Representantes do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e da Associação Juízes para a Democracia sinalizaram nesta sexta-feira (3/6) para a necessidade de mudanças na estrutura do judiciário para que as violações dos direitos humanos deixem de ser cometidas.
Para os participantes da reunião da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo – instalada pelo Executivo com o objetivo de esclarecer o papel desempenhado pela administração e agentes públicos no período da ditadura -, realizada na Câmara Municipal de São Paulo, esses abusos continuam acontecendo por que o Brasil não conseguiu romper com a ditadura. “O fato é que não se operou mudanças ao longo do tempo, mesmo quando passamos a ter uma democracia. Isso fica claro com a continuidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal mesmo quando houve a mudança do regime político”, explicou o presidente da Associação Juízes para a Democracia, André Augusto Salvador Bezerra.
O presidente do IBCCRIM, André Pires de Andrade Kehdi, sinalizou que os crimes que ocorrem são continuidade da época da ditadura. “A tortura é uma prática sistemática no Brasil. Não se mudou muito em relação à ditadura, pode ter mudado as finalidades das ações que antes eram para a manutenção de um sistema política, agora são contra pessoas da periferia”, disse.
Ambos concordaram que para essas torturas e violações dos direitos humanos acabarem é necessário mudanças no poder judiciário. “Vários inquéritos são registrados como auto de resistência, que prestam a legitimar as agressões. Essa medida faz com que o Ministério Público e o poder judiciário invertam a ordem das coisas, o réu passando a ser questionado. O estado brasileiro é muito condescendente”, argumentou Kehdi. “É necessário termos uma ouvidoria para que a população tenha a palavra na gestão. E não só para ser ouvida, mas ter voto e que a escolha dos juízes passe por uma validação, só assim para conseguir mudar esse estado. O que vemos é que o judiciário parece estar em castas separadas da sociedade e tem autonomia para legitimar o que quiser, e estamos falando de violência de estado que mata cidadão e os que fazem isso encontram legitimidade nos processos que são feitos”, acrescentou.
O presidente da Associação Juízes para a Democracia explicou que o judiciário não está adaptado à democracia. “A lei que rege a vida dos juízes é de uma carreira como se fosse militar. É preciso democratizar internamente, que se passe a ter uma série de ações para essa adaptação e que tenha a abertura do judiciário com controle mais efetivo da sociedade civil, como a criação de ouvidorias em cada um dos tribunais”, argumentou.
A historiadora Ângela Mendes de Almeida tentou mover um processo contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra por conta do assassinato de seu marido, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, no DOI-CODI (centro de repressão do Exército durante a ditadura). “Queremos que os torturadores sejam responsabilizados criminalmente. Mas o que vemos é um complô do judiciário, porque a maioria protege torturadores e não querem afrontar eles [militares que trabalhavam do DOI-CODI]”, explicou.
A militante do Partido Comunista do Brasil Maria Amélia Teles, Amelinha, foi levada à Operação Bandeirantes (Oban), onde foi submetida a sessões de torturas. As agressões sofridas por ela foram motivos de recursos contra Ustra, que foi reconhecido oficialmente pelas torturas. “É importante para toda a sociedade conhecer o que aconteceu, porque essas torturas continuam acontecendo. Precisamos criar uma perspectiva democrática, sem tortura. O Brasil é o único país em que os responsáveis por essas agressões não foram penalizados, parece que eles são blindados, que existe uma conivência por parte das autoridades e das instituições importantes”, argumentou.
O integrante do colegiado o ex-deputado Adriano Diogo (PT) gostou dos depoimentos e concordou com a necessidade de mudanças no judiciário. “Precisamos criar novas faculdades, com olhares sociais e para o povo. Os cursos de direito têm que parar de reproduzir a ideologia das classes dominantes”, disse.