Cirurgias reparadoras e outros procedimentos cirúrgicos focados na população trans e travesti foram os temas da reunião da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Violência Contra Pessoas Trans e Travestis realizada nesta sexta-feira (25/3) na Câmara Municipal de São Paulo.
A discussão foi motivada pelo caso de Lorena Muniz, mulher trans que há um ano realizou uma cirurgia de implante de silicone em uma clínica particular, no centro da capital paulista, quando um incêndio atingiu o local. A família alega que Lorena foi abandonada inconsciente durante um certo período de tempo após a clínica pegar fogo e acabou morrendo devido à inalação de fumaça. O caso ainda está sob investigação.
Depoimentos
Na abertura da reunião, a cientista social Carolina Iara fez um longo depoimento relembrando o caso, denunciando a situação precária e de violência vivida por mulheres trans e travestis que buscam realizar procedimentos cirúrgicos ou reparadores.
Na sequência, foi ouvida Rosa Alencar, diretora do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP Santa Cruz, vinculado ao Governo do Estado. Ela esteve acompanhada de Ricardo Barbosa Martins, também diretor do órgão.
Durante a oitiva, Rosa apresentou um resumo da estrutura de acolhimento/atendimento e das políticas públicas estaduais voltadas à população LGBTQIA+ no âmbito do SUS (Sistema Único de Saúde).
Especificamente sobre os equipamentos públicos existentes na cidade de São Paulo, ela informou que a capital paulista tem hoje 40 serviços ambulatoriais e um hospital sob gestão municipal especializado em cirúrgicos para pessoas trans e travestis. Além disso, há no município outros sete hospitais sob gestão estadual que também realizam esses tipos de procedimentos cirúrgicos, fora outras seis unidades hospitalares instaladas em municípios da Grande SP.
Apesar da infraestrutura existente, Rosa ponderou que ainda há melhorias a serem implementadas no acolhimento e atendimento de pessoas trans e travestis. “É necessário a gente ampliar o tipo de cirurgia oferecida. Essa é uma questão que a gente tem trabalhado”, ponderou a diretora do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP Santa Cruz.
Outros assuntos tratados no depoimento foram os fluxos de acolhimento e atendimento especializado, avaliações e tratamento de complicações por silicone industrial, o Plano Estadual de Saúde de 2020/2023 e as ações previstas no documento para as pessoas trans e travestis, iniciativas em andamento e desafios para a implementação e ao acesso às políticas públicas voltadas a essa população.
O terceiro ouvido na reunião desta sexta-feira foi o cirurgião plástico Thiago Marra, médico da travesti Luisa Marilac, que recentemente denunciou ter sofrido discriminação ao buscar atendimento no Hospital Santa Rita, na Vila Mariana. Segundo a denúncia, ela foi tratada no masculino enquanto aguardava atendimento e impedida, durante 12 horas, de ser internada no local para tratar de um seroma – acúmulo de líquido abaixo da pele – decorrente de uma cirurgia para a troca de próteses mamárias.
Durante seu depoimento, Marra informou que havia atendido Luisa em outras ocasiões e a orientou a procurar o Hospital Santa Rita por fazer parte do corpo clínico da unidade. Ele também detalhou o episódio. “Eles negaram a internação da paciente. A paciente em um pronto atendimento com seroma, com a frequência cardíaca aumentada, com um médico cadastrado no hospital para poder operar a paciente e eles recusaram internar a paciente porque falaram que ela não tinha operado no hospital. O que também não é nenhum argumento para isso, é mais grave ainda”, denunciou. “Existe um incômodo com pacientes trans”, acrescentou o cirurgião plástico.
Por fim, foi realizada oitiva com Greice Aparecida Chetta de Klerk, diretora técnica do Hospital Municipal Mário Degni, referência em procedimentos cirúrgicos focados em pessoas transmasculinas. Em linhas gerais, o depoimento tratou de sua atuação na área, das políticas públicas existentes e dos problemas estruturais para o atendimento desse público.
Requerimentos
Vários requerimentos foram aprovados na reunião desta sexta-feira. Um deles convida diferentes testemunhas a prestarem esclarecimentos à Comissão. Outro intima Paulino de Souza, responsável pela clínica de cirurgias plásticas para mulheres trans e travestis envolvida no caso de Lorena Muniz, a prestar depoimento à Comissão – ele havia sido convidado a participar da reunião desta sexta-feira, mas não compareceu. Também há pedidos de informações, convites para esclarecimentos e compartilhamentos de documentos, além da intimação dos responsáveis do Hospital Santa Rita..
CPI da Violência Contra Trans e Travestis
A reunião desta sexta-feira foi conduzida pela presidente da CPI, vereadora Erika Hilton (PSOL). Também participaram o vice-presidente, vereador Eduardo Suplicy (PT), a relatora dos trabalhos, vereadora Cris Monteiro (NOVO), além dos vereadores Elaine do Quilombo Periférico (PSOL), Juliana Cardoso (PT), Silvia da Bancada Feminista (PSOL) e Xexéu Tripoli (PSDB). A íntegra da reunião pode ser conferida abaixo: