Parecer ADM nº 88/2019
Ref.: n/c
TID nº 18551221
Assunto: Uso indevido de brasão do Município
Senhora Procuradora Legislativa Supervisora,
Cuida o expediente de uso de brasão do Município de São Paulo no portal da Internet XXXXXXXX. Segundo consta, o provedor do site, XXXXXXX, ofereceria serviços de atualização de leis municipais com fins comerciais, o que pode caracterizar uso indevido de símbolo oficial.
É o relatório. Opino.
Símbolos nacionais são aqueles que representam o Brasil, dentro e fora do território, e definidos pela Lei Federal 5.700/1971, quais sejam, a Bandeira Nacional, as Armas Nacionais, o Selo Nacional e o Hino Nacional. O preceito foi recepcionado pela superveniente ordem jurídica, inaugurada pela Constituição Federal de 1988, que também assim preceitua (art. 13, § 1º).
As Armas Nacionais (ou Brasão Nacional) são as instituídas pelo Decreto Federal 4, de 19 de novembro de 1889 (art. 7º) e seu uso é obrigatório no Palácio da Presidência da República e na residência do Presidente da República; nos edifícios-sede dos Ministérios; nas Casas do Congresso Nacional; no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Superiores; nos edifícios-sede dos poderes executivo, legislativo e judiciário dos Estados, Territórios e Distrito Federal; nas Prefeituras e Câmaras Municipais; na frontaria dos edifícios das repartições públicas federais; nos quartéis das forças federais de terra, mar e ar e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, nos seus armamentos, bem como nas fortalezas e nos navios de guerra; na frontaria ou no salão principal das escolas públicas; e nos papéis de expediente, nos convites e nas publicações oficiais de nível federal (art. 26).
Além dos casos de uso obrigatório, o legislador proíbe a venda e a distribuição gratuita de exemplares de Armas Nacionais sem que tragam na tralha do primeiro e no reverso do segundo a marca e o endereço do fabricante ou editor, bem como a data de sua feitura (art. 38). Não há outros casos de restrição, compreendendo-se daí que a lei não veda que particulares possam fazer uso dos símbolos nacionais.
Na mesma esteira, o Município de São Paulo, com fundamento no art. 1º, parágrafo único, da sua Lei Orgânica, possui lei que consolida a legislação municipal sobre honrarias, símbolos municipais e matéria correlata: é a Lei Municipal 14.472/2007. Entretanto, o legislador, no tocante a símbolos oficiais, traz apenas a descrição do Brasão de Armas (art. 5º), da Bandeira do Município (art. 6º) e do Hino do Município (art. 15), sem prescrever normas relativas ao seu uso, como fez a Lei Federal 5.700/1971.
A matéria, em verdade, é disciplinada por outro diploma legislativo, que é a Lei Municipal 14.166/2006, alterada pela Lei Municipal 16.898/2018, que estabelece:
Art. 1º Os governantes do Município de São Paulo não poderão usar nenhuma logomarca de identificação de sua administração que não seja o brasão oficial da cidade, com a inscrição “Cidade de São Paulo”.
§ 1º Fica expressamente proibido o uso de quaisquer símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por partido político ou campanha eleitoral.
§ 2º A proibição de que trata este artigo é aplicável à Administração Direta e Indireta de todos os poderes do Município, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
§ 3º Os programas, campanhas e serviços específicos poderão ter identidade visual própria, observadas as limitações contidas no art. 37, § 1º, da Constituição Federal.
§ 4º (VETADO)
§ 5º (VETADO).
Art. 2º A proibição a que se refere o artigo anterior é também aplicável aos veículos oficiais e conveniados, prédios, uniformes, placas de publicidade ou identificação de obras, a qualquer tipo de material, objetos e alimentos doados à população e publicações oficiais.
Art. 3º As despesas com a execução da presente lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Observa-se que as normas de conduta são dirigidas exclusivamente a agentes públicos (agentes políticos, servidores e empegados públicos). O legislador paulistano, tal qual o federal, não impôs restrição de uso de símbolos oficiais ao particular, não abrindo possibilidade à aplicação de penalidades na ordem administrativa.
Importante registrar que a matéria foi regulamentada nesta Casa Legislativa pelo Ato 967/2007, que institui a marca da Câmara Municipal de São Paulo, de uso obrigatório por todas as unidades do órgão, formada pelo conjunto composto pelo Brasão de Armas da Cidade e logotipo com a inscrição “Câmara Municipal de São Paulo”. Em virtude da natureza do ato normativo, suas disposições se aplicam somente ao âmbito interno.
Em relação ao uso de símbolos nacionais por particulares, vale fazer uma distinção. Embora guarde alguma semelhança, a matéria não recebe o mesmo tratamento legal dado a marcas. A Lei Federal 9.279/1996, conhecida como Lei de Marcas e Patentes, estabelece expressamente o seguinte:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
[…]
XIII – nome, prêmio ou símbolo de evento esportivo, artístico, cultural, social, político, econômico ou técnico, oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou entidade promotora do evento;
Por outro lado, a ausência legislativa acerca da responsabilização administrativa a particulares não constitui óbice à incidência da legislação penal. Com efeito, preceitua o Código Penal:
Art. 296. Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II – quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III – quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.
§ 2º Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
Depreende-se que o inciso III do § 1º constitui, em tese, norma incriminadora de quem – inclusive particular – usa indevidamente símbolos identificadores da Administração Pública. Trata-se aqui de crime contra a fé-pública. A questão que se coloca é o significado de “uso indevido”, que constitui elemento normativo do tipo. Tendo em vista que nem a Lei Federal 5.700/1971, nem a Lei Municipal 14.166/2006 vedam expressamente o uso por particulares, não é qualquer caso que pode conduzir uma pessoa à responsabilidade penal.
Além da falsidade, outra possibilidade que a legislação penal abre é a ocorrência de crime contra a propriedade intelectual, ex vi da Lei Federal 9.279/1996:
Art. 191. Reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos.
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou expõe ou oferece à venda produtos assinalados com essas marcas.
A exegese do citado dispositivo legal conduz à compreensão de que a utilização de símbolos, como o Brasão de Armas, apenas não guardaria tipicidade penal se for autorizada e não houver fins econômicos, nem que possa induzir alguém em erro ou confusão. A descrição típica, à primeira vista, pode se amoldar ao caso em apreço.
O ordenamento jurídico não cria entrave para que a Câmara Municipal de São Paulo possa notificar o provedor do site XXXXXXXXX para retirada do brasão. Entretanto, importante fazer o registro de que o site não traz a inscrição “Câmara Municipal de São Paulo” ou expressão equivalente, de maneira que, desaguando a matéria no âmbito judicial, a legitimidade desta Edilidade possa estar suscetível à impugnação. Ainda que esteja associado a leis, cuja elaboração é uma das funções institucionais do Poder Legislativo, o brasão, salvo melhor juízo, vincula o Município como um todo e sua representação se faz por meio do Poder Executivo.
Desse modo, propõe-se que, antes da adoção de qualquer providência, seja o expediente submetido também à apreciação do Setor Judicial desta Procuradoria para fins de avaliação da melhor estratégia jurídica para a solução do problema.
Por derradeiro, vale pontuar que providências no sentido de coibir o uso indevido de símbolos do Município de São Paulo competem ao Executivo, que é o poder que representa o ente federativo. O interesse jurídico do Legislativo somente sobressairia se o brasão fosse acompanhado da expressão “Câmara Municipal de São Paulo” ou equivalente.
São Paulo, 23 de agosto de 2019.
Renato Takashi Igarashi
Procurador Legislativo
OAB/SP 222.048