Dentro de uma linha de ônibus, na viagem entre o extremo sul e o centro de São Paulo, um passageiro recebe um alerta em seu celular informando sobre uma suspeita de fraude na licitação dos contratos de ônibus que podem deixar a tarifa mais cara e a Prefeitura gastar mais. Na saída de uma creche na zona leste, a mãe é informada no smartphone que a creche da filha comprou salsichas da merenda com o preço de filé mignon. Ficção científica para monitorar a administração pública? Algo muito “Black Mirror” como a série que cria situações fantásticas?
A resposta é não. Tudo isso se tornou realidade na noite da última terça-feira (15/8), durante a final do “Hack in Sampa” que premiou com R$ 10 mil o time Quebrando Barreiras. O grupo formado por quatro integrantes desenvolveu o site “Extrato Público”.
Nele, a população e os eleitores podem acompanhar o gasto de cada um dos 55 vereadores da capital paulista, saber quanto cada um usa por mês com combustível, por exemplo, e para qual CNPJ o dinheiro público vai.
Em 2017, cada vereador dispõe de R$ 282.037,56 para gastos anuais como serviços gráficos, correios, assinaturas de jornais, deslocamentos por toda a cidade, materiais de escritórios e outras despesas. O projeto foi apresentado para membros da CGM (Controladoria Geral do Município), Fecomercio (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), AASP (Associação dos Advogados do Estado de São Paulo) e Magneti Marelli.
O porta-voz do time vencedor, o programador Fernando Hungaro, explicou que o “Extrato Público” não é para acusar ninguém, mas criar uma suspeição a cerca da atividade dos legisladores.
“A gente quer criar o alerta. A população vai ver e julgar se é corrupto ou não. Mas a gente não pode julgar um vereador por gastar muito porque eles podem fazer coisas boas para a população”, explicou.
O programa foi desenvolvido com os dados abertos da Transparência do site da Câmara Municipal. No entanto, ele cobrou que mais dados sejam divulgados, já que se trata de dinheiro e interesse público.
Oscar do combate à corrupção
O vereador José Police Neto promoveu o desenvolvimento das ferramentas, com o patrocínio do Banco Itaú, da Fecomercio e da IBM. A premiação foi paga com dinheiro privado. O parlamentar é autor do Projeto de Lei (PL) 01/2017.
O texto organiza a Política Municipal de Prevenção da Corrupção, cria o Conselho Municipal e Controle Social e um fundo público para combater o crime. Outros 20 vereadores assinam a proposta.
Para ele, o Hack In Sampa é uma espécie de “Oscar” da programação e auxilia as investigações de órgãos de controladoria. “Com a presença inteira da CGM aqui, tenho certeza que vamos sair com as ferramentas auxiliando controladores e auditores do Município. A gente passa a mudar a cidade a partir de hoje.”
No ano passado, a CGM recuperou mais de R$ 133,9 milhões para os cofres públicos. Dinheiro desviado pela chamada “Máfia do ISS”. Durante a investigação, em parceria com o MPE (Ministério Público do Estado), os controladores e procuradores do Município usaram a tecnologia para cruzar dados de servidores suspeitos.
Foi simples: pegaram os salários de cada um e compararam com os patrimônios declarados. “Essas questões [monetárias] são iluminadas e se cria suspeição”, explicou Police Neto, prevendo que os aplicativos do evento que promoveu sejam usados a partir “de agora”.
A controladora geral do Município, Laura Amando Mendes de Barros, também apoia a tecnologia no combate à corrupção. “Todos os órgãos de controladoria do mundo trabalham dessa forma, com a bandeirinha vermelha [de alerta]. O primeiro filtro é feito e aprofundamos a investigação.”
Segundo ela, aplicativos economizam o tempo dos controladores e procuradores, fazendo que eles se dediquem mais às investigações contra os corruptos.
Outros finalistas
2º lugar
Specula
Integrantes: Kevin Dantas Shih, Wendel Nascimento, Patrick Ens, Pedro Lelis e Rafael Pettersen.
Projeto: Elaborar uma ferramenta que analisa e trata os dados abertos do governo e encontra incongruências, prevenindo superfaturamento ou outras práticas ilícitas.
3º lugar
Luppa
Integrantes: Igor Luiz, Araan Branco, Austin Felipe, Mateus Catossi e Magno Rocha.
Projeto: Fiscalizar gastos públicos e facilitar a criação de uma petição. A proposta faz uma comparação das compras, com valor de mercado, dando uma lista do que está irregular. A população decidirá qual gasto terá petição.