A atual situação dos serviços funerários oferecidos pelas empresas concessionárias aos munícipes da capital paulista foi tema de Audiência Pública realizada nesta quarta-feira (4/12) pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente. O debate deu a possibilidade de escutar a população e trabalhadores que atuam diretamente nas atividades inerentes aos cemitérios. O atual modelo de concessão dos serviços funerários em São Paulo entrou em vigor em janeiro de 2023.
Em novembro, o colegiado, pautado por inúmeras reclamações relacionadas à condição precária dos cemitérios, baixa qualidade de manutenção e administração dos equipamentos públicos, má prestação de serviços funerários, além de denúncias de cobrança de preços abusivos para realização de velórios e enterros ouviu representantes da SP Regula e das concessionárias Consolare e Grupo Maya.
Esta, que foi a primeira Audiência Pública relacionada ao tema de repercussão na cidade, contou com a presença de movimentos sindicais e associação de trabalhadores, além de profissionais que exerceram alguma atividade relacionada aos cemitérios. Adson Carlos, secretário da Atac (Associação de Trabalhadores Autônomos de Cemitérios), afirmou que, assim que as concessionárias assumiram, houve dificuldades administrativas. “A narrativa era que os trabalhadores ficariam por mais três meses após a concessão e depois foi se renovando, mas a grande maioria saiu um ano depois após as prorrogações. Os trabalhadores não conseguem falar com funcionários, não podem entrar nas administrações e oferecer um trabalho. Muitas das vezes o mesmo serviço é duas, três, quatro vezes menor que o preço cobrado por uma concessionária”.
Diretor do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), João Batista Gomes explicou que a grande maioria dos servidores públicos que prestavam serviço funerário foram transferidos e hoje restam poucos que ainda participam de uma transição. “A gente falou, era só visualizar o contrato, alertamos o TCM [Tribunal de Contas do Município] e a Câmara. O que existe hoje é um oligopólio do serviço privado. Eles cobram tudo, tem taxa para manutenção anual, mas os espaços são precários. Acontece que tem muitas placas dizendo que tem túmulos abandonados e aí se você vai reclamar, sai com um boleto e se não paga, eles vendem teu túmulo por valores que começam em R$ 20 mil. Eles ganham dinheiro com isso”.
A ex-superintendente do Serviço Funerário da capital paulista, Lúcia Salles, pontuou que as concessionárias possuem vendedores e, cada um, tem metas para alcançar. “É um escárnio dizer que a população não paga valores absurdos. Tudo pode mudar, é simples, basta pedir as notas, antes e depois para mostrar o absurdo. Não basta anular, pedir a caducidade dos contratos. Temos que ter o serviço novamente público”.
O professor do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, João Tomás do Amaral, participou do debate. Ele entende ser importante pontuar ainda o cuidado com o patrimônio histórico da cidade. “É uma das questões centrais. Recebemos reclamações da dilapidação do patrimônio artístico e histórico tumular. Não é uma questão nova, temos relato de violação de túmulo, super grave, pois prejudica o trabalho de guias turísticos e traz outros problemas. Muitos túmulos que possuem peças com valor agregado são violados. Alguns cemitérios, como o da Consolação, são tombados e não podem sofrer alteração”.
Participação popular e conclusão
Populares e cidadãos ligados ao trabalho em cemitérios participaram ativamente da audiência realizada pela Comissão de Política Urbana. Problemas ligados aos serviços de manutenção, a venda de túmulos e cobrança excessiva de taxas, além da tentativa de destruição do patrimônio foram abordados pelos munícipes.
Um dos depoimentos, bastante contundente e marcante, foi de Celso Vitor de Sousa. Às lágrimas, ele relatou a perda de 10 membros da família durante a pandemia da Covid-19 e o descaso dos cemitérios. “A Prefeitura me impediu, proibiu de exumar o corpo dos meus pais. Eles tiveram que ser enterrados em valas gerais, embora eu tivesse um túmulo particular. Não consegui o enterro, passei por diversos abusos e eles continuam constantes. Já pedi à Prefeitura e ao SP Regula o acesso dos documentos do jazigo da minha família. Agora quero que todos os entes possam ser exumados e cremados, eu inclusive abri mão do meu túmulo”.
Antônio Roberto Gomes contou a situação pela qual passou no cemitério da Cachoeirinha. “Tenho um túmulo lá, o usei em 2023 para um velório e enterro. Aí este ano recebi uma carta massificada para que eu comparecesse com urgência para tratar da concessão, mas a minha concessão vence em 2031. Está tudo certo, porém tenho um documento pedindo que eu faça uma nova concessão.”
Já Roberto Bento, representante do cemitério da Vila Alpina, disse que os trabalhadores sofrem repressão da empresa concessionária. “A Velar nos coage e interrompe o trabalho, pois abordam as famílias durante velórios e enterros para oferecer os serviços. Tem um monte de túmulo sendo destruído por eles mesmos e que serão revendidos. Só interessa ao bolso deles.”
A jardineira Vanessa Stoner trabalha no cemitério do Araçá. Ela foi outra que expôs a colocação de placas que indicam o abandono de jazigos. “Aí quando as famílias vão ao cemitério, perguntam quem está cuidando do serviço. As concessionárias não gostam da gente, falam que não conhecem a gente e falam mal do nosso trabalho para elas. As empresas dizem que agora são responsáveis e ficam com os serviços.”
A vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), autora do pedido e responsável por conduzir a Audiência Pública, deixou claro ao concluir os trabalhos que apesar de o tema ser bastante político, é preciso ressaltar a carga emocional dos discursos. “Estamos tratando de questões como o trabalho dos jardineiros e construtores sendo desprezado. Minha família trabalhou com isso, o conhecimento é passado por gerações e ele é muito maior do que o conhecimento das concessionárias que não partem do princípio que o atendimento deve ser humanizado. Eles só pensam no lucro. Todas as denúncias têm a ver com as empresas, elas ganham cada vez mais por um serviço mal feito. É um desrespeito. Queremos o serviço na mão da Prefeitura, é um interesse público”.
O debate, que contou também com a participação dos parlamentares Hélio Rodrigues (PT), Fabio Riva (MDB), Arselino Tatto (PT), Rodrigo Goulart (PSD), André Santos (REPUBLICANOS) e Alessandro Guedes (PT), pode ser visto no vídeo abaixo: