Famílias de ocupações em dez prédios na região estão sob aviso de despejo
A Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania, presidida pela vereadora Luna Zarattini (PT), realizou nesta segunda-feira (25/9) o Seminário sobre Ocupações no Centro de São Paulo, em parceria com movimentos populares de moradia, como a ULCM (Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia), o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e as assessorias técnicas FIO e coletivo MOLA.
“As ocupações são legítimas em função do direito à moradia e estão desassistidas pela Prefeitura. A gente sabe que há muitas pessoas sem casa na cidade e que correm o risco de ser despejadas de ocupações, sendo que não há uma política habitacional que atenda a essa demanda. Então esse seminário busca olhar esses imóveis vazios, que não cumprem sua função social da propriedade privada para garantir condições dignas às pessoas”, declarou a vereadora.
No seminário foi apresentado um dossiê feito em conjunto entre o colegiado e os movimentos, para evitar o despejo de famílias que ocupam 10 imóveis na região central, considerados de alto risco pela Prefeitura. O documento mostra que retirá-las vai piorar a situação de vulnerabilidade e que reparos nos imóveis para torná-los próprios à moradia serão menos dispendiosos do que o custo das remoções e pagamento de auxílio aluguel, que foi o proposto pela Prefeitura.
Além disso, o documento propõe inserir as famílias em HIS (Habitações de Interesse Social) do PIU (Projeto de Intervenção Urbana) Setor Central, que incentiva a habitação no centro da capital, para promover o adensamento populacional e construtivo da região.
O esforço do colegiado com os movimentos para impedir a desocupação, começou após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida no dia 1º de maio de 2018, no Largo do Paissandu, que terminou com 7 mortos e dois desaparecidos. Depois do desastre, a Prefeitura fez uma lista de 51 prédios ocupados por famílias na região central e destacou 10 como inapropriados para a moradia, com avaliação da Defesa Civil de alto risco e indicação para a remoção.
Assessores parlamentares de ex-vereadores que iniciaram a mobilização, como o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT-SP) e a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), também vieram ao seminário acompanhar o desfecho do dossiê e dar continuidade à luta pelo direito à moradia.
A arquiteta Ana Luíza Gonçalves, do Coletivo MOLA de assessoria técnica, apresentou o dossiê e mostrou que das dez ocupações indicadas para desocupação houve um recorte de três para visitas técnicas. Elas estão situadas em prédios na Alameda Nothmann, nº 915 e na Avenida São João, nº 104 e 114.
“Realizamos visitas nesses prédios com o corpo técnico e com os ex-vereadores Eduardo Suplicy, Erika Hilton e o Daniel Annenberg, e aprovamos um primeiro relatório da vistoria que comparamos com o da Defesa Civil, para entender a metodologia usada para a indicação de remoção e questionar as informações. Encontramos diversas inconsistências no relatório, importantes para desmontar a narrativa de que esses prédios apresentam riscos elevados aos moradores”, destacou Ana, mostrando na conclusão que a inserção das famílias no PIU Central é uma alternativa de urgência.
Sidney Pita, um dos líderes da ULCM (Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia), criticou a morosidade da Prefeitura, que se comprometeu a produzir uma moradia no terreno onde o prédio Wilton Paes de Almeida desabou, mas o terreno continua só com tapumes. Ele também afirmou que as políticas habitacionais existentes não conseguem contemplar famílias com renda inferior a um salário-mínimo.
Benedito Barbosa, o Dito do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, reparou que os prédios com indicação de desocupação, são justamente os que não estão articulados em movimentos. “Houve um processo sistemático de criminalização das lutas populares no centro de São Paulo, a partir do incêndio do prédio Wilton Paes de Almeida. Muitas pessoas foram presas, inclusive lideranças do nosso movimento. A gente percebeu que onde tinha organização nas ocupações conseguimos evitar despejos e onde não tinha elas ficaram muito ameaçadas”, observou.
Dito também sugeriu enviar documento para o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, marcar uma reunião com o Conselho Nacional das Cidades e fazer uma grande mobilização para pressionar a Prefeitura por moradia e regularização do acesso à água e energia elétrica nas ocupações.
Juliana de Freitas, assessora parlamentar da vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), disse que há uma forte disputa de mercado pelo centro com especulação imobiliária. “Fizemos um levantamento e hoje há 188 imóveis passíveis de desapropriação, no quinto ano de IPTU Progressivo, sendo que 62 desses imóveis estão na Subprefeitura da Sé. Então estamos falando do centro de São Paulo, e não houve até hoje nenhuma desapropriação para garantir a finalidade na função social”, informou.
“O que o dossiê demonstra é que o risco na verdade é uma justificativa, um instrumento que tem sido muito utilizado para despejo e para remoção das famílias dessa área central que é tão rica e importante. No dossiê tem um breve cálculo de quanto custaria arrumar dois prédios que visitamos e posso dizer que é muito menor que qualquer despejo e aluguéis sociais”, revelou Fernando Botton, arquiteto da assessoria técnica FIO.
A assessora parlamentar Kelseny Medeiros, coordenadora da articulação de base do mandato da deputada federal Erika Hilton, acha as iniciativas da Prefeitura para a população em situação de rua contraditórias. “Um levantamento feito pela assessoria do deputado Eduardo Suplicy apurou que o hotel para a população em situação de rua tem custado R$ 4 mil por pessoa. Isso significa que em um quarto onde tem 4 pessoas, o valor pode chegar a R$ 20 mil. Isso pra elas ficarem em um local onde tem horário de entrar e sair e não podem receber família ou visita. Por que não dar o dinheiro para investir em condições mais dignas nas ocupações?”, perguntou.
Veja o seminário completo no vídeo que segue: