O mês de março conta com duas campanhas de conscientização da saúde da mulher promovidas pelo Ministério da Saúde e organizações médicas. O Março Amarelo sobre a endometriose, nasceu de um movimento de 1993 nos Estados Unidos idealizado pela ativista Mary Lou Ballwage, portadora de endometriose e fundadora da primeira associação voltada à doença em 1980.
Já a campanha Março Lilás sobre o câncer de colo do útero acontece em paralelo, em função do mês ser dedicado à luta das mulheres a partir do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. O câncer de colo do útero é o terceiro tipo mais incidente entre mulheres, conforme o Inca (Instituto Nacional de Câncer).
Endometriose e a dificuldade de diagnóstico
A ginecologista e obstetra Mariana Rosario explica que a endometriose é uma doença pouco investigada. “Hoje a gente tem uma média de demora no diagnóstico de endometriose de dez a doze anos. E isso acontece muito por ignorar sintomas, tanto a mulher achar que a cólica forte é normal, quanto o médico não perguntar como é a cólica e aí não parte para uma averiguação mais profunda e tem também as mulheres que não apresentam dores tão importantes”, ressalta.
“A endometriose é uma doença em que o endométrio, tecido que reveste o útero internamente e descama para a menstruação, se implanta em outros locais do organismo, principalmente no abdômen”, define.
Segundo a dra. Mariana, a principal teoria sobre a formação da endometriose é da menstruação retrógrada em que, além da menstruação externar o sangue via vaginal, ela também se encaminha pelas trompas se alojando em outros locais do abdômen.
Os locais mais próximos do útero são os mais comuns para a ocorrência de endometriose: trompas, ovários, intestino, bexiga e diafragma. Mas também há casos de endometriose cardíaca, cerebral e pulmonar.
A cólica forte é um dos sintomas mais marcantes da doença, mas também pode haver sangramentos excessivos e a presença de coágulos, sobretudo quando a paciente tem adenomiose, que é a endometriose invasora da musculatura uterina entre o endométrio e o miométrio.“A mulher tem um sangramento absurdo, dificuldades para engravidar e a dor na relação sexual também é um sintoma muito importante que decorre da inflamação”, descreve.
Quando a endometriose invade outros órgãos há sintomas mais específicos, como no intestino em que o paciente vai ter sinais bem parecidos com o câncer. “As fezes ficam mais finas, em fita e a pessoa vai ter dificuldades para evacuar em função da obstrução. Pode ser que até pare de evacuar e necessite de uma cirurgia de emergência”, afirma.
O primeiro passo para tratar a endometriose é diagnosticá-la a partir da consulta, fazer uma história clínica detalhada acompanhada de exames. “A gente pode pedir exames hormonais, pois normalmente pacientes de endometriose têm um excesso de estradiol, hormônio que nutre a doença e tem o marcador da endometriose, o CA 125, que podemos dosar no sangue para ver se está aumentado. Também há os exames de imagem: a ressonância magnética de pelve ou ultrassom com preparo intestinal já direcionado para a avaliação de endometriose”, relata.
A endometriose não tem cura, apenas controle. O tratamento vai depender da extensão da doença e dos sintomas da paciente. “Tem paciente que só com tratamento clínico, mudança de estilo de vida, dieta, exercícios e suplementação ela já consegue resultados muito bons. Tem pacientes que tem que entrar com medicação para baixar o estradiol e fazemos isso com algumas progesteronas e tem pacientes que precisam de cirurgia, mas nunca sem um tratamento clínico, pois as que operam sem tratar clinicamente tem 50% de chance de a doença voltar em seis meses”, revela a dra. Mariana.
HPV é o maior causador de câncer de colo do útero
A dra. Mariana Rosario explica que 95% dos casos de câncer de colo do útero são causados pelo HPV (Papilomavírus Humano), sexualmente transmissível, considerado o “primo” do vírus da herpes. “Ele tem a capacidade de alterar o DNA das células e transformar uma célula normal em uma célula que se replica com muita facilidade, que é uma célula de câncer”, resume.
O HPV tem alta prevalência na população sexualmente ativa, tanto em homens quanto mulheres. Um estudo publicado em 2023 pelo periódico médico “The Lancet Global Health” revelou que quase um terço dos homens com mais de 15 anos está infectado com ao menos um tipo de HPV genital. Além disso, um em cada cinco homens carrega consigo um ou mais tipos de HPV de alto risco, conhecidos por seu potencial de causar câncer.
“Estima-se que entre 60% a 70% da população teve contato com o vírus. Mas nem toda mulher que teve contato vai desenvolver o câncer de colo do útero. Existem diversos subtipos virais e só alguns são responsáveis por alterações celulares, os oncogênicos”, diferencia a ginecologista.
O diagnóstico do HPV na mulher é feito através do exame de rotina papanicolau, onde é realizada uma pesquisa pelo vírus por captura híbrida para verificar se ele está presente ou não. “A vacina contra o HPV é muito importante porque previne os quatro subtipos que causam o câncer. A mulher que tomou pode até ter outros subtipos de HPV e verrugas, mas ela não vai desenvolver o câncer”, expõe.
A ginecologista afirma que não há um tratamento específico para o HPV e sim o tratamento das lesões que ele provoca. “A partir do momento que eu tenho uma alteração revelada pelo papanicolau ou no exame de colposcopia eu tenho obrigação de fazer o tratamento desta lesão em específico. Agora, saber que só há a presença do HPV não tem o que fazer, a não ser melhorar o sistema imunológico para impedir que ele cause uma lesão. A gente nem sempre consegue eliminar esse vírus no decorrer do tempo, tem mulheres que eliminam totalmente o vírus, mas algumas ficam por muito tempo com o vírus sem desenvolver lesão”.
A médica fala que a vacina é recomendada para pacientes até os 42 anos de idade, mesmo se já teve contato com subtipos não oncogênicos. Porém, será necessário procurar a rede privada e pagar pela vacina. O SUS (Sistema Único de Saúde) disponibiliza a imunização apenas para meninas e meninos de 9 a 14 anos; homens e mulheres transplantados; pacientes oncológicos em uso de quimioterapia e radioterapia, pessoas vivendo com HIV/Aids e vítimas de violência sexual.
Falta de rotina de papanicolau dificulta o combate
Outra dificuldade no combate ao câncer de colo do útero é que o vírus HPV quase não dá sintomas. “Quando aparecem os sintomas ele já está muito evoluído e esse caminho percorrido pelo HPV desde a infecção até a gente encontrar um câncer no colo do útero é de mais ou menos dez anos, então é muito tempo. Se todas as mulheres fizessem papanicolau anualmente a gente declinaria muito os casos de câncer de colo do útero, mas infelizmente não é isso que acontece”, lamenta.
Há casos em que é possível remover de forma cirúrgica o câncer que está evoluído no colo do útero, mas se houver avanço, será necessário remover todo o útero e, dependendo da situação, partes de órgãos periféricos também.
Apesar de a campanha ter como foco a saúde da mulher, o homem também precisa se precaver e fazer exames, uma vez que o HPV também pode causar câncer no pênis. “É um câncer agressivo e pode trazer consequências extremamente graves para o homem. Então ele precisa passar no urologista para avaliar lesões externas, verrugas e se precisar, fazer exames para averiguar a presença do vírus”, acrescenta.
O uso de preservativo é a única forma de evitar a contaminação. “Mas como HPV pode estar presente em regiões como períneo e vulva a camisinha feminina pode ser mais eficaz por barrar o entorno do períneo, principalmente quando você não conhece bem o parceiro”, ressalta a médica.
A informação e a
prevenção é sempre o melhor remédi!