Com o objetivo de apurar os furtos e comércio ilegal de cobre furtado na cidade de São Paulo e aprimorar a legislação para coibir esses crimes, que tem causado apagões de energia e internet em várias regiões do município, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Furtos de Fios e Cabos da Câmara Municipal de São Paulo retomou os trabalhos nesta quinta-feira (3/8) com a realização de duas oitivas com representantes do setor de reciclagem.
Foram ouvidos Clineu Nunes de Alvarenga, presidente do INESFA (Instituto Nacional de Reciclagem) – entidade nacional que congrega 63 empresas de reciclagem, 17 empresas de equipamentos e 13 associações -, e Rafael Risso de Barros, presidente do SINDINESFA (Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não Ferrosa do Estado de São Paulo) – de abrangência estadual e que representa cerca de 50 empresas e é associado ao INESFA.
Questionado sobre os temas investigados pela CPI, o presidente do INESFA informou que a instituição adota uma série de parâmetros e diretrizes legais para as empresas associadas. Também informou que são realizadas reuniões mensais com o objetivo de orientar os recicladores e empresas, abrangendo desde representantes das grandes indústrias de transformação, passando por depositários (pequenos ferros-velhos e cooperativas) até chegar aos catadores, que estão na ponta do processo. Por ser um sindicato associado ao INESFA, o SINDINESFA atua da mesma forma.
Um dos principais problemas apontados durante a oitiva relacionados ao comércio ilegal é a informalidade do setor, em especial dos catadores. “O nosso setor faz a preparação dos materiais. Muitos começam ali como catadores e o catador não é informal porque quer, ele é informal porque é a condição de trabalho que lhe foi apresentada, é de onde ele tira o seu sustento. Então, ele não decidiu ser informal. Nós precisamos, com o conhecimento que temos, ajudar essas pessoas a entrarem para a formalidade, porque essas pessoas, quando vendem o material para um processador, esse processador dá legalidade ao material, dá rastreabilidade, coloca para dentro [da legalidade] isso”, argumentou Barros.
“E quando eu falo dos materiais, há que se dividir também, porque nós temos sucata de ferro, sucata de alumínio, sucata de cobre, sucata de papelão, sucata de plástico, nós temos diversos materiais, diversos resíduos que vão se tornar insumo depois da reciclagem, depois do nosso processamento”, explicou o presidente do SINDINESFA, acrescentando a importância de valorizar a atuação dos catadores para a cadeia produtiva da reciclagem.
Outro ponto destacado na oitiva é a necessidade de incentivo à reciclagem em níveis industriais, de forma a estimular a retomada da economia circular. “O material reciclado é mais complicado de transformá-lo novamente em um produto do que um insumo virgem, e as indústrias de transformação precisam ter algum ganho, algum benefício para se interessarem em comprar o insumo reciclado. Vou dar um exemplo: se eu for reciclar um copo, a indústria de transformação vai ter um custo, porque isso não é tão fácil de fazer quanto pegar a sílica e a areia e transformar em vidro”, expôs Alvarenga.
“Hoje é o que está acontecendo com as indústrias de papel, que estão deixando de trabalhar com papel reciclado para consumir a celulose, porque ela está mais barata, é mais simples, é mais tranquilo [o processo]. Aí a indústria de papel está saindo da economia circular e voltando para a economia linear. E o que vai mudar isso? Tem que ter uma política pública, tem que ter um incentivo lá no final da cadeia, para a indústria falar ‘eu vou produzir isso com isso um insumo reciclado porque é interessante’”, acrescentou o presidente do INESFA.
Por fim, os participantes da reunião desta quinta-feira citaram a necessidade de implementar e incentivar a utilização de ferramentas de rastreabilidade no setor. “Estou aqui representando uma classe, mas vou dar um exemplo: tudo que tem dentro do meu pátio, 100% tem nota, 100% tem origem, não tem nada ali que não tenha origem. Só que eu compro de tonelada, eu não compro por quilo. Eu compro três, quatro, cinco toneladas. Há quem tenha comprado, numa etapa antes, de quilo por quilo. Se nós déssemos essa rastreabilidade, ganharíamos uma segurança muito grande”, ponderou Barros, comentando que, por conta do risco atual, empresas e indústrias estão deixando de comprar cobre e metais recicláveis devido à falta de procedência desses materiais.
Presidente da CPI dos Fios, o vereador Aurélio Nomura (PSDB) destacou a importância de ampliar a discussão, ouvindo diferentes atores. “Muito importante nós ouvirmos aquelas pessoas que realmente fazem a reciclagem e que cuidam da reciclagem de uma maneira maior. Estamos acostumados a ver a reciclagem de uma maneira, vamos dizer, de cooperativas e tal, mas nunca analisamos as empresas que trabalham com a reciclagem. E é muito importante ouvi-los porque há necessidade de focarmos, principalmente, para o catador individual. Você vê que eles são jogados ao relento, não têm apoio nenhum”, disse. “É importante que possamos ter outros olhos, que possamos estimular, possamos fomentar e também criar alguma coisa que possamos rastrear, principalmente esses fios e cabos furtados. É importante que nós possamos chegar a um consenso, principalmente com essa questão dos furtos”, completou Nomura.
Já o relator dos trabalhos, vereador Coronel Salles (PSD), citou que há uma lacuna no setor a ser preenchida pelo Poder Público. “Ouvimos os vários polos, já ouvimos as companhias de eletricidade, já ouvimos o município, já ouvimos o prefeito e hoje ouvimos os órgãos que representam as empresas de transformação, que é fundamental para sustentabilidade, e começamos a separar o joio do trigo. Então, você vê a necessidade do Estado brasileiro, seja ele a União, o Estado e o município, de regulamentar, por exemplo, a profissão do catador, seja por um microempreendedor individual, um Mei Catador, um Tô Legal aqui em São Paulo”, comentou. “Porque há um vício de origem, começa informal, você não tem controle de quem atua na área, você não tem controle do que vai para os pequenos depósitos que alimentam a indústria de transformação”, concluiu Salles.
Requerimentos
Além das oitivas, nesta quinta também foram aprovados seis requerimentos. Entre eles, está a prorrogação da CPI por mais 120 dias; a autorização para realização de diligências; e o convite para que o deputado federal Vinicius Carvalho (REPUBLICANOS-SP) colabore com os trabalhos da Comissão. O parlamentar é autor do PL (Projeto de Lei) 4035/2021, em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe incentivos fiscais para o setor da reciclagem de materiais.
Também participaram da reunião, cuja íntegra está disponível no vídeo abaixo, o vice-presidente da CPI dos Fios, vereador Eli Corrêa (UNIÃO), e o vereador Hélio Rodrigues (PT), integrante do colegiado.