A desempregada Maria Luiza Soares, de 51 anos, teve de amputar o pé direito após pisar em um prego contaminado. “Deu a mesma bactéria que consome os cadáveres”, disse. O acidente ocorreu em um terreno ocupado, na luta dela por moradia. Ela não sabia que tinha direito a um benefício em habitação popular até conhecer o advogado Manoel del Rio, um dos fundadores da FLM (Frente de Luta por Moradia). Nesta sexta-feira, Maria Luiza acompanhou uma Sessão Solene, na Câmara Municipal de São Paulo, que deu a ele o título de Cidadão Paulistano.
“Sempre que ele pode vai as reuniões. Mesmo que não consiga resolver na hora, ele dá informação para gente. Além disso, nos dá esperança e passa confiança. Nunca nos enganou”, afirma Maria Luiza, que já está inscrita em um programa de habitação popular. Ela não pode pagar aluguel e teve negado o pedido de aposentadoria por invalidez por peritos do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
A desempregada não era a única, tendo em vista que o Salão Nobre ficou lotado. Lá também estava o cozinheiro Júlio Silva dos Santos, de 41 anos. “Fiquei anos vivendo em terrenos ocupados. Minha vida sempre foi essa. Criei meus filhos nesses lugares e enquanto a Polícia Militar não vinha com a ordem de desapropriação, não arredava o pé”, contou.
Recentemente, ele conseguiu uma moradia popular no bairro do Brás, na região central. “O Manoel é uma pessoa muito especial para mim e muitos outros”.
A Solenidade foi proposta pelo vereador Jair Tatto (PT). Ele destacou o papel do ativista social nas reivindicações por moradia e também como ele contribui para a educação e formação política das pessoas de classes mais humildades da sociedade.
“É um dos maiores nomes da esquerda brasileira. Sempre foi um grande militante. É justa essa homenagem. A FLM que ele fundou tem um trabalho exemplar na moradia popular. A entidade não apenas ajuda com a necessidade de moradia, mas na formação política, de cidadão. Ou seja, todo um trabalho voltado ao ser humano por suas necessidades”, afirmou.
Surpresa
O homenageado se disse “surpreso” com o título de Cidadão Paulistano. O ativista começou sua vida política em 1968, na Igreja Católica, durante a Ditadura Militar. “Comecei com cursos de alfabetização porque já estava na faculdade”, lembra del Rio, que aprendeu a ler e escrever aos 15 anos.
Posteriormente, del Rio se dedicou em ministrar cursos de supletivo para operários da capital, ajudando os trabalhadores em terminar os estudos e entrar em universidades. “A luta vem desde a essa época. O foco na moradia veio na década de 80, com uma associação educativa na região da Mooca, atendendo pessoas que viviam em cortiços. Foi o primeiro grupo que organizamos”.
Hoje, a FLM trabalha tanto com moradores em situação de rua, quanto em ocupações. De acordo com ele, a luta por moradia é um caminho para alcançar o direito fundamental de se ter onde morar.
“O que procuramos fazer é mostrar que eles estão travando uma luta por um direito, por algo legal. Não estimulamos qualquer prática criminosa”, disse. Segundo ele, os prédios ocupados por sem-teto desobedecem a Lei, por exemplo, ao acumular dívidas de taxas públicas e ficarem abandonados.
Título mais do que justo. Parabéns!