A pacata rua Dr. Sergio Fleury, na Vila Leopoldina, é uma das que podem ter seus nomes alterados. Foto: Luiz França / CMSP
FÁBIO DE AMORIM
DA TV CÂMARA
Desde 2012, a Comissão da Verdade Vladimir Herzog debate as homenagens feitas no município a figuras publicamente ligadas à repressão durante o período da Ditadura Militar, como nomes em logradouros, praças, prédios públicos e honrarias concedidas pela Câmara Municipal. Em maio de 2013, a Comissão da Verdade recebeu uma lista de nomes e apelidos de pessoas que atuaram ativamente para o regime. A pesquisa chegou a 2.302 mil referências, todas repassadas pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo.
Essas referências foram cruzadas com os bancos de dados do Legislativo, o que resultou em uma lista de 21 pessoas que foram homenageadas com títulos, medalhas e nomes de logradouros ou escolas. Todas essas pessoas foram agentes torturadores da Ditadura ou tiveram ligação comprovada com a repressão. No total, são 13 logradouros, 12 honrarias e um nome de escola, sendo que alguns receberam mais de uma homenagem.
Um dos casos é o do famoso Minhocão, como é conhecido popularmente. Seu nome oficial é elevado Costa e Silva. O Projeto de Lei 288/2014, do vereador Eliseu Gabriel (PSB), pretende alterar a nomenclatura do local para elevado Presidente João Goulart.
O ex-presidente Costa e Silva comandou o país entre março de 1967 até sua morte, em 1969, e indicou o governador responsável pela obra, Paulo Maluf. Durante seu mandato, Costa e Silva extinguiu a Frente Ampla – movimento de oposição que reuniu políticos do período pré-64 – e editou o AI-5, que lhe deu poderes para fechar o Parlamento, cassar políticos e institucionalizar a repressão e a tortura. Seu governo começou a fase mais dura e violenta do regime militar. Além disso, Costa e Silva – que recebeu o título de cidadão paulistano em 1965 – contribuiu decisivamente para o golpe que derrubou o então presidente João Goulart em 1964.
Rua Sérgio Fleury
O Elevado Costa e Silva não é um endereço com CEP. Ou seja, ninguém mora no “Elevado número tal”. Mas outras vias batizadas em homenagem a agentes da Ditadura possuem moradores, e uma mudança de nome obrigaria essas pessoas a alterarem o endereço nas empresas que oferecem serviços públicos, como luz, água e gás, nos bancos e no cartório de imóveis, o que gera um custo (saiba mais no box abaixo)
O trabalho e os gastos que resultariam da mudança são a principal reclamação dos moradores da rua Dr. Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina. É uma rua pequena, sem saída, com pouco mais de 30 casas e muitos idosos entre os residentes.
Sérgio Paranhos Fleury foi um delegado que chefiou o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Sob seu comando, a instituição tornou-se um dos piores centros de tortura e morte da Ditadura. O Projeto de Lei (PL) 243/2013 propõe alterar o nome do local para Tito de Alencar Lima. Frei Tito, morto aos 28 anos, foi um dos torturados pelo delegado.
“Para mim, o nome Sérgio Fleury não significa nada. Muita gente fez coisa errada e recebeu nome de rua. Já pensou se formos mudar todas”, questiona a dona de casa Maria de Lourdes Rodrigues, uma das moradoras do local. “Eu vi uma reportagem sobre uma rua que mudou de nome e as pessoas tiveram um monte de problemas, as correspondências não chegavam, vinha tudo errado. Acho que o Brasil tem muitas outras coisas para se preocupar antes disso.”
Mas a oposição à mudança não é unanimidade entre os residentes. A também dona de casa Michele Cristina Furquim acha que vale a pena enfrentar a burocracia para morar em um lugar cujo nome lembra a resistência à Ditadura. “Seria uma homenagem bonita pro Frei Tito”, diz.
Até 2013, não era possível alterar o nome de um logradouro em São Paulo sem a aprovação de pelo menos dois terços dos residentes. Mas naquele ano o Executivo sancionou uma lei que permite a mudança sem consulta caso o homenageado tenha cometido “crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos”, exigindo consulta à população apenas para a escolha do novo nome.