Parecer n° 561/2017

Parecer nº 561/2017
Ref.: TID nº 16082425 – Memo CTI nº 03/2017
Interessado: CTI e SGA
Assunto: Requerimento solicitando o pagamento de horas extraordinárias

Senhora Supervisora,

O expediente em epígrafe já foi objeto de análise deste Setor, recebendo o Parecer nº 290/2017, por meio do qual se analisou o preenchimento dos requisitos previstos no Ato nº 989/07, que regula a prestação de horas extraordinárias no âmbito desta Casa.

Neste momento o expediente volta a este Setor com solicitação do Sr. Secretário Geral Administrativo de nova análise, tendo em vista a informação de que o atual Supervisor do CTI-6 já era o supervisor do setor à época da realização das horas extraordinárias, uma vez que no parecer anteriormente exarado constou um alerta sobre a ausência dessa informação.

O aviso constante do parecer visou alertar para que fosse adotada a rotina habitual na Casa no que diz respeito ao pagamento ou não de horas extraordinárias ao ocupante de função gratificada, como é o caso da supervisão de setor.

Em face da solicitação de reanálise feita pelo Secretário Geral, impõe-se a manifestação sobre o direito ao recebimento de horas extraordinárias realizadas pelos servidores ocupantes dessas funções gratificadas.

Em suma, a questão que se debate é saber se o acréscimo remuneratório percebido pelo exercício de função gratificada impede o pagamento de horas extraordinárias realizadas, pois estas já estariam cobertas por aquele acréscimo.

Em síntese as teses opostas advogam os seguintes pontos:

i) uma corrente entende que a função gratificada, tal como o cargo em comissão e a função de confiança, é de livre nomeação e exoneração pela autoridade competente, e representa um acréscimo salarial na forma de “gratificação” pago ao servidor efetivo que exerce atribuição de direção, chefia ou assessoramento e assim não podem receber hora extraordinária, adicional de tempo integral, adicional de dedicação exclusiva e adicional noturno, pois, estando às ordens (“ad nutum”) da autoridade que os nomeou, podem ser requisitados a qualquer momento, à noite, aos finais de semana e nos feriados. Em outras palavras, essa corrente entende que a remuneração percebida em razão de exercício do cargo em comissão ou função de confiança justifica-se não só pelo incremento de suas responsabilidades funcionais como também por manter-se o servidor à disposição do empregador em tempo integral (não só de segunda a sexta-feira, mas também em sábados e domingos) e por essa razão esse regime não comporta o pagamento cumulativo de horas extraordinárias;

ii) uma segunda corrente, ao contrário, sustenta que o acréscimo pecuniário pago em virtude do exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada visa remunerar não o trabalho extraordinário prestado, mas a responsabilidade maior do cargo ou função, o trabalho de maior valia desenvolvido pelo servidor, e de que a não remuneração do trabalho extraordinário acarretaria ofensa ao estabelecido nos incisos XIII e XVI do art. 7°, combinado com o § 3° do art. 39, da Constituição Federal.

Assim sintetizados os posicionamentos sobre o tema, desde logo deixo assentado que me filio ao entendimento de que não há impedimento para o pagamento de horas extraordinárias realizadas por ocupantes de função de confiança, por julgar que o acréscimo remuneratório que lhe corresponde é devido como contrapartida à função de chefia que o servidor exerce e ao incremento de responsabilidade que lhe é inerente, e não há gratificação ou remuneração que exija a prestação de horas ilimitadas.
Com efeito, nos termos do art. 14 da Lei nº 13.637/03, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 14.381/07, as funções gratificadas, a serem exercidas exclusivamente pelos servidores efetivos, destinam-se ao desempenho das atividades de direção, chefia e assessoramento, não havendo, qualquer previsão de que esses servidores submetem-se a regime de dedicação exclusiva ou tempo integral, tal como ocorre no Estatuto dos Servidores da União, cujo art. 19, § 1º, assim estabelece, in verbis:

“Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91).
§ 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)”

Veja-se que mesmo à luz desse dispositivo, que ao estabelecer o regime de dedicação integral ao serviço para os ocupantes de cargo em comissão e função de confiança (que em tudo se assemelha à função gratificada), parece querer afastar a percepção de horas extras, o Supremo Tribunal Federal, assim como o Tribunal de contas da União já se manifestaram no sentido da possibilidade de pagamento das horas extras realizadas por esses servidores.

Com efeito, o E. Supremo, no exercício de função administrativa de organização de seus serviços e pessoal, tem enfrentado questão atinente ao direito às horas extras para os servidores ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança que tenham jornada especial regulamentada por lei específica.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, no artigo “DIREITO A HORAS EXTRAS DE SERVIDORES COMISSIONADOS OU EM CARGO DE CONFIANÇA”, publicado em 09/03/2016, expressa como o tema vem sendo tratado na Suprema Corte, conforme “Secretaria de Gestão de Pessoas. Processo Administrativo nº 353.132”:

“A questão é discutida no Processo Administrativo nº 353.132, no qual consta que, em 1999, o chefe da assessoria jurídica da Diretoria-Geral defendeu a adoção, relativamente ao cargo de médico, da carga semanal de vinte horas e, no tocante ao de odontólogo, de trinta horas, independentemente de estarem, ou não, os ocupantes investidos em cargos comissionados.
Posteriormente, o chefe da Seção de Legislação e o coordenador de Informações Funcionais se pronunciaram no sentido de excepcionar situações em que haja função ou cargo comissionado.
Nesse sentido, consta no processo que houve a edição da Ordem de Serviço nº 12/2000, que dispôs que “a duração do trabalho dos servidores que exerçam profissão regulamentada e que não estejam investidos em função comissionada subordina-se à jornada estabelecida na respectiva legislação”.
Assim, em seguida, foi apresentado um requerimento de reconsideração para que haja continuidade à prática administrativa de concessão de horas extras, independentemente de haver exercício de função de confiança ou de cargo em comissão.

Com extrema sabedoria, o ministro Marco Aurélio explicou o seguinte sobre o referido Processo Administrativo:

‘Nota-se que o percebido em virtude do cargo de provimento em comissão ou de natureza especial visa remunerar não o trabalho extraordinário prestado, mas a responsabilidade maior do cargo ou função, o trabalho de maior valia desenvolvido pelo servidor. Em outras palavras, a interpretação sistemática da Lei nº 8.112/90 conduz a concluir-se que parcela remuneratória satisfeita em razão de encontrar-se o servidor no cargo de provimento em comissão ou de natureza especial não se refere a trabalho extraordinário. Este deve ser remunerado a partir do que recebido normalmente pelo servidor, observado o quantitativo concernente ao cargo de provimento em comissão como o de natureza especial. A assim não se entender, ter-se-á situação jurídica na qual haverá verdadeira compensação, que, por sinal, pode, em tese, não ser completa, bastando, para tanto, que o pagamento a maior seja insuficiente a cobrir o trabalho extraordinário.
Mais do que isso, na alteração da Lei nº 8.112/90 promovida pela Lei nº 8.270/91, dispôs-se que a regência do artigo 19 dela constante não alcança a duração do trabalho fixada em leis especiais.
Do contexto, depreende-se, então, que os servidores protegidos, sob o ângulo da duração do trabalho, por legislação especial estão sujeitos à jornada normal nela prevista, sendo desinfluente a circunstância de virem a exercer cargo em comissão ou função de confiança, no que estes – repito – geram o direito ao aumento remuneratório tendo em conta não a dilatação da jornada, mas o desempenho de atividade de maior responsabilidade.
Pronuncio-me no sentido de observar-se, independentemente da assunção de cargo em comissão ou de função de confiança, a jornada estabelecida na lei especial de regência da atividade do servidor, remunerando-se, como extraordinárias, as horas de trabalho que a ultrapassarem.’ (sublinhei)

O entendimento do nobre ministro é extremamente salutar, uma vez que nada exclui a regra que impõe jornada de trabalho e, constitucionalmente, o dever de remunerar horas extras.”

Concluiu a E. Corte Suprema, no âmbito desse processo administrativo pela possibilidade de pagamento das horas extraordinárias efetuadas pelos servidores ocupantes de cargos em comissão ou função de confiança, nos termos do voto acima reproduzido.

Em sentido semelhante se pronunciou o C. Tribunal de Contas da União, igualmente apreciando a possibilidade de pagamento de horas extraordinárias a servidor seu cedido à CPI dos Bancos, cuja cópia do documento anexo à presente manifestação.

Analisando o art. 19 do Estatuto dos Servidores da União, lê-se no voto do Relator:

“11. Inicialmente, deve ser notado que o caput do art. 19 estabelece, de forma geral, o limite máximo semanal e os limites mínimo e máximo diários da jornada de trabalho dos servidores públicos. Assim, fica criada apenas a possibilidade do servidor, de acordo com as atribuições de seu cargo, poder estar sujeito a uma jornada inferior aos limites máximos fixados.
12. No entanto, o §1º restringe tal possibilidade no caso do ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, estipulando que o servidor nelas investido ‘submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, (…) podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração’.
13. Ao comentar o dispositivo, afirma Paulo de Matos Ferreira Diniz que o ‘legislador quis exigir do servidor público uma dedicação global, plena, ao serviço’. O regime de integral dedicação ao serviço somente impede o exercício de outra atividade remunerada pública ou privada, nos termos do disposto no art. 120 da L. 8.112/90 e art. 14 do Decreto n.º 94.664/87. ( in Lei n º 8.112/90, Comentada, Brasília Jurídica, 4ª Edição, 1997, pág. 51).
14. Fica claro, pois, que as finalidades precípuas da norma são sujeitar o titular de função de confiança (lato sensu) à jornada de quarenta horas semanais e impedir-lhe o exercício de outra atividade, sem, contudo, vedar o pagamento de horas extras pelo trabalho prestado, quando ocorrer convocação no interesse da Administração, além desse limite máximo.
15. Além da Lei nº 8.112/90 não bloquear o pagamento de serviço extraordinário, a Constituição Federal dispõe no art. 7º, incisos XIII e XVI, aplicáveis aos servidores públicos, conforme prevê o art. 39, §2º, que:
‘Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
(…)
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal.’
16. Portanto, existe determinação constitucional de que as horas trabalhadas além da duração normal da jornada recebam remuneração diferenciada, não havendo como negar aos servidores comissionados conquistas e direitos de toda a sociedade consubstanciados na Constituição Federal.” (grifos meus)

Diante do exposto, entendo pela possibilidade de pagamento de horas extraordinárias realizadas por servidores ocupantes de função gratificada, desde que i) eles estejam submetidos a um regime próprio de jornada de trabalho com carga horária fixada em lei; ii) haja convocação pela Administração para a realização de serviços extraordinários além do limite da jornada e de que haja efetivo controle da realização das horas extraordinárias realizadas; iii) as horas realizadas em caráter extraordinário justificadamente não possam ter sido compensadas através do banco de horas, tal como preconizado no Ato nº 989/07 e suas alterações, tendo em vista que o acréscimo remuneratório que lhe corresponde é devido como contrapartida à função de chefia que o servidor exerce e ao incremento de responsabilidade que lhe é inerente, e não ao pagamento de serviços extraordinários realizados além da jornada de trabalho, posto que não há gratificação ou remuneração que exija a prestação de horas ilimitadas, e, finalmente, em face do estabelecido nos incisos XIII e XVI do art. 7°, combinado com o § 3° do art. 39, da Constituição Federal.

Por fim, registro que no último pedido de pagamento de horas extraordinárias formulado pelo CTI o pagamento ao supervisor foi deferido pela Mesa Diretora, tal como se constata na decisão de Mesa nº 2726/16, cuja cópia anexo à presente.
Essa a minha manifestação que elevo à consideração de Vossa Senhoria.
São Paulo, 26 de junho de 2017.

LUIZ EDUARDO DE SIQUEIRA S.THIAGO
Procurador Legislativo – OAB/SP 109.429