Vinculada à Comissão Extraordinária de Segurança Pública da Câmara Municipal de São Paulo, a Subcomissão Temporária de Estudos sobre Homicídios Praticados Contra Jovens Negros e Periféricos recebeu, em reunião ordinária realizada na tarde desta quinta-feira (15/7), a coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Letícia Avelar, para discutir as iniciativas da Defensoria relacionadas à prevenção e monitoramento da violência na cidade, bem como as políticas públicas municipais e iniciativas legislativas de prevenção aos homicídios. Os trabalhos foram conduzidos pela presidente da Subcomissão, vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL).
O papel da defensoria Pública
Letícia Avelar iniciou a sua fala com a exibição de uma apresentação mostrando a atuação da Defensoria Pública no estado. A coordenadora auxiliar informou que núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos cuida de temas diversos que vão desde a questão dos refugiados até a violência institucional. Para ela, o papel da Defensoria é manter-se fiel a sua essência, que é estar à serviço integral dos interesses da população. “A Defensoria surgiu em São Paulo a partir da reivindicação popular e deve se manter a serviço dos que precisam, cobrando medidas e políticas públicas que busquem a redução da violência, justiça social, igualdade de direitos, entre outros. ”
Neste sentido, Letícia explicou ainda que debater os homicídios praticados contra jovens negros e periféricos é um dever de toda a sociedade. “Estou aqui hoje para juntos tentarmos construir caminhos neste enfrentamento a violência contra as pessoas da periferia, contra os mais necessitados. Isso é uma obrigação não só do Estado, mas de todos os brasileiros”’, afirmou.
Violação de direitos humanos
Um dos assuntos abordados pela defensora pública foi a violação do direito à defesa da população periférica no Estado de São Paulo. Letícia Avelar valeu-se da Constituição Federal para mostrar que a desigualdade no país começa já neste quesito. “O artigo 134 da Constituição incumbe a Defensoria Pública da defesa, em todos os graus, dos diretos individuais e de maneira gratuita, dos mais necessitados. Essas pessoas necessitadas que nos procuram são pobres, negras e periféricas e elas não têm acesso à defesa como deveria ser. Temos 1900 promotores punitivistas para julgar essas pessoas no Estado de São Paulo e apenas 750 defensores. É muito discrepante”, pontuou.
Atuação do Núcleo de Cidadania Direitos Humanos
Segundo a defensora pública, embora a violência policial seja a mais falada quando o assunto é a atuação da Polícia e do Estado nas regiões periféricas da cidade, existem inúmeras outras violências menos obvias que precisam ser discutidas. Citando casos em que a defensoria tem atuado recentemente, Letícia aponta áreas nas quais ela acredita também serem necessárias ações do Poder Público. Dentre os casos acompanhados pela Defensoria apresentados pela coordenadora durante a sua fala, temos:
Casos de violência policial e atendimento às vítimas – Massacre de Paraisópolis e outros ocorridos nas periferias da capital paulista.
Auxilio emergencial: manutenção da emissão de documentos para garantir que pessoas em situação de grande vulnerabilidade possam pleitear o auxílio emergencial.
Gratuidade do Bom Prato: ação que mantém a gratuidade para pessoas em situação e rua.
Abrigo no inverno população de rua: atuação fiscalizando e garantindo que esse público tenha acesso aos abrigos e tratamento adequado durante as estações mais frias do ano.
Covid-19: Prioridade para a vacinação das pessoas em situação de rua.
Políticas Públicas municipais
Participante da reunião, a advogada criminalista e defensora de direitos humanos, Paula Nunes apresentou slides com propostas de atuação do Município de São Paulo para combater a violência. “Um dos grandes desafios é pensar a Segurança Púbica em âmbito municipal avaliando as especificidades da cidade. Chegou a hora de entender a Segurança Pública além da polícia e da cadeia. Métodos preventivos de homicídios de jovens negros e periféricos são essenciais. É um tema complexo, mas necessário para mudarmos este cenário. É preciso que todas as esferas da sociedade atuem e pensem juntas, e o município precisa fortalecer essa cadeia de proteção. ”
Iniciativas legislativas
Paula trouxe ainda dados que mostram a relação entre evasão escolar e criminalidade e argumentou que antes de pensar em punição, é preciso elaborar políticas públicas que garantam oportunidades a estes jovens, para que a criminalidade diminua na capital paulista. “Há estudos que provam que os homicídios estão diretamente relacionados com os jovens fora da escola. Políticas públicas de fortalecimento da educação é um dos eixos a ser entendido como também vinculado a questão da Segurança Pública, por exemplo. Assim como a promoção de atividades de esporte, cultura e lazer nestas regiões”.
Seguindo na defesa do diálogo intersetorial para elaborar políticas públicas que combatam a violência, Paula Nunes mencionou também a importância da aprovação de alguns Projetos de Lei, hoje em tramitação na Câmara, voltados a este tema. “Temos aqui nesta Casa iniciativas fundamentais para avançarmos no combate a violência. Cito o PL 734/2020, que prevê que a Prefeitura assista familiares de pessoas vítimas de violência cometida pelo Estado; PL130/2021, que autoriza a criação de centros de referência municipais e o PL 537/2017 que trata justamente de qual é o papel do município na reinserção dos egressos do sistema penitenciário na sociedade. São matérias de extrema importância para mudarmos o quadro atual”, explicou.
Sobre os trabalhos da Câmara Municipal e o papel da Defensoria Pública no combate à violência, Letícia Avelar corroborou com a fala da advogada criminalista e se colocou à disposição para reforçar a importância da aprovação dos PLs. “Esses temas nos são bastante caros e por isso a Defensoria já elaborou nota técnica para subsidiar a aprovação do PL 734/2020 e faremos notas para os demais. Estamos atentos aos trabalhos da Subcomissão e estaremos presentes nas reuniões técnicas somando esforços para que essas medidas avancem”.
Manifestações
O rapper Pirata, do Fórum do Hip Hop de São Paulo, elogiou a participação da defensora na reunião e questionou algumas falhas na prestação de serviço da Defensoria. “ Acho importante que vocês participem para que tenhamos outra vertente atuando aqui em prol dessa causa, mas temos que falar das deficiências da instituição também. Por exemplo, atender longe dos locais em que as pessoas que precisam do serviço moram é algo que precisa ser revisto. Outro ponto de discordância é que não vejo como o município intervir em um órgão que é estadual”, pontuou o rapper.
Respondendo aos questionamentos do rapper, Letícia explicou que tem consciência das limitações da Defensoria e que ouvir a comunidade é um passo importante para buscar melhorias. “Temos consciência dos desafios e limitações da Defensoria e não quero trazer para o município a responsabilidade de estabelecer uma política que é institucional. Esse é um esforço do órgão. O que precisamos é de apoio em falas que reconheçam a importância dessas mudanças que estamos propondo no escopo da nossa atuação e no reforço de infraestrutura”.
Sobre a distância, a defensora argumentou que a limitação neste caso é imposta pela ausência de funcionários para tal, mas que haverá um esforço por parte do órgão para participar mais ativamente e in loco das ações promovidas não só pela Subcomissão, mas também pela sociedade civil. “Já estamos nos mobilizando para estar nas próximas reuniões aqui do colegiado e também nas visitas técnicas. Falta pessoal, mas vamos nos esforçar para aproximar mais a Defensoria das pessoas”, disse.
Câmeras na PM
Felipe Andrés, do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular trouxe para o debate dados que apontam diminuição da violência policial após a obrigatoriedade do uso de câmeras nas operações. Para ele, a medida é importante, mas precisa ser ampliada. “As câmeras ligadas a PM reduziram a letalidade policial. Mas esse recurso não pode ficar só na mão da polícia, embora tenham uma contribuição significativa, elas não vão mudar o racismo estrutural e outras práticas menos obvias de violência. ”.
Para Letícia Avelar as câmeras são importantes, mas ainda insuficientes considerando todo o efetivo policial de São Paulo. “Precisa ampliar em todos os batalhões e que as gravações sejam protegidas com criptografia para que não haja edição do que é captado. Essa mudança na conduta também faz parte da nossa atuação. Dentre as nossas reivindicações listadas numa ação movida sobre isso, tem justamente a instalação e uso das câmeras. ”
Reconhecimento Facial
Ainda discutindo a eficácia do uso da tecnologia para combater a violência na cidade, o reconhecimento facial foi um dos assuntos em pauta. Participante da reunião, João Cadesc manifestou preocupação com a deturpação do uso desse aparato como mais um mecanismo a favor do extermínio da população negra. “O policial já chega com uma foto tentando provar que o bandido está ali. Aqui na Cidade Tiradentes os jovens são abordados e qualquer forma de reação que eles tenham, mesmo que seja apenas mover o corpo, já é motivo para ser executado. Como será com o reconhecimento facial? Como a defensoria pode ajudar nisso?”, questionou.
A defensora pública também manifestou preocupação com a medida e apontou ações da Defensoria para inibir este tipo de prática. “É um sistema implementado pela CPTM, que eles alegam que servirá para captar imagens de pessoas desaparecidas, etc, mas a gente acha que, na verdade, é mais um mecanismo de criminalizar os pobres, pretos e periféricos. É crime, inclusive, fotografar os jovens ou de seus documentos durante as abordagens. O Código de Processo Penal estabelece regras muito claras de como deve ser feito o reconhecimento de quem cometeu algum delito e é por isso que atuamos, fiscalizando e cobrando medidas para impedir abusos e corrigir distorções”, explicou.
Pandemia histórica
Já o representante da Frente de Solidariedade e Lutas da Zona Oeste, Fabio Barbosa, trouxe para o debate o agravamento da violência durante a pandemia. “O principal papel que essa Subcomissão tem é trazer para a luz essa chaga que é o extermínio da população pobre, preta e periférica que é uma pandemia anterior ao coronavírus e que permanecerá ainda mais agravada depois disso. Bairros antes pacificados hoje voltam ao ranking de violência por ausência de políticas públicas que garantam moradia, comida e emprego. Como resolver?”.
Para a coordenadora auxiliar do núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, o trabalho de combate à violência é contínuo, árduo e urgente. “Temos poucos recursos na Defensoria perto dos desafios colocados aqui e certamente agravados com a pandemia, mas estaremos juntos para buscar soluções que transformem essa política segregacionista, racista e violenta existente hoje na cidade. ”, finalizou.
Encaminhamentos
A Subcomissão de Estudos sobre Homicídios Praticados Contra Jovens Negros e Periféricos também definiu, durante a reunião, a realização de visitas técnicas às comunidades e bairros da cidade para ouvir as demandas da população local e ampliar o debate sobre o tema.
Também participaram da reunião os vereadores Antonio Donato (PT) e Fabio Riva (PSDB).
A íntegra da reunião pode ser conferida aqui.