Parecer n° 85/2018

Parecer nº 85/2018
Ref.: Ofício 15/2018
TID 17425010
Assunto: XXXXXXXXXX – Locação de veículos

Dra. Procuradora Supervisora,

Trata-se de ofício encaminhado à Edilidade pela empresa XXXXXXXXXX, pleiteando o reembolso do valor de veículo furtado.

Após instrução do expediente, foi informado que o fato objeto do ofício está sendo apurado em sindicância ainda em andamento. Também foi lavrado Boletim de Ocorrência, existindo processo penal em andamento, conforme informação verbal obtida com o Presidente da Comissão Permanente de Sindicância.

Sob o aspecto contratual, conforme Parecer nº 789/2017 (anexo), “o contrato nº 41/2015 não tratou da responsabilidade das partes na hipótese de furto ou roubo dos veículos nem de seus equipamentos ou acessórios”.

Ou seja, a pretensão de ressarcimento não decorre de previsão contratual.

Não havendo previsão contratual, resta analisar a presença dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil.

O contrato de locação de veículos, tal como o celebrado pela requerente com a Câmara Municipal, é contrato regido predominantemente por normas de direito privado, ainda que o Poder Público seja parte.

Com efeito, “a Administração pode realizar contratos sob normas predominantes do Direito Privado — e frequentemente os realiza — em posição de igualdade com o particular contratante, como pode fazê-lo com supremacia do Poder Público. Em ambas as hipóteses haverá interesse e finalidade pública como pressupostos do contrato, mas, no primeiro caso, o ajuste será de natureza semipública (contrato administrativo atípico, como já o conceituou o extinto TFR), e somente no segundo haverá contrato administrativo típico. Daí a necessária distinção entre contrato semipúblico da Administração e contrato administrativo propriamente dito, como já o fez a lei (art. 62, § 3º, I)” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28 ed., São Paulo: Malheiros, 2003).

A corroborar o supra exposto, o art. 62, § 3º, I da Lei nº 8.666/93 confirma a natureza jurídica de direito privado dos contratos de locação celebrados pela Administração Pública, ao citar expressamente o contrato de locação como exemplo de contratos “cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado”.

Em se tratando de contrato sem previsão expressa de responsabilidade na hipótese de furto e, ainda, tendo em vista que no referido contrato a Edilidade figura em condição de igualdade com o particular contratante (haja vista tratar-se de contrato administrativo atípico), há que se verificar se estão presentes os requisitos da responsabilidade civil subjetiva, isto é, se houve culpa ou dolo da Administração Pública no ilícito, não havendo que se cogitar em responsabilidade objetiva neste caso.

É o que ensina a doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

Resta, todavia, espaço para a responsabilidade subjetiva nos casos em que o dano não é causado pela atividade estatal, nem pelos seus agentes, mas por fenômenos da natureza — chuvas torrenciais, tempestades, inundações — ou por fato da própria vítima ou de terceiros, tais como assaltos, furtos, acidentes na via pública, etc. Não responde o Estado objetivamente por tais fatos, repita-se porque não foram causados por sua atividade; poderá, entretanto, responder subjetivamente com base na culpa anônima ou falta do serviço, se por omissão genérica concorreu para não evitar resultado quando tinha deve legal de impedi-lo. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.)

Há que se salientar, ainda, que, segundo o ordenamento jurídico, o furto é considerado força maior, hipótese excludente de responsabilidade, se não for demonstrada a culpa ou a obrigação contratual de reparar o dano (art. 393 do Código Civil):

Cobrança- Locação de bem móvel -Furto – Caso fortuito ou força maior-Indenização indevida. Se houve devolução do prazo para recorrer e a apelação foi interposta tempestivamente, de conhecer-se do recurso – A ocorrência de furto caracteriza hipótese de força maior, excludente de responsabilidade do locatário, se este não age com culpa e se não está contratualmente obrigado a reparar o dano na ocorrência de caso fortuito ou de força maior.
Apelação conhecida e desprovida.
(TJ-SP – APL: 9228764492006826 SP 9228764-49.2006.8.26.0000, Relator: Lino Machado. Data de Julgamento: 01/06/2011, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/06/2011)

Sendo assim, ante a ausência de previsão contratual e tendo em vista que ainda não foram apurados os fatos que deram causa ao furto, não há como a contratante exigir da Edilidade, neste momento, o ressarcimento do valor do veículo.

É a minha manifestação, que submeto à elevada apreciação de V. Sa.

São Paulo, 27 de fevereiro de 2018

Lilian Vargas Pereira Poças
Procuradora Legislativa
OAB/SP 184.138