidor estadual que tivesse realizado estágio no Parquet paulista. Nada obsta também que o legislador atribua esses efeitos a uma carreira específica, como fez a Lei Complementar Estadual 1.270/2015 (Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo), que assegura a contagem do tempo de estágio no órgão como de serviço público estadual exclusivamente aos Procuradores do Estado (art. 118, XI).
É de clareza meridiana compreender que a disciplina legal a qual se sujeitam servidores público compete à entidade com a qual mantém vínculo, ou seja, a União tem competência para dispor sobre servidores federais; o Estado, sobre servidores estaduais; e o Município, sobre servidores municipais. Entretanto, cabe observar que o modelo federativo adotado no Brasil é sui generis, consagrando uma federação de segunda ordem, vale dizer, os Municípios, apesar de dotarem de competências materiais, legislativas e tributárias outorgadas pelo constituinte federal, não estão representados no Poder Legislativo federal – diferentemente dos Estados, representados no Senado Federal – e são regidos por respectivas Leis Orgânicas que, por sua vez, se subordinam às Constituições dos respectivos Estados (art. 29, caput, da Constituição Federal).
A legislação municipal, pois, deve observar os preceitos não só da Constituição Federal, como da Constituição Estadual, como é o caso do Ministério Público. De acordo com art. 127, § 2º, da Magna Carta, à instituição é assegurada autonomia funcional e administrativa e a lei disporá sobre sua organização e funcionamento, esta que veio a ser a Lei Federal 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). O art. 92 da Constituição Estadual, por sua vez, prevê que essa autonomia é disciplinada por lei complementar, a qual, conforme dito, foi cumprida pela Lei Complementar Estadual 734/1993. Entrevê-se da sistemática legislativa que, uma vez que se cuida de uma instituição cujo regime o próprio constituinte deu tratamento especial, não está fraqueado ao legislador municipal contrariá-la.
Dessa forma, sem embargo dos efeitos do estágio no Ministério Público do Estado de São Paulo sejam objeto do legislador paulista, tendo em vista seu fundamento constitucional, dele não poderá se esquivar o legislador paulistano. Nessa linha, a Procuradoria manifestou-se favoravelmente à contagem do tempo de estágio naquela instituição realizado por servidores desta Casa como de serviço público municipal (Pareceres 319/2009, 189/2018, 450/2018)
Assentadas essas premissas, passa-se à análise do caso concreto.
O regime do servidor do Município de São Paulo está disciplinado na Lei Municipal 8.989/1979, que é omissa em relação aos efeitos do tempo de serviço prestado em outros entes federativos (art. 64 e seguintes) e apenas resvala ao mencionar “serviço público municipal” para fins de quinquênio (art. 112) e sexta-parte (art. 115). O inc. I do art. 65 tratava do ponto expressamente, estabelecendo que, “para os efeitos de aposentadoria e disponibilidade”, computar-se-ia o “tempo de serviço público prestado à União, aos Estados e a outros Municípios e Autarquias em geral”. A Lei Municipal 10.430/1988, porém, revogou o dispositivo e passou a dispor que:
Art. 31. O tempo de serviço público prestado à União, aos Estados, a outros Municípios e às Autarquias em geral será computado, integralmente, para os efeitos de aposentadoria, disponibilidade, adicionais por tempo de serviço e sexta parte.
Parágrafo Único. As disposições deste artigo alcançarão apenas os benefícios ainda não concedidos, e não terão efeitos retroativos de qualquer ordem.
A Constituição Federal deu especial relevo ao princípio da isonomia, especificando em relação aos servidores públicos, no art. 39, aspectos como regime jurídico, remuneração e condições de ingresso. A Emenda Constitucional 19/1998 havia excluído a exigência de regime jurídico único, possibilitando que cada esfera de governo ficasse com liberdade para adotar regimes jurídicos diversificados, seja estatutário ou contratual, ressalvadas as carreiras institucionalizadas pela própria Constituição. Todavia, em 02/08/2007, nos autos da ADI 2.135/DF, o Supremo Tribunal Federal suspendeu cautelarmente, até o julgamento do mérito, a vigência da redação dada pelo constituinte reformador ao art. 39, voltando a se aplicar a redação original, que exige regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, autarquias e fundações públicas .
A Lei Municipal 10.430/1988, por sua vez, é direcionada apenas ao regime de servidores da Prefeitura e do Tribunal de Contas (art. 1º) e ressalva sua incidência no regime de servidores da Câmara Municipal apenas a aspectos que não têm relação com citado art. 31 (art. 44). Tendo em vista que a lei foi editada antes da Constituição Federal de 1988, parece-nos razoável compreender que a distinção entre servidores dos Poderes Executivo e Legislativo não foi recepcionada pela superveniente ordem jurídica. De fato, como dito antes, o tratamento diferenciado só tem lugar nas carreiras institucionalizadas pela Constituição Federal, como membros da magistratura e do Ministério Público; fora disso, tem que ser isonômico, como decorrência da imposição do regime jurídico único.
Adotando essa exegese, o tempo de serviço público prestado à União, aos Estados e a outros Municípios, mesmo que por servidor da Câmara Municipal, pode ser computado para os efeitos de aposentadoria, disponibilidade, adicionais por tempo de serviço e sexta parte. Nesse sentido, a Procuradoria desta Casa se manifestou no Parecer 189/2018 pela aplicabilidade da Lei Municipal 10.430/1988 a servidor que anteriormente prestara serviço ao Tribunal Regional Federal, computando-se o respectivo tempo.
Como se viu, no caso do regime de servidor estadual, o estatuto paulista é claro no sentido de que o serviço prestado a outros entes só é computado para fins de aposentadoria e somente o prestado ao próprio Estado de São Paulo é computado para todos os fins. Já o legislador paulistano foi mais permissivo que o estadual, autorizando que o servidor municipal possa averbar o tempo de serviço prestado aos demais entes federativos para todos os fins, não só para aposentadoria. A questão que se coloca é se o preceptivo legal em foco, tendo feição genérica, detém ou não idoneidade suficiente para transmudar o tempo de estágio em tempo de serviço público.
Importante, nesse ponto, atentar-se aos argumentos lançados pela Corte bandeirante em alguns julgados que envolveram servidores estaduais, restando neles rejeitada a tese do cômputo do tempo de estágio basicamente por duas razões: ausência de previsão legal expressa e ausência de vínculo empregatício com a Administração Pública.
“Servidor Público Estadual que almeja o cômputo da contagem de tempo em que exerceu as funções de aprendiz, para os fins de aposentadoria, adicionais, sexta-parte, licença-prêmio, evolução funcional, com o pagamento das vantagens vencidas e vincendas, devidamente corrigidas – Descabimento – Estagiário, aprendiz, monitor, bolsista, mesmo que recebam ajuda de custo para suas atividades de pesquisa. O interesse que se busca é meramente pedagógico, não considerando vínculo empregatício para os fins desejados – Há precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça – Improcedência bem decretada – Decisão de Primeiro Grau mantida – Recurso do autor não provido.” (TJSP, 2ª Câmara de Direito Público, Apelação 0139086-45.2007.8.26.0000, rel. Des. José Luiz Germano, j. 21.09.2010).
“SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL AUTÁRQUICO – Pretensão voltada à contagem, como tempo de serviço público, do período em que exerceu as atividades de sextoanista e médico residente – Improcedência do pedido pronunciada corretamente em primeiro grau – Sendo o estágio de sextoanista meramente acadêmico e a residência uma especialização, oferecidos em prol da formação acadêmica e profissional do estudante ou concluinte do curso, sem vínculo empregatício com a Administração Pública, o tempo prestado naquelas funções não pode ser computado para os efeitos pretendidos pelo autor – Outrossim, somente a lei pode dizer que determinadas atividades, pela sua relevância e interesse, são consideradas como “serviço público”, não cabendo ao Poder Judiciário assim considerá-las, sob pena de afronta ao princípio da legalidade – Apelo não provido.” (TJSP, 8ª Câmara de Direito Público, Apelação 0156694-90.2006.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 30.4.2008).
A relação de estagiário com a Administração Pública é totalmente distinta daquela do servidor público. O vínculo não é laboral, não é o desempenho de uma função pública, mas, antes de tudo, pedagógico, direcionado ao aperfeiçoamento da formação do estudante. Em outros termos, o estagiário não busca prestar serviços profissionais remunerados, nem o ente público, ao aceitá-lo, não tem por escopo apropriar-se de sua força de trabalho mediante remuneração. Daí que, a rigor, do estágio não pode advir qualquer vínculo funcional entre as partes. Sua equiparação ao serviço público, assim, só pode ser feita com autorização legislativa, não sendo possível extrair-se de termos genéricos de uma norma algo que, pela excepcionalidade, teria que ser dito expressamente.
Não obstante a opção do legislador paulista em relação ao aproveitamento do tempo de serviço prestado em outros entes federativos seja mais restritiva, nota-se que julgados que rejeitaram a tese não passa por essa questão, mas sim pela falta de amparo legal expressa para computar como serviço público período de natureza distinta, o que também ocorre na legislação do Município de São Paulo. O art. 31 da Lei Municipal 10.430/1988, por si só, não autoriza a inclusão do estágio, tal qual o art. 76 da Lei Estadual 10.261/1968. Entretanto, diferentemente do legislador paulistano, o legislador paulista criou expressamente hipóteses excepcionais, tais como o estágio no Ministério Público do Estado e, em menor amplitude, o estágio na Procuradoria Geral do Estado.
Cabe asseverar que, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado de São Paulo, “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, preceito reproduzido no art. 94 da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Impõe-se compreender que as concessões de vantagens a servidores devem estar claramente previstas pela legislação de regência, nos exatos limites em que outorgadas e vedada qualquer aplicação analógica de favores.
Logo, a Lei Municipal 10.430/1988, porquanto omissa em relação aos efeitos do estágio em órgão público, obsta a contagem de seu tempo como de serviço público municipal.
Ademais, sequer as Leis Orgânicas da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo autorizam a contagem pretendida.
Conforme explanado alhures, apesar de constituir uma entidade autônoma, o Município se acha numa relação de subordinação ao respectivo Estado em termos de legislação, já que sua lei maior – a Lei Orgânica do Município – observará os ditames da Constituição Estadual, além da Federal, como certas carreiras de servidores públicos nelas previstas. Tal circunstância tem por consequência a limitação da autonomia que o Município tem para legislar sobre regime de seu pessoal.
A Procuradoria Geral do Estado foi brevemente mencionada no art. 132 da Constituição Federal, mas é a Constituição do Estado de São Paulo que fornece parâmetros necessários para sua instituição. De acordo com seu art. 99, Lei Orgânica disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, o que se dá atualmente com a Lei Complementar Estadual 1.270/2015. No tocante aos estagiários, consoante comentado antes, a lei estabelece:
Art. 118. São prerrogativas e garantias do Procurador do Estado, além das previstas em lei, notadamente a que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB:
[…]
XI – computar como tempo de serviço público estadual, para todos os fins, exceto aposentadoria, o tempo de estágio na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo;
Veja-se que o legislador estadual, se quisesse, poderia atribuir os efeitos do estágio no órgão da advocacia pública paulista como tempo de serviço público para todos os fins, porquanto sua atividade está calcada diretamente em previsão expressa constitucional. Entretanto, sua opção foi mais tímida, limitando atribuir efeitos apenas aos integrantes da carreira de Procurador do Estado e, a contrario sensu, preservando a plena autonomia dos Municípios de legislarem sobre concessões de vantagens a seus servidores.
Diferentemente da Procuradoria Geral do Estado, que integra a estrutura administrativa do Estado de São Paulo, a Defensoria Pública do Estado é uma instituição pública autônoma, tal qual o Ministério Público do Estado, incumbindo-lhe, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. De acordo com art. 134 da Constituição Federal, lei complementar prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados (§ 1º), assegurando-lhe autonomia funcional e administrativa (§ 2º). A Lei Complementar Federal 80/1994, editado para dar cumprimento ao mandamento constitucional, dispõe:
Art. 145. As Defensorias Públicas da União, do Distrito Federal e dos Territórios e dos Estados adotarão providências no sentido de selecionar, como estagiários, os acadêmicos de Direito que, comprovadamente, estejam matriculados nos quatro últimos semestres de cursos mantidos por estabelecimentos de ensino oficialmente reconhecidos.
[…]
§ 3º O tempo de estágio será considerado serviço público relevante e como prática forense.
Acerca do dispositivo em destaque, a jurisprudência é remansosa no sentido de que:
“ADMINISTRATIVO. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO. ESTÁGIO NA DEFENSORIA PÚBLICA. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. 1. O período de estágio realizado gratuitamente nas defensorias públicas, sem provimento de cargo estatutário e nem vínculo empregatício com o Estado, não pode ser averbado como tempo de serviço público federal. Interpretação do art. 145, § 3º, da LC 80/94. 2. Segurança denegada.” (TRF-1, Corte Especial, MS 2002.01.00.045126-5/DF, rel. Des. Maria Isabel Galotti Rodrigues, j. 16.04.2009).
O julgado se refere a estágio realizado na Defensoria Pública da União, cuja organização é feita pela Lei Complementar Federal 80/1994, a mesma que cuida de normas gerais para Defensorias Públicas dos Estados. Nessa esteira, o art. 103, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo estabelece que Lei Orgânica disporá sobre a estrutura, funcionamento e competência da Defensoria Pública paulista. Ainda que se possa cogitar de margem de liberdade conferida pelo legislador federal para o legislador estadual fixar os efeitos do tempo de estágio, além de para fins de contagem de prática forense, fato é que a Lei Complementar Estadual 988/2006 (Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado) reproduziu o comando federal:
Art. 74. O estágio não confere vínculo empregatício com o Estado, sendo vedado estender ao estagiário direitos ou vantagens assegurados aos servidores públicos.
Parágrafo único – O estágio contará como título nos concursos de ingresso na Defensoria Pública do Estado, nos termos dos respectivos editais.
[…]
Art. 82. O estagiário terá direito:
[…]
III – a contar o tempo do estágio, desde que cumprido o período integral de 2 (dois) anos, para fins de concurso de ingresso na Defensoria Pública do Estado.
Observe-se da dicção legal que a assertiva da inexistência de vínculo empregatício se presta a elucidar o regime ao qual o estágio submeter-se-á, totalmente distinto do regime do servidor público. Quer com isso dizer a norma que o estagiário não poderá aproveitar seu tempo para fins de concessão vantagens, ainda que se desligue e reingresse no serviço público como servidor. A exceção se abre para fins de concurso de ingresso na Defensoria Pública do Estado, considerando o tempo como título.
Também nesse caso, o legislador paulista poderia atribuir ao estágio os efeitos ora pretendidos, hipótese em que o legislador municipal deveria respeitar, dado que se trata de instituição elevada ao patamar constitucional. Entretanto, não o fez e foi, além de tudo, aquém do previsto para a Procuradoria Geral do Estado, pois o estágio na Defensoria Pública não é computado como serviço público nem mesmo para o Defensor Público.
Frise-se que, em regra, lei estadual não afeta o regime de servidores públicos municipais, em razão da competência privativa de cada ente federativo legislar sobre a matéria. Apenas por exceção, quando se trata de carreira institucionalizada pela própria Constituição Federal ou Estadual, é que o legislador municipal se curvará, como ocorre com estágio no Ministério Público do Estado. O mesmo poderia ocorrer com estágio na Procuradoria Geral do Estado e na Defensoria Pública do Estado, porém, não foi a opção do legislador estadual, caso em que prevalece o disposto no art. 31 da Lei Municipal 10.430/1988.
Isto posto, manifestamos contrariamente à averbação do período de estágio na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e na Defensoria Pública do Estado de São Paulo realizado pela servidora requerente entre 05/04/2010 a 18/04/2010 e 04/05/2010 a 14/03/2011, respectivamente.
É o parecer que submeto ao elevado descortino de V. Sª.
São Paulo, 18 de junho de 2019.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048