Parecer n° 824/2017

Parecer nº 824/2017
Ref.: Processo 0486/2015
Interessado: XXXXXXXX
Assunto: Pagamento de quinquênio e sexta-parte indevidamente – Restituição de valores — Razões Finais de Defesa Administrativa – Análise

Senhora Supervisora,

Segundo relatório constante do Parecer nº 269/2015 (fls. 29/54), da lavra do Dr. Luiz Eduardo De Siqueira S. Thiago, que tomo a liberdade de reproduzir:

“O presente Processo teve início com informação da Sra. Supervisora de SGA.15 – Equipe de Controle de Pessoal Fixo e Publicação, dirigida ao Supervisor de SGA.12 – Equipe de Folhas de Pagamento, noticiando a “retificação” da Portaria SGA.1 nº 2199/09, que concedeu o 4º adicional por tempo de serviço bem como a sexta-parte ao servidor acima epigrafado, pela Portaria SGA.1 nº 3766/15.

Segundo informação de SGA.15 a retificação foi necessária porque a Unidade percebeu a contagem em dobro de um mesmo tempo de serviço, embora de vínculos diferentes (comissionado e efetivo), em razão de apontamentos junto ao sistema de informática WIZ, ocasionando a concessão do 4º quinquênio e da sexta-parte em 17 de janeiro de 2009, quando o correto seria 12 de outubro de 2011. Dessa forma, a Portaria 3766/15 foi editada para tornar sem efeito a Portaria 2199/09. Ao mesmo tempo foi publicada a Portaria nº 3767/15 para declarar a percepção do 4º quinquênio e sexta-parte a partir de 12/10/11 (cópias em anexo).

Recebida a informação, SGA.12 procedeu ao cálculo da importância recebida indevidamente pelo servidor entre as datas de 17/01/09 e 12/10/11, devidamente corrigida até março do corrente, e encaminhou a planilha a SGA.1 para as providências (fls. 02).

Diante disso, o Secretário de Recursos Humanos-SGA.1 deu ciência do expediente ao servidor interessado, para oferecimento de sua defesa, em 14 de abril do corrente, ante a invalidação da Portaria 2199/09 e a determinação para restituição dos valores pagos a maior com base na Portaria inquinada de ilegalidade.

O servidor apôs sua ciência em 14 de abril (fls. 02-verso) e no dia 17 de abril ofereceu suas razões de defesa dirigidas ao Secretário Geral Administrativo, constantes de fls. 15 a 23 dos presentes autos.

Em face das razões apresentadas pelo servidor, SGA.15 prestou os esclarecimentos constantes de fls. 27 e encaminhou os autos a esta Procuradoria para manifestação”.

Às fls. 29/54 encontra-se juntada manifestação da Procuradoria sobre a Defesa Administrativa apresentada pelo servidor onde ficou assentado o entendimento pela devolução das importâncias pagas indevidamente, em decorrência da anulação da Portaria nº 2199/2009, devendo ser observado o devido processo legal, a garantia da ampla defesa e do contraditório antes de ser efetuado qualquer desconto na remuneração do servidor. (fls. 53)
No presente momento, retornam esses autos a esta Procuradoria para nova manifestação em face das Razões Finais de Defesa Administrativa juntadas às fls. 90.

Em suas Razões Finais o servidor reitera a alegação da decadência do direito à anulação da Portaria 2199/09 sustentando que a Lei Municipal nº 14.614/2007 não poderia ter versado sobre decadência, tema de competência privativa da União, e que, portanto, deveria ter sido aplicado o prazo decadencial de 5 (cinco) anos previsto no art. 54 da Lei Federal nº 9.784/99.

Alega ainda que houve a prescrição quinquenal dos valores referentes ao período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010 por ter sido a Portaria publicada em 26 de fevereiro de 2015. Segundo as razões do recorrente, o prazo previsto na Lei Municipal 14.141/2006 configuraria hipótese de prazo decadencial e, ante a inexistência de prazo prescricional legal específico, deveria ser aplicada a regra geral da prescrição quinquenal.

Quanto ao descabimento material da exigência de restituição dos valores pagos pela Administração, o recorrente sustenta que o Decreto Municipal nº 48.138/2007 padeceria dos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade, pois, segundo seu entendimento, os arts. 96 e 97 da Lei Municipal nº 8.989/79 não poderiam ser regulamentados por Decreto, mas sim disciplinados especificamente por lei em sentido estrito. Nesse sentido, alega que o art. 97 seria expresso ao dispor que dos vencimentos e proventos apenas podem ser feitos descontos previstos em lei, ou autorizados expressamente pelo funcionário e que, ao prever hipótese de reposição de pagamentos indevidos em virtude de erros de fato cometidos pela Administração, independentemente da boa-fé do servidor, o Decreto Municipal em alusão teria inovado originariamente a ordem jurídica, adentrando em matéria de competência específica de lei em sentido estrito.

Por fim, o servidor peticionário defende o descabimento da exigência de restituição dos valores pagos a maior sustentando que os Tribunais Superiores vêm se posicionando pela não restituição das importâncias recebidas indevidamente por servidor de boa-fé, independentemente de se tratar de erro de fato ou de direito da Administração.

Dessa forma, requer o servidor peticionário:

a) o reconhecimento da decadência do direito à anulação da Portaria nº 2199/09, que a tornou sem efeito, e a inexigibilidade de restituição, pelo servidor ora peticionário, dos valores recebidos de janeiro de 2009 a outubro de 2011, referentes à concessão do quarto quinquênio de adicional e da sexta-parte;

b) o reconhecimento de que é inexigível a integral cobrança dos valores pagos pela Administração por falha desta, uma vez que o servidor agiu de boa-fé e não contribuiu para a realização do cálculo administrativo;

c) o reconhecimento da impossibilidade de cobrança, a qualquer título, dos valores recebidos de janeiro de 2009 a janeiro de 2010, em virtude da prescrição.

Trazido o histórico do ocorrido até aqui, passo a me manifestar.

I – DA OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA DO DIREITO

Não assiste razão ao servidor peticionário quando alega ter ocorrido a decadência ao direito de anulação da Portaria 2199/09 por sustentar ser aplicável à espécie o prazo decadencial de 5 (cinco) anos disposto na Lei Federal nº 9.784/99.

Isso porque conforme já apontado no Parecer nº 269/15 (fls. 29/54) desta Procuradoria, a Lei nº 14.614, de 07 de dezembro de 2007, ao alterar a Lei nº 14.141/2006, regulou o procedimento para anulação dos atos administrativos, estabelecendo prazo decadencial de 10 (dez) anos para a Administração anular seus próprios atos quando eivados ilegalidade. In verbis:

“Art. 48-A. A Administração, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, anulará seus próprios atos, quando eivados de vício que os tornem ilegais, salvo se:
I – ultrapassado o prazo de 10 (dez) anos contados de sua produção;
II – da irregularidade não resultar qualquer prejuízo;
III – forem passíveis de convalidação.
Parágrafo único. (VETADO)”
Assim vê-se que, segundo legislação específica do Município de São Paulo, a decadência do direito da Administração em anular seus atos eivados de ilegalidade somente ocorre após 10 (dez) anos, contados da produção do ato.

Também há que ser afastada a alegação do servidor peticionário de não ser aplicável a Lei Municipal nº 14.614/07, em razão de suposta inconstitucionalidade, uma vez que referida lei encontra-se vigente e, portanto, produzindo efeitos regulares no ordenamento jurídico, e também porque já foi alvo de análise pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo no julgamento no Mandado de Segurança nº 2008525-44.2017.8.26.0000 (j.em 17/05/2017) e no Mandado de Segurança nº 2046622-16.2017.8.26.0000 (j. em 21 de junho de 2017), cujas razões de decidir são abaixo transcritas:

“(…) A questão não é nova. Para alguns, o poder dever da administração invalidar seus próprios atos por ilegalidade, não se sujeitaria a qualquer tipo de decadência ou prescrição.

De fato, atendidos aos princípios constitucionais, um entendimento nesses moldes violaria a garantia da isonomia, pois os administrados estão limitados a prazos para o exercício de suas pretensões em face da Fazenda Pública; a Administração, porém, estaria liberada de respeitar de prazos para defender suas posições jurídicas; por outro lado, contrariaria o princípio da estabilidade das relações jurídicas que se encontra na gênese daqueles institutos.

Por isso, a Administração decai de seu direito de invalidar seus próprios atos quando, por inércia, deixa escoar o prazo fixado em lei dentro do qual lhe é permitida a invalidação (RMS 19983/RS; RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2005/0071489-9, Relator (a); Ministro CASTRO MEIRA; Órgão Julgador 2ª. TURMA, Data do Julgamento 21/03/2006, Data da Publicação/Fonte DJ 30.03.2006, p. 189).

Essa é a orientação da boa doutrina, como se observa da lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, no seu Curso de Direito Administrativo, ao tratar da ‘omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que está em pauta, in casu, é o não exercício, a bom tempo, do que corresponderia, no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Donde, configura-se situação de decadência, antes que de prescrição, como já observara Weida Zancaner’. (…)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, conforme jurisprudência também colacionada pela D. Procuradoria de Justiça em seu parecer, compartilha igual entendimento: ‘1. Nos casos de cassação parcial ou total (cancelamento) do benefício após o registro da aposentadoria perante o TCU, o entendimento da Corte é que incide o prazo decadencial do art. 54 da Lei 9.784/99, devendo ainda ser assegurada à parte a garantia do contraditório e da ampla defesa, nos termos da Súmula Vinculante nº 3’ (STF, Primeira Turma, MS 27699 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 21.08.2012). (…)

Havendo legislação específica do Município de São Paulo, de conformidade com a mesma disciplina prevista na legislação estadual o prazo decadencial, neste caso, é de dez anos. (…)” – grifei.

Dessa forma, segundo o ordenamento local a decadência do direito da Administração de anular seus atos somente ocorre após 10 (dez) anos, contados da produção do ato.

Tendo em vista que a Portaria 2199/09, inquinada de ilegal, produziu seus efeitos a partir de 17 de janeiro de 2009, a ocorrência da decadência somente ocorreria em janeiro de 2019, devendo ser afastada a preliminar arguida ante a inocorrência do prazo decadencial previsto na Lei nº 14.141/06, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 14.614/07.

II – DA ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL

Em suas razões finais de Defesa Administrativa o servidor peticionário sustenta que, por ter sido a Portaria publicada em 26 de fevereiro de 2015, ainda que não se reconheça a ocorrência da decadência, teria ocorrido a prescrição quinquenal dos valores referentes ao período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010.

Segundo alegado pelo servidor, o prazo previsto na Lei Municipal nº 14.141/2006 configuraria hipótese de prazo decadencial e, ante a inexistência de prazo prescricional legal específico, deveria ser aplicada a regra geral da prescrição quinquenal.

Não assiste razão também nesse ponto ao servidor peticionário, consoante será demonstrado.

Inicialmente cumpre observar que a regra geral da prescrição quinquenal a que se refere o servidor em suas razões finais encontra-se positivada no Decreto Federal nº 20.910/32 cujo art. 1º encontra-se vazado nos seguintes termos:

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados, dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

Nesse aspecto, releva trazer à colação a Súmula 383 do Supremo Tribunal Federal que estabelece:

Súmula 383
A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo.

Vê-se, assim, que a regra geral da prescrição quinquenal positivada no Decreto Federal nº 20.910/32 é a da prescrição em favor da Fazenda Pública, ou seja, a prescrição para o exercício do direito de ação do administrado contra a Administração Pública.

No entanto, ainda que admitida a extensão desse prazo prescricional para o exercício do direito de ação da Administração contra o administrado , é certo que tal prazo prescricional não se aplica ao caso em tela.

Com efeito, para melhor compreender a matéria impõe-se distinguir os institutos da prescrição e da decadência que, embora as vezes tenham prazos coincidentes para o seu exercício positivados pelo ordenamento jurídico, não se confundem.

Assim, inicialmente cabe fazer anotar que o decurso do prazo prescricional extingue a ação atribuída a um direito e toda a capacidade defensiva em juízo deste direito, mas não extingue o direito propriamente dito que permanece incólume. Por outro lado, com o decurso do prazo decadencial, o que se tem é a extinção do próprio direito material.

Pois bem.

Alega o servidor peticionário que deveria ser aplicado ao presente caso concreto a regra geral da prescrição quinquenal, razão pela qual sustenta estarem prescritos os valores referentes ao período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010, ressalvando-se que as razões finais foram apresentadas em 08 de julho de 2016.

No entanto, como já demonstrado, a regra geral da prescrição quinquenal é estabelecida para hipóteses nas quais se faça necessário o ajuizamento de uma ação que vise à satisfação de um direito e não para hipóteses tais como a do presente caso concreto que se espelha no exercício da chamada autotutela da Administração.

Nesse aspecto é importante ressaltar que a Administração, no exercício da autotutela, tem o poder/dever de anular seus atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais:

“No caso dos autos, conforme destacado no acórdão atacado, é incontroverso que o impetrante foi convocado e nomeado após expirado o prazo de validade do concurso público. Desse modo, como preconiza a própria Constituição Federal, a não observância de concurso público e seu respectivo prazo de validade para a investidura em cargo ou emprego público torna o ato nulo. (…) É pacífico, nesta Suprema Corte, que, diante de suspeitas de ilegalidade, a Administração Pública há de exercer seu poder-dever de anular seus próprios atos, sem que isso importe em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou da confiança. (…) Não subsiste o direito alegado pelo recorrido, visto ser impossível atribuir-se legitimidade a qualquer convocação para investidura em cargo público não comissionado realizada depois de expirado o prazo de validade do certame após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sob pena de se transpor a ordem constitucional e de se caminhar de encontro aos ditames preconizados pelo Estado Democrático de Direito. Entendo, por conseguinte, não ser possível invocar os princípios da confiança e da boa-fé para amparar a presente demanda, uma vez que a matéria em questão está inserida na ordem constitucional, a todos imposta de forma equânime.” (ARE 899816 AgR, Relator Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, julgamento em 7.3.2017, DJe de 24.3.2017)

“O Supremo Tribunal já assentou que diante de indícios de ilegalidade, a Administração deve exercer seu poder-dever de anular seus próprios atos, sem que isso importe em contrariedade ao princípio da segurança jurídica. Nesse sentido, as súmulas 346 e 473 deste Supremo Tribunal: ‘A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos’ (Súmula 346).’A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial’ (Súmula 473).” (AO 1483, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgamento em 20.5.2014, DJe de 3.6.2014)

“É cediço o entendimento desta Suprema Corte de que, diante de suspeitas de ilegalidade no ato de declaração de condição de anistiado, a Administração há de exercer seu poder-dever de anular seus próprios atos, sem que isso importe em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou da confiança. Súmulas 346 e 473 do STF.” (RMS 27998 AgR, Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, julgamento em 28.8.2012, DJe de 21.9.2012)

Também imperioso observar que por força de mandamento legal contido no Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, Lei nº 8.989/79, as reposições devidas pelos funcionários públicos à Fazenda estão autorizadas mediante descontos em folha de parcelas mensais não excedentes à décima parte de seus vencimentos (art. 96), fato esse que corrobora o entendimento de ser aplicável à espécie apenas o prazo decadencial previsto na Lei Municipal nº 14.614/07.

Com efeito, estando a Administração obrigada a anular seus atos eivados de ilegalidade e autorizada, por lei, a efetuar o desconto em folha de pagamento de valores pagos indevidamente ao servidor, evidencia-se a desnecessidade de ajuizamento de ação para cobrança dos valores pagos indevidamente a seus servidores e, portanto, a não aplicabilidade do prazo prescricional geral em hipóteses como essa.

Nesse aspecto necessário ainda afastar a pretensa ilegalidade ou inconstitucionalidade do Decreto Municipal nº 48.138/2007, uma vez que ele apenas regulamenta o disposto no próprio Estatuto do Servidor, sendo de se frisar que a autorização para o desconto em folha de pagamento de valores pagos indevidamente pela Fazenda é dada pela própria lei que em seu art. 96 estabelece:

“Art. 96. As reposições devidas à Fazenda Municipal poderão ser feitas em parcelas mensais não excedentes à décima parte do vencimento líquido do funcionário.
Parágrafo único. Não caberá reposição parcelada quando o funcionário solicitar exoneração, quando for demitido, ou quando abandonar o cargo”.

Nesse sentido é o entendimento esposado no citado Parecer nº 269/15 e nos pareceres nºs 281/06, 27/11 e 393/12 que ora mantemos.

Dispositivo semelhante autorizando o desconto em folha dos pagamentos indevidos feitos a servidor consta também da Lei Federal nº 8.112/90, mais especificamente de seu art. 46, tendo o doutrinador Hely Lopes Meirelles se manifestado sobre legitimidade desse desconto quando não houver dúvida sobre a quantia a ser reposta e desde que o desconto seja feito na forma e limites previstos no Estatuto respectivo. In verbis:

“O desconto em folha de pagamento é forma administrativa usual para retenção de contribuições previdenciárias, de imposto de renda, de quantias pagas indevidamente aos servidores, de empréstimos contraídos no serviço, de aquisições ou consumações feitas na própria repartição ou por seu intermédio. Essa modalidade de desconto é legítima quando realizada na forma e limites previstos no Estatuto respectivo e não houver dúvida sobre a quantia a ser reposta” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 16ª edição, pág. 395).

III – DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.

Afastada a alegação de decadência do direito da Câmara em anular a Portaria SGA.1 nº 2199/09 que erroneamente concedeu o 4º adicional por tempo de serviço bem como a sexta-parte ao servidor – porque aplicável o prazo de 10 (dez) anos previsto na legislação municipal; afastada a alegação da ocorrência da prescrição para o desconto de valores pagos há mais de 5 (cinco) anos – ante a inaplicabilidade do instituto da prescrição no âmbito interno da Administração, uma vez que tal instituto é de natureza eminentemente processual; afastada ainda a alegação de inconstitucionalidade do Decreto Municipal nº 48.138/07, uma vez que apenas regulamenta o art. 96 do Estatuto que expressamente autoriza o desconto em folha de reposições devidas à Fazenda Municipal; questão que remanesce e que merece nova análise frente ao entendimento jurisprudencial atual seria a limitação para a restituição de valores indevidamente recebidos por servidor de boa fé, em decorrência de erro da Administração para ele não tenha concorrido, dada a natureza alimentar da prestação recebida.

O recorte feito no Parecer nº 269/15 foi no sentido de que quando o pagamento indevido tenha se dado em razão de erro de fato cometido pela Administração, ou seja, quando se tratar de erro material/operacional, decorrente de algum equívoco em apontamentos ou falha na alimentação de sistemas lógicos, caberia a devolução das importâncias recebidas indevidamente e quando se tratar de pagamento indevido em razão de erro de direito, decorrente de mudança de entendimento, errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração, descaberia a restituição do pagamento feito, desde que presente a boa-fé do servidor e desde que ele não tenha concorrido de qualquer forma para o erro da Administração.

Tal conclusão foi exarada com base em vasta pesquisa jurisprudencial acosta ao Parecer nº 269/15 que possibilitou ao meu colega que me antecedeu na análise deste processo firmar o seguinte entendimento:

“Pois bem, diante de todo o levantamento feito percebe-se que a jurisprudência é uníssona quanto à desnecessidade de restituição dos pagamentos indevidos decorrentes de interpretação equivocada da lei pela Administração, desde que verificada a boa-fé do servidor. A controvérsia eventualmente encontrada circunscreve-se ao dever de ressarcimento em relação aos pagamentos indevidos decorrentes de erro de fato da Administração.

Pelo que se pode notar, quando os casos de erro material chegam ao Judiciário, reclamam apenas o respeito ao devido processo legal. No entanto, oportunizada a defesa do interessado, e comprovado o erro no lançamento, o Judiciário não obstaculiza a devolução dos valores indevidos, resolvendo a questão, nos casos de erro da Administração Federal, através do artigo 46 da Lei Federal nº 8.112/90, que assim dispõe: (…)”

Tal entendimento encontrava guarida também no posicionamento da Advocacia Geral da União (Súmula nº 34, de 16 de setembro de 2008, restabelecida pela Súmula nº 72, de 26 de setembro de 2013) e na Súmula nº 249, de 09 de maio de 2007, do Tribunal de Contas da União, vazadas nos seguintes termos, respectivamente:

Súmula nº 34, de 16 de setembro de 2008:
“Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública”.

Súmula nº 249, de 09 de maio de 2007:
É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

Pessoalmente comungo desse entendimento, qual seja, a de que deva ser feito o recorte entre erro material/operacional e erro de direito, decorrente de mudança de entendimento, má aplicação da lei ou sua errônea interpretação pela Administração.

Isso porque, diferentemente do chamado erro de direito – que cria uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos , o erro operacional ou material não tem essa conotação e apenas confere ao servidor o pagamento de uma prestação que não lhe era devida, que nunca lhe foi devida, e que cuja manutenção configuraria enriquecimento sem causa do servidor.

Nesse sentido:

TRF-5ª Região – AC 74883020124058400
Data da publicação: 22/08/2013
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AJUSTE DE CONTAS DECORRENTE DA LICENÇA DO SERVIÇO ATIVO DA MARINHA. PAGAMENTO EM DUPLICIDADE. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. NECESSIDADE. Grifei.

TJ-DF – Apelação/Reexame necessário APO 20140111015080 (TJ-DF)
Data de publicação: 13/07/2015
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE DINHEIRO PÚBLICO DECORRENTE DE ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. DUPLICIDADE DE PAGAMENTO. RESTITUIÇÃO DEVIDA. 1. Impõe-se a restituição ao Erário dos valores recebidos indevidamente por servidor por força de erro operacional da Administração Pública consubstanciado no pagamento em duplicidade de vantagem, porquanto não se trata de errônea interpretação ou má aplicação de lei. 2. Precedentes: AgRg no REsp 1448195/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/06/2014, DJe 06/08/2014; AgRg no REsp 1278089/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/12/2012, DJe 15/02/2013; AgRg no REsp 1257439/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe 05/09/2011; AgRg no REsp 1108462/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009. Grifei.

TJ-DF – Apelação/Reexame necessário APO 20140111015080 (TJ-DF)
Data de publicação: 13/07/2015
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE DINHEIRO PÚBLICO DECORRENTE DE ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. DUPLICIDADE DE PAGAMENTO. RESTITUIÇÃO DEVIDA. 1. Impõe-se a restituição ao Erário dos valores recebidos indevidamente por servidor por força de erro operacional da Administração Pública consubstanciado no pagamento em duplicidade de vantagem, porquanto não se trata de errônea interpretação ou má aplicação de lei. 2. Precedentes: AgRg no REsp 1448195/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/06/2014, DJe 06/08/2014; AgRg no REsp 1278089/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/12/2012, DJe 15/02/2013; AgRg no REsp 1257439/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe 05/09/2011; AgRg no REsp 1108462/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009. Grifei.

TCU – 00396220113 (TCU)
Data de publicação: 28/03/2012
Ementa: PEDIDO DE REEXAME. REPRESENTAÇÃO. PAGAMENTO INDEVIDO DE PARCELA COMPLEMENTAR DE SUBSÍDIO POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DA PENSIONISTA. AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA SÚMULA-TCU Nº 249 E ACÓRDÃO Nº 1909/2003-PLENÁRIO PARA DISPENSA DA REPOSIÇÃO DOS VALORES. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA ALTERAR O ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO PROVIMENTO. CIÊNCIA. – Na hipótese de pagamento a maior, em razão de equívoco operacional da Administração, é obrigatória a suspensão dos pagamentos indevidos e o desconto de tais valores na remuneração do servidor, ou nos proventos do aposentado ou pensionista. Grifei.

TRF-1 – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA AMS 8245 BA 0008245-92.2001.4.01.3300 (TRF-1)
Data de publicação: 29/02/2012
Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS. POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA INDECLINÁVEL. 1. Não há ilegalidade no ato da Administração que, antes de efetivar o pagamento, comunica aos servidores a existência de erro na confecção da folha de pagamento e que os valores pagos a maior serão descontados nos meses seguintes, observados os limites constantes na legislação de regência e desde que haja autorização do servidor. RMS 33.034/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 23/02/2011) 2. É preciso distinguir entre erro operacional e erro interpretativo, sendo que não estão sujeitas à restituição administrativa, mediante desconto em folha de pagamento, as parcelas remuneratórias percebidas de boa-fé pelo servidor e decorrentes de equivocada interpretação da Administração acerca da norma jurídica aplicável à sua situação funcional.Todavia, quanto se trata de erro material, há possibilidade da cobrança, desde que observado o devido processo legal, ao fito de preservar o princípio constitucional da moralidade administrativa. 3. Todavia, nada obstante seja facultado à Administração anular os próprios atos, quando ilegais, ou revogá-los, por razões de conveniência e oportunidade, nos termos do enunciado n. 473 da súmula do STF, é certo que, nas situações em que tais atos produzem efeitos na esfera de interesses individuais, faz-se necessária a prévia instauração de processo administrativo, garantindo-se aos servidores a ampla defesa e o contraditório, por aplicação do disposto no art. 3º , inciso III , da Lei nº 9.784 /99, segundo o qual é direito do administrado “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente”. 4. O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente recebidos é a boa-fé do servidor …
Grifei.

TRF-5 – Apelação Cível AC 443788 CE 0006372-89.2007.4.05.8100 (TRF-5)
Data de publicação: 17/09/2009
Ementa: ADMINISTRATIVO. 84,32%. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. 1. Na reposição ao erário de parcelas remuneratórias irregularmente percebidas, em razão de equívoco da Administração, deve-se perquirir, em cada caso, se o erro do qual decorreu o pagamento indevido foi uma falha operacional ou se ocorreu em função de errônea ou má interpretação da lei, na medida em que o erro operacional, em nenhuma hipótese, afasta o dever de restituir o que foi indevidamente pago, conforme atual entendimento do TCU. 2. Considerando que a autora recebeu valores referentes ao índice de 84,32% “sem que houvesse previsão legal, ou qualquer julgado nesse sentido”, “por erro da Administração na confecção da folha de pagamento”, resta caracterizado que o pagamento indevido decorreu de mero erro operacional, sendo, nesse caso, obrigatória a reposição ao erário, independentemente de estar ou não caracterizada a boa-fé da recorrida no recebimento das verbas. 3. Apelação e remessa oficial às quais se dá provimento. Grifei.

TRF-5 – Apelação Cível AC 452854 PE 0006926-69.2008.4.05.8300 (TRF-5)
Data de publicação: 09/04/2009
Ementa: ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃO ESPECIAL DE LOCALIDADE. VPNI. CONTINUAÇÃO DE PAGAMENTO APÓS REMOÇÃO DO SERVIDOR. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. 1. Na reposição ao erário de parcelas remuneratórias irregularmente percebidas, em razão de equívoco da Administração, deve-se perquirir, em cada caso, se o erro do qual decorreu o pagamento indevido foi uma falha operacional ou se ocorreu em função de errônea ou má interpretação da lei, na medida em que o erro operacional, em nenhuma hipótese, afasta o dever de restituir o que foi indevidamente pago, conforme atual entendimento do TCU. 2. Considerando que a redação da Lei nº 9.527 /97 é clara quanto à extinção do pagamento da gratificação se “o servidor passar a ter exercício, em caráter permanente, em outra localidade não discriminada expressamente nas normas vigentes à época de sua concessão”, é de se afastar a possibilidade de errônea ou má interpretação da referida norma. Na hipótese, a vantagem só continuou a ser paga ao recorrente por mero erro operacional da Administração, ao não observar que a rubrica não era mais devida ao servidor. Tanto é assim que a Receita Federal informa que “o recebimento indevido da gratificação de localidade especial, no período de agosto/2001 a outubro/2005, ocorreu em virtude do disposto no parágrafo 2º, art. 2º da Lei 9.527 /97, quando da remoção [em 2001 do servidor da Alfândega de Manaus/AM para a Delegacia da Receita Federal em Recife/PE” e que, “consoante legislação”, a rubrica foi excluída em novembro de 2005, “no momento da verificação do pagamento indevido”. 3. Desse modo, como o pagamento indevido decorreu de erro operacional da Administração, é obrigatória a reposição ao erário, independentemente de estar ou não caracterizada a boa-fé do recorrente no recebimento das verbas. Precedentes do TRF4. 4. Apelação à qual se nega provimento. Grifei.

TRF-5 – Embargos Infringentes na Apelação Civel EIAC 08003742520124058200 PB (TRF-5)
Data de publicação: 17/03/2016
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AUXÍLIO PRÉ-ESCOLAR. BOA-FÉ. RECEBIMENTO INDEVIDO EXCLUSIVAMENTE POR ERRO OPERACIONALDA ADMINISTRAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA LEI. ERRO DE FATO. DISTINÇÃO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. POSSIBILIDADE. No caso concreto, o servidor requereu auxílio pré-escolar em virtude do nascimento de sua filha. Preencheu corretamente o formulário fornecido pela administração e apresentou a certidão com a data de nascimento correta: 02/01/2006. No momento de cadastrar a data no sistema eletrônico, o funcionário responsável do setor de pessoal ao invés de digitar 02/01/2006, digitou 02/01/2007. Em setembro de 2012, quando sua filha já havia completado seis anos, o servidor deu-se conta do equívoco e comunicou à administração, que suspendeu o pagamento e exigiu o ressarcimento. O Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento do Mandado de Segurança n 25.641/DF, em 22/11/2007, relator o Ministro Eros Grau, tem entendido dispensável a devolução de valores ao erário apenas quando configurados concomitantemente estes requisitos: “i] presença de boa-fé do servidor; ii] ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; iii] existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; iv] interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração”. A mera existência de boa-fé do servidor não justifica o reconhecimento da irrepetibilidade. Realização dos pagamentos indevidos pela Administração apenas em razão de erro material no cadastramento da data de nascimento da filha do servidor. Inexistência de interpretação equivocada e razoável de lei. Hipótese que não justifica a aplicação do princípio da confiança, fundamento jurídico legitimador da dispensa de reposição ao erário. Embargos infringentes improvidos. Grifei.

TJ-RO – Recurso Administrativo 00069891420158220000 RO 0006989-14.2015.822.0000 (TJ-RO)
Data de publicação: 25/11/2015
Ementa: Administrativo. Servidor público. Valores recebidos indevidamente. Erro operacional. Devolução devida. Recurso não provido. 1. Evidenciado o erro operacional da Administração no indevido lançamento da verba remuneratória, cabe ao servidor a devolução ao erário da quantia indevidamente recebida. 2. Somente descabe a devolução dos valores recebidos de boa-fé, quando decorrentes de mudança de interpretação de lei pela Administração (Precedente do TJ/RO). Grifei.

TJ-RO – Mandado de Segurança MS 00006308220148220000 RO 0000630-82.2014.822.0000 (TJ-RO)
Data de publicação: 20/05/2015
Ementa: Mandado de segurança. Servidor público. Valores recebidos indevidamente. Ausência de boa-fé do administrado. Erro operacional da Administração. Restituição ao erário. Possibilidade. Denegada a segurança. Não se pode conceber a boa-fé do servidor que permanece recebendo remuneração de cargo mesmo após a dispensa. O erro operacional por parte da Administração autoriza a restituição, por meio de descontos em folha de pagamento, observada a legislação vigente. Grifei.

TJ-DF – 20160110858237 DF 0029852-87.2016.8.07.0018 (TJ-DF)
Data de publicação: 16/08/2017
Ementa: REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PERCEPÇÃO INDEVIDA DE PROVENTOS. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. CÁLCULO EQUIVOCADO DE GRATIFICAÇÃO. INAPLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES LEGAIS À PENHORA. RESTITUIÇÃO DEVIDA. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. CABIMENTO. 1. Considera-se erro operacional o cálculo equivocado feito pela Administração quanto à gratificação paga a servidor público, que ensejou recebimento de valor maior do que era efetivamente devido. 2. No caso de erro operacional, é dispensável perscrutar o elemento subjetivo do beneficiário: a boa-fé. 3. Impõe-se a restituição ao erário dos valores recebidos indevidamente por servidor em decorrência de erro operacional da Administração Pública, sendo cabível o desconto em folha de pagamento. Precedentes. 4. A restituição de que trata os itens anteriores não se confunde com penhora e não está sujeita às limitações que a lei impõe a esse gravame processual da execução. 5. Remessa necessária conhecida e provida. Grifei.

STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1448195 CE 2014/0083036-6 (STJ)
Data de publicação: 06/08/2014
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEVOLUÇÃO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 535 , II , DO CPC . INOCORRÊNCIA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PARCELA REMUNERATÓRIA. PAGAMENTO EM DUPLICIDADE. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Inexiste violação aos arts. 128 e 535 , II , do CPC , quando não se vislumbra omissão, obscuridade ou contradição no acórdão recorrido capaz de torná-lo nulo, especialmente se o Tribunal a quo apreciou a demanda de forma clara e precisa, estando bem delineados os motivos e fundamentos que a embasam. 2. O acórdão recorrido ao reconhecer ser devida a devolução ao Erário das parcelas indevidamente recebidos por servidor público em decorrência de erro operacional da Administração, que vinha pagando em duplicidade a vantagem, o fez em sintonia com a jurisprudência do STJ, segundo a qual impõe-se a restituição ao Erário dos valores recebidos indevidamente por servidor por força de erro operacional da Administração Pública consubstanciado no pagamento em duplicidade de vantagem, porquanto não se trata de errônea interpretação ou má aplicação de lei. 3. Precedentes: AgRg no REsp 1278089/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/12/2012, DJe 15/02/2013; AgRg no REsp 1257439/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/08/2011, DJe 05/09/2011; AgRg no REsp 1108462/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009. 4. Incidência da Súmula 83/STJ. 5. Agravo regimental não provido. (grifei)

Todavia, não obstante o entendimento jurisprudencial reproduzido acima, do qual comungo pelas razões já expostas, é imperioso observar que tal entendimento não é uníssono, existindo julgados no sentido de que valores percebidos indevidamente por servidor de boa fé não são repetíveis, desde que o servidor não tenha concorrido para o erro da Administração.

Nesse sentido:

STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1560973 RN 2015/0255576-0 (STJ)
Data de publicação: 13/04/2016
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. RESTITUIÇÃO DO MONTANTE RECEBIDO. CARACTERIZAÇÃO DE BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. PRECEDENTES. Esta Corte firmou entendimento no sentido de não ser devida a devolução de verba paga indevidamente a servidor em decorrência de erro operacional da Administração Pública, quando se constata que o recebimento pelo beneficiado se deu de boa-fé, como no caso em análise. Precedentes. Agravo regimental improvido. (grifei)

STJ – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL AgInt no REsp 1514343 RN 2015/0016903-2 (STJ)
Data de publicação: 17/05/2017
Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. AGRAVO INTERNO DA UNIÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. De início, importa salientar que os valores recebidos pelos Servidores não decorreram do cumprimento de decisão precária posteriormente reformada, uma vez que após o trânsito em julgado do acórdão que reformou a sentença que lhes garantia o recebimento do percentual de 26,05%, os valores continuaram a ser pagos pelo erário, embora não houvesse qualquer determinação judicial que lhe compelisse ao pagamento dos valores, de modo que não há que se falar na incidência da tese firmada no Recurso Especial 1.401.560/MT, de relatoria do Min. ARI PARGENDLER, julgado na sistemática do art. 543-C do CPC /73. 2. O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte Superior quanto à impossibilidade de restituição de valores pagos a Servidor Público de boa-fé, por conta de erro operacional da Administração Pública, em virtude do caráter alimentar da verba, como na hipótese dos autos. Precedentes: AgInt no AREsp. 418.220/DF, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 8.3.2017; AgRg no AREsp. 558.587/SE, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 14.8.2015. 3. Agravo Interno da UNIÃO a que se nega provimento. Grifei.

TRF-4 – Apelação/Remessa Necessária APL 50128003220154047200 SC 5012800-32.2015.404.7200 (TRF-4)
Data de publicação: 10/05/2017
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. Presente a boa-fé, é inexigível a devolução de verbas remuneratórias recebidas por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei ou, ainda, erro operacional cometido pela Administração Pública. (grifei).

TRF-4 – Apelação/Remessa Necessária APL 50128003220154047200 SC 5012800-32.2015.404.7200 (TRF-4)
Data de publicação: 10/05/2017
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. Presente a boa-fé, é inexigível a devolução de verbas remuneratórias recebidas por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei ou, ainda, erro operacional cometido pela Administração Pública. (Grifei)

TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50678535020144047000 PR 5067853-50.2014.404.7000 (TRF-4).
Data de publicação: 04/05/2016
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRETENSÃO INDEVIDA. É firme o entendimento do STJ de que “é indevida a devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei, orientação também aplicável às hipóteses de pagamento de verba de natureza salarial em decorrência de má aplicação da lei ou erro por parte da Administração, desde que existente a boa-fé”. Grifei.

TRF-1 – AGRAVO INTERNO AGT 00146438020094010000 0014643-80.2009.4.01.0000 (TRF-1)
Data de publicação: 29/05/2017
Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. SERVIDOR PÚBLICO. DECISÃO AGRAVADA EM CONSONÂNCIA COM PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ POR SERVIDOR PÚBLICO. ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ERRO DE FATO. ERRO DE DIREITO. REEXAME DA MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Da análise dos autos, constata-se que a decisão ora agravada se encontra em consonância com precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido, em síntese, de não ser devido o ressarcimento ao erário de valores recebidos de boa-fé por servidor público, em face da ocorrência de erro operacional da própria Administração Pública. 2. A eventual discussão acerca da presença, na hipótese, de “erro de fato” e não de “erro de direito”, decorrente de equívoco da Administração Pública na interpretação da lei, demanda o reexame da matéria probatória, o que não se apresenta como juridicamente possível de ocorrer, em face da incidência, na espécie, da Súmula 7, do egrégio Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental desprovido.

TJ/SP – APELAÇÃO CÍVEL AC nº 1007176-09.2015.8.26.0577

APELAÇÃO AÇÃO ORDINÁRIA SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL APOSENTADORIA RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO INDEVIDAMENTE CARÁTER ALIMENTAR RESTITUIÇÃO – As parcelas de proventos ou vencimentos recebidos de boa-fé pelo servidor não estão sujeitas à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar, pela aplicação do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Boa-fé do servidor configurada. Impossibilidade de repetição dos valores pagos indevidamente. Precedentes dos Tribunais Superiores Sentença mantida Recurso Improvido.
(…)
No caso dos autos, bem ponderou a MMa. Juíza “a quo” ao decidir que: “Desta feita, se afigura correta o ato que determinou que os proventos decorrentes da aposentadoria por invalidez sejam calculados de forma proporcional ao tempo de contribuição. De outro lado, em relação aos descontos levados a efeito pela 1ª requerida, o princípio da autotutela dispõe que a Administração Pública deve anular o ato administrativo quando ilegal ou revogá-lo quando inconveniente ou inoportuno. Esta prerrogativa decorre do próprio poder de autotutela administrativa, sintetizado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal. Anulado o ato administrativo ilegal, não é consequência lógica o retorno da situação ao status quo ante com a determinação de devolução dos valores pagos a maior, haja vista a necessidade de ponderação dos valores envolvidos e averiguação das especificidades de cada hipótese fática. Contudo, ante os princípios constitucionais da segurança jurídica e da boa-fé não se pode admitir que o autor, em razão de erro cometido exclusivamente pela Administração, proceda ao desconto de valores já usufruídos por aquele, quiçá quando se referem à verba de caráter alimentar, insuscetível de repetição de indébito. O servidor público que aufere de boa-fé valores a maior, por erro exclusivo da Administração, não deve ser compelido a restituir o erário público, em observância aos princípios da irrepetibilidade dos alimentos, razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que a natureza das quantias depositadas é alimentar. Isso, todavia, não quer dizer que o erro deva persistir, o que não se mostra razoável, no entanto, é que, ante a incúria da Administração Pública, o servidor de boa-fé seja prejudicado, alcançando os proventos já usufruídos por ele.” (fl. 141) Nesta ordem de ideias, forçoso concluir-se que o autor agiu de boa fé na percepção dos valores a título de aposentadoria integral, pois não deu causa ao erro que dá azo à pretensão de restituição dos valores recebidos, sendo de rigor a manutenção da decisão proferida pela MMa. Juíza “a quo”.

Contudo, como bem observado pelo E. Des. Sidney Romano dos Reis, ao apreciar caso análogo, a Administração Pública “ao rever seus atos, não pode causar prejuízo a terceiros, tampouco transferir a culpa pelo seu erro a terceiro de boa-fé. A revisão dos próprios atos implica reconhecer a inadequação, equívoco ou inoportunidade do ato, de sorte que não se pode transferir esse ônus a outrem” (TJSP 6ª C. Dir. Público Ap. nº 9212236-37.2006.8.26.0000 j. 03.05.2010).

TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50684998520134047100 RS 5068499-85.2013.404.7100 (TRF-4)
Data de publicação: 22/03/2016
Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRETENSÃO INDEVIDA. É firme o entendimento do STJ de que “é indevida a devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei, orientação também aplicável às hipóteses de pagamento de verba de natureza salarial em decorrência de má aplicação da lei ou erro por parte da Administração, desde que existente a boa-fé”. Grifei.

Do exposto acima é possível perceber que essa outra corrente jurisprudencial caminha no sentido da irrepetibilidade de prestações recebidas por servidor em razão de erro da Administração, dado ao caráter alimentar da verba, sem qualquer distinção entre erro material ou erro de direito, bastando a presença da boa-fé do servidor e o fato de que ele não tenha concorrido por qualquer forma para a sua ocorrência.

No presente caso concreto, não obstante a percepção de quinquênio tenha ocorrido antes de completados 5 (cinco) anos da data da última concessão, a boa fé do servidor é presumida e é certo que ele não concorreu de forma alguma para o erro da Administração o que, em tese, possibilitaria a adoção do entendimento jurisprudencial propugnando pela irrepetibilidade dos valores recebidos em razão do caráter alimentar da prestação.

No entanto, embora pareça ser esse o encaminhamento atual da jurisprudência, é certo que tal entendimento não se encontra pacificado, existindo também firme orientação em sentido contrário, como já demonstrado.

Assim, entendo que, em sede de orientação interna administrativa, deva ser mantido o posicionamento já exarado no Parecer nº 269/15 pelas razões já expostas e por julgar ser esse o encaminhamento que mais se coaduna com o princípio da supremacia do interesse público.

IV – CONCLUSÃO:

Ante o exposto, em observância ao disposto pela Lei nº 14.141/06, alterada pela Lei nº 14.614/07, mantenho o encaminhamento sugerido no Parecer 269/15 para que:

a) o presente expediente, devidamente instruído, seja encaminhado ao Sr. Secretário de Recursos Humanos – SGA.1 para proferir, no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, decisão final sobre o desconto dos valores pagos a maior;

(b) seja o servidor interessado cientificado da decisão exarada, cabendo-lhe, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer recurso contra a decisão;

(c) caso a decisão seja no sentido da devolução das importâncias recebidas, com desconto em folha, seja observado o limite previsto no artigo 96 da Lei nº 8.989/79 – Estatuto do funcionário Público Municipal de São Paulo.

Este o meu entendimento que elevo à superior consideração de Vossa Senhoria.

São Paulo, 24 de outubro de 2017.

SIMONA M. PEREIRA DE ALMEIDA
Procurador Legislativo
OAB/SP 129.078