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A preservação da memória como farol para a democracia

Por: VIVIANE CEZARINO E LEANDRO MARTINS

20 de dezembro de 2023 - 12:28

Em 1987, o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, entregou uma carta de renúncia ao então vereador Almir Guimarães, integrante da sua base de apoio na Câmara Municipal de São Paulo. Jânio, que havia sido eleito dois anos antes em uma vitória sobre Fernando Henrique Cardoso, estava incomodado com a resistência de vereadores a um projeto dele que aumentaria o IPTU. Guimarães recebeu a carta, ficou com ela no bolso por algumas horas, mas voltou à Prefeitura e a devolveu. “Prefeito Jânio Quadros, eu não serei um Oscar Pedroso Horta da sua vida, está aqui a sua carta. O senhor tem outros meios se quer renunciar ao seu mandato, que o faça, mas não pelas minhas mãos”, disse. Pedroso Horta era ministro da Justiça, em 1961, e coube a ele entregar ao Congresso Nacional a carta de renúncia de Jânio à Presidência, 26 anos antes da tentativa frustrada de deixar também a Prefeitura de São Paulo.

O que aconteceu depois da renúncia de Jânio à Presidência todo mundo conhece: a derrubada do sucessor, João Goulart, por um golpe que levou o Brasil para uma longa ditadura militar. Mas o que teria ocorrido em São Paulo se Jânio tivesse renunciado ao mandato na maior cidade do país, logo na primeira eleição pós-Diretas Já? É com essa reflexão de olhar para o passado, mas sem deixar de lado as possíveis consequências para o futuro, que a memória política e eleitoral deve ser preservada para as próximas gerações.

Decisões tomadas no passado, em gabinetes ou em plenários, se refletem até hoje. Entender, estudar e tornar públicas essas decisões são passos fundamentais para compreender os rumos políticos da capital nas últimas décadas. E também para ajudar os eleitores nas suas escolhas ou os gestores públicos a evitar erros do passado. Erros que, muitas vezes, custaram caro, como mostra a própria história. Custaram, inclusive, vidas. Quase 200 paulistanos morreram nos trágicos incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, em 1972 e 1974, graças em parte à lentidão do poder público para atualizar as regras de segurança prediais que estavam em vigor, baseadas em um Código de Obras de 1934, com 40 anos de defasagem. Foi após os dois incêndios que Prefeitura e Câmara se uniram para atualizar a legislação.

As passagens citadas aqui fazem parte de relatos feitos por ex-vereadores para um projeto de resgate da memória conduzido pela Câmara, que já entrevistou mais de 80 ex-parlamentares, incluindo nomes de peso da política nacional, como Luiza Erundina, José Eduardo Cardozo, Aldo Rebelo, José Aníbal, Andrea Matarazzo, Adriano Diogo, João Carlos Meirelles, Flávio Bierrenbach e Pedro Dallari, entre outros. Existiu racismo na forma como o ex-prefeito Celso Pitta foi tratado pela Câmara? E machismo na relação dos vereadores com a ex-prefeita Marta Suplicy? Como a articulação dos vereadores com os ex-prefeitos interferiu na aprovação de leis consideradas chave para a capital?

As respostas destes ex-vereadores, agora livres dos seus mandatos, passam a limpo a história de São Paulo e nos ajudam a compreender a política como ela é. O resultado está no documentário “Ofício: vereador”, que será exibido pela TV Cultura no próximo dia 21 de dezembro, às 23h.

 

Viviane Cezarino e Leandro Martins são jornalistas, assessores de imprensa da Presidência da Câmara Municipal de São Paulo.

Artigo publicado originalmente pela FGV – Cadernos de Gestão Pública e Cidadania: https://periodicos.fgv.br/cgpc/announcement/view/206

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