Posições adversas foram coletadas sobre o PL 309/2020, durante audiência pública virtual da Comissão de Finanças e Orçamento nesta quinta-feira (4/6). O projeto suspende temporariamente benefícios fiscais de instituições financeiras para destinar os recursos ao enfrentamento do novo coronavírus. A ideia é que a alíquota de isenção de ISS que é de 5% seja fixada em 2% temporariamente, retornando ao normal a partir de 2022.
Participaram da audiência o presidente da comissão, vereador Antonio Donato (PT), o relator do tema na comissão, vereador Ricardo Nunes (MDB), os membros Soninha Francine (CIDADANIA) e Rodrigo Goulart (PSD), além do vereador Police Neto (PSD).
Apresentação do projeto e posicionamento da secretaria
Soninha começou fazendo uma apresentação detalhada, abordando cada item integrante do texto do PL. Em seguida, o vereador Ricardo Nunes rebateu alegações sobre a suspensão, ressaltando o caráter temporário, apenas durante o período de pandemia, para reduzir as perdas financeiras que, segundo o próprio secretário municipal da Fazenda, Phillipe Duchateau, explicitou em outra ocasião, pode chegar a R$ 9 bilhões no ano. “Em janeiro de 2022, retorna o benefício para o setor bancário, como está muito claro no texto, em acordo com todas as técnicas legislativas”, defendeu.
O auditor fiscal da Secretaria da Fazenda, Marcelo Tanuri, disse que, inicialmente todo o setor técnico da pasta entendeu o mérito do projeto e se posicionava a favor. Segundo ele, inclusive, na análise do expediente interno, existem manifestações que não contra-indicam a iniciativa. Mas, que depois de várias discussões, foram sendo notadas várias questões técnicas que fundamentaram um posicionamento contrário do Poder Executivo.
Tanuri esclareceu que os serviços tratados pelo PL (basicamente de operações de crédito e transações financeiras mediante uso de cartões) são de alta mobilidade, e as empresas operadoras atuam em outros locais, e podem acessar os sistemas de forma remota. “Então é muito fácil tirar a fonte de operação desses serviços de São Paulo, porque eles podem facilmente ser prestados fora da cidade”, demonstrou preocupação.
Ele ainda disse que existe confusão de ordem técnica tributária, pois não considera a medida como benefícios fiscais. Nesse caso, a alteração da alíquota resultaria em majoração do tributo, e necessitaria respeitar o princípio da anterioridade e cobrar a nova taxa apenas a partir do ano que vem. Com isso, haveria ainda mais tempo hábil para a retirada das operações do município.
O auditor ainda disse que a proposta considera um aumento de contribuição para a cidade na ordem de R$ 220 milhões em 2020 e de R$ 410 milhões para 2021, o que seria positivo. Mas acredita que, na prática, em 2020 não será possível realizar a alteração diante do princípio de anterioridade, e que para 2021, a maior parte das operadoras financeiras terão alterado seus serviços para fora de São Paulo.
Tanuri ainda levantou atenção ao repasse de custos ao consumidor final. Ele concluiu dizendo que a secretaria da Fazenda, apesar de concordar que os bancos são uma “ilha de rentabilidade” (apenas este setor conseguiu manter a movimentação neste período), esta não é a melhor forma de manter a saúde das contas públicas.
O assessor para assuntos estratégicos da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), André Rebelo, dissertou sobre a alta carga tributária do Brasil em comparação com países de renda per capta parecida; e que facilmente o contribuinte vai fugir da alta tributação e mudar o domicílio.
Segundo Rebelo, o segmento é oligopolizado, e sabe-se que a tributação costuma ser repassada para o custo das operações. Neste cenário, as mesmas pessoas que se pretende proteger – usuários de cartões e os pequenos negócios que oferecem serviços com pagamento através de cartão – serão as que vão pagar a conta no final. “Em termos práticos, temos uma alíquota que é 2% e vai subir para 5%, então vamos majorar. Proponho o desafio de buscar eficiência nos programas que já temos no setor público, reduzir custos e procurar combater a queda da arrecadação de outras formas, inclusive como toda a sociedade está fazendo; reduzindo margens, gastos e cortando coisas que são dispensáveis”, defendeu.
A vereadora Janaína Lima (NOVO), pediu que houvesse um aprofundamento na reflexão, para o Poder Público não aumentar esse peso no bolso do contribuinte e o efeito cascata que essa medida vai causar, sobrecarregando os pequenos e micro empreendedores da cidade. “Que possamos discutir, ao invés da retirada desse benefício, uma reforma administrativa profunda nos poderes executivo e legislativo para que o estado pese ainda menos no bolso do cidadão”, solicitou.
O diretor de Políticas e Relações Trabalhistas da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Adauto de Oliveira Duarte, reforçou o risco de que nesse período até dezembro haja uma migração das atividades para outras cidades, já que a maior parte dos dados usados para as operações está em ambiente virtual (nuvem) e a alteração de endereço é fica simplificada.
Ele também sugeriu ouvir as Fintechs, empresas que desenvolvem tecnologia para operações financeiras. Segundo ele, o setor mais afetado com a iniciativa em discussão não são diretamente os bancos, mas as operadoras das máquinas de cartão. Na opinião dele, a aprovação da medida afetaria diretamente o preço do comércio varejista, automotivo, turismo, entretenimento, todos os profissionais liberais, entre outros.
Também participou Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços), entidade que representa 96% de toda a indústria de pagamento eletrônico no país. Ele disse que o setor é sensível ao momento e que tem adotado iniciativas isentando os usuários de diversas tarifas, distribuindo máquinas sem custo especialmente para as empresas com entregas delivery. Ele disse que houve uma queda brusca nas transações e que as empresas da área também sofrem com o momento, por isso se posicionou contra o projeto.
O vereador Ricardo Nunes pediu a palavra e quis saber se em 2017 (quando houve a concessão do benefício na alíquota) houve repasse do desconto para o consumidor, ou se apenas agora o setor vai fazer o caminho inverso. O diretor da Abecs respondeu que uma comparação entre o início de 2018 e o fim de 2019 apontando redução de 9% nas taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais, e que o imposto representa apenas um percentual do custo das operações.
Na mesma linha, o diretor-executivo da ABBC (Associação Brasileira dos Bancos), Claudio Guimarães endossou os argumentos apresentados anteriormente, ressaltando a importância do impacto sobre todas as instituições financeiras. E também salientou o trabalho das instituições financeiras para proteger o setor produtivo, de comércio e serviços nesse período de redução das atividades.
O vereador Police Neto (PSD) disse que ficou claro para ele que o projeto, apesar da boa intenção, gera riscos principalmente para as empresas do setor de tecnologia para transações financeiras. Ele defendeu que, se a redução de alíquota fez parte de uma política fiscal para trazer ou manter no município atividades econômicas importantes, esse é o momento também de buscar outras formas de mantê-las ou trazer outras, para gerar emprego e riqueza em uma cidade que vai sofrer mais do que as outras. Neste sentido, sugeriu uma alternativa na qual o volume da variação tributária de 5% para 2% esteja condicionado a investimento por esses setores na cidade de São Paulo, seja na abertura da linha de créditos ou oferta de cartões de consumo na cidade, e que isso gere emprego e negócios que, consequentemente, vão se traduzir em aumento na arrecadação municipal, sem necessidade de alteração das alíquotas.
Participação popular
O munícipe Fabrício Puliafico Artur reclamou do fato de que as lojas não podem abrir e as pessoas não podem trabalhar, mas é comum ver filas gigantescas aglomeradas em frente aos bancos ou para pegar cestas básicas. Demonstrou preocupação com as empresas em falência, e opinou contra o projeto, para tentar manter empresas operando na cidade.
Outro participante da sociedade, Francisco de Assis Ribeiro Paiva, considerou que não é um bom momento para realizar mudança de regras. Ele disse que projeto afetaria diretamente as iniciativas empresarias, ao subtrair benefícios que foram oferecidos com muito cuidado e planejamento, e possibilitaram diversos negócios para a cidade.
A vereadora Soninha Francine (CIDADANIA) voltou a fazer uso da palavra para fazer o que chamou da “lamúria”. Ela apontou as diversas condições que os bancos têm, das taxas que impõem ao consumidor, e das margens de lucro que são muito altas. E também rebateu as sugestões relacionadas aos gastos públicos. “O poder público precisa, na verdade, aumentar vários gastos em setores que estão em precariedade, então quando conseguimos reduzir alguns custos, não significa que não há outras prioridades para alocar os recursos, como saneamento básico, habitação, mobilidade, entre outros. Então, sugiro que, ao menos, a gente consiga construir algum termo de cooperação para trazer um olhar de fora, da iniciativa privada, para as contas do município, aumentando a eficiência reduzindo gastos e benefícios, mantendo os investimentos”, pediu.
O vereador Antonio Donato (PT) fez uma análise na mesma direção, em defesa do projeto, dizendo que as falas estavam contemplando um olhar seletivo sobre o mundo. “É claro que a única forma de evitar mortes é adotar as medidas de proteção para que as pessoas fiquem em casa, como a distribuição de renda dos 600 reais. Outra forma é oferecer o crédito para pequeno e médio empresário, porque existe uma ilusão da reabertura do comércio, mas não vai haver quem consumir. E as linhas de crédito não chegam por conta do tamanho das exigências do setor financeiro para oferecer o crédito”, sugeriu.
Donato também defendeu os investimentos públicos. “A questão aqui para se pensar é: qual o setor que ganhou dinheiro nos últimos anos? As revistas demonstram aumento do lucro e do patrimônio dos setores financeiros. O discurso do corte de gastos no setor público está superado. Vamos cortar mais o quê? Professores, médicos, assistência social? Vamos continuar debatendo, não queremos inviabilizar negócios, mas temos que fazer essa discussão. Não podemos fingir que não existe a disparidade na tributação, que o setor financeiro não está ganhando bilhões que são drenados do investimento público e do orçamento das famílias. Todo mundo aqui tem cartão de crédito. Se a taxa do cartão não pode ser baixada um pouquinho sem repassar para o consumidor, não sei mais o que pode ser feito”, argumentou.
O vereador Rodrigo Goulart (PSD) disse que tem sido fundamental escutar todos os que participaram, inclusive o posicionamento do Poder Executivo, porque a iniciativa vai para sanção ou não do prefeito. “Minha posição bem clara é de preocupação com o pequeno comerciante e com o consumidor na ponta. Nós todos somos consumidores não só do comércio, mas também dos bancos e sabemos das situações”, declarou.
Ricardo Nunes (MDB) se pronunciou dizendo que, não apenas por questões tributárias, a cidade oferece uma série de boas condições para as instituições estarem e continuarem instaladas, e que a pandemia está trazendo consequências grandes para a cidade e o setor público. “Se o setor financeiro tem condição contributiva, por que não ajudar? Alguém vai ter que pagar essa conta. Nós vamos ter que aumentar IPTU ou tarifa do transporte coletivo? A conta vai recair sobre a população mais pobre?”, questionou.
Nunes disse que os vereadores estão fazendo um apelo para os setores que podem ter uma capacidade contributiva, que ofereçam o seu sacrifício, até por ser apenas por um período e não permanente. E desafiou “Vão para a periferia para ver como as pessoas estão passando fome. Se a gente não conseguir equilibrar essa conta, vamos fazer o que? Mandar médico e professor embora? Fechar creche? Deixar de cuidar das praças e vias?”, encerrou.
Para conferir a audiência pública na íntegra assista o vídeo abaixo