A pandemia do novo coronavírus criou um cenário de desafio constante para o Brasil. Como encarar a crise sanitária, como lidar com a vida da população afetada, qual o melhor caminho? Em um cenário de grandes dúvidas e incertezas, há um ponto consensual (e infelizmente negativo): vivemos o caos burocrático e a incapacidade de coordenar informações e nortear políticas públicas porque estamos na lanterna da revolução tecnológica e digital no mundo.
O Brasil vinha trilhando um caminho auspicioso pré-Covid-19. Até a reviravolta com a pandemia do Covid-19, os planos para 2020 eram promissores: lançamento da identidade biométrica, digitalizar mais de mil novos serviços nos canais em um portal único e simplificar o registro de empresas, um dos maiores gargalos do empreendedorismo no país.
Tudo isso na sequência das conquistas de 2019, quando, mesmo em um pais continental conseguiu-se digitalizar 515 serviços públicos que antes eram disponíveis apenas presencialmente. Em 2018 foram 109, somando R$ 1,7 bilhão em economias, além de 146 milhões de horas poupadas por ano.
Infelizmente os trabalhos do avanço digital e da disseminação do big data na administração pública foram interrompidos para garantir que todos os esforços estejam no combate ao novo coronavírus — e no fortalecimento do distanciamento social para ganharmos tempo nessa crise.
O fato é que o Brasil poderia estar muito mais capacitado e organizado nessa guerra contra o vírus. Enquanto alguns países usam a tecnologia a seu favor para organizar políticas de saúde, monitorar deslocamentos em tempos de quarentena e informar a população, aqui assistimos boquiabertos a pandemia analógica que nos atrasa.
Para piorar, o descompasso entre o setor privado e o público está se acentuando. Enquanto a população brasileira —a quarta maior do mundo em usuário de internet—, adapta-se como pode ao trabalho remoto e às ferramentas digitais, o serviço público tem um desafio muito grande para vencer. Com recursos já escassos e uma emergência em curso, colho o momento para exigirmos as reformas necessárias.
De um lado, o Congresso mais caro do mundo aliado à máquina estatal de R$ 320 bilhões por ano em salários e encargos com serviços ineficientes, on-line e off-line. De outro, a necessidade de direcionar recursos para a saúde nesse momento reforça argumentos a favor de como a tecnologia pode, e deve, ser uma aliada para melhorar os serviços do Estado.
Em um país onde 11,5 milhões de pessoas vivem em casa superlotadas, 6 milhões não têm banheiro e 31 milhões não têm água em casa, não podemos aceitar que os recursos sejam desperdiçados. Acredito em uma reforma administrativa que seja, além de austera, uma oportunidade de tornarmos o funcionamento do poder público mais claro e objetivo.
Com o direcionamento para proteger os mais vulneráveis e dar condições básicas de dignidade em moradia e saneamento, a digitalização otimiza os recursos pagos com dinheiro público. Não só, precisamos de novos parâmetros para contratação e promoção de servidores, assim como salários mais próximos do setor privado e revisão da estabilidade. Aliados à maior transparência de dados e agilidade dos serviços, temos a possibilidade de transformar o Estado para melhor.
Com a reforma administrativa que estamos propondo, quantos córregos seriam canalizados, quantas moradias poderiam ser construídas e quantas famílias teriam mais dignidade? As respostas serão descobertas em conjunto e dependem mais do nosso engajamento como sociedade do que das decisões dos políticos.
Não acredito que as máquinas possam substituir os humanos, muito ao contrário, mas nossa maior qualidade enquanto sociedade é evoluir na adversidade. A transformação é inevitável, a tecnologia que nos salva no isolamento será a mesma que irá iluminar os caminhos após a crise.
Em respeito aos brasileiros que ainda precisam alcançar o básico, precisamos diminuir os gastos onde é possível e expandir o acesso para quem é necessário. No meio da tempestade não conseguimos enxergar nem comemorar as pequenas vitórias, mas tenho a convicção que nossos melhores dias ainda estão por vir.