Você saberia distinguir um cego na rua de uma pessoa com baixa visão? Muita gente nunca ouviu falar, mas a diferença pode ser identificada, de imediato, pela simples cor da bengala. Se ela for verde, isso quer dizer que a pessoa teve uma grande perda da visão, mas com alguma funcionalidade preservada, o que não costuma chegar a 30% no melhor olho, mesmo após cirurgias corretivas ou uso de óculos especiais.
Além da dificuldade óbvia e das incontáveis barreiras do cotidiano, os mais de 6 milhões de brasileiros que sofrem com a baixa visão ainda têm de conviver com o preconceito, geralmente causado pela falta de informação.
Tendo uma doença degenerativa da retina e após ter passado por algumas cirurgias na coluna por falta de mobilidade, Cesar Siboglo perdeu a maior parte da capacidade visual. Não conseguindo mais ler, mas com um resíduo visual, Cesar passou a usar a bengala para caminhar com mais segurança. Ele relata, por exemplo, que já foi acusado de se fingir de cego por quem não entendia o problema dele.
“Agora, como usuário de bengala verde, eu quero me identificar para a sociedade. Quero que ela saiba o que é a baixa visão. As minhas necessidades são diferentes de uma pessoa cega. Então, a partir do momento em que a sociedade entende o que é a baixa visão, ela não vai mais causar alguns constrangimentos que eu ainda tenho de passar às vezes”.
Cesar é um dos voluntários do Grupo Retina São Paulo, uma organização não governamental que dá apoio a pessoas com problemas oculares. Neste momento, a entidade está engajada na divulgação do Projeto Bengala Verde.
“Quando passei a ter baixa visão eu tinha vergonha de começar a usar uma bengala. E o Projeto Bengala Verde acabou me facilitando essa etapa, essa fase pela qual todas as pessoas [com o mesmo problema] passam no início. Com a bengala verde comecei a ter mais liberdade. Agora as pessoas me ajudam mais e começaram a compreender o que é a baixa visão”, contou.
O objetivo da campanha é promover a conscientização e a inclusão social de quem tem dificuldades visuais severas. Neste sábado (30/9), o Grupo Retina Brasil, em parceria com o braço paulista da entidade, realizou mais um evento de divulgação.
Desta vez o encontro ocorreu na Câmara Municipal. O presidente da ONG em São, Paulo Rodrigo, Bueno destacou que o trabalho tem sido construído fundamentalmente sobre dois pilares: o científico e o social.
“A ideia é desenvolver pesquisas científicas em busca de tratamento para as doenças degenerativas e melhorar a qualidade de vida das pessoas com baixa visão. E esse evento, além de passar muita informação, tem o objetivo também de apoiar o Projeto de Lei do vereador Paulo Frange (PTB), que vai dar notoriedade e vai fazer com que a sociedade cada vez mais perceba esse público. Esse é o grande propósito que está por trás desse Projeto”.
A iniciativa do encontro na Câmara foi de Frange, autor do Projeto de Lei (PL) 567/2017, que institui a bengala verde como instrumento de orientação e reconhecimento das pessoas com baixa visão.
“Queremos incluir a bengala verde em toda a rede municipal de São Paulo, nas UBS’s (Unidades Básicas de Saúde), nos programas de saúde da família, incluindo os centros de oftalmologia. É um Projeto muito viável porque quase não representa impacto financeiro e tem um grande alcance social”.
Frange acredita que São Paulo pode seguir o exemplo dos países vizinhos sul-americanos, onde a bengala verde já faz parte da realidade e do cotidiano das pessoas.
“A bengala verde nasceu em 1996 na Argentina e virou lei em 2002. Depois disso, o sistema de saúde deles abraçou a causa. Em 2011 foi a vez do Uruguai. Lá a bengala é oferecida até pelos planos de saúde. Aqui em São Paulo ainda estamos na fase de levar essa informação ao público, por isso apresentei esse Projeto de Lei”.
O caso argentino, citado por Frange, teve sucesso graças a uma mulher chamada Perla Mayo. Ela foi uma das convidadas do evento, realizado no auditório Prestes Maia. Ela conta que o Projeto Bengala verde já se espalhou por dez países do Cone Sul e acaba de chegar na Espanha. Perla disse como surgiu a ideia.
“Sou professora de cegos e deficientes visuais. Mas quem tinha baixa visão usava a mesma bengala branca para locomoção. E isso criava algumas situações difíceis porque eles acabavam confundidos com cegos. Então tive a ideia de pintar a bengala de verde, por ser uma cor bonita e que remete à esperança. Entreguei essa bengala a uma aluna e quando ela atravessou a avenida, as pessoas começaram a perguntar o porquê da cor verde. E ela respondeu: porque não sou cega, apenas tenho baixa visão. E foi assim que tudo começou”, lembrou Perla.
Otimista, o voluntário Sonny Polito, que ajuda a promover o projeto no Grupo Retina São Paulo, também fala da bengala verde com assertividade e esperança, em sintonia com a cor que deu nome ao instrumento.
“Chegou a hora da pessoa com baixa visão, o momento de ela se sentir acolhida. Eu acredito que, com esse instrumento, essas pessoas vão poder finalmente mostrar à sociedade que nós existimos. Porque sempre ficamos dentro de casa, e quando saímos na rua ninguém sabe da nossa deficiência. E tenho certeza que agora isso começa a mudar, não só em São Paulo, mas em todo o País”.
Parabéns pela reportagem e por nos receber tão bem na Câmara Municipal, realmente precisamos que ações como essa se propague em todos os setores da sociedade.
A conscientização é o melhor caminho para que vivamos todos na sociedade de forma respeitável.
Excelente iniciativa. Importante conscientizar as pessoas sobre o assunto, para promover inclusão social e diminuir o preconceito a respeito.