Do funcionamento irregular da feira boliviana da Rua Coimbra, no Brás, à dificuldade de acesso dos imigrantes a serviços públicos básicos. Esses foram alguns dos pontos destacados na leitura do relatório final da CPI da Política de Migração na Câmara Municipal de São Paulo nesta terça-feira (27/6), na sala Sérgio Vieira de Melo. O documento, que encerra oficialmente os trabalhos da Comissão, foi aprovado por unanimidade e agora será publicado no Diário Oficial do Município.
Desde o início da CPI, em fevereiro, foram muitas as demandas levadas por estrangeiros em situação clandestina, refugiados e imigrantes que precisam de reconhecimento ou vivem em condições sociais de vulnerabilidade.
A maioria relatou uma série de problemas, que começam desde a chegada ao País e permanecem sem solução até anos após o desembarque. Situações que expõem falhas nas políticas públicas atuais e revelam um drama que afeta milhares de famílias de aproximadamente 70 nacionalidades só na capital paulista. A busca por cidadania esbarra, por exemplo, em obstáculos como o idioma ou a simples falta de informação, passando pela exclusão do sistema bancário e a recusa de diplomas universitários.
Para o autor do relatório da CPI da Migração, vereador Fábio Riva (PSDB), após quase cinco meses de reuniões, foi possível chegar a um consenso, com propostas amplas e que abrangem praticamente todas as necessidades apresentadas na Comissão.
“Temos a questão da formalização de um ofício à USP (Universidade de São Paulo) para a validação de diplomas universitários. A proposta para criar uma rede de proteção e valorização do imigrante, com atendimento à saúde, educação, habitação etc. Então eu acredito que o relatório contempla todas essas situações para que possamos dar mais um passo importante na cidade de São Paulo”, avaliou Riva.
O alemão Werner Reghental, conselheiro imigrante na região do Butantã, admitiu que foi surpreendido positivamente com o resultado da CPI.
“Eu não esperava isso. Eu achava que seria um documento mais superficial, mas foi um relatório que tentou abordar os mais diferentes aspectos que apareceram durante toda a CPI, políticos e comunitários. Penso que dá para construirmos coisas concretas a partir desse documento”.
A amplitude do relatório final, por outro lado, ainda não convenceu a boliviana Mônica Rodriguez, imigrante no Brasil há 13 anos e coordenadora do Conselho Participativo de Ermelino Matarazzo.
“No papel, o relatório está ótimo. Mas acho que nós imigrantes temos de acompanhar e cobrar a partir de agora. Falando na questão da segurança, por exemplo, ainda não conseguimos ter conta em banco e por isso somos assaltados em casa, nas feiras. Espero que essa CPI seja o primeiro passo para cobrarmos as autoridades”, desabafou Mônica.
O vereador Gilberto Nascimento Jr. (PSC), que integra a CPI da Migração na Câmara, destacou o ponto do relatório que propõe a criação e oferta de cursos de português aos imigrantes.
“A língua é um dos maiores problemas do imigrante. Existe a necessidade de acolhermos a todos e oferecermos esse instrumento. Ele [imigrante] precisa falar português para conseguir se virar aqui”, disse.
A Prefeitura de São Paulo foi representada pela assessora técnica da Coordenação de Políticas para Migrantes da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. Na avaliação de Camila Barrero, as propostas da CPI são viáveis e estão dentro da realidade do trabalho que já vem sendo feito pela pasta.
“São sugestões pertinentes e que podem ser acatadas em âmbito municipal. Algumas, inclusive, já estão sendo adotadas, como o curso de português para os imigrantes. A gente conseguiu uma parceria com a secretaria municipal de Educação para viabilizar as aulas na rede municipal. Então essa é uma indicação da CPI que já está rendendo frutos”, disse.
Feira Boliviana
A Feira Boliviana da rua Coimbra, que chega a reunir cerca de 6 mil pessoas aos fins de semana na região central, foi um dos assuntos mais debatidos desde o início da CPI. No último domingo (25/6), os vereadores da Comissão fizeram uma visita oficial para ouvir os feirantes e comerciantes.
A polêmica que envolve o local, no Brás, vem de longe. A feira permaneceu ilegal por quase 11 anos e só foi regularizada no fim de 2014. Neste ano, porém, o prefeito regional da Mooca, Paulo Sérgio Criscuolo, voltou a considerar o funcionamento da feira ilegal por dois motivos. Um deles seria a venda de produtos que não se enquadram na Lei das Feiras Culturais, que permite apenas itens de artesanato e alimentação típica. Outro problema apontado foi o desentendimento entre grupos dissidentes de bolivianos que reivindicam o controle administrativo da área.
No relatório final da CPI, a solução encontrada foi a proposta para a eleição de um conselho gestor composto pelos próprios feirantes e integrantes da administração municipal. A ideia é permitir a candidatura de todos os comerciantes envolvidos, desde que estejam cadastrados. Depois de eleito, esse conselho ficaria responsável pelo diálogo direto com a Prefeitura Regional para resolver todas as questões legais relacionadas ao funcionamento da feira.
Para o presidente da CPI da Migração, vereador Eduardo Suplicy (PT), essa foi a melhor saída para os conflitos. “Estivemos lá presentes e conversamos com os feirantes. Na conversa com eles, e com a Prefeitura Regional, acertamos de marcar para breve a eleição desse conselho gestor, que irá definir as normas e os regulamentos para a boa harmonia entre todos”, explicou Suplicy.
A ideia também agradou o presidente da Associação de Empreendedores Bolivianos da Rua Coimbra, Ronald Soto. “A princípio, estamos satisfeitos. Vemos que há uma luz no fim do túnel com essa CPI. Estamos aguardando há mais de um ano a criação desse conselho, porque é necessário ter as regras claras, mas ainda faltava a presença do Poder Público”, destacou Soto.
A sugestão apresentada no relatório final da CPI da Migração é de que o modelo de gestão proposto para a feira boliviana da Rua Coimbra se estenda a todas as outras feiras culturais da cidade.