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Mobilidade urbana na capital e sua relação com a revisão do Plano Diretor Estratégico são debatidos em seminário

Por: DANIEL MONTEIRO
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31 de maio de 2021 - 14:58
JRaposo | REDE CÂMARA

A revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico) sob a perspectiva da mobilidade urbana na capital foi tema de um seminário virtual realizado pela Câmara Municipal de São Paulo na manhã desta segunda-feira (31/5). O Seminário buscou debater o tema sob três perspectivas: a visão da cidade e a mobilidade no PDE de 2014; a consolidação do PDE como marco legal estruturante de políticas de mobilidade, os instrumentos previstos e que impactam na mobilidade, as suas lógicas e visões; e os efeitos práticos e resultados desses instrumentos.

Na abertura da atividade, a vereadora Renata Falzoni (PV), que dirigiu os trabalhos, falou sobre a necessidade de adiamento da revisão do Plano Diretor Estratégico. “Importante reforçar que nós somos favoráveis ao adiamento da revisão do PDE por conta da pandemia, conforme dezenas de organizações e entidades sociais vêm solicitando à Prefeitura. Portanto, esta discussão é introdutória e não pode se confundir com a revisão formal do Plano Diretor, sobre a qual nós vamos atuar de forma decisiva para manter os avanços, conter os retrocessos e amplificar os instrumentos que mais impactam positivamente para a visão da mobilidade urbana de mobilidade sustentável, ativa e coletiva”, ressaltou.

Primeira participante do seminário, a arquiteta e urbanista Hannah Machado, vice-presidente do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), fez uma explanação sobre a estrutura moderna do trânsito das cidades e os efeitos negativos para a sociedade da falta de gestão e de planejamento na mobilidade urbana, como mortes no trânsito, sedentarismo, aumento de emissão de gases do efeito estufa e a perpetuação das desigualdades sociais.

Ela também ponderou sobre a necessidade de promover mudanças nesse aspecto para a melhoria na qualidade de vida. “É chave a gente endereçar a forma como a gente se desloca na cidade de São Paulo. E isso passa por reverter uma lógica, que tem sido mantida, de priorização e destinação de mais espaço para os veículos individuais motorizados e o que sobra de espaço, que foi delegado ali a quem está a pé ou de bicicleta. Então, para a gente mudar esse paradigma, a gente precisa repensar a distribuição do espaço nas nossas cidades”, disse.

Em sua fala, Hannah mostrou dados da pesquisa de Origem e Destino do município que apontam que um terço das pessoas na cidade se locomove a pé, um terço se locomove através do transporte coletivo e um terço em veículos individuais motorizados. Entretanto, 80% do espaço viário da capital está destinado aos veículos individuais motorizados, o que causa um desequilíbrio na relação de utilização do espaço público.

Entre as 10 estratégias já previstas no Plano Diretor para tornar São Paulo uma cidade mais alinhada com as melhores práticas, ela destacou o item que versa sobre a orientação do crescimento da cidade nas proximidades do transporte público como forma de equalizar esse problema. O tópico trata da importância do desenvolvimento orientado ao transporte sustentável visando o transporte coletivo de qualidade.

Para isso, são listados uma série de princípios, como a priorização do transporte ativo (deslocamento a pé ou de bicicleta), a consolidação de centralidades com fachadas ativas (térreo de empreendimentos que tenha comércios ou serviços que interajam com a cidade), a criação de espaços públicos e infraestrutura verde, a gestão eficaz do uso do automóvel, a diversidade de renda (atração de pessoas de mais baixa renda perto dessa infraestrutura de transporte), densidade adequada (cuidado para evitar a superlotação ou aglomerações) e o uso misto do solo (compor o uso residencial e não residencial nas diferentes áreas da cidade).

Ainda ao falar sobre o Plano Diretor de 2014, Hannah abordou outros pontos, como as características de adensamento habitacional e a questão dos meios individuais de transporte, com destaque às políticas de vagas de estacionamento em edifícios.

Na sequência, o pesquisador e consultor de políticas de mobilidade urbana Daniel Guth, diretor-executivo da Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), falou sobre como o Plano Diretor Estratégico pode ser o local apropriado para debater o planejamento e o desenvolvimento da mobilidade urbana em São Paulo.

Ao longo de sua fala, ele apresentou um histórico do surgimento e implementação do conceito de planejamento urbano no Brasil e sua aplicação na capital paulista, pontuando diversas iniciativas (teóricas e práticas) realizadas ao longo do tempo, como projetos, marcos legais e a consolidação dos planos diretores nos municípios brasileiros.

Entre os pontos destacados por Guth, estava a importância da relação entre o planejamento urbano e a mobilidade urbana, bem como seus impactos positivos no desenvolvimento socioeconômico da população. “É uma discussão essencial sobre mobilidade urbana discutirmos a implicação da forma urbana [planejamento estrutural] com a mobilidade”, enfatizou.

Terceira participante do seminário, Bianca Tavolari, professora do Insper e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), elencou os principais problemas para promover a revisão do Plano Estratégico neste momento. “A gente tem alguns problemas, ou alguns desafios, para fazer uma revisão de um Plano Diretor no momento que a gente está vivendo. Então, como já foi salientado aqui, tem um problema evidente de participação. Se a gente está falando do principal instrumento da política urbana, e ele projeta a cidade para o futuro, a gente precisa ter uma participação qualificada, com bastante tempo, que tenha condição de todos e todas que queiram participar. E aqueles e aquelas que são organizados, ou que são moradores e moradoras individuais dos seus bairros têm que conseguir participar e entender o que está em jogo em uma revisão de Plano Diretor”, destacou.

Ela também apontou a desigualdade que uma eventual participação virtual no debate acarretaria, devido a questões técnicas e diferenças socioeconômicas entre os participantes no acesso à internet. Além disso, a pesquisadora citou o impacto da pandemia no processo de discussão com a população que utiliza o transporte público, uma vez que essa parcela da sociedade foi mais afetada pela pandemia.

Bianca ainda contestou uma alteração feita em 2019 à redação do Plano Diretor em relação ao uso dos recursos do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano). Antes da mudança, a lei dizia que ao menos 30% dos recursos do fundo deveriam ser destinados à implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e circulação de pedestres.

Após a alteração, foi acrescentada a possibilidade de utilização desses recursos para a realização de melhorias nas vias estruturais. “Essa inserção abre margem para que esses recursos do Fundurb sejam utilizados, por exemplo, para tapar buracos, para asfaltar, duplicar vias, para aumentar vias estruturais, etc. Ou seja, permite que canalize recursos para isso. E não há nenhuma trava ou critério para distribuição entre todos esses pontos. Então, é possível que eu destine anualmente 30% só para a realização de melhorias nas vias estruturais e não nos outros. Não tem nada que obrigue o Executivo a investir em sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e circulação de pedestres depois dessa redação”, criticou.

Em sua fala, Bianca ainda abordou questões relacionadas ao adensamento nos eixos de estruturação urbana previstos no Plano Diretor Estratégico e as desigualdades territoriais que ainda existem no município.

Participante do seminário, o professor titular de Planejamento Urbano da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) Nabil Bonduki, que foi relator na Câmara do PDE de 2002 e de 2014, também defendeu que a revisão do Plano Diretor não deveria ser realizada neste ano, devido às dificuldades de participação popular impostas pela pandemia.

Entre outros pontos, Bonduki falou sobre os pontos do Plano Diretor passíveis de revisão e defendeu que as discussões anteriores sobre o tema qualificaram a população ao debate e que possíveis mudanças que descaracterizem o PDE enfrentarão oposição. “Quem quer fazer a revisão do Plano Diretor com certos objetivos de descaracterizar o Plano Diretor vai enfrentar nesse debate uma opinião pública com maior conhecimento do assunto e que poderá gerar um efeito contrário. Ou seja, se alguns querem pôr mais garagens nos eixos [de mobilidade], querem aumentar o tamanho da área dos apartamentos do eixo, vai existir forças no sentido contrário, por exemplo, de que no eixo não deveríamos ter nenhuma garagem, nenhum estacionamento ou um número muito pequeno de vagas de estacionamento para usos emergenciais, e não termos uma modalidade de apartamento com garagem onde efetivamente o que se espera é utilizar o transporte coletivo”, comentou.

Resultados e efeitos práticos

Logo após, o geógrafo Eduardo Pastrelo, diretor da Divisão de Análise e Disseminação da Geoinfo (Coordenadoria de Produção e Análise da Informação) da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo, e a arquiteta Rossella Rossetto, também integrante da coordenadoria, apresentaram dados da mudança na mobilidade urbana e nos deslocamentos na cidade a partir das pesquisas de Origem e Destino de 2007 e de 2017. “São 10 anos que não coincidem exatamente com o Plano Diretor, mas que permitem olhar a cidade e as principais mudanças”, afirmou Rossella.

“O estudo que nós fizemos dentro da Geoinfo é focado no município de São Paulo e há algumas diferenças evidentes, que são importantes para a gente levar em consideração, especialmente porque o Plano Diretor olha a questão municipal, apesar de que a mobilidade não se restringe às demarcações administrativas”, pontuou a arquiteta.

Os dados apresentados no seminário se basearam em quatro estudos realizados pela coordenadoria: “O que mudou na mobilidade no município de São Paulo entre 2007 e 2017?”, “O uso da bicicleta na cidade de São Paulo: uma comparação dos resultados das pesquisas OD (Origem-Destino) 2007 e 2017”, “Mobilidade dos idosos na cidade de São Paulo: resultados da Pesquisa Origem e Destino 2017” e “Mulheres e seus deslocamentos na cidade: uma análise da pesquisa Origem e Destino do Metrô”.

Em linhas gerais, as principais mudanças observadas entre 2007 e 2017 estão no aumento no índice mobilidade (que representa o número de viagens por habitantes) no município. Ou seja, no intervalo de 10 anos o habitante da capital passou a se deslocar mais vezes ao dia. Em relação à mobilidade nas faixas etárias, os idosos (60 anos ou mais) realizam menos viagens que os demais grupos (0 a 17 anos e 18 a 59 anos), apesar desse grupo ter sido o que registrou maior aumento de deslocamentos no período analisado.

Entre 2007 e 2017 foi registrado aumento das viagens motorizadas (com crescimento no deslocamento através do transporte coletivo) e queda nas viagens não motorizadas. Conforme análise das informações, as viagens motorizadas ocorrem nos locais de maior renda e melhor infraestrutura de transporte, enquanto o deslocamento a pé acontece nas regiões mais periféricas do município.

Segundo os dados da Geoinfo, de maneira geral há um maior número de viagens coletivas motorizadas em relação às viagens individuais (carros ou motos). Além disso, no período entre as duas pesquisas de Origem e Destino, foi registrado aumento na quantidade de viagens coletivas e queda dos deslocamentos individuais.

Na análise apresentada, o aumento das viagens coletivas nas regiões do município que apresentaram crescimento neste índice pode ser explicado pelo incremento da infraestrutura do transporte público. Por outro lado, o aumento das viagens individuais está diretamente ligado a fatores macroeconômicos, como políticas de crédito para aquisição do veículo próprio, entre outras iniciativas.

O tempo de deslocamento nas regiões centrais, apontam os dados, é substancialmente menor na região central se comparado com as regiões mais periféricas da capital.

Na questão do uso da bicicleta, o modal representa menos de 1% do total das viagens que acontecem no município. Apesar disso, entre 2007 e 2017 houve aumento de 45% no número de viagens utilizando bicicletas, fruto dos resultados das melhorias de infraestrutura e implementação ao longo dos anos de políticas públicas para incentivo desse meio de transporte.

Em relação ao perfil do ciclista, a pesquisa mostra que em 2017 a maioria era de homens, jovens (entre 15 e 29 anos) – apesar de ter havido crescimento do uso da bicicleta em outras faixas etárias -, com Ensino Médio completo/Ensino Superior e renda de 2 a 4 salários mínimos.

Outro recorte apresentado pelo Geoinfo trata do deslocamento de mulheres na cidade de São Paulo. “Não é uma questão só relacionada à biologia. A forma como a mulher se desloca pelo espaço também reflete as condições socialmente dadas na sociedade à mulher e aos papéis que ela cumpre na sociedade. E, especialmente, dentro da organização social”, justificou Rossella.

Com base na comparação entre os dados de 2007 e 2017, do total de viagens produzidas pelos residentes na cidade, 50,6% foram feitas por mulheres. Porém, o índice de mobilidade mostra que os homens ainda viajam mais que as mulheres. Ou seja, elas são ativas na sociedade, mas ainda se deslocam menos que os homens.

Em relação aos motivos para locomoção, tanto para homens quanto para mulheres, a principal razão de deslocamento é o trabalho. Mas, quando são analisados os outros motivos, como resolução de pendências de casa, assuntos pessoais, escola, compras, saúde ou lazer, a mulher é quem mais realiza viagens para esse tipo de serviço. “Isso mostra que, na questão da mulher, é ela quem vai lidar com os filhos, de levar as pessoas para tratamento de saúde, para fazer compras, enfim, toda a questão relacionada aos outros expedientes do cotidiano, da vida da família, e dentro da relação da sociedade, está ainda a cargo da mulher, mesmo crescendo exponencialmente a função dela no trabalho”, explicou Rossella.

“Então, isso vai impactar enormemente na questão dos deslocamentos. Os deslocamentos que já se vem estudando há um bom tempo, na questão do homem, são muito mais casa-trabalho, enquanto a mulher é casa-trabalho-saúde-lazer-compras… É uma coisa fragmentada dentro da espacialização da cidade”, completou a arquiteta.

Na questão do trabalho, quanto maior a renda, mais as mulheres se deslocam. Já nos demais aspectos (como compras, lazer, saúde, etc), quanto menor a renda, mais as mulheres se deslocam. Em relação à distribuição espacial das viagens, as mulheres viajam mais que os homens no transporte coletivo e a pé, enquanto os homens utilizam mais os meios individuais motorizados e as bicicletas.

Uma das conclusões do estudo é de que as políticas públicas relativas à mobilidade, e em especial, aquelas ligadas à melhoria do transporte coletivo e ao pedestre, impactam especialmente o deslocamento feminino, sobretudo entre aquelas mulheres de baixa renda e em áreas das periferias da cidade.

Após a exposição dos dados da Geoinfo, o jornalista Artur Rodrigues, do jornal Folha de São Paulo, falou do ponto de vista prático das ações do município direcionadas pelo PDE, em especial as relacionadas às edificações construídas ao longo dos eixos estruturados de transporte público.

“Eu fiz uma reportagem falando sobre a aproximação do Plano Diretor com os eixos. Principalmente o que me chamou a atenção na ocasião, que foram os eixos na periferia”, explicou. “Me chamou a atenção a quantidade muito grande de casas sendo demolidas e virando prédios muito altos em uma região onde não existia nenhum prédio, uma região muito residencial. Então eu pedi alguns dados para a Prefeitura e me chamou atenção a quantidade de imóveis verticais que estavam surgindo ao longo dos eixos”, completou.

De acordo com os dados apresentados por Rodrigues, em 2014, a quantidade de unidades habitacionais lançadas na região dos eixos era de 10%. Em 2018, esse número passou a ser de 33%. “Eu não tenho os dados de 2019 e 2020, mas a gente imagina que isso possa ter aumentado nesse período”, comentou.

Sobre a quantidade de empreendimentos licenciados nos eixos de transporte, em 2014, eram 36. Já em 2020, esse número saltou para 238. As informações mostradas pelo jornalista apontam para um aumento dos lançamentos verticais na periferia, em um movimento incompatível com a tendência do mercado imobiliário. “Muitas das pessoas que procuram esses imóveis justamente moram na periferia, mas moram longe do metrô ou do corredor de ônibus. São pessoas que têm algum poder aquisitivo e querem migrar para um lugar mais perto dos corredores de ônibus e metrôs”, analisou.

Um dado fornecido pela Prefeitura e mostrado por Rodrigues para justificar essa análise trata da quantidade de habitações de interesse social nos eixos. De acordo com as informações, cerca de 35% das unidades licenciadas são de HIS (Habitação de Interesse Social) ou HMP (Habitação de Mercado Popular). “Vários deles eu vejo que não são voltados à população realmente de mais baixa renda, que é uma população que está sendo muito penalizada pela pandemia”, contestou o jornalista.

A íntegra do seminário está disponível neste link.

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