A proposta do município para implementar uma gestão compartilhada das Casas de Cultura da capital paulista foi tema de Audiência Pública realizada nesta quinta-feira (9/3) pela Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal de São Paulo.
Em dezembro do ano passado, a Prefeitura de São Paulo abriu consulta pública sobre a minuta do edital de chamamento das Casas de Cultura do município, com o objetivo de estabelecer a gestão compartilhada dos equipamentos com OSCs (Organizações da Sociedade Civil).
A iniciativa gerou preocupação em diferentes segmentos do setor cultural e motivou a realização do debate, proposto em requerimento pelos vereadores Jair Tatto (PT) – que conduziu os trabalhos – e Elaine do Quilombo Periférico (PSOL).
No início do debate, a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, apresentou um panorama das Casas de Cultura do município. Ao todo, há 19 casas em funcionamento e uma em construção. O atual quadro de funcionários é composto por 17 cargos comissionados, 42 servidores efetivos, 19 profissionais de limpeza, 40 vigilantes diurnos e 38 vigilantes noturnos. “As Casas, hoje, são compostas, em sua grande maioria, por dois ou nenhum servidor público, que é o servidor efetivo, um servidor comissionado, que são os coordenadores, um funcionário de limpeza e dois funcionários de vigilância por turno, e contam também, óbvio, com o apoio de alguns jovens monitores. Então, esse é o quadro geral de RH das casas”, resumiu.
Segundo dados apresentados na audiência, 40% dos atuais gestores das Casas de Cultura avaliam como “ruim” ou “péssima” a manutenção e conservação dos edifícios. As Casas têm dificuldades na contratação de ações de programação e formação; na gestão/operacionalização de contratos e pagamentos pela burocracia; na administração financeira dos recursos e divulgação dos eventos; e para administrar uso de salas/equipamentos nos casos de cessão de espaço. Além disso, as Casas não dispõem de técnico de som, condição que compromete as suas atividades e traz como consequência uma pouca variação de atividades ofertadas.
Para lidar com essa situação, Torres argumentou que a solução encontrada pelo município foi propor a gestão compartilhada das Casas de Cultura por meio de uma parceria através do MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil), modelo já utilizado em outras iniciativas da Secretaria de Cultura, como a EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e o Programa Jovem Monitor.
Apesar de a gestão passar a ser compartilhada, a secretária pontuou que o edital traz garantias de que o acesso às Casas de Cultura continuará gratuito para todas as pessoas, todos os programas serão preservados (incluindo programas de formação, circuito municipal, Mês do Hip Hop, etc), haverá articulação com a comunidade e grupos culturais para a definição da programação e que a tomada de decisão das políticas culturais definidas pela Secretaria de Cultura ocorrerá nas Casas, levando em consideração linguagens e públicos a serem estimulados.
De acordo com a representante da gestão municipal, os principais benefícios da nova política de gestão serão contratos mais ágeis e facilitados; aumento de 50% do investimento mensal por casa para programação; aumento de 10% na carga horária de oficinas; presença de técnico de som em todas as Casas; garantia da realização de atividades e ações nos espaços; contratos e pagamentos mais ágeis e facilitados; definição de quadro mínimo de funcionários por Casa (gestor, articulador, administrativo, monitor, técnico de som, comunicação, vigilantes e limpeza); e aumento de público.
Ao final, a secretária de Cultura contextualizou os motivos que levaram o município a promover tais mudanças. “A Prefeitura de São Paulo, como todas as prefeituras do Brasil, está aderindo à nova Lei de Licitação e a lei tem um entendimento muito mais complexo para cultura. Hoje nós estamos diminuindo o número de contratações artísticas, em especial de artistas periféricos, por conta da exigência da burocracia. Então, através de uma OSC, facilitamos esse processo de contratação e eu consigo aumentar a execução de orçamento focada em artistas periféricos, em grupos e coletivos periféricos, além de ter um aumento gigante de RH”, destacou.
“Hoje nós temos deficiências no número de pessoas trabalhando no RH, trabalhando nos equipamentos, nas Casas de Cultura e, com isso, conseguimos aumentar esse processo. E não é que a Prefeitura não faz concurso público ou não. O prefeito Ricardo Nunes acabou de fazer uma chamada de cinco mil pessoas de um concurso público, só que nós estamos falando de uma carreira fim, estou falando de um técnico de som. Eu não consigo abrir um concurso público específico de um técnico de som de uma maneira tão ágil assim, até porque nós precisamos elaborar isso de maneira muito minuciosa para que consigamos fazer com que essa agilidade no processo seja melhor. Então, temos diversas melhorias”, concluiu Torres.
Manifestações populares
Todos os participantes da audiência inscritos para fazer uso da palavra criticaram a proposta de gestão compartilhada apresentada pela Prefeitura. O ativista cultural Alessandro Azevedo, do Movimento Cultural da cidade de São Paulo, por exemplo, falou da falta de transparência na tomada de decisão sobre a gestão das Casas de Cultura. “Esse projeto de edital para privatização das Casas de Cultura – por mais que a secretária dê outro nome, é a privatização – não foi, em nenhum momento, discutido com a sociedade, com os trabalhadores da cultura, com a sociedade que usa esses equipamentos. E ela [Secretaria] quer lançar esse edital assim, terceirizando os equipamentos”, apontou. “É justo que o Poder Público, ao fazer qualquer discussão para pensar na privatização, que não é o que o movimento quer, minimamente vá conversar, faça uma escuta, faça Audiências Públicas nas cinco regiões da cidade para poder ver se é isso mesmo que a população quer. E não é isso que está acontecendo”, disse Azevedo.
Já o presidente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), João Gabriel, lembrou que os problemas das Casas de Cultura são fruto da precarização do funcionalismo público. “A gente nomeia de precarização programada, porque você tem um longo período em que não é ofertado para a população a renovação da força de trabalho. Sem a realização de concurso, sem um dimensionamento da equipe que acompanha o crescimento da cidade, a expansão do adensamento populacional, os equipamentos perdem capacidade, perdem a sua função original. Então, nós temos hoje um cenário de extrema precarização não só nas Casas de Cultura, essa situação de precarização é uma situação geral na cidade de São Paulo”, alertou Gabriel.
Opinião dos vereadores
Líder do governo na Câmara, o vereador Fabio Riva (PSDB) defendeu a proposta. “Acho que é uma inovação. Uma lei de 2014, a lei MROSC, que autoriza a fazer essa gestão compartilhada e a Secretaria de Cultura, de forma acertada, traz à sociedade civil organizada, aos movimentos, a modelagem daquilo que vai ser o edital para contratação. Lembrando sempre que a ideia é sempre o pertencimento do território, ou seja, os artistas do território serem aqueles mais beneficiados com esse investimento, inclusive na contratação, desburocratizando, dando mais agilidade e aumentando o número de artistas e espetáculos nas casas de Cultura a Cultura”, destacou.
O vereador George Hato (MDB) também elogiou o projeto e sugeriu possíveis melhorias nos mecanismos de fiscalização das OSCs. “Esta gestão compartilhada vai diminuir a burocracia na contratação de artistas”, ressaltou. “E eu queria sugerir nessa proposta a criação de indicadores de avanços culturais, nessa gestão compartilhada. E que esse projeto só vai ser melhorado com base nesses indicadores, em audiências e debates como esse”, acrescentou Hato.
Por outro lado, a vereadora Elaine do Quilombo Periférico (PSOL) criticou a iniciativa de compartilhamento da gestão das Casas de Cultura. “As Casas de Cultura são, de fato, um espaço fundamental para arte, para construção e instituição de arte periférica. São espaços que estão absolutamente na periferia, que estão distribuídos de forma que conseguem atender uma demanda que não consegue ser atendida por outros equipamentos públicos. E, na verdade, a experiência de outros equipamentos de cultura que foram entregues à OS não é satisfatória, sobretudo nas periferias. Os equipamentos que estão nas regiões mais afastadas sofrem de vários problemas quando são terceirizados, principalmente uma dificuldade muito grande do território acessar esse equipamento”, comentou a vereadora.
Na mesma linha se posicionou o presidente da Comissão de Finanças, vereador Jair Tatto (PT), que ainda exaltou a discussão. “Hoje nós conseguimos entender definitivamente e ter [a informação] da Secretaria de Cultura do município que há uma versão final do edital. Então, agora disponibilize esse edital para que os movimentos possam ter acesso, os vereadores e vereadoras dessa Casa possam ter acesso, a sociedade como um todo, para saber do que se trata essa chamada parceria que a secretaria coloca. Estou entendendo que o nome mais apropriado é uma terceirização das Casas de Cultura. A partir daquilo que é feito, essa leitura feita do edital, acho que os movimentos, vereadores, vereadoras, bancadas dos partidos, tomarão iniciativas contrárias ou favoráveis, nos órgãos competentes. Mas foi muito proveitoso esse dia de hoje, muito proveitosa a Audiência Pública e se deu um grande debate nesta Casa”, finalizou Tatto.
Ainda participaram da Audiência Pública desta quinta-feira diversos vereadores, deputados estaduais e federais e outros representantes do Executivo. A íntegra do debate pode ser conferida no vídeo abaixo: