Parecer n° 708/2017

Parecer nº 708/2017

Ref.: Requerimento aprovado na 7ª Reunião Ordinária da CPI da Dívida Ativa (proc. RDP Nº 08-00002/2017)

Assunto: Alterações introduzidas na Lei de Execução Fiscal – Fiança bancária e seguro-garantia

Sra. Procuradora Legislativa Chefe,

Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Vereador Ricardo Nunes, aprovada em Reunião Ordinária de 13 de abril de 2017 da Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI em curso nesta Casa, que tem por objeto investigar fatos relacionados aos grandes devedores da dívida ativa do Município de São Paulo (proc. RDP nº 08-00002/2017). A consulta foi formulada nos seguintes termos, consoante as notas taquigráficas da mencionada reunião:

“O SR. XXXXXXXXXXX – ……………………………………………………………….
Segunda colocação, Presidente, dentre a nossa visita lá, quinta-feira passada, na Procuradoria, de uma conversa muito cordial, inclusive, com quase todos os procuradores, nos foi dito que através de uma medida provisória que gerou a lei 13.043, alterando a lei 6.830, isso tem causado prejuízo para o Município por quê? O que estipulou a lei 3.043, alterando a lei 6.830, informações dadas lá pelos procuradores, de que as garantias para as cobranças tornaram a carta fiança e o seguro fiança dentro do mesmo padrão, dentro da mesma linha do recurso colocado em dinheiro dos depósitos em juízo. Informações lá dos procuradores da nossa visita.
Eu pediria que a Procuradoria da nossa Casa aqui, repito, é muito competente, nos fizesse um resumo, um parecer bem resumido, sobre essa alteração que poderá culminar, Presidente, numa moção por parte desta CPI ao Congresso Nacional. E solicitação de alteração, porque eis que essa alteração, pelas palavras dos próprios procuradores, estaria gerando prejuízos aos cofres municipais.”

Após análise da legislação pertinente ao assunto, verificamos que, desde a sua promulgação, a Lei Federal nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública (“Lei de Execuções Fiscais” ou, simplesmente, “LEF”), já previa a possibilidade de oferecimento de fiança bancária em garantia da execução fiscal, com efeitos semelhantes ao do depósito em dinheiro. Confira-se a redação original do seu artigo 9º, inciso II e parágrafos:

“Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II – oferecer fiança bancária;
III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
§ 1º – (…).
§ 2º – Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros.
§ 3º – A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária, produz os mesmos efeitos da penhora.
§ 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
§ 5º – A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 6º – (…).” (negritos acrescentados)

Com o advento da Lei Federal nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, o artigo 9º da LEF passou a ter a seguinte nova redação:

“Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia; (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.
§ 1º – (…).
§ 2o Juntar-se-á aos autos a prova do depósito, da fiança bancária, do seguro garantia ou da penhora dos bens do executado ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 3o A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
§ 5º – A fiança bancária prevista no inciso II obedecerá às condições pré-estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 6º – (…).” (negritos acrescentados)

Como se vê, o oferecimento de fiança bancária em execuções não é uma novidade, estando na LEF desde 1980. Também sempre houve, desde a edição da LEF, a possibilidade de substituição do bem penhorado por depósito em dinheiro ou fiança bancária (artigo 15). Com o advento da Lei nº 13.043/2014, ampliou-se a possibilidade de substituição do bem penhorado também por seguro garantia, assim conceituado pela doutrina:

“Na execução fiscal, pode o executado ter deferida em seu favor a substituição do bem penhorado por depósito em dinheiro ou fiança bancária. Pode, ainda, haver substituição do bem por seguro garantia judicial, assim entendido ‘o contrato pelo qual a companhia seguradora presta a garantia de proteção aos interesses do credor (segurado) relacionados com o adimplemento de uma obrigação (legal ou contratual) do devedor, nos limites da apólice’. O Superior Tribunal de Justiça manteve, por longo tempo, o entendimento de que a fiança bancária – e, por extensão, o seguro garantia judicial – teria o mesmo status que o dinheiro para fins de substituição de penhora. Sua 1ª Seção, no entanto, eliminando a divergência existente entre as 1ª e 2ª Turmas, estabeleceu que, ‘regra geral, quando o juízo estiver garantido por meio de depósito em dinheiro, ou ocorrer penhora sobre ele, inexiste direito subjetivo de obter, sem anuência da Fazenda Pública, a sua substituição por fiança bancária’.” (GUSTAVO DE MEDEIROS MELO, “Seguro garantia judicial – aspectos processuais e materiais de uma figura ainda desconhecida”, Revista de Processo, São Paulo, RT, v. 201, 2011, p.103, citado por LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA, A Fazenda Pública em Juízo, 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017, pp. 444 e 445).

Ainda de acordo com a jurisprudência, a carta de fiança ou seguro garantia judicial também devem obedecer aos termos exigidos pelo § 2º do artigo 656 do CPC – Código de Processo Civil de 1973 (atualmente revogado pelo Novo CPC – Lei Federal nº 13.105, de 2015), equivalente ao atual parágrafo único do artigo 848 do Novo CPC:

“Art. 848. As partes poderão requerer a substituição da penhora se:
I – …………………………………..;
Parágrafo único. A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou por seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.” (negritos acrescentados)

Importante esclarecer, porém, que a exigência do citado acréscimo de 30% é prevista expressamente apenas para o caso de “substituição” do bem penhorado por fiança bancária ou seguro garantia judicial. Se, originalmente, o devedor já tiver oferecido a fiança ou o seguro como garantia da execução fiscal, não será exigível o acréscimo de 30%. Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, exarado no julgamento do Recurso Especial nº 1670587-SP, de 27 de junho de 2017 (cópia anexa).

Muito embora a LEF reconheça serem os mesmos os “efeitos” da penhora, quando incidente sobre dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, não parece haver perfeita equivalência entre depósito em dinheiro e as demais garantias. É que estas, diferentemente do dinheiro, dependem da idoneidade e saúde financeira do banco (no caso da fiança bancária) ou da seguradora (no caso do seguro-garantia). Daí porque o Banco Central do Brasil (BACEN) disciplina o assunto em Resoluções próprias, que visam conferir à carta de fiança bancária a maior segurança possível. Do mesmo modo, a Portaria da Procuradoria Geral Federal – PGF nº 440, de 21 de junho de 2016, além de outras normas.

O próprio STJ já negou a substituição de depósito em dinheiro por seguro-garantia, sem anuência da Fazenda Pública, sob o argumento de que a fiança bancária e o seguro-garantia não teriam o mesmo status do dinheiro (cf. Recurso Especial nº 1592339-PR, julgado em 17 de maio de 2016, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin – cópia anexa).

De fato, a liquidez do depósito em dinheiro é imediata, bastando que haja uma decisão judicial de caráter definitivo ou de efeito imediato para que o vencedor da causa levante o dinheiro depositado, seja ele a Fazenda Pública, seja o contribuinte. A liquidez de uma carta de fiança bancária ou de um seguro fiança, desde que observados os requisitos da legislação, é também muito grande, mas sempre dependente da idoneidade e saúde financeira de um terceiro garantidor. Além disso, pode-se vislumbrar uma possível desvantagem que o oferecimento de fiança bancária e seguro-garantia poderia, em tese, representar ao ente público, enquanto parte ativa no processo de execução fiscal, que diz respeito à “disponibilidade” dos recursos depositados judicialmente em garantia da execução. Sobre o assunto releva notar o conteúdo dos artigos 2º, 3º e 7º da Lei Complementar Federal nº 151, de 5 de agosto de 2015:

“Art. 2o Os depósitos judiciais e administrativos em dinheiro referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal ou os Municípios sejam parte, deverão ser efetuados em instituição financeira oficial federal, estadual ou distrital.
Art. 3o A instituição financeira oficial transferirá para a conta única do Tesouro do Estado, do Distrito Federal ou do Município 70% (setenta por cento) do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos de que trata o art. 2o, bem como os respectivos acessórios.
§ 1o Para implantação do disposto no caput deste artigo, deverá ser instituído fundo de reserva destinado a garantir a restituição da parcela transferida ao Tesouro, observados os demais termos desta Lei Complementar.
§ 2o A instituição financeira oficial tratará de forma segregada os depósitos judiciais e os depósitos administrativos.
§ 3o O montante dos depósitos judiciais e administrativos não repassado ao Tesouro constituirá o fundo de reserva referido no § 1o deste artigo, cujo saldo não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento) do total dos depósitos de que trata o art. 2o desta Lei Complementar, acrescidos da remuneração que lhes foi atribuída.
§ 4o (VETADO).
§ 5o Os valores recolhidos ao fundo de reserva terão remuneração equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais.
§ 6o Compete à instituição financeira gestora do fundo de reserva de que trata este artigo manter escrituração individualizada para cada depósito efetuado na forma do art. 2o, discriminando:
I – o valor total do depósito, acrescido da remuneração que lhe foi originalmente atribuída; e
II – o valor da parcela do depósito mantido na instituição financeira, nos termos do § 3o deste artigo, a remuneração que lhe foi originalmente atribuída e os rendimentos decorrentes do disposto no § 5o deste artigo.
……………………………………………………………..
Art. 7o Os recursos repassados na forma desta Lei Complementar ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município, ressalvados os destinados ao fundo de reserva de que trata o § 3o do art. 3o, serão aplicados, exclusivamente, no pagamento de:
I – precatórios judiciais de qualquer natureza;
II – dívida pública fundada, caso a lei orçamentária do ente federativo preveja dotações suficientes para o pagamento da totalidade dos precatórios judiciais exigíveis no exercício e não remanesçam precatórios não pagos referentes aos exercícios anteriores;
III – despesas de capital, caso a lei orçamentária do ente federativo preveja dotações suficientes para o pagamento da totalidade dos precatórios judiciais exigíveis no exercício, não remanesçam precatórios não pagos referentes aos exercícios anteriores e o ente federado não conte com compromissos classificados como dívida pública fundada;
IV – recomposição dos fluxos de pagamento e do equilíbrio atuarial dos fundos de previdência referentes aos regimes próprios de cada ente federado, nas mesmas hipóteses do inciso III.
Parágrafo único. Independentemente das prioridades de pagamento estabelecidas no caput deste artigo, poderá o Estado, o Distrito Federal ou o Município utilizar até 10% (dez por cento) da parcela que lhe for transferida nos termos do caput do art. 3o para constituição de Fundo Garantidor de PPPs ou de outros mecanismos de garantia previstos em lei, dedicados exclusivamente a investimentos de infraestrutura.” (negritos acrescentados)

Pelo exposto, concluímos que:

(i) a Lei Federal nº 13.043/2014, a rigor, só inovou na introdução do seguro-garantia na LEF, não, porém, nos “efeitos” do depósito em dinheiro e da fiança bancária (agora também do seguro-garantia), que já eram considerados os mesmos, desde a redação original da LEF, de 1980;

(ii) muito embora a LEF reconheça serem os mesmos os “efeitos” da penhora, quando incidente sobre dinheiro, fiança bancária ou seguro-garantia, não parece haver perfeita equivalência entre depósito em dinheiro e as demais garantias, pois estas dependem da idoneidade e saúde financeira do banco (no caso da fiança bancária) ou da seguradora (no caso do seguro-garantia);

(iii) do ponto de vista dos interesses do Fisco, uma das possíveis desvantagens da fiança bancária e do seguro-garantia em relação ao depósito em dinheiro pode estar relacionada à “indisponibilidade” dos recursos por eles garantidos, em comparação à “disponibilidade” de até 70% dos depósitos judiciais em dinheiro, permitida pela Lei Complementar Federal nº 151/2015.

Ponderamos, todavia, que eventual alteração da LEF com vistas a restringir a oferta de fiança bancária e seguro-garantia em execuções fiscais não necessariamente trará benefícios ao Fisco, especialmente no atual momento de recessão econômica pelo qual passa o país. Pessoas executadas, físicas e jurídicas, que estejam desprovidas de liquidez financeira, não terão dinheiro para oferecer em garantia das execuções, tampouco outros bens de liquidez maior que uma fiança bancária ou um seguro-garantia.

Para conclusão da presente análise e eventual encaminhamento de moção ao Congresso Nacional, seria imprescindível, a nosso ver, que se ouvisse a opinião da Procuradoria Geral do Município sobre as questões levantadas neste parecer e no anexo Ofício nº 008/2017, desta Procuradoria, ainda pendente de resposta.

Sendo assim, sugerimos que a CPI encaminhe ofício à douta Procuradoria Geral do Município, reiterando o anexo Ofício nº 008/2017 desta Procuradoria, junto com cópia deste parecer.

Este o parecer, meramente opinativo, que submetemos à criteriosa apreciação de V.Sa.

São Paulo, 22 de agosto de 2017

Ana Helena Pacheco Savoia
Procuradora Legislativa
OAB/SP nº 118.723

Luiz Eduardo de Siqueira S. Thiago
Procurador Legislativo
OAB/SP nº 109.429