Parecer n° 190/2018

Processo 1521/2017
Parecer 190/2018
TID 17099402
Interessada: XXXXXXXXXXXXXX
Assunto: Acumulação de cargos públicos: Delegado de Polícia e Vereador. Gozo de férias e licença prêmio durante o exercício de vereança

Sra. Procuradora Legislativa Supervisora

Trata-se de processo administrativo no qual a XXXXXXXXXXXXXX, por intermédio da XXXXXXXXXXXXXX, solicita providências e informações quanto à devolução, aos cofres desta Câmara Municipal, dos subsídios percebidos pelo XXXXXXXXXXXXXX no período de 06 de janeiro a 02 de outubro de 2015.

I – RELATÓRIO

Este Procurador já teve a oportunidade de se manifestar sobre o Presente processo, fls. 58/59v, verificando-se que a questão jurídica de fundo foi analisada apenas pela XXXXXXXXXXXXXX, na qual possui lotação o XXXXXXXXXXXXXX.

Isto porque, embora provocado para tanto, em nenhum momento o XXXXXXXXXXXXXX se opôs, nos presente autos, à restituição dos valores cuja comprovação é requisitada pela Polícia Civil.

Nada obstante, para que se possa analisar a problemática de forma mais ampla e satisfatória; atendendo, assim, às observações do Ilmo. Sr. Secretário Geral Administrativo, mostra-se pertinente tecer alguns comentários com o fito de demonstrar o curso dos acontecimentos até o presente momento e a situação jurídica deles resultante.

O XXXXXXXXXXXXXX, que utiliza o nome político XXXXXXXXXXXXXX, obteve a segunda suplência de vereador pela coligação PRB/PTB, nas eleições municipais de 2012. Em razão do resultado alcançado, pôde assumir o cargo de vereador em 06 de janeiro de 2015.

Em tal oportunidade, passou a usufruir férias (período de 05.01.2015 a 03.02.2015) e licença prêmio (período de 04.02.2015 a 01.10.2015) referentes ao cargo efetivo, de delegado de polícia. De maneira concomitante, exerceu efetivamente as atividades inerentes ao cargo de Vereador do Município de São Paulo, com a respectiva percepção de subsídios.

De acordo com informações transmitidas pelo próprio ex-vereador, a postura foi adotada por haver compatibilidade de horários, do que, no seu sentir, resultaria a acumulação lícita de cargos.

Porém, com o término da licença prêmio em 01.10.2015, o XXXXXXXXXXXXXX teve que comunicar o seu afastamento ao órgão de origem, com opção pela remuneração do cargo de delegado de polícia, o que ensejou a edição da Portaria 042/2015, DECAP, que considerou o ex-vereador afastado do cargo de Delegado de Polícia de 02.10.2015 a 31.12.2016, sem prejuízo da sua remuneração.

De forma inequívoca, portanto, houve acumulação dos cargos de Delegado de Polícia e Vereador no período entre 05.01.2015 e 02.10.2015, sendo acumulados também os respectivos vencimentos. Essa situação não havia chegado ao conhecimento da XXXXXXXXXXXXXX, órgão de origem, para quem o XXXXXXXXXXXXXX estava apenas usufruindo de férias e licença prêmio.

As se deparar com a situação na qual teve de dar ciência ao órgão de origem de que estava ocupando o cargo de vereador e, ao mesmo tempo, optar pela remuneração do cargo efetivo, o XXXXXXXXXXXXXX dirigiu requerimento ao Ilmo. Senhor Delegado Seccional de Polícia da 7ª Delegacia Seccional – Itaquera, tecendo esclarecimentos sobre a situação. Note-se o trecho abaixo:

“Lamentavelmente verifico agora que, em verdade, deveria já no dia 06 de janeiro de 2015 ter comunicado à Administração Superior da Polícia Civil, pelas vias hierárquicas, que estava acumulando o cargo de vereador com o de delegado de polícia, e solicitar a análise da possibilidade de acúmulo de cargos, ao menos no período em que estivesse no gozo de licença-prêmio, porque entendia possível licenciar-me do cargo de Delegado de Polícia, por meio de licença-prêmio, e assim exercer cumulativamente o cargo de vereador. Acreditava, apenas quando não tivesse mais período de férias e licença-prêmio, que sobreviria a impossibilidade de acumular cargos, visto que, de fato o exercício do cargo eletivo de vereador no Município de São Paulo requer várias atividades, devendo integrar inúmeras comissões e participar de várias reuniões do Plenário, revelando incompatibilidade de horários, essencial para possibilidade de acúmulo de cargos”. (fl. 9)

Desvela-se, portanto, que o XXXXXXXXXXXXXX reconhece que deveria ter avisado o órgão de origem desde o início do exercício da vereança, para que fosse realizada a análise jurídica quanto à possibilidade de acumulação de cargos.

É possível inferir, porém, que a acumulação, lícita ou não, ocorreu de boa-fé, uma vez que o XXXXXXXXXXXXXX, a priori, não vislumbrou nenhuma incompatibilidade de horário, haja vista que não estava desempenhando as regulares atribuições de Delegado de Polícia. E sequer poderia exercê-las, posto estar usufruindo de férias e licença-prêmio.

Nada obstante, ao vislumbrar a possibilidade de ser considerada ilegal a acumulação ocorrida entre 06 de janeiro e 01 de outubro de 2015, o próprio ex-vereador, no mesmo requerimento, manifestou expressamente a sua preferência para que fosse considerada a opção pelos vencimentos de delegado de polícia desde o início do exercício da vereança. Observe-se:

“c) requeiro ainda que a Administração Superior da Polícia Civil, caso decida pela impossibilidade de acúmulo de cargos no período de 06 de janeiro a 1º de outubro de 2015, que se respeite a minha manifestação pela opção de percepção dos vencimentos de Delegado de Polícia, reconheça como legítimo o reconhecimento da remuneração pelo Governo de São Paulo neste período, e que quanto aos subsídios que recebia como Vereador neste igual período, comprometo-me a ressarcir o Erário, no caso o Poder Legislativo do Município de São Paulo, na hipótese de haver decisão, repito, pela incompatibilidade de acúmulo no período em estava afastado porque em gozo de férias e licença-prêmio” (fl. 9v)

A questão foi submetida à apreciação do órgão responsável pela consultoria jurídica à Secretaria de Segurança Pública, a saber, a Procuradoria do Estado de São Paulo que, por intermédio da Ilustríssima XXXXXXXXXXXXXX, proferiu parecer ementado da maneira:

SERVIDOR PÚBLICO. Consulta sobre a legalidade da cumulação do cargo público de Delegado de Polícia e mandato eletivo de Vereador do Município de São Paulo, com percebimento de vencimentos de ambos os cargos, já ocorrida, quando em gozo de férias e licença prêmio do cargo efetivo. Posterior afastamento do cargo de Delegado de Polícia, com opção de percebimento da remuneração desse cargo. A compatibilidade de horários é que orienta a viabilidade de cumulação de cargo público com mandato efetivo. Inexistindo esta, há imposição legal de afastamento do cargo público efetivo. Inviabilidade, portanto, do acúmulo verificado na hipótese tratada. Necessidade de revisão dos atos que deferiram o gozo de licença prêmio e férias, usufruídas em 2015, que deverão retornar ao patrimônio do servidor, para gozo oportuno e da Portaria de afastamento, que deverá retroagir a janeiro de 2015. Ante a declaração de sua opção pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia, caberá a devolução do valor percebido indevidamente da Câmara Municipal e sua comprovação nos autos, oportunamente. (fl. 31)

O que se vê, portanto, é que a Procuradoria Geral do Estado opinou no sentido de que o XXXXXXXXXXXXXX acumulou, de fato, irregularmente os cargos Delegado de Polícia e Vereador do Município de São Paulo e as respectivas remunerações. Ainda que se considere que no período estivesse usufruindo de férias e licença prêmio.

Nada obstante, no mesmo parecer, a Ilma. Procuradora buscou uma solução jurídica capaz de sanar a irregularidade verificada.

Nesse diapasão, a solução encontrada foi retroagir, à data do início do exercício do cargo de Vereador, a opção realizada pelo afastamento do cargo efetivo de Delegado de Polícia com opção pela remuneração deste mesmo cargo.

Essa opção acarretou, ipso facto, a reintegração das férias e licença prêmio ao patrimônio do XXXXXXXXXXXXXX. Isto é, passou a ser considerado, pela Polícia Civil, que o afastamento do cargo efetivo ocorreu desde o início do exercício da vereança, com opção pelo salário de Delegado de Polícia. Para tanto, os atos administrativos que regeram o caso concreto tiveram que ser revistos. Nos termos do parecer da XXXXXXXXXXXXXX:

“Diante do exposto, há necessidade de revisão dos atos que deferiram o gozo de licença prêmio e férias, usufruídas em 2015, que deverão retornar ao patrimônio do servidor, para gozo oportuno e da Portaria de afastamento, que deverá retroagir a janeiro de 2015, aproveitando-se para constar que o afastamento é do cargo e não função-atividade, assim como o fundamento legal (art. 38, III, da Constituição Federal e artigo 73, da Lei n. 10.261/68). E, ante a declaração de sua opção pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia, deverá o interessado proceder à devolução do valor percebido indevidamente da Câmara Municipal e sua comprovação nos autos, oportunamente.” (fl. 33v)

A solução jurídica apresentada foi corroborada, na ocasião, pelo XXXXXXXXXXXXXX, Procurador do Estado Chefe Substituto – CJ/SSP, conforme manifestação cujo trecho pertinente segue transcrito infra:

“5. Portanto, entendo correta a solução dada ao caso pela i. Parecerista, conforme item 12 de sua manifestação, ao recomendar a revisão dos atos que deferiram o gozo de licença prêmio e férias usufruídas em 2015, que deverão retornar ao patrimônio do servidor, para gozo oportuno; bem como a revisão da Portaria de afastamento, que deverá declarar que o afastamento se dá a partir de 06/01/2015, conforme declarações de fls. 02.
6. Como a lógica para resolver a situação funcional do interessado foi a de considerar ele afastado desde o início do exercício da vereança , a opção pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia também deverá retroagir ao início de quando o afastamento deveria ter se dado, excluindo, assim, o direito à percepção dos vencimentos do cargo eletivo. Desse modo, deve o Estado acompanhar e exigir a comprovação nos autos que o interessado procedeu à devolução do valor percebido indevidamente da Câmara Municipal, para só então considerar regularizada a situação dos vencimentos. É o que também foi bem colocado pela i. autora do parecer CJ/SSP nº 825/2017, conforme parte final de seu já referido item 12.
7. Além dessas providências, acresço a necessidade de: (i) o interessado providenciar a devolução do terço de férias correspondente ao período de férias que retornará ao seu patrimônio, bem como de eventuais valores que componham sua remuneração eventual, e deveriam ter cessado com o afastamento, caso existam e tenham sido pagos no período em que gozou férias e licença (e que será considerado como de afastamento, com fundamento no art. 38, III, da CF/88); (ii) ser retificada a frequência do servidor e o cômputo do tempo de serviço, observado o disposto no inciso IV do art. 38 da Constituição Federal.”

Em resumo, por haver considerado a acumulação irregular, no período entre janeiro e outubro de 2015, a Secretaria de Segurança Pública do Estado fez retroagir os efeitos da licença do XXXXXXXXXXXXXX para exercer o cargo eletivo de Vereador do Município de São Paulo.

Logo, é como se o ex-vereador não houvesse nunca gozado as férias e licença prêmio, que retornaram ao seu patrimônio. Nesse contexto, de afastamento do cargo efetivo com opção pela remuneração do mesmo, a percepção concomitante dos subsídios de vereador realmente não se mostrou viável, nos termos do artigo 38, III da Constituição Federal. E por esta razão a Polícia Civil questiona se o XXXXXXXXXXXXXX já devolveu à Edilidade os valores pagos a título de subsídio ou, por outro lado, quais medidas estariam sendo promovidas em tal sentido.

É digno de nota, ademais, o fato de que, ao ser comunicado formalmente do quanto decidido, o XXXXXXXXXXXXXX não se opôs formalmente à solução encontrada, esclarecendo, apenas, que precisaria de condições especiais para concretizar a restituição. Em memorando encaminhado ao Exmo. XXXXXXXXXXXXXX, Delegado de Polícia Titular do 59º DP, afirmou o ex-vereador:

“Informo a Vossa Excelência que apõe tomar ciência do teor do presente expediente, mais especificamente do item 6 do parecer CJ nº 825/2917, fls. 61, imediatamente compareci à Câmara Municipal e lá, pessoalmente com o Presidente da mesma, após relatar os fatos, fui informado que inicialmente necessário se faz verificar a forma à recolher o valor correspondente, valor esse que se torna impossível que este signatário restitua de forma imediata e única.
Outrossim, esclareço que tão logo tenha conhecimento da decisão daquela Corte em proceder ao recolhimento do valor, providências serão tomadas por este para tal fim.” (fl. 38v)

Este é o quadro jurídico delineado no âmbito da Secretaria de Segurança Pública do Estado e, em razão do qual, o referido órgão requer desta Câmara Municipal informações sobre a devolução, pelo XXXXXXXXXXXXXX, dos subsídios percebidos pelo exercício do cargo de vereador entre janeiro e outubro de 2015.

No âmbito da Edilidade, algumas providências já foram tomadas no sentido de reaver os referidos valores. Por exemplo, à fl. 50 consta a apuração do valor total corrigido. Há, ademais, contatos promovidos pela Edilidade, por diversos meios, solicitando do ex-vereador a restituição dos valores (fls. 52, 54).

Em 03 de maio de 2018 o Ilmo Sr. Secretário Geral Administrativo solicitou manifestação desta Procuradoria Legislativa, destacando a pertinência de “avaliação a propósito da situação havida e seus reflexos para que se possa verificar a necessidade ou não da devolução de valores junto à esta Casa, uma vez que tal providência assegura o contraditório e a futura oportunidade de defesa ao ex-Vereador em procedimento instaurado no âmbito desta Casa” (fl. 73)

É o Relatório.

II – MÉRITO

Nos termos da solicitação realizada pelo Ilmo. Sr. Secretário Geral Administrativo, há, Inicialmente, que se distinguir entre duas situações jurídicas, a saber (i) a situação de acúmulo dos cargos de Delegado de Polícia e de Vereador entre janeiro e outubro de 2015, verificada inicialmente, antes da regularização com efeitos ex tunc promovida pela Secretaria de Segurança Pública do Estado; e (ii) a situação de afastamento do cargo de Delegado de Polícia com opção pelos vencimentos do mesmo desde o início do exercício da vereança, o que passou a prevalecer após o saneamento com efeito ex tunc realizado em processo administrativo no âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

A) Acumulação dos cargos de Delegado de Polícia e Vereador

Em relação à primeira situação (acumulação dos cargos de Delegado de Polícia e Vereador durante o gozo de férias e licença prêmio), deve-se deixar claro que a mesma não produz mais efeitos no mundo jurídico, pois foi revista com efeito ex tunc pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Inobstante, é relevante lembrar que a interpretação mais corrente do artigo 38 da Constituição da República realmente reconhece que as acumulações vedadas ocorrem entre os cargos, desde o momento da posse, independentemente do efetivo exercício das atribuições a eles inerentes.

Isto é, prevalece o entendimento de que a premissa constitucional visa evitar a constituição de mais de um vínculo laboral com a Administração. É nesse sentido, por exemplo, a Súmula n.º 246 do Tribunal de Contas da União, segundo a qual “o fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.”.

No mesmo sentido foi o recente julgamento do STF no MS 27.955, no qual foi confirmado que um servidor do Poder Judiciário não poderia tirar licença não remunerada para assumir a titularidade de um cartório. Julgamento ocorrido em abril do corrente ano.

Nada obstante, a acumulação ocorrida no caso concreto foge um pouco a essa lógica, uma vez que o artigo 38, III da Constituição da República autoriza expressamente a acumulação do cargo de vereador com cargo efetivo, caso exista compatibilidade de horário.

E no caso concreto, embora a compatibilidade de horários não seja a regra, haja vista a intensa agenda de um Vereador do Município de São Paulo, é inequívoco que não ocorreu nenhuma incompatibilidade entre as jornadas relativas aos cargos de Vereador e Delegado de Polícia entre janeiro e outubro de 2015.

Isso porque, conforme já dito repetidas vezes, o XXXXXXXXXXXXXX o estava gozando férias e licença prêmio em tal período, de forma que sequer poderia exercer as atribuições efetivas de Delegado de Polícia.

A situação não destoa muito do acúmulo de cargo com proventos de aposentadoria, hipótese em que não há que se falar em incompatibilidade de horários porque, por razões óbvias, o servidor não compromete nenhum horário referente ao cargo no qual já está aposentado. Tanto o Tribunal de Contas da União quanto o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento muito claro quanto ao particular:

Em estando aposentado do primeiro cargo de professor, o interessado pode exercer o segundo cargo de professor sob qualquer regime previsto no Decreto n. º 94.664/87 (20 ou 40 horas semanais ou dedicação exclusiva), sem que com isso tenha incorrido em qualquer incompatibilidade de horários, sendo, portanto lícita a opção do interessado pelo regime de dedicação exclusiva.
(Decisão 322/2001, da Segunda Câmara, Ministro Benjamin Zymler)

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AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROFESSOR. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. APOSENTADORIA NO CARGO ANTERIOR. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência deste Sodalício entende pela possibilidade de acumulação de dois cargos de professor, sendo o segundo de dedicação exclusiva se o servidor já encontrar-se aposentado no primeiro cargo.2. Agravo regimental improvido. STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AgRg no Ag 1118050 RS 2008/0248997-0

Ora, se o aposentado não pode trabalhar em um dos cargos, o que afasta qualquer incompatibilidade de horários, da mesma forma o trabalhador que está usufruindo de férias ou licença prêmio em um dos cargos também não experimentará nenhuma concorrência entre as jornadas referentes aos dois cargos.

Ainda que se mantenha a posição de que a acumulação contraria a ratio do inciso III do artigo 38, da Constituição Federal, posto que, em condições normais, os cargos realmente possuem horários incompatíveis, mesmo assim seria difícil vislumbrar a ocorrência de má-fé por parte do ex-vereador.

Isso porque a má-fé pressupõe efetivo prejuízo para a Administração Pública, o que não ocorreu no caso concreto, em que nenhuma função dos cargos de Vereador ou Delegado de Polícia deixou de ser desempenhada.

Assim, impõe-se a conclusão de que a interpretação mais corrente não recomenda o acúmulo dos cargos de Delegado de Polícia e Vereador do Município de São Paulo.

Ainda assim, em se tratando de período de tempo limitado em que o titular dos cargos esteve afastado das funções de Delegado de Polícia em razão do gozo de férias e licença prêmio, não se verificaria a presença da má-fé necessária para a caracterização de ilícito administrativo e dever de restituir os subsídios percebidos em decorrência do exercício do cargo de Vereador.

Porém, esta análise referente ao acúmulo de cargos, como já explicado, não produz efeitos jurídicos, posto que a situação do XXXXXXXXXXXXXX, no âmbito da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, foi alterada com efeito ex tunc. É disso que trataremos doravante.

B) AFASTAMENTO RETROATIVO DO CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA – SITUAÇÃO JURÍDICA EM VIGOR

Como visto, nos termos da orientação formulada pelo órgão jurídico de consulta da Secretaria Estadual de Segurança Pública, o afastamento do cargo de Delegado de Polícia, com opção pela remuneração do mesmo, que havia, originariamente, ocorrido apenas em 02 de outubro de 2015, passou a ser considerado como ocorrido de 06 de janeiro de 2015.
Logo, para o órgão de origem, o XXXXXXXXXXXXXX foi afastado do cargo de Delegado de Polícia desde o primeiro dia de exercício da vereança, sendo as férias e licença prêmio restituídas ao seu patrimônio. Em outras palavras, em decorrências do efeito retroativo aplicado pelo órgão de origem, é como se o ex-vereador nunca houvesse tirado férias e licença prêmio, estando afastado desde o início.
Se nunca tirou as mencionadas férias e licença prêmio, e desde o início do exercício da vereança está afastado da Polícia Civil para ser exclusivamente Vereador, é certo que o XXXXXXXXXXXXXX apenas poderia perceber uma das duas remunerações, havendo optado expressamente pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia.
E se optou pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia, a conclusão necessária é a de que recebeu irregularmente os subsídios do cargo de vereador, do que decorre a imperatividade da restituição.
Mas a percepção desse subsídio possui natureza impassível de repetição, em decorrência da boa-fé? Nesse caso não, porque como a decisão administrativa no âmbito do órgão de origem produziu efeitos retroativos, é como se o ex-vereador soubesse desde o início que só poderia receber a remuneração de Delegado de Polícia, pois se afastou do cargo e optou por ela.
Nesse contexto, não é mais importante discutir, nesse processo, a possibilidade de acumulação dos cargos de Vereador e Delegado de Polícia.
O órgão de origem acabou com a essa discussão ao fazer retroagir os efeitos do pedido de afastamento e opção pela remuneração do cargo de Delegado de Polícia.
Se juridicamente o XXXXXXXXXXXXXX esteve afastado do cargo efetivo desde o início da vereança, não é relevante para esta Câmara Municipal, para definir a sua linha de atuação daqui por diante, discutir a possibilidade de acumulação. É preciso adotar como premissa a situação jurídica comunicada pelo órgão de origem.
Assim, tendo à vista a situação jurídica consolidada no órgão de origem, o único caminho aberto para a Câmara Municipal de São Paulo consiste em promover a cobrança dos valores pagos a título de subsídios pelo exercício do cargo de vereador de janeiro a outubro de 2015.
A corroborar essa conclusão, deve-se ter à vista, ainda, que ao se manifestar no processo administrativo que tramitou na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o XXXXXXXXXXXXXX concordou expressamente com a solução adotada.
Além disso, há que se cogitar que a restituição ou não dos subsídios do cargo de vereador pagos entre janeiro e outubro de 2015 certamente terá repercussões na vida funcional do ex-vereador perante o órgão de origem.
III – CONCLUSÕES

Diante de todo o exposto, decorrem as seguintes conclusões:

1. O acúmulo dos cargos de Delegado de Polícia e Vereador do Município de São Paulo não é recomendável à luz do artigo 38, III, da Constituição da República, ainda que ocorra gozo de férias e licença prêmio em relação ao cargo efetivo, visto que a ratio do instituto é impedir que se acumulem vínculos cujo exercício será incompatível, independentemente da possibilidade temporário de compatibilização das atribuições;

2. Nada obstante, não é possível vislumbrar, no caso concreto, a ocorrência de má-fé por parte do XXXXXXXXXXXXXX, e tampouco qualquer prejuízo ao desempenho das atribuições de cada um dos cargos, de maneira que a devolução dos subsídios de Vereador, em razão da cumulação irregular de cargos, não se justificaria em uma eventual controvérsia sobre a possibilidade de acumulação dos cargos;

3. Porém, o órgão de origem resolveu a questão. Assim, extinguiu qualquer controvérsia sobre a possibilidade de acúmulo de cargos. Nesse contexto, retroagiu a opção pelo afastamento do cargo de Delegado de Polícia com a percepção da remuneração do mesmo. Assim, não há que se falar em acumulação, posto que o XXXXXXXXXXXXXX, juridicamente, esteve afastado do cargo de Delegado de Polícia desde o início. Repita-se, o efeito ex tunc atribuído faz com que juridicamente nunca tenha ocorrido a acumulação. Logo, tinha direito a receber a contraprestação vinculada a apenas um dos cargos, reiterando-se que optou pela remuneração de Delegado de Polícia.

4. Isto posto, o único caminho aberto a esta Câmara Municipal consiste em promover a cobrança dos valores pagos a título de subsídio do cargo de Vereador entre janeiro e outubro de 2015, não sendo possível ignorar a situação jurídica consolidada no órgão de origem e emitir nova decisão totalmente desvinculada dela. Até porque tomamos integral conhecimento do processo administrativo em questão.

5. Em tal cobrança, a Edilidade poderá abrir procedimento com contraditório para que o XXXXXXXXXXXXXX se manifeste sobre o tema, sendo certo que não manifestou oficialmente nenhuma oposição até o momento.
É a minha manifestação.

São Paulo, 14 de maio de 2018

RICARDO TEIXEIRA DA SILVA
PROCURADOR LEGISLATIVO
OAB/SP 248.621