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Comissão da Criança discute violência sexual contra crianças e adolescentes durante a pandemia

Por: NATALIA DO VALE - HOME OFFICE

24 de junho de 2021 - 15:37

Com a pandemia e o isolamento social, o número de casos de violência sexual contra crianças, adolescentes e jovens disparou em todo país, e em São Paulo não foi diferente. Segundo dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública, foram registrados 2.350 casos de estupro de vulneráveis no primeiro trimestre de 2021 – 455 registros a mais na comparação com igual período do ano passado.

Diante da gravidade do problema, a Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude, em reunião ordinária virtual realizada na manhã desta quinta-feira (24/6), trouxe para o debate o tema: “Combate a violência e ao abuso sexual contra bebês, crianças, adolescentes e jovens”. Outro assunto que esteve na pauta foi a eleição do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente).

Estiveram presentes as vereadoras Elaine do Quilombo Periférico (PSOL)Ely Teruel (PODE), Juliana Cardoso (PT) e Rute Costa (PSDB). A reunião foi presidida pela vereadora Janaína Lima (NOVO).

Convidados

Participaram da reunião Catarina Decome, doutoranda no Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Ana Lucia Borges, especialista em Educação Infantil, pedagoga e diretora de escola pública; Juliana Armede, secretária-adjunta da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania; Rita de Cássia Santos, conselheira tutelar; Fabio Ivo Aureliano, conselheiro tutelar e membro da Comissão Executiva do Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo; Allan Carvalho, do Fórum da Assistência Social do Município de São Paulo, e Carlos Júnior, conselheiro do CMDCA.

Dia de Combate ao Abuso Sexual Infantil

A presidente da Comissão, vereadora Janaína Lima (NOVO) abriu a reunião apresentando os convidados e fazendo um breve resumo sobre o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infantil. “Precisamos jogar luz a uma ferida que não cicatriza em nossa sociedade. O Maio Laranja existe para nos lembrar que temos que seguir alertas. Aliás, o dia 18 de maio foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infantil porque em 1973 uma garota chamada Araceli desapareceu enquanto voltava da escola. O caso apresentou muitas reviravoltas em relação aos possíveis culpados, até que fosse arquivado. Entretanto, soube-se depois que se tratava de um caso de abuso e violência sexual infantil bárbaro cometido durante a Ditadura Militar. Desde então, a data é lembrada. Temos aqui um tema espinhoso, mas necessário, por isso convido os especialistas a entrarem no debate”.

O papel da escola

Ana Lucia Borges foi a primeira convidada a participar. A diretora escolar e especialista em educação infantil falou sobre os casos de violência que vivenciou durante a sua atuação no ambiente escolar. “Dentro da escola temos ações de combate e prevenção à violência contra os pequenos. Mas, para que elas sejam de fato efetivas, trabalhamos o nosso olhar sobre o que é a infância. Como as crianças se expressam? Só assim conseguimos ter uma escuta atenta para perceber violações. Toda a nossa equipe é treinada para isso. É preciso que todos os educadores se sintam parte desta rede de proteção. Nem sempre a criança fala, mas ela dá sinais”.

Outro ponto colocado pela profissional é a maneira como os casos de violência detectados são administrados pela unidade escolar: “A gestão escolar precisa documentar a denúncia e enviar imediatamente para o Conselho Tutelar e para a Secretaria Municipal de Educação. O nosso grande desafio hoje é agir contra o tempo, porque os encaminhamentos que o Conselho Tutelar e órgãos competentes dão são lentos e nem sempre assertivos, falta mais preparo. Já vi casos que não foram investigados ou até situações em que a criança volta a ser colocada novamente em perigo por falta de ações mais contundentes”, explicou.

Participante da reunião, Rita de Cássia Santos, representante do Conselho Tutelar, contestou as colocações de Ana Lucia e expôs as dificuldades enfrentadas pelo órgão: “Muitas vezes o abuso não é oficialmente detectado e não há como a gente dar continuidade a ações mais efetivas como desejamos. O que é possível ser feito a gente vai atrás, mas é difícil porque esbarramos na ausência de instituições que nos atendam. O CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), por exemplo, tem uma procura enorme e demora para dar encaminhamento às nossas demandas. Então, quero deixar claro aqui que as nossas ações também são limitadas. Deveríamos tentar fazer políticas públicas interligadas, que se conversem para agilizar os processos”, explicou.

A origem do problema à luz da psicologia

Para a mestre em Psicologia Social, Catarina Decome, o fenômeno da violência sexual vem a partir de uma lógica instalada em nossa sociedade de que algumas crianças não são donas do seu próprio corpo, não são sujeitos, sendo vistas apenas como projetos de ser humano. “Essa visão distorcida é visível a todo momento em ações que parecem inofensivas, mas que abrem precedentes para a violência, como obrigar a criança a beijar alguém, a manter contato com pessoas com as quais ela não quer”, explicou a mestre.

Outro problema apontado por ela é a mistificação e romantização da família. “Cria-se a ideia de que o ambiente familiar é seguro e afetuoso, o que consolida a premissa de que a família é um lugar de proteção, quando na maioria das vezes o que vimos são abusos ocorrendo justamente neste núcleo familiar. Precisamos agir, mas essa ação passa, também, por mudanças conceituais que foram colocadas em nosso imaginário”, pontuou.

Prevenção na escola

Dentro do campo da prevenção, além da capacitação da equipe, a especialista sugere a promoção de ações extracurriculares que levem as crianças e jovens a conhecerem seus direitos e a valorizarem sua individualidade. “Ela, a criança, é sujeito de direitos e precisa saber disso. Como profissionais que atuam na educação, podemos usar materiais lúdicos, propor atividades. E dentro das oficinas lúdicas é ideal que não se fale só sobre a genitália da criança. Temos que tratar a ideia de posse sobre o corpo e ouvi-las. O meu pedido aqui é para que a criança seja ouvida. Negligenciamos a palavra das crianças o tempo todo. Além disso, vale observar queda de rendimento escolar, as reações da criança quando se aproxima de pessoas, principalmente parentes e amigos, entender que não é invenção da cabeça dela. Conscientização e educação são sempre as melhores armas para preveni”.

Violência na pandemia

Após a apresentação das especialistas, a presidente da Comissão, vereadora Janaína Lima (NOVO) questionou o tamanho dos impactos dos abusos no aspecto psicoemocional das vítimas e abordou o aumento do número de casos de violência registrados na pandemia: “Neste momento em que as crianças e jovens se encontram isolados, se tornam também mais vulneráveis. Como vocês avaliam este cenário?”.

Sobre a alta do número de casos, a diretora escolar Ana Lucia Borges explicou que a pandemia dificultou a fiscalização e tirou da escola a possibilidade de identificar os casos. “Sem a presença na escola e muitas vezes, sem acesso à internet e aulas remotas, ficamos sem ter como detectar a violência. Nossa ação ficou bem mais difícil. Se eu puder apontar aqui um caminho de apoio no atual cenário, esse seria o agente comunitário, porque é ele quem faz a ponte entre a família, a criança, a escola e as Unidades Básicas de Saúde”.

Quanto aos impactos emocionais, a especialista em educação infantil é categórica. “As consequências são devastadoras. Além de se tornarem adultos mais fechados e arredios, acabam tendo um déficit de aprendizagem enorme porque criam bloqueios. Criança só aprende quando está em total integridade, está inteira ali”, declarou.

Ainda sobre os danos psicoemocionais, a mestre em Psicologia Social, Catarina Decome, trouxe para o debate as distorções causadas pelos abusos em relação à interpretação do mundo, das relações e até dos próprios corpos das vítimas: “Em geral, elas ficam com dificuldade de confiar, de se relacionar. Pode haver uma hiperssexualização, depressão, estresse pós-traumático, problemas de aceitação do próprio corpo. São sequelas graves que podem durar anos”.

Presente na reunião, a vereadora Ely Teruel (PODE) também manifestou preocupação com a alta das taxas de abusos na pandemia. “Percebo no dia a dia de trabalho uma mudança no perfil de violência neste momento de isolamento. Como podemos evitar e também denunciar?”.

Medo de represálias

Ana Lucia explica que um dos principais impasses na atuação dos profissionais de educação na hora de dar andamento às denúncias, é o medo de sofrer represálias. “Os profissionais da educação muitas vezes têm medo de denunciar por medo de serem agredidos ou até mortos. Sabemos que isso acontece”, disse a especialista.

Para ela, o melhor caminho é “criar uma rede entre família, comunidade, entidades e todos os envolvidos para evitar os abusos e as represálias. Por isso trabalhamos em ações de conscientização. Existem os órgãos responsáveis pelas denúncias e todo mundo pode e deve denunciar”.

Políticas públicas que funcionam

Um dos assuntos trazidos pela vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) foi a eficácia das políticas públicas já existentes e em que elas poderiam melhorar.

Para Ana Lucia Borges, não há necessidade de nova legislação, mas sim de fortalecer as instituições que já existem: “Existem instituições importantes e atuantes, mas precisamos de mais mão de obra, investimentos, etc. Tem dia em que o Conselho Tutelar não tem como atender a denúncia porque falta carro para ir até lá. Isso precisa mudar”.

Na mesma linha, Catarina Decome reforçou a necessidade do fortalecimento das leis e órgãos já existentes e sugeriu novas frentes de atuação. “Concordo com a Ana. Temos mecanismos que precisam ser melhorados, mas que funcionam. Porém, deixo aqui a sugestão de pensarmos em ações que demonstrem que, todos nós, enquanto sociedade, somos responsáveis pela integridade de nossas crianças e jovens. Hoje ainda sinto que as pessoas acham que não é problema delas. Outra mudança bastante importante seria termos psicólogos e assistentes sociais nas escolas para que haja uma maior prevenção”.

Serviços de atenção às vítimas

O município de São Paulo possui 24 Serviços de Proteção Social à Criança e Adolescente Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias (SPVV), referenciados aos CREAS. Ao total os serviços disponibilizam 2.180 vagas.

O SPVV assegura a promoção, defesa e garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, abuso ou exploração sexual, bem como aos seus familiares, proporcionando-lhes condições para o fortalecimento da autoestima, superação da situação de violação de direitos e reparação da violência vivida.

Canais de atendimento para solicitar o serviço

– Centros de Referência da Assistência Social – CRAS (consulte endereços aqui);

– Centros de Referência Especializados da Assistência Social – CREAS (consulte endereços aqui).

– Conselhos Tutelares (consulte endereços aqui);

– Poder Judiciário.

Como denunciar

Se você presenciar qualquer tipo de violência contra criança e adolescente, ligue para o Disque 100.

É possível ainda registrar a ocorrência de crime de abuso sexual pelo 190 (Polícia Militar) e pelo 127 (Ministério Público).

Eleição do CMDCA

Outro assunto que esteve na pauta da reunião foi a eleição do CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente). Em sua fala, a vereadora Juliana Cardoso (PT) manifestou preocupação com os prazos e diretrizes que regem o pleito. “Queremos dialogar sobre os prazos e exigências que estão colocando, mas que não estão previstas na Lei. Isso tem dificultado as inscrições e trazido preocupação”.

Para Fabio Ivo Aureliano, conselheiro tutelar e membro da Comissão Executiva do Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, os prazos e regras inviabilizam a realização da eleição de forma democrática. “É impossível realizar uma eleição democrática e participativa num prazo de 30 dias. Foram dados apenas 5 dias úteis para que todas as entidades da cidade pudessem se inscrever. É ilusório acreditar numa eleição correta e justa diante destes prazos e da exigência de documentos não previstos. As regras inviabilizam a participação e trazem insegurança jurídica.  Acreditamos que o edital deva ser revisto em sua íntegra, ampliando os prazos e retirando algumas exigências como o registro no CMDCA”, explicou.

Na esteira das colocações feitas pelo colega, Carlos Alberto de Souza Júnior, conselheiro do CMDCA, ressaltou a importância do Conselho e também reforçou a necessidade de reavaliar o regimento das eleições. “Temos o papel deliberador de políticas que assistem a este público, todos os casos passam por ali. É um órgão vital para que toda uma cadeia de serviços funcione e por isso as eleições precisam ocorrer de maneira transparente e democrática. Diante disso, concordo com o Fábio, acredito que o melhor caminho seja a suspensão do edital para evitar equívocos e impedir que o atendimento seja prejudicado”.

A palavra da secretária-adjunta

Sobre as indagações dos conselheiros, Juliana Armede, secretária-adjunta da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania, explicou que os prazos são passíveis de prorrogação, e que haverá a ampliação dos mesmos por questões legais e regimentais e que repassou outros pontos questionados pelos convidados para  órgãos fiscalizadores. “Tem uma questão de paridade de gênero que precisamos manter  de acordo com um decreto municipal, por exemplo, e por isso manteremos as inscrições por mais 15 dias úteis. Com relação aos demais entraves expostos, especialmente a participação de entidades e no que tange as exigências documentais, enviamos todas as colocações feitas para que o Ministério Público avalie”, finalizou.

Manifestações

Allan Carvalho, do Fórum da Assistência Social do Município de São Paulo, falou dos aspectos legais das mudanças questionadas no edital. Para ele, as alterações ferem princípios legais importantes. “Um dos princípios basilares do direito é que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo salvo se expresso em lei. Quando o edital traz inovações ou interpretações novas sem deliberação, fere o princípio da obrigatoriedade de execução. Além disso, as mudanças afrontam também o princípio da hierarquia das leis. Não podemos criar normas no município que afrontem leis já vigentes. Na medida em que o atual edital limita, viola ou cerceia direitos, ele incorre na violação de uma série de normas legais como expliquei aqui. Vejam, situações excepcionais exigem soluções excepcionais e precisamos estar abertos a isso e atentos à legislação”, alertou.

Para a vereadora Juliana Cardoso (PT), a solução mais assertiva para o impasse neste momento é a suspensão do edital: “Se essa eleição ocorrer nestes moldes, ferindo a nossa legislação, vai ser um erro. O correto é suspender o edital para que todos os envolvidos tenhamos mais tempo para avaliar as novas regras. Não se pode mudar as regras no finalzinho do segundo tempo e seguir assim. Temos que entender o que muda, é de interesse da sociedade, de entidades e de todos nós”, finalizou.

Requerimento

Diante dos entraves trazidos pelos membros do Conselho no que se refere ao processo eleitoral do CMDCA, o colegiado decidiu pela elaboração de requerimento a ser enviado à Procuradoria-Geral do Município e também à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania pedindo o adiamento do processo eleitoral até que as questões colocadas durante a reunião sejam esclarecidas.

A íntegra da reunião pode ser assistida aqui.

 

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