Após quase um mês da primeira discussão, a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo voltou a debater em Audiência Pública o projeto da Prefeitura que propõe aumentar o limite sonoro nas regiões da capital chamadas de ZOEs (Zonas de Ocupação Especial). A iniciativa permite que o índice de ruído nestes territórios seja de 85 decibéis, entre 12 horas e 23 horas, até a regulamentação dos PIUs (Projetos de Intervenção Urbana).
As ZOEs, que seguem os parâmetros determinados pela Lei de Zoneamento da cidade de São Paulo, compreendem regiões onde ocorrem shows, eventos, atividades esportivas e espaços que geram incomodidade sonora. Estão dentro das Zonas de Ocupação Especial, por exemplo, os aeroportos de Congonhas e do Campo de Marte, além dos estádios de futebol, do Ginásio do Ibirapuera, do Anhembi, do Sambódromo e dos quartéis.
A matéria em pauta está proposta no texto substitutivo ao PL (Projeto de Lei) 239/2018, que começou a ser discutido na Casa na Sessão Plenária de 6 de abril. Assim como na primeira audiência realizada para debater o tema, no dia 28 do mês passado, a discussão aconteceu no Plenário 1° de Maio sob a coordenação do presidente do colegiado, o vereador Paulo Frange (PTB).
“Vejo com muita preocupação. Primeiro, porque ruído é problema de saúde pública. Não abrimos mão em hipótese nenhuma de afirmar que ruído acima daquele que está hoje definido como conforto leva a problemas de saúde, desde hipertensão arterial até problemas de ordem psicológicas, psiquiátricas e distúrbio do sono”, disse Frange.
De acordo com o parlamentar, “a receita certa para isso é, senhores empresários, se querem continuar produzindo shows, ganhando muito bem para isso, e nós queremos que ganhem mesmo, que gerem muito emprego, muita renda e muito imposto, invistam na mitigação de som. É possível tratar o som de tal forma a não incomodar”.
Outros parlamentares
Além de Frange, participaram da audiência outros parlamentares. Líder do governo na Câmara, o vereador Fabio Riva (PSDB) contrapôs algumas falas de que o projeto beneficia a iniciativa privada. “As áreas públicas são a maioria das ZOEs, e somente algumas áreas são privadas. O objeto do projeto é exclusivamente para as Zonas de Ocupação Especial, e como o nome já diz, é especial”.
Riva também reforçou que será preciso encontrar um equilíbrio para elaborar o texto final. “Estamos aqui tratando de uma questão de razoabilidade, onde mantemos a nossa vizinhança com a situação de saúde pública e a atividade econômica dentro da condição dela, gerando empregos e trazendo a São Paulo os melhores artistas do mundo. Essa é a importância de fazermos esse debate”.
Membro do colegiado, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) sugeriu que além dos agentes do PSIU (Programa Silêncio Urbano), que já monitoram a poluição sonora na cidade, a fiscalização dos ruídos volte a ser feita pelas 32 Subprefeituras. O parlamentar disse ainda que o sossego dos moradores da capital tem que ser respeitado e que o substitutivo ao PL 239/2018 não pode ser aprovado da forma que foi apresentado.
“Eu não sou contra nenhum tipo de evento, tanto é que presido aqui na Câmara a Comissão Extraordinária de Apoio ao Desenvolvimento do Turismo, do Lazer e da Gastronomia. Temos que promover e incentivar os eventos, mas que todos respeitem a legislação”, falou Goulart.
A vereadora Silvia da Bancada Feminista (PSOL), também integrante da Comissão, se manifestou contrariamente ao texto substitutivo. Ela entende que os produtores de eventos têm que adaptar estruturas acústicas para o som não ecoar e preservar a saúde das pessoas que vivem em áreas de ZOE. “Foi colocado aqui, é prejudicial à saúde da população. As pessoas vão sofrer, vão adoecer e podem, inclusive, vir a óbito se esse projeto passar”.
Em nome da bancada do PT, o líder do partido na Câmara, vereador Senival Moura (PT), prevê que o texto não irá prosperar na Casa. “A bancada do PT jamais vai compactuar com uma matéria dessa natureza para a cidade de São Paulo. Isso vai trazer um mal-estar muito grande”.
Da tribuna do Plenário, o vereador Roberto Tripoli (PV) criticou a proposta do Executivo. De acordo com ele, “esse projeto visa somente ajudar poucos empresários, que vão ganhar dinheiro. A população será prejudicada”.
Também acompanharam o debate os vereadores Antonio Donato (PT), Eduardo Suplicy (PT), Ely Teruel (PODE), Cris Monteiro (NOVO) e João Jorge (PSDB).
Executivo municipal
Marília Pedroso Luccas, da secretaria municipal de Urbanismo e Licenciamento, reconheceu a importância do debate. Contrapondo alguns pontos de vista, ela também enfatizou que a proposta não foi elaborada para beneficiar a iniciativa privada. “Não é especificamente um Projeto de Lei do Executivo para uma região em si”.
Marilia frisou que o debate tem citado especialmente o Allianz Parque, zona oeste da capital. No entanto, ela lembrou que há outras áreas na cidade que geram ruído, inclusive espaços municipais. “Nas (ZOEs) ocupadas por equipamentos, temos o Aeroporto de Congonhas, o Campo de Marte, o Autódromo (de Interlagos), o Sambódromo, que é o Anhembi. Então, quando dizem que é interesse particular, temos que lembrar que o próprio município ele está à parte do problema, porque também está produzindo ruído”.
Segmento de eventos
Claudio Macedo, CEO da WTorre Entretenimento, empresa que administra o Allianz Parque, localizado na zona oeste da cidade, também reforçou que a legislação é ampla e não específica apenas uma região da cidade. O empresário apresentou dados técnicos para mostrar que os ruídos são gerados em diversos pontos da capital, e não exclusivamente no local onde está a Arena.
“A minha contribuição é para que possamos ter uma visão ampla da cidade, já que estamos tratando de uma legislação que altera as ZOEs. Que a gente fale de todas as questões que lidam com o maior problema, que é o desconforto e a saúde. Todos nós compartilhamos, eu também, independentemente de estar representando o privado ou o estádio. Eu também sou cidadão e quero o meu conforto”, disse Claudio.
Ministério Público
Representaram o Ministério Público do Estado de São Paulo os promotores de Justiça do Meio Ambiente Jairo Edward de Luca e Jorge Masseran. Eles fizeram considerações e interpretaram a legislação vigente. Durante o discurso, Masseran explicou que os ruídos são características das cidades grandes e que diversos setores da sociedade são geradores de barulho.
Entretanto, segundo Jorge Masseran, estudos científicos comprovam que a poluição sonora provoca danos à audição e, desta forma, a saúde da população é prejudicada quando a pressão sonora é maior. “A grande conclusão que chegamos até agora, ainda que seja uma conclusão parcial, é que quanto maior o nível de decibéis de um ambiente, maior será o grau de incomodidade e maior é o dano que isso provoca sobre a saúde pública”.
O promotor concluiu dizendo que a saúde “é um bem ambientalmente e constitucionalmente protegido. Esse processo de elaboração, ou de reelaboração legislativa, com essa proposta de aumento da quantidade de decibéis, pode comprometer verdadeiramente a questão de saúde da população paulistana”.
Pesquisa científica
Contribuiu com a Audiência Pública desta quinta-feira o físico e pesquisador do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), Marcelo Mello Aquilino. Ele apresentou estudos que tratam dos índices sonoros e avaliou a proposta da Prefeitura em aumentar os níveis de decibéis nas ZOEs.
“85 decibels é um valor extremamente alto, que vai nos trazer uma série de problemas tanto de incomodidade quanto de saúde. A elevação do ruído de poucos decibels, por ser uma escala logarítmica, impacta fortemente na nossa audição e na sensação do ruído”, explicou o pesquisador. “Para ter uma ideia, 85 decibels é o permitido dentro de fábricas, onde existe todo um critério de segurança do trabalho. É inviável aplicar isso na cidade de São Paulo”.
Sociedade
A Comissão de Política Urbana registrou aproximadamente 30 inscrições de moradores da capital paulista que quiseram se manifestar sobre a matéria do Executivo. Para Sérgio Rezi Jr., aumentar os níveis de ruído vai “estragar o sossego, a saúde e o bem-estar de pessoas em nome de interesses privados, sim”.
A arquiteta Mariana Ferraz também não concorda com o texto. De acordo com ela, os eventos têm de se adequar, já que a pressão sonora pode prejudicar a população. “Esse PL não tem nem que ser votado. Ele tem que ser parado imediatamente”.
Renata Esteves, advogada e representante do Movimento Defenda São Paulo, disse que a legislação tem de ser respeitada. “É um contrassenso e um descumprimento flagrante a essas normas fundamentais e infraconstitucionais do nosso direito”.
Para a moradora Sueli Cordone, “se aumentar esse volume nós não vamos dormir mais. Moramos em uma cidade extremamente barulhenta e as pessoas não respeitam”.
Maria Helena Spaziani mora na região da Casa Verde, zona norte da cidade. Ela relatou o incômodo dos ruídos. “Eu moro há 2,5km do Anhembi, do Campo de Marte, e há anos não conseguimos dormir. É muito barulho. O vidro chega a vibrar”.
Acesse o vídeo abaixo para conferir a íntegra da Audiência Pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente.
Interessante que vemos muitas discussões para ajudar o empresariado a realizar cada vez mais shows e aumentar seus lucros. Mas esquecemos que estes espaços estão localizamos em bairros residenciais onde os moradores têm direitos a terem seu descanso garantido em seus lares pois não estão fazendo parte da festa e levantam cedo no outro dia para trabalhar. Estes mesmos moradores já enfrentam o trânsito intenso nestes dias de eventos e não merecem agora ficarem refens do aumento do barulho e noites sem sono!
Incoerente e descabivel esse projeto, moro na Casa Verde e em dias de shows não conseguimos dormir. O pior é que quem vota a favor mora em mansões, sitios, longe dos bairros onde minam casas de shows, samba, pagodes, etc como é nosso bairro. O mais incrivel ainda é incluir esse tipo de aprovação de lei no projeto das cozinhas de delibery que não tem relação e esta fora do contexto. Trata-se de assunto sério e de saúde publica, senhores da camara municipal, prefeito de S.Paulo…vamos cuidar de assuntos mais importantes no momento, não a esta alteração absurda pois estamos há tempos tentando junto ao legislativo, prefeitura, etc a diminuição do barulho e não o contrario.
Já está comprovado que altos níveis de ruído prejudicam a saúde e podem provocar óbito. Esses vereadores têm de ser responsabilizados por isso. Agora, no que o limite de ruído prejudica os shows? Os empresários que contratem engenheiros de som competentes e cobrem de quem quer ver o show, oras. A população não pode pagar por isso. Quanto à educação e cultura, quanta gente não consegue curtir seus filmes preferidos, suas músicas ou livros por causa do barulho? Quantos estudantes não conseguem estudar para suas provas de segunda-feira? Sem contar na perda de produtividade dos trabalhadores, que não conseguem descansar. Tem mais coisa em jogo que somente o preço de um ingresso, senhores.