Em reunião nesta quinta-feira (2/7), a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude realizou um debate sobre queimaduras na infância. Com a presença de representantes do IPAQ (Instituto de Políticas e Atenção em Queimaduras), foram discutidos as principais causas, prevenção, tratamentos e oferta de serviço público, como leitos e profissionais da saúde, para atender e cuidar desses pacientes.
As queimaduras são a quarta principal causa de morte infantil no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Quase 80% dos casos ocorrem em ambiente doméstico, especialmente na cozinha. Em crianças menores de 5 anos, a principal causa é o escaldo – quando há contato com líquidos aquecidos. Em maiores de 5 anos, os agentes infláveis e o consequente contato com fogo são a principal causa.
Presente à reunião, a médica-cirurgiã e presidente do IPAQ, Elaine Tacla, trabalha há 26 anos com pacientes que sofrem com queimaduras e é responsável pelo centro de referência em assistência a queimados do Hospital Geral Vila Penteado, na Freguesia do Ó. Segundo Tacla, 80% dos acidentes poderiam ser evitados se houvesse um intenso trabalho de prevenção contra queimaduras no país.
“O trabalho de prevenção, que não existe no Brasil, é muito importante. Imagine como conseguiríamos mudar a vida desses futuros adultos traumatizados e cheios de sequelas”, declarou a médica. O processo hospitalar e recuperação de uma pessoa que teve queimaduras também é longo e doloroso, adverte Tacla, com muito tempo de internação e a necessidade de várias cirurgias. “Quando não leva a óbito, provoca sequelas físicas e psicológicas para o resto da vida”, afirmou.
Ana Paula Oliveira, vice-presidente do IPAQ e fisioterapeuta, também esteve presente. Ela trabalha há 17 anos como coordenadora de fisioterapia especializada em queimaduras e traumas associados. A profissional enfatizou o processo doloroso que as crianças passam para se recuperar de uma queimadura. “As crianças passam por muito sofrimento. O tratamento é muito desafiador: passam por longos períodos de internação, por cirurgias, enxertos, curativos, por isso ficam muito traumatizados ao toque e com uma memória de dor”, explicou a fisioterapeuta.
O tratamento pode levar anos, até mesmo mais de uma década, dependendo da gravidade das queimaduras. Além do cuidado físico, também é necessário o apoio psicológico. “Quando são adolescentes, ficam revoltados e rebeldes, por isso é preciso muita conversa e carinho”, descreveu Ana Paula. “Para as crianças, muita brincadeira para tornar o processo menos doloroso e criar vínculos com a equipe”.
Desafios no tratamento de queimaduras
Segundo a presidente do IPAQ, a cidade de São Paulo perdeu leitos pediátricos ao longo do tempo. “Temos metade dos leitos que tínhamos há 20 anos. As unidades de queimados eram altamente equipadas, mas foram suprindo toda a deficiência do hospital e fomos perdendo”, explicou Tacla. A estimativa é que a capital contasse com 75 leitos especializados para o atendimento de crianças mas, de acordo com a médica, menos de cinco leitos estão disponíveis hoje.
“É preciso despertar o interesse público pela unidade de queimados. Muitas sequelas poderiam ser amenizadas se houvesse uma estrutura melhor”, argumentou Tacla. “O queimado é completamente esquecido pela sociedade, pela política. O pior é o sofrimento que eles têm que encarar a vida inteira”.
A fisioterapeuta Ana Paula Oliveira também chamou atenção para outro desafio: a aquisição da malha compressiva, primordial no tratamento de queimaduras. “O paciente fica com a malha 24 horas. É ela que dá uma condição melhor para a cicatriz não evoluir”, explicou. O custo de uma malha para o corpo inteiro gira em torno de R$ 1 mil, deve ser trocada a cada três meses, e o uso médio é de até dois anos, mas o repasse do governo para a aquisição do material está defasado, segundo as profissionais, em torno de R$ 30,00. “Como fica a família carente fica diante disso? Elas não têm recursos para adquirir e é um tratamento essencial”.
Cuidados durante a pandemia
Ao menos 350 pessoas foram internadas no Brasil por causa de queimaduras, desde o início da pandemia, de acordo com a presidente do IPAQ. “As crianças estão ficando em casa e não tem onde gastar a energia, e por isso estão se queimando muito mais”, explicou Elaine Tacla. Alguns cuidados para evitar esse tipo de acidente valem para qualquer período, mas em especial agora, durante a pandemia, é necessário redobrar a atenção para não se expor.
Manter o frasco de álcool fora do alcance das crianças e longe das fontes de calor, como o fogão;
- Manter a crianças fora da cozinha;
- Fazer uso consciente do álcool em gel;
- Ter um ambiente seguro para a criança;
- Tomadas seguras;
- Deixar os cabos de panelas para dentro;
- Não passar produtos caso ocorra alguma queimadura;
A médica também alerta que a população procure serviços que atendam queimados imediatamente, em casos de acidentes que provoquem queimaduras.
Para a presidente da comissão, vereadora Soninha Francine (CIDADANIA), o Poder Público tem muito a fazer para melhorar a qualidade do atendimento de vítimas de queimaduras e contribuir para a prevenção e conscientização. A Câmara Municipal também pode ajudar nesse assunto, na avaliação da parlamentar. “Podemos pensar nisso quando formos discutir o orçamento da cidade para o próximo ano, no que estiver ao nosso alcance, de destinar recursos”, explicou Soninha. “Também podemos utilizar as redes sociais da Câmara, que só depende de nós mesmos, para difundir essas informações e sensibilizar a população”.
Trabalho infantil
Ainda na reunião de hoje, a Comissão da Criança debateu sobre o trabalho infantil no Brasil e na capital paulista. Presente à reunião, Roberta Tasseli, gestora de comunicação da Escola Cidade Aprendiz, uma organização que atua na defesa de crianças e adolescentes em alta vulnerabilidade social, trouxe dados da realidade do trabalho infantil no país.
Ao menos 2,4 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalhavam no Brasil em 2016, segundo levantamento do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Já na cidade de São Paulo, ao menos 4.449 crianças e adolescentes trabalhavam nas ruas entre janeiro e julho de 2018, principalmente com a venda de produtos nos semáforos, de acordo com levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social.
Para Tasseli, há uma grande subnotificação. “A gente sabe que em São Paulo há outros tipos de trabalho muito comuns, mas que são difíceis de identificar, que é o tráfico de drogas e o trabalho infantil doméstico”, esclareceu. Outro desafio, segundo Tasseli, é transformar o imaginário social sobre trabalho infantil. “Se ouve muito hoje que ‘é melhor estar trabalhando do que roubando’, como se fosse o único caminho possível que a sociedade brasileira pudesse oferecer a essas crianças em vulnerabilidade”, argumentou.
Vereadora Soninha Francine também acredita que o fator cultural é um dos maiores desafios para erradicar o trabalho infantil no país. “Além de não termos dados suficientes para falar desse assunto, ainda lidamos com o problema cultural de que trabalho infantil é uma virtude e não um problema”, declarou.
Também estiveram presentes os vereadores Juliana Cardoso (PT), vice-presidente da comissão, Fernando Holiday (PATRIOTA), Patricia Bezerra (PSDB), Alfredinho (PT) e Senival Moura (PT).