Especialista também falou sobre populismo: “A principal característica é a pessoa se considerar o único com legitimidade para governar”
O especialista em Relações Internacionais, Uriã Fancelli, autor do livro Populismo e Negacionismo, participou da reunião da Comissão Extraordinária de Relações Internacionais desta quinta-feira (1/12) e fez análises dos cenários mais impactantes para o Brasil e o mundo na atualidade. Os assuntos foram provocados pela presidente do colegiado, vereadora Cris Monteiro (NOVO).
O destaque da conversa com o internacionalista foi a ênfase na retomada da agenda ambiental para possibilitar acordos de livre comércio, sobretudo com a Europa, e gerar renda com empregos verdes e fundos internacionais de combate ao aquecimento global. O exemplo dado por Uriã para falar da relevância do meio ambiente para o mercado foi a não realização de um acordo de livre comércio para produtos e serviços, que estava sendo delineado com a União Europeia, mas voltou atrás em função da política ambiental no governo Bolsonaro.
“Na época, o Ricardo Galvão do INPE divulgou um estudo de que as dez cidades com mais desmatamento eram também as dez onde haviam mais queimadas na Amazônia. Aí ele foi demitido porque isso não agradou ao governo federal, no mesmo momento em que o acordo estava sendo definido. Era algo que iria revolucionar a economia brasileira, trazendo R$ 615 bilhões só nos próximos 15 anos, mas a postura do governo não deixou o acordo ir para a frente. Afinal é uma exigência do mundo que se tenha algumas responsabilidades em relação às mudanças climáticas e o Brasil é detentor da floresta amazônica em 60% do território brasileiro, com capacidade de regular o ciclo hidrológico do planeta”, contou, revelando ainda que houve um lobby de agricultores europeus, principalmente da França para que o acordo não prosperasse. “Obviamente, setores que se sentiram ameaçados pela agricultura brasileira e conseguiram uma desculpa”, comentou.
O internacionalista ressaltou que existem recursos internacionais que podem ser captados na ordem dos US$ 23 trilhões para o investimento na geração de empregos verdes. “Vocês conseguem pensar em um lugar melhor do que o Brasil para atrair esse dinheiro? Esse dinheiro atualmente não vai para lugar nenhum porque não existem projetos! Daria para desenvolver regiões da Amazônia”, disse Uriã.
A vereadora Cris Monteiro lamentou que o meio ambiente tenha se tornado uma questão ideológica. “Ser um país sustentável, com projetos inteligentes atrai investimentos, o que seria bom para o cidadão. Sabemos que a população de baixa renda e preta é muito mais impactada pela questão ambiental do que pessoas de alta renda, que conseguem se defender por ter acesso à alimentação e informação”, ponderou.
Outra oportunidade para o país mencionada por Uriã foi a venda de títulos NFT, certificado digital que autentica um produto virtual. “As empresas podem comprar títulos NFT de preservação da Amazônia, em que parte dos recursos vai para as comunidades locais”, exemplificou, afirmando que o Brasil tem grande potencial de reduzir a desigualdade por meio da sustentabilidade. “É lindo dizer que somos a 9ª maior economia mundial, mas quando pegamos o nosso PIB e dividimos por 220 milhões, número da nossa população, caímos para a 82ª posição”.
Guerra na Ucrânia, revolta na China e populismo na América
Outras análises feitas pelo especialista em Relações Internacionais foram sobre a revolta da população da China contra as medidas de restrição da pandemia, o fenômeno do populismo na política do Brasil e nos Estados Unidos e a guerra da Rússia e Ucrânia.
“Essa guerra eu digo desde o começo que ela não tem data para acabar. As pessoas perguntam o motivo: tem a explicação tradicional da política expansionista russa, de o país querer voltar aos tempos de glória da União Soviética, mas tem uma outra explicação que as pessoas não dão muita atenção, que é o fato de a Ucrânia ser uma democracia. Ainda que imperfeita, com muita corrupção, há a transição de poder e isso na minha visão incomodava muito o Putin, pois é uma cultura muito parecida e que é uma democracia. E se os russos começam a se questionar, por que ao lado deles conseguem trocar os líderes e eles não?”, descreveu Uriã.
O internacionalista afirmou ainda que a crise energética desencadeada na Europa por conta da restrição do gás, vai fazer com que os europeus acelerem a tendência de buscar fontes renováveis e verdes. “Nessa guerra, talvez a única ganhadora seja a indústria de armamentos. A Europa sai perdendo com a ameaça constante de corte de energia, pois grande parte do gás e do petróleo utilizados na União Europeia vem da Rússia e o mundo sai perdendo, pois a Ucrânia é um grande produtor de cereais, de trigo, então fica mais caro”.
Em relação à China, Uriã Fancelli acredita que as revoltas são apenas contra os governos das províncias, por causa da rigidez dos lockdowns para conter a Covid-19, e não contra o sistema. “A China conseguiu combater a Covid com maior efetividade no mundo por privar a liberdade, no começo a população apoiou a medida, mas depois de três anos começou a se cansar”, declarou. “Dizem que as pessoas querem a democracia, mas na minha opinião não é nada disso. O presidente Xi Jinping foi para o terceiro mandato e deverá permanecer nos próximos cinco anos, portanto não acredito que seja uma pressão para mudar o regime, ainda mais que a classe média vem percebendo melhora nas condições de vida”, concluiu.
Uriã também comparou o populismo do Brasil com o dos Estados Unidos durante as eleições. “A principal característica de um populista é a pessoa se considerar o único com legitimidade para governar. E outra característica é o antipluralismo: ele diz que fala em nome do povo, mas não! Ele fala só em nome de quem pensa como ele. Só que, se 51% da população pensa como ele, como ele está ignorando os outros 49%?”, argumentou.
Segundo Uriã, o presidente Jair Bolsonaro tem tentado seguir a mesma cartilha dos estrategistas do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, até mesmo na situação de questionar as eleições. “Quando o Trump ganhou as eleições, foi por conta do sistema distrital norte-americano, mas a Hillary teve quase três milhões de votos a mais que ele e ele falava sem provas, que tinha vencido no voto popular. Isso era uma maneira de poder contestar os resultados. Aqui aconteceu a mesma coisa depois que o Bolsonaro venceu as eleições, ele falou que tinha provas concretas que tinha vencido no primeiro turno e acabou nunca apresentando. Olhando para esses exemplos, a conclusão que a gente consegue chegar é que muitas vezes políticos populistas ou com características populistas contestam as eleições mesmo quando ganham, porque a partir do momento em que perderem, o sistema já perdeu a credibilidade, daí a tendência de atacar as eleições desde lá atrás”, explicou.
Os integrantes da Comissão de Relações Internacionais aprovaram um requerimento pedindo a presença de um representante da Secretaria Municipal de Relações Internacionais para acompanhar o trabalho do colegiado na Câmara Municipal.
Além da presidente, vereadora Cris Monteiro (NOVO) e do vice-presidente, André Santos (REPUBLICANOS), participaram da reunião, que pode ser conferida na íntegra no vídeo abaixo, os vereadores Arselino Tatto (PT), Aurélio Nomura (PSDB) e Professor Toninho Vespoli (PSOL)
.