Parecer n° 133/2019

Parecer n° 0133/2019
TID n° 18616923
Ref. Memo SGA-31 n° 226/2019

Sra. Dra. Procuradora Legislativa Supervisora,

Trata-se de Memorando encaminhado pelo Sr. Secretário Geral Administrativo, referente à doação de veículo de placa XXXX – XXX da Edilidade à Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura Municipal de São Paulo, ocorrida em 24/10/2006, cuja transferência não fora efetivada e culminou no recebimento de notificação de multa de trânsito.
Em 07/10/2019, a Câmara Municipal de São Paulo encaminhou o ofício SGA n° 267/2019 à Secretaria Municipal de Gestão solicitando a regularização documental do veículo autuado, contudo, em 24/10/2019, houve nova notificação referente à multa do mesmo veículo pela ausência de identificação do condutor infrator de multa imposta à pessoa jurídica.
Diante disto, a Secretaria Geral Administrativa desta Edilidade solicita a análise e manifestação jurídica acerca das providências que podem ser adotadas para a regularização da questão.
É o breve relato do necessário. Passa-se a opinar.

Sobre o assunto da transferência de propriedade de veículos automotores, o Código de Trânsito Brasileiro prevê:
Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:

I – for transferida a propriedade;

§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas.

Como se observa, a transferência da propriedade de veículo obriga a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo, que se presta a conferir a identidade do veículo, bem como identificar seu proprietário e o endereço para fins de comunicação via correio, cabendo ao novo proprietário a sua efetivação, dentro do prazo de 30 dias.

Sendo assim, a Secretaria Municipal de Gestão deveria ter adotado as providências relativas à obtenção do novo CRV para a regularização da transferência do veículo dentro do prazo de 30 dias da efetivação da tradição do veículo. Isso porque a omissão na realização desta medida acarreta a responsabilidade solidária do anterior proprietário por eventuais penalidades decorrentes da violação à legislação de trânsito, conforme dispõe o art. 257, do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código.

§ 1º Aos proprietários e condutores de veículos serão impostas concomitantemente as penalidades de que trata este Código toda vez que houver responsabilidade solidária em infração dos preceitos que lhes couber observar, respondendo cada um de per si pela falta em comum que lhes for atribuída.

§ 2º Ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar.

Ressalte-se, ainda, que a ausência de transferência do veículo por parte da Secretaria Municipal de Gestão implica nas penas previstas no art. 233 do CTB:

Art. 233. Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123:
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Medida administrativa – retenção do veículo para regularização.

Em virtude de a ausência de comunicação por parte do adquirente do veículo acarretar a responsabilidade solidária do antigo proprietário, este também possui um dever no caso de transferência da propriedade do veículo, estabelecido pelo art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, para se resguardar da omissão do proprietário:

Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.

Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput poderá ser substituído por documento eletrônico, na forma regulamentada pelo Contran.

Assim, no caso de não efetivação da regularização do Certificado de Registro de Veículo por parte do atual proprietário, no caso, a Secretaria Municipal de Gestão, o antigo proprietário, ou seja, a Câmara Municipal de São Paulo poderá se resguardar da omissão, comunicando ao órgão executivo de trânsito.

Destarte, a Câmara Municipal de São Paulo, como doadora, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, detém a incumbência de encaminhar ao órgão executivo de trânsito – DETRAN SP cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, assinado e datado, sob pena de ser responsabilizada solidariamente pelas multas impostas até a data da efetiva comunicação.

Ocorre que a jurisprudência passou a flexibilizar a redação do art. 134, do Código de Trânsito Brasileiro, de modo que comprovando, a qualquer momento, que o veículo não está mais em sua propriedade, o antigo proprietário que receba notificação de penalidades cometidas pelo atual proprietário, não se responsabiliza solidariamente, já que, segundo esse entendimento, o antigo proprietário só deveria ser responsabilizado solidariamente caso o real infrator não pudesse ser identificado, pelas multas aplicadas após a alienação do veículo, conforme se observa dos excertos transcritos abaixo:

(…) Verifica-se, pelo artigo transcrito, que o proprietário não responde solidariamente, em caráter absoluto, pelas infrações praticadas pelo adquirente, tendo sido mitigada a responsabilidade solidária. Somente quando não for identificado o infrator, é que o proprietário é responsabilizado pelas infrações cometidas após alienação do veículo, mesmo sem a sua participação. O que o faz responsável é, em verdade, a não-comunicação da transferência ao Detran, assumindo a culpa, pela desídia do seu proceder. Assim, o art. 134 do CTB deve ser interpretado como norma de imposição de solidariedade limitada, ou seja, só há responsabilidade do antigo proprietário, na hipótese de não ser identificado novo adquirente, o real infrator. Essa interpretação vem em benefício do antigo proprietário, de tal forma que, uma vez comunicado o órgão de trânsito a transferência de propriedade, fica a Administração compelida fazer as anotações nos registros do veículo, para efeito de intimar o novo proprietário, mesmo quando ele deixou de providenciar a transferência de registro, na forma do art. 123, §1º, do mesmo Código. Sem essa rega, ou seja, sem que a Administração fosse obrigada a realizar a anotação, estaria o antigo proprietário sem mecanismo par se livrar da responsabilidade em relação ao bem que não mais lhe pertence. (REsp 656.896/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 19/12/2005, p. 336)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 134 DO CTB. RELATIVIZAÇÃO. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. VIOLAÇÃO. AUSÊNCIA. 1. “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as
interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ).
2. O art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe que, no caso de transferência de propriedade de veículo, deve o antigo proprietário encaminhar ao órgão de trânsito do Estado, dentro de um prazo de trinta dias, o comprovante de transferência de propriedade, sob pena de se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas.
3. O Superior Tribunal de Justiça tem mitigado o alcance de tal dispositivo quando fica comprovado nos autos a efetiva transferência de propriedade do veículo, em momento anterior aos fatos geradores das infrações de trânsito, ainda que não comunicada a tradição do bem ao órgão competente de trânsito.
4. Tal proceder não viola o preceito constitucional previsto no art. 97 da CF, relativo à cláusula de reserva de plenário, tampouco a Súmula vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, visto que a decisão agravada procedeu à mera interpretação sistemática do ordenamento pátrio, sem a declaração de inconstitucionalidade da referida norma.
5. “A interpretação de norma infraconstitucional, ainda que extensiva e teleológica, em nada se identifica com a declaração de inconstitucionalidade efetuada mediante controle difuso de constitucionalidade” (AgRg no AREsp 524.849/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Segunda Turma, DJe 17/3/2016). 6. Agravo interno desprovido. (STJ. AgInt no AREsp 519612 / RS. Rel. Min. Gurgel de Faria. DJe 13/11/2017).

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO DÉBITOS DE IPVA E MULTAS DOAÇÃO DE VEÍCULO À IGREJA, QUE ALIENOU A TERCEIRO, SEM ANTES PROCEDER COM A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO, DE MODO A EVITAR A RESPONSABILIZAÇÃO DO ANTERIOR PROPRIETÁRIO POR MULTAS E DÉBITOS POSTERIORES À DOAÇÃO. Com a doação do veículo aos réus, a obrigação desses em realizar a transferência do bem se tornou inequívoca, de modo que incumbia a eles zelar para que o proprietário original não permanecesse como titular do bem perante os órgãos competentes, a fim de evitar a imposição de prejuízos. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO DOADOR AFASTADA. Autor que comprovou a transferência do veículo, por meio de doação, não podendo, por isso, ser responsabilizado pelo pagamento dos tributos e das multas. Irrelevância da comunicação ao órgão de trânsito. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. O abalo moral sofrido pelo autor, que teve débitos de IPVA e multas lançados em seu nome indevidamente, supera o mero aborrecimento, e deve ser indenizado. Caráter pedagógico da condenação, de modo a desestimular novas práticas. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE. As despesas relativas à contratação de advogado pelo autor não são passíveis de reparação, por se tratar de avença livremente pactuada, que envolve exclusivamente a parte contratante e o profissional contratado. Recurso dos réus não provido. Parcialmente provido o recurso do autor, com determinação.
TJSP 0033508-80.2012.8.26.0562, 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Camargo Pereira, 9 de outubro de 2018.

Desse modo, segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, o antigo proprietário, ainda que não tenha comunicado ao órgão executivo de trânsito a respeito da transferência de propriedade dentro do prazo de 30 dias, caso venha a ser autuado por infração de trânsito cometida após a tradição, poderá ter a sua responsabilidade afastada, uma vez comunicada a transferência ao órgão de trânsito.

Por outro lado, caso a comunicação da venda não seja possível, por falta da cópia autenticada do Certificado de Registro de Veículo (CRV), devidamente assinado, datado e com firma reconhecida por autenticidade, e quando já transcorrido o prazo de 30 dias, pode ser realizada pelo antigo proprietário a restrição administrativa. Esse procedimento pode ser realizado pela Câmara Municipal de São Paulo em prejuízo da Secretaria Municipal de Gestão. Efetivada a restrição administrativa pelo Detran-SP, se o novo proprietário for abordado em fiscalização de trânsito, incorrerá em infração de natureza grave, multa e poderá ter o veículo retido para regularização (art. 233 do CTB).

Diante do exposto e da ausência de regularização do CRV perante o DETRAN SP mesmo com o envio do ofício encaminhado à Secretaria Municipal de Gestão em 07/10/2019, a Câmara Municipal de São Paulo pode, de per si, encaminhar ao órgão executivo de trânsito – DETRAN SP cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, assinado e datado, bem como a cópia do processo de doação do veículo e a respectiva publicação no Diário Oficial. Caso não detenha a cópia do CRV autenticada, assinada, datada e com firma reconhecida, a Câmara Municipal de São Paulo poderá requerer a restrição administrativa em desfavor da Secretaria Municipal de Gestão.

Tais medidas se prestam a evitar novas autuações em nome da Edilidade, regularizando a situação registral do veículo. Contudo, em relação às duas multas já cominadas, embora o entendimento jurisprudencial caminhe no sentido de que, uma vez comunicado o órgão executivo (DETRAN), a responsabilidade solidária fica afastada para todas as penalidades aplicadas após a transferência, poderá ser adotado entendimento diverso pela Secretaria de Mobilidade Urbana da municipalidade de São José dos Campos, já que não se trata de jurisprudência de caráter vinculante, e o dispositivo legal (art. 134, do CTB) prevê a responsabilidade solidária.

Como já esgotado o prazo de recurso de recurso administrativo de ambas as multas (16/10 e 18/11, respectivamente), não será possível alegar administrativamente a transferência de propriedade para o afastamento da cobrança.

Por fim, orientamos o encaminhamento de ofício à Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura de São Paulo, informando das providências adotadas perante o órgão de trânsito e para que se digne a efetuar o pagamento das multas.

É a minha manifestação, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 27 de novembro de 2019.

Cíntia Laís Corrêa Brosso
Procuradora Legislativa
OAB/SP 319.729