Em reunião nesta quinta-feira (25/11), a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Prevent Senior realizou oitiva com os médicos Walter Souza Neto, Andressa Joppert e George Joppert, que auxiliaram na elaboração de um dossiê com denúncias contra a atuação da operadora de saúde durante a pandemia. A advogada Bruna Mendes Morato, responsável pela organização do documento, acompanhou os depoimentos.
O dossiê foi apresentado pela advogada primeiramente durante a CPI da Pandemia no Senado Federal. Com base nele, outras denúncias acabaram surgindo e culminaram na abertura de investigação contra a Prevent Senior por uma força-tarefa do Ministério Público e na criação da CPI na Câmara Municipal de São Paulo.
Nos depoimentos desta quinta-feira, os médicos reforçaram as denúncias já apresentadas de que havia a obrigatoriedade e pressão interna para a prescrição do chamado Kit Covid – conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, como a cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina – a pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado da doença. Nesse sentido, eles reafirmaram que a autonomia do médico não era respeitada na empresa.
Os três depoentes também falaram sobre o protocolo da Prevent Senior para a adoção dos chamados cuidados paliativos em pacientes com quadro grave de Covid-19. Segundo denúncias confirmadas pelos médicos, havia orientação interna para adoção da prática de acordo com o perfil do paciente. Eles ainda detalharam como era a estrutura e o ambiente interno da Prevent Senior.
Depoimentos
O primeiro a ser ouvido foi o médico Walter Souza Neto, que trabalhou até o final de fevereiro de 2021 como plantonista no pronto-atendimento dos hospitais da Prevent Senior. Segundo ele, os médicos eram orientados e pressionados a entregar aos pacientes o Kit Covid, que era padronizado a todos.
Neto inclusive afirmou ter conhecimento de que a prática ocorreu, pelo menos, até seu desligamento em fevereiro de 2021, independente das evidências científicas que mostravam a ineficácia desses medicamentos. Tal postura vai de encontro à autonomia médica que a Prevent Senior alega ter dado aos seus profissionais.
A maioria dos pacientes que utilizavam os medicamentos do Kit Covid eram idosos e, ao contrário da recomendação, o médico disse que não eram realizados eletrocardiogramas antes da prescrição dos remédios. Em algumas situações, ele relatou ter visto pacientes retornarem às unidades com sintomas de efeitos colaterais das medicações.
Questionado, Neto denunciou que os atendimentos muitas vezes eram realizados por enfermeiros, que tinham acesso aos cadastros dos médicos e possuíam autonomia para realizar a anamnese, preencher formulários, realizar exames e até prescrever remédios. O médico relatou casos em que os enfermeiros ficavam com cópias do carimbo dos médicos, para agilizar o atendimento.
Em seu depoimento, Neto ainda falou sobre a forma como o Pentágono – como é chamada a alta cúpula que determina as ações a serem implementadas no âmbito da Prevent Senior – orientava os médicos quanto ao atendimento dos pacientes. Segundo o médico, a hierarquia interna era rígida e as decisões eram verticalizadas.
O médico também falou sobre os supostos estudos que comprovariam a eficácia do Kit Covid, (que são alvo de investigação e viriam a ser foram refutados); sobre a estrutura interna da operadora de saúde; e sobre a filosofia interna da Prevent Senior que, em suas palavras, visava mais os números em detrimento da correção no atendimento e nas práticas adotadas.
Questionado sobre os protocolos de atendimento paliativo, Neto afirmou que havia pressão e orientação interna para que o procedimento fosse adotado, de acordo com o perfil do paciente. “O que acontecia era uma pressão do seu superior hierárquico às vezes, se fosse um paciente mais limítrofe, que você já definisse cuidados paliativos ou proporcionais no momento da internação. Porque se o paciente já está em cuidados paliativos ou proporcionais, esse paciente não precisa de um leito de UTI, esse paciente não vai ser entubado, não vai passar um acesso central. Esse paciente pode ficar em enfermaria e enfermaria. Eles tinham disponível em rede externa, outras vagas, então era mais fácil de administrar”, explicou.
Por fim, o médico relatou ter sido ameaçado e intimidado após realizar as denúncias. “Eu vi esses caras terem total desrespeito pela vida todo o tempo que eu fiquei lá. Acho que não vai ser com a minha que eles vão começar. Já tive ameaça, ouço essas coisas, eu tenho medo realmente de sair na rua. Eu vejo a Prevent como criminosos, porque nós estamos falando de homicídio aqui”, acusou Neto.
Na sequência, ocorreu a oitiva da médica Andressa Joppert, ex-funcionária da Prevent Senior que ocupou o cargo de guardiã na empresa. Em linhas gerais, ela referendou as denúncias apresentadas pelo médico Walter Souza Neto, principalmente em relação à pressão interna pela obrigatoriedade de prescrição do Kit Covid aos pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de Covid-19. A médica ressaltou que a autonomia médica estava comprometida internamente.
Andressa ainda se defendeu das acusações de ter usado cloroquina quando diagnosticada com Covid-19. Ela confirmou que fez uso do medicamento, mas que, na época, no início da pandemia em 2020, não havia comprovação científica de sua ineficácia. A médica ressaltou que só depois surgiram os primeiros resultados mostrando que a cloroquina não era efetiva contra a doença.
Ela também falou sobre os supostos estudos de eficácia do Kit Covid, da atuação dos enfermeiros no acolhimento de pacientes e prescrição de medicamentos, além das denúncias de alteração de atestados de óbito para omitir a Covid-19 como causa da morte do paciente.
Outro ponto abordado foi a recomendação de cuidados paliativos a pacientes graves e sobre a orientação para dar alta a pacientes que não tinham condição de serem liberados. Questionada, a médica afirmou ter ouvido o termo “alta celestial” internamente. “[Significa] que o paciente iria a óbito, que ele iria morrer”, esclareceu a médica.
A estrutura interna da Prevent Senior, como hierarquia organizacional e diretiva, bem como o lema sobre lealdade e obediência, foram abordados no depoimento de Andressa.
Na última oitiva do dia, a CPI da Prevent ouviu o médico George Joppert, que atuou na operadora de saúde até agosto de 2020 e que participou da revisão dos dados do suposto estudo de eficácia dos medicamentos do Kit Covid. O médico detalhou o processo de revisão do estudo e afirmou que, diferente do que foi dito em depoimentos anteriores dos autores, o documento era tratado como uma pesquisa clínica de fato.
Ele também apresentou uma série de incompatibilidades, como o fato de o estudo ter sido escrito no dia 4 de abril, mas utilizar dados do dia 14 de abril. Joppert ainda se defendeu das acusações dos autores de ter fraudado os dados do estudo, desqualificando assim o resultado da pesquisa. O médico destacou que apenas revisou as informações e apontou as incongruências encontradas.
No depoimento, Joppert ainda referendou as informações dadas nos depoimentos anteriores sobre a estrutura da empresa, hierarquia organizacional e tomada de decisões, a obrigatoriedade de prescrição do Kit Covid, as orientações quanto ao acolhimento e a alta dos pacientes com Covid-19, à adoção dos cuidados paliativos a pacientes graves, autonomia médica, alteração da causa da morte no atestado de óbito, entre outros.
Requerimentos
Ao fim das oitivas, os membros da CPI da Prevent Senior aprovaram requerimentos com pedidos de informações e convites para esclarecimentos sobre os temas investigados pela Comissão.
A reunião desta quinta-feira foi conduzida pelo presidente da CPI da Prevent Senior, vereador Antonio Donato (PT). Também participaram o vice-presidente da Comissão, vereador Celso Giannazi (PSOL), o relator dos trabalhos, vereador Paulo Frange (PTB), e os vereadores Milton Ferreira (PODE) e Xexéu Tripoli (PSDB), integrantes da CPI. A íntegra dos trabalhos está disponível neste link.
Sobre a CPI da Prevent Senior
Instalada no dia 7 de outubro, a CPI da Prevent Senior busca apurar denúncias relacionadas à atuação da operadora de saúde na capital paulista no enfrentamento à pandemia, como a possível subnotificação do número de casos e de óbitos por Covid-19 dos pacientes que foram atendidos nos hospitais da empresa.
Uma das suspeitas da Comissão é de que, para diminuir a quantidade de registros, a Prevent Senior teria agido para que pacientes com Covid-19 não tivessem a doença anotada em seus prontuários. Nos casos de morte, a informação também teria sido suprimida dos atestados de óbito.