Na manhã desta terça-feira (13/7), a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente realizou Audiência Pública virtual com o tema “Ocupações e Despejos: a Luta pela Moradia em São Paulo”, que discutiu o déficit habitacional e a situação da moradia na capital.
Dois assuntos principais nortearam os debates. O primeiro deles tratou de moradias populares em áreas de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) do município, com destaque para a situação de duas ocupações em terrenos que estão com dívidas de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) junto ao município e que estão localizados em ZEIS: a ocupação Carolina Maria de Jesus, no Jardim Iguatemi, zona Leste, e a ocupação Nova Canudos, em Taipas, na zona Norte, ambas com cerca de duas mil famílias em cada.
Também foram abordados os despejos de famílias ocorridos durante a pandemia e quais ações podem ser feitas para evitar essa situação, que tem colocado as pessoas despejadas em situação de vulnerabilidade.
Propositora da Audiência Pública desta terça-feira, a vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL) presidiu os trabalhos. Participaram os vereadores André Santos (REPUBLICANOS), Ely Teruel (PODE), Juliana Cardoso (PT) e Rodrigo Goulart (PSD).
Manifestações
Primeiro participante da audiência, o advogado do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Ramon Koelle, destacou que as áreas onde as ocupações Carolina Maria de Jesus e Nova Canudos se instalaram são Zeis 2 — áreas demarcadas em glebas e terrenos desocupados, não utilizados ou subutilizados, que devem servir para a produção de HIS (Habitação de Interesse Social), HMP (Habitação para o Mercado Popular) e usos não residenciais.
Em relação à ocupação Carolina Maria de Jesus, ele ainda ressaltou, entre outras coisas, que o proprietário do terreno não paga o IPTU desde 2006 e a dívida ativa com o município, já em execução, soma R$ 2,9 milhões. “As ocupações são denúncias do abandono das áreas públicas e das áreas privadas do município, de áreas gravadas no Plano Diretor para fins de habitação popular e nada é feito. Essa audiência pública tem como principal relevância trazer essa denúncia”, afirmou.
“Essas duas ocupações são áreas de ZEIS 2, às duas áreas são inscritas em dívida ativa no município por não pagar IPTU, uma delas teve a notificação de PEUC (Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsória) e nada é feito. Então é um apelo e uma denúncia que nós fazemos para que as autoridades tomem providência, num momento que a Prefeitura deseja rever o Plano Diretor”, reforçou Koelle.
Na sequência, a coordenadora da ocupação Nova Canudos, Débora Lima, comentou os impactos da pandemia na população, principalmente na questão da moradia. Ela também fez um apelo para que o Poder Público atue de forma efetiva na resolução desse problema. “A moradia já era um problema e, com a pandemia, se agravou cada vez mais. Como foi colocado, essa é a realidade, muita gente ficando em situação de rua. A ocupação que eu coordeno está com quase duas mil famílias, é família demais. É gente que está nos procurando porque estão sofrendo reintegração de posse ainda nesse momento, pessoas que estão ficando em situação de rua por não conseguirem pagar o aluguel”, disse.
“É uma realidade que a maioria dos brasileiros vive, com o desemprego ou um salário mínimo, que as pessoas têm que escolher entre morar ou pagar o aluguel. A gente pede o apoio dos vereadores e dos demais aqui presentes, porque a gente precisa de mecanismos e leis que fortaleçam a moradia. A maioria das pessoas que estão na ocupação são trabalhadores, pessoas que trabalharam anos de suas vidas, mas que não tem mais condições e, infelizmente, o poder público não cria mecanismos para atender esse déficit habitacional”, completou Débora.
Coordenadora da ocupação Carolina Maria de Jesus, Cláudia Rosane Garcez reforçou o posicionamento de Débora sobre a necessidade de maior atenção ao problema da moradia na capital. “Movimento vem ocupar porque existe esse déficit habitacional muito grande na cidade de São Paulo e não existem políticas públicas que garantam a moradia das famílias. E a situação tem se agravado agora na pandemia”, apontou.
Ela ainda frisou os impactos da pandemia no aumento da vulnerabilidade habitacional na cidade. “Outro ponto importante, ressaltar que cada vez mais famílias vêm procurando a gente para morar, vêm procurando a ocupação para morar, porque não conseguem pagar o aluguel. Ainda que a gente tenha um ano e meio de crise sanitária e fim do auxílio emergencial de R$ 600, agora sim, essa ocupação está bombando de pedidos para morar e isso reforça a nossa luta, escancarando o déficit habitacional com o aprofundamento da crise no momento da pandemia”, expôs Cláudia.
O promotor de justiça Marcos Vinicius Monteiro dos Santos, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Habitação e Urbanismo do Centro de Apoio Operacional da promotoria de Justiças Cíveis e de Tutela Coletiva, afirmou que o Ministério Público acompanha com preocupação a situação, principalmente pelo aumento no número de ações de reintegrações de posse e despejos por falta de pagamento no contexto da pandemia. “Já em maio de 2020, a Procuradoria Geral de Justiça publicou um aviso, no Diário Oficial, recomendando a todos os promotores de justiça que avaliassem a possibilidade de requererem a suspensão das reintegrações de posse em andamento. Isso surtiu um efeito muito positivo em todo o Estado de São Paulo e muitas dessas ações com ordens já emitidas pelo Poder Judiciário acabaram sendo revisadas e essas reintegrações foram suspensas em muitas das cidades aqui do Estado”, pontuou.
“Especificamente aqui na capital, a Promotoria de Habitação e Urbanismo, em julho do ano passado, expediu uma recomendação ao Prefeito para que ele determinasse a suspensão das desocupações de áreas públicas, tanto as administrativas, quanto as judiciais, que estavam e estão em andamento desde então. Nós recebemos, em relação a essa recomendação, uma resposta positiva da Prefeitura de São Paulo, no sentido de que ela paralisaria essas remoções, salvo em casos de risco comprovado”, acrescentou.
Por fim, Santos fez um alerta para as possíveis reintegrações que venham a ser realizadas após o período da pandemia, uma vez que, ainda assim, essa população seria colocada em situação de vulnerabilidade, e pediu que mais políticas públicas sejam implementadas para suprir o déficit habitacional no município.
Membro da Campanha Nacional Despejo Zero e representante de diversos movimentos sociais de moradia, Antonio Pedro (Tonhão) apresentou um panorama sobre os despejos ocorridos durante a pandemia.
Ele também destacou o trabalho realizado pela campanha na proteção à moradia e apontou a necessidade de ações que considerem o contexto amplo da pandemia, que deve ter consequências até o próximo ano. “Embora haja vacinação em um ritmo lento, a nova variante pode estender essa pandemia para além deste ano, chegando até o ano que vem. Portanto, a gente precisa ter garantias da lei de que essas famílias não serão removidas. Nesse sentido, a gente trabalha a aprovação de leis ao nível, federal, estadual e municipal”, disse.
Participante da audiência, a secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Berenice Gianella, comentou a política de acompanhamento de reintegrações de posse e de acolhimento promovidas pela pasta às pessoas em vulnerabilidade retiradas das ocupações. “São feitas várias reuniões com a Polícia Militar, com todas as secretarias envolvidas e a nossa Supervisão de Assistência Social, junto com as nossas equipes do território, vão a essas ocupações onde vai haver reintegração de posse e cadastram todas as famílias que estejam efetivamente em situação de vulnerabilidade, que é o público que nós temos que atender aqui na Assistência Social, e as pessoas que desejam ser acolhidas em acolhimentos”, explicou.
“O que nós podemos oferecer para essas famílias, evidentemente, não é moradia. O que a gente oferece são acolhimentos na nossa rede e nós temos uma rede bastante grande para acolhimento de mulheres, homens, mulheres com filhos, famílias, idosos”, completou a secretária.
O chefe da assessoria técnica do gabinete da Secretaria Municipal de Habitação, César Augusto, afirmou que a pasta tem ciência do déficit habitacional na cidade, entende a complexidade do tema e busca empreender ações que resolvam o problema. Ele ainda pontuou que a atuação da secretaria, na questão da reintegração de posse, é pautada considerando a situação da pandemia.
Representante da Secretaria Municipal de Habitação, Amanda de Almeida Ribeiro também comentou a forma de atuação da pasta em relação ao tema debatido na audiência, bem como as ações realizadas nas áreas em litígio do município, alvos de debate sobre as ocupações.
Ao final da audiência, a vereadora Silvia da Bancada Feminista sugeriu dois encaminhamentos: a proposição de uma moção de cautela em uma eventual reintegração de posse das ocupações Maria Carolina de Jesus e Nova Canudos, e também o compromisso de uma saída negociada dos moradores das ocupações, com a possibilidade de moradia definitiva para essas pessoas.
A íntegra da Audiência Pública desta terça-feira pode ser conferida neste link.