A Audiência Pública realizada pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente nesta quarta-feira (29/6) discutiu a prorrogação do prazo que restringe remoções, despejos e reintegrações de posse na cidade de São Paulo enquanto durar a pandemia e os impactos da Covid-19.
Pedido pelos vereadores Silvia da Bancada Feminista (PSOL), Juliana Cardoso (PT) e Eduardo Suplicy (PT), o debate considera os efeitos da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 828 do STF (Supremo Tribunal Federal) que resguarda os direitos fundamentais à moradia, saúde e vida de famílias vulneráveis durante o estado de calamidade pública. O documento restringe ações de remoção, despejos e reintegrações de posse até 30 de junho deste ano.
A Campanha Despejo Zero apresentou durante a audiência um relatório nacional destacando o aumento em 390% no número de despejos no Brasil entre março de 2020 a maio de 2022. O levantamento indicou um total de mais de 125 mil pessoas despejadas, sendo cerca de 21 mil crianças. O Estado de São Paulo é o que mais despeja, seguido por Rio de Janeiro e Amazonas.
Segundo a urbanista e professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), Raquel Rolnik, é importante e necessário haver uma ação municipal para conter o que considera como gravíssima a atual situação habitacional de pessoas em situação de vulnerabilidade social. “Todos os dias pessoas estão sendo despejadas, indo pra rua, sem nenhuma política capaz de atendê-las. É a pior crise na política de habitação de São Paulo desde os anos 20 do século passado. Em contrapartida, vivemos simultaneamente o maior ‘boom’ imobiliário dos últimos anos com uma oferta imensa de estoque residencial. No entanto, não tem nada a ver com as demandas da população”, concluiu.
Representando o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Juliana Avanci, disse estar preocupada em evitar uma crise humanitária na cidade. “Hoje em dia, são 320 ações judiciais envolvendo ocupações e favelas na maior cidade do país. Destas, 39 estão suspensas em razão de uma decisão da Justiça, mas encerrado o prazo todas elas ficam sujeitas a uma reintegração de posse ou remoção.” A organização ainda entende ser crucial haver um plano de transição formulado pela Prefeitura.
Para Edilson Mineiro, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a crise de moradia é muito anterior à pandemia, sendo um processo excludente e estrutural dentro da produção de políticas para a cidade. “A solução deve ser entendida por meio dos diversos mecanismos de ação. A pandemia tornou mais cruel e chamou ainda mais a atenção para a gravidade dos problemas. Vejo a necessidade de uma aplicação dos instrumentos redistributivos através do Plano Diretor da Cidade, como aplicar o IPTU progressivo e fiscalizar melhor a outorga onerosa, além da aplicação dos recursos do FUNDURB (Fundo Municipal de Urbanização)”.
Já o representante da Defensoria Pública do Estado, Carlos Roberto Isa, disse que trabalha em conjunto com o Legislativo paulistano no fomento de políticas que amenizem a situação da população mais vulnerável da cidade. “Neste momento de aflição, a Defensoria tem se esforçado para que os efeitos da decisão do STF sejam prorrogados, evitando ampliar e aprofundar a catástrofe”.
A Procuradoria Geral do Município se manifestou na Audiência Pública afirmando que a atuação do órgão se dá em casos judiciais. Maurício Moraes Tonin explicou que “novas ocupações não entram nesse panorama de desocupações, com exceção daquelas localizadas em áreas com risco de vida ou de imóvel. São casos pontuais, apenas 4 nestes dois últimos anos”.
Posicionamento dos vereadores
Autora do requerimento que solicitou a Audiência Pública, Silvia da Bancada Feminista pede para que a ADPF 828 seja prorrogada, pois entende que os efeitos da pandemia permanecem. “Não é possível que diante desse caos, não tenhamos a continuidade da norma federal. Corremos o risco de despejos, o que pode ser uma tragédia”.
Juliana Cardoso observou que a Prefeitura precisa ter uma política pública voltada às famílias sem moradia regular na cidade. “Em um momento como este de desemprego, fome e despejo precisamos encaminhar estas situações de uma melhor forma. Abrir o diálogo com a Prefeitura, já que caso a ADPF não seja prorrogada, muitas pessoas não terão onde morar”.
Uma carta ao ministro do STF, Luís Roberto Barroso, foi encaminhada por Eduardo Suplicy com um apelo pela manutenção da norma que proíbe remoções, despejos e reintegrações de posse enquanto durar a pandemia. “Há mais de 7 mil famílias preocupadas com um eventual despejo se não for prorrogado este prazo. São 30 mil pessoas”.
Projetos de Lei
Dois PLs (Projetos de Lei) que abordam a questão habitacional na cidade de São Paulo estão em tramitação na Câmara Municipal. O PL 200/2019 – autoria do vereador Eduardo Suplicy (PT) – cria um protocolo unificado para as remoções na capital paulista.
Já o PL 118/2021, chamado de Projeto do Despejo Zero – autoria da vereadora Juliana Cardoso (PT) e coautoria dos parlamentares Eduardo Suplicy (PT) e Silvia da Bancada Feminista (PSOL) – prevê a suspensão das medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas tomadas pela Prefeitura que possam despejar, desocupar ou remover famílias enquanto durar a pandemia e os impactos da Covid-19.
Encaminhamentos
Segundo Silvia da Bancada Feminista, que conduziu os trabalhos da Audiência Pública, o debate foi importante para mostrar a força que as ocupações têm ao exigir a prorrogação do prazo. “A cidade também tem sua responsabilidade. Ter despejos no momento seria uma tragédia. Então, pedimos ao Poder Público, para o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e às secretarias envolvidas que se manifestem em relação ao tema”.
Ao falar sobre a ausência do Executivo durante as discussões, a parlamentar encaminhou uma carta ao STF e às pastas municipais responsáveis pela situação habitacional de São Paulo cobrando explicações sobre o tema.
A audiência pode ser vista na íntegra nos dois vídeos abaixo:
Parte 1
Parte 2