A campanha Fevereiro Roxo de conscientização da sociedade sobre o Lúpus, a Fibromialgia e o Alzheimer visa promover o diagnóstico precoce e incentivar um estilo de vida com mais atividade física para reduzir os riscos dessas doenças e no caso do Alzheimer, também a atividade intelectual. Nesta reportagem, médicos do HC (Hospital das Clínicas) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) trazem informações sobre a doença de Alzheimer, que não é mais chamada de “mal” de Alzheimer para evitar a estigmatização dos pacientes.
Alzheimer é de duas a três vezes mais comum em mulheres que homens
Os cientistas possuem diferentes hipóteses para explicar o motivo pelo qual as mulheres são mais afetadas pela doença de Alzheimer em relação aos homens na proporção de dois a três indivíduos por um. A médica geriatra dra. Claudia Suemoto pontua que há a hipótese genética, em função de a mulher não possuir o cromossomo “y” e algumas proteínas estarem relacionadas a isso; e existe o fator de diferenças hormonais, onde a mulher passa por oscilações de progesterona e estrogênio ao longo da vida, com forte declínio na menopausa e o homem se mantém mais estável com a testosterona, sofrendo um declínio mais lento com o avançar da idade.
“Mas as diferenças socioeconômicas também são importantes, há determinantes sociais da demência. Principalmente as gerações mais antigas com menos acesso à educação, que é um fator protetor contra a doença de Alzheimer e menor possibilidade de ter trabalhos cognitivamente estimulantes, pois quanto mais você trabalha em situações desafiadoras, mais você estará prevenindo a demência. Mulheres infelizmente têm menor acesso, temos uma grande quantidade de donas de casa, e por fim, diferenças socioeconômicas relacionadas à renda e acesso à saúde também”, observa a geriatra.
Acúmulo de duas proteínas no cérebro provocam o Alzheimer
O médico neurologista dr. Adalberto Studart Neto, vice-coordenador do departamento científico de neurologia cognitiva e do envelhecimento da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), define a doença de Alzheimer como uma doença neurodegenerativa, decorrente do acúmulo de duas proteínas no cérebro: o peptídeo beta-amiloide e a proteína tau. Ao longo de um processo de anos essas proteínas causam uma neurodegeneração, inicialmente silenciosa, mas que depois começa a afetar o cérebro causando os sintomas.
“O principal sintoma no início é o distúrbio de memória, principalmente para fatos recentes. O paciente começa a ter dificuldade em se lembrar de fatos do cotidiano e começa a repetir muito a mesma história, ou fazer as mesmas perguntas. Com isso vem a dificuldade de se organizar para realizar as atividades como fazer compras, pagar contas, preparar uma refeição, e também há o esquecimento de nomes e palavras. Depois pode vir o sintoma de comportamento, que inicialmente pode ser confundido com depressão, mas é uma apatia, a pessoa fica mais calada, reclusa, interage menos e conforme a doença avança vem sintomas mais perturbadores como agitação, confusão mental, trocar o dia pela noite e dificuldades de reconhecer caminhos e lugares na fase mais avançada”, detalha o dr. Studart.
Delírios e alucinações também podem ser observados nas fases moderada e grave da doença, como afirma a dra. Claudia Suemoto. “Achar que está sendo perseguida, roubada, ver e ouvir coisas que não estão acontecendo”, relata. “Em relação às fases a doença do Alzheimer começa de 20 a 30 anos antes dos primeiros sintomas cognitivos, é a fase pré-clínica”, esclarece a geriatra.
O acúmulo das proteínas que provocam a doença é 1% de causa genética, uma mutação herdada do pai ou da mãe, e quando esse é o motivo a doença surge de forma mais precoce, entre os 40 e 50 anos de idade. Já nos outros 99% dos casos, o motivo do acúmulo das proteínas causadoras do Alzheimer é desconhecido, o que se sabe é que o envelhecimento é o principal fator de risco, por isso há mais pessoas idosas com a doença de Alzheimer.
O neurologista detalha que, embora existam fatores genéticos não determinantes, eles podem influenciar. As pessoas, por exemplo, com vários casos de Alzheimer na família, possuem um risco maior, ainda que possam não desenvolver. Também há os fatores de risco ambientais como hipertensão crônica, diabetes mellitus, dislipidemia e sedentarismo que levam a alterações nas artérias do cérebro, também contribuindo para o acúmulo dessas proteínas.
Outros dois fatores de risco ambiental importantes são a baixa escolaridade e a depressão crônica.“A prevalência da doença de Alzheimer vem aumentando em países de baixa e média renda, com maior taxa de analfabetismo, porque a baixa escolaridade diminui a proteção do cérebro contra a doença, e isso começa lá na infância. A depressão crônica, principalmente a de meia idade, é um fator muito importante”, destaca o dr. Studart.
Atividade física e intelectual protegem o cérebro contra o Alzheimer
Não existe um medicamento que impeça o desenvolvimento do Alzheimer, mas os médicos apontam que é possível reduzir a probabilidade de ter a doença ou adiar seu início atuando nos fatores de risco. Os estudos indicam que a atividade física é um fator protetor em qualquer faixa etária, podendo iniciar os exercícios mesmo na terceira idade e a atividade intelectual também.
“Mesmo as pessoas de alta escolaridade precisam se manter ativas intelectualmente, seja estudando, fazendo um curso ou aprendendo algo novo, fazendo leitura e controlar as doenças crônicas que mencionei como hipertensão, diabetes, colesterol, tratar a depressão, tratar a deficiência auditiva, pois o idoso nessa condição, que não usa aparelho auditivo, vai se isolando do mundo externo”, ressalta o dr. Studart.
Diagnóstico precoce é fundamental
A geriatra dra. Claudia Suemoto observa que a campanha Fevereiro Roxo é importante para passar a mensagem que a demência não é um problema natural do envelhecimento como o senso comum diz. “É uma doença extremamente incapacitante, a gente não pode falar: isso é do envelhecimento e não vou fazer nada. É importante controlar as doenças crônicas como diabetes, pressão alta, colesterol e melhorar a escolaridade, atividade física, reduzir o álcool. São fatores que podem ser controlados e reduzir o risco da população em relação à demência”, pondera.
Suemoto revela que o relatório nacional de demências, lançado esse ano, mostrou que 80% dos casos de demência no Brasil não têm diagnóstico. “Se eu tenho 10 pessoas com demência, só duas pessoas têm diagnóstico no Brasil, então é uma realidade que a gente precisa mudar”, diz.
“Há algumas décadas, o único diagnóstico definitivo da doença era através da identificação das proteínas beta-amiloide e tau no tecido cerebral, ou seja, só era dado depois que a pessoa falecia. Porém, hoje temos exames para identificar as proteínas em vida através do liquor, de exames de medicina nuclear e mais recentemente através de marcadores sanguíneos, que estão sendo desenvolvidos principalmente na Europa”, expõe.
O neurologista dr. Adalberto Studart orienta a levar o familiar ao médico assim que aparecerem os primeiros sinais. “Além de a família se atentar de que não existe esquecimento normal da idade, o médico precisa fazer uma avaliação cuidadosa, conversar, ver como os sintomas surgiram, fazer testes de memória e fazer exames complementares para confirmar o diagnóstico”, explica.
O dr. Sudart afirma que quando os sintomas são muito típicos, uma imagem de ressonância magnética do cérebro e alguns exames de sangue são suficientes. Mas quando há dúvida, existem exames mais sofisticados como os biomarcadores que detectam as proteínas beta-amiloide e tau no líquido cefalorraquidiano, no sangue ou com exames de imagem. “Estes últimos são exames caros, que não estão disponíveis em todo lugar e só devem ser pedidos quando há dúvida no diagnóstico, não como check up”, pondera.
Medicamentos retardam o avanço da doença
O tratamento com medicamentos só ocorre após a instalação da doença de Alzheimer, ou seja, quando os sintomas de demência se mostram. “A demência é qualquer alteração cognitiva e comportamental, que faz a pessoa perder a independência para fazer as atividades de vida diária e precisa de ajuda de terceiros. O Alzheimer é uma das causas de demência”, denota o neurologista do HC.
Os remédios são para reduzir os sintomas e reduzir a velocidade de progressão desses sintomas, que permanecem, porém evoluem mais lentamente, melhorando a qualidade de vida e preservando a autonomia nas atividades que o paciente ainda é capaz de fazer. “Mas infelizmente esse tratamento não é capaz de parar a doença”, pondera.
Tratamento novo atua na destruição da proteína causadora da doença
Enquanto o tratamento convencional da doença de Alzheimer é voltado aos neurotransmissores, substâncias que conectam um neurônio com o outro, em 2021 foi lançada nos Estados Unidos a terapia anti-amiloide: são remédios que removem o beta-amiloide do cérebro. Porém, existem contradições nesta abordagem, aprovada pelo FDA (Federal Drug Administration), mas ainda em análise pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
“Essas medicações foram bem-sucedidas em retirar o beta-amiloide, mas o benefício clínico não é tão espetacular. Na verdade esse resultado foi modesto e tem risco de efeitos colaterais potencialmente graves. Quando você remove o amiloide, existe o risco de provocar um sangramento no cérebro ou edemas, inchaços. Não é todo mundo que usa a medicação e tem sangramento ou edema, mas é um risco. São medicações também que só dá para usar na fase muito leve da doença, depois disso, a medicação já não traz mais benefícios, além disso, são remédios de alto custo e não estão disponíveis no Brasil, exceto para pessoas que fazem a importação”, conta o dr. Studart.
Apesar de ainda não ser uma solução definitiva, o neurologista acredita que este tipo de tratamento abriu uma janela de oportunidade para aprimorar o controle do acúmulo dessas proteínas causadoras da doença de Alzheimer. “São remédios que estão sendo pesquisados também para remover a proteína tau, pode ser que tenham um sucesso até maior nos sintomas e o mundo inteiro, em especial países de alta renda, tem investido pesado em pesquisa no tratamento de Alzheimer”, diz.
A FMUSP (Faculdade de Medicina da USP) possui o maior banco de cérebros da América latina com duas mil doações no acervo. “O nosso estudo, feito no banco de cérebros, mostra que o cérebro da maioria dos que têm Alzheimer tem proteínas de outras doenças, que provavelmente agravam a situação. Mas sou otimista porque acredito que as pesquisas estão avançando”, conclui.